Apostila 1 estudos faunísticos thomaz lipparelli

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Cursos e Treinamen ntos na Área Ambienta;l Coordenador Técnico o Thomaz Lipparelli FICHA TÉCNICA Autor Thomaz Lipparelli Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Curso de Levantamen nto e Monitoramento de Fauna para Conssultores e Gestores Ambientais, Brasil. Lipparelli, T. LP AMBIENTAL IENTAL Projetos e Consultoria - Brasil, Março de 2016. 2a Edição. 1. Levantamento de Fauna. F 2. Monitoramento de Fauna. ISBN CDD


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ÍNDICE 1. Busca de qualidade nos estudos faunísticos..................4 2. Conceitos...........................................................................15 3. Licenciamento ambiental.................................................37 4. Estudos ambientais..........................................................45 5. Planejamento e elaboração de um estudo ambiental...55 6. Estudo de base e diagnóstico ambiental.......................65 7. Plano de gestão................................................................77 8. Custos dos estudos e do processo de avaliação de impactos ambientais...................................................81


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CAPÍTULO 1 BUSCA DE QUALIDADE NOS ESTUDOS FAUNÍSTICOS


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Acesso aos componentes da diversidade As diferentes técnicas atualmente utilizadas para se inventariar a fauna são a forma mais direta para se acessar parte dos componentes da diversidade animal em um bioma ou localidade, em um determinado espaço e tempo. Entretanto, é fundamental que se entenda que os componentes dessa diversidade jamais serão amostrados de forma completa. Afinal, a essência do termo amostragem é a obtenção de uma parte que represente, de forma adequada, a totalidade do objeto de estudo. Os resultados de qualquer amostragem constituem-se no somatório da(s) técnica(s) utilizada(s), da habilidade de quem conduz o inventário em detectar os organismos no espaço amostral e do componente temporal, expresso tanto em razão das horas gastas em campo quanto da própria composição histórica da fauna, que, naturalmente, vai variar entre as localidades. Essa “fotografia” de uma determinada localidade possui implicações importantíssimas e que serão discutidas neste curso.

Detectando e descrevendo os componentes da diversidade Detectar e descrever a fauna de uma determinada região, e interpretar os dados obtidos em campo, não se constitui em tarefa fácil, mesmo em grupos pouco diversificados. A elaboração de uma lista de qualquer táxon de vertebrados ou invertebrados não é uma tarefa trivial e envolve, além da utilização de técnicas específicas e eficientes para amostrar um determinado grupo, um conhecimento razoável sobre sua sistemática, taxonomia, ecologia e história natural em geral. A formação de um pesquisador apto a lidar com a megadiversidade brasileira (para números e uma visão crítica de

cada grupo, consulte Megadiversidade, n.1, Conservação Internacional, 2005) demanda mais tempo do que o possível dentro dos cursos de Biologia, sendo necessária a formação complementar em cursos de pós-graduação. Além disso, a alta taxa de descoberta de novas espécies, mesmo em grupos considerados como bem conhecidos, como primatas e aves, e a adoção de conceitos de espécie que refletem melhor a nossa diversidade (Aleixo, 2007; Silveira & Olmos, 2007) e que, consequentemente, refinam o nosso conhecimento sobre os táxons que ocorrem em um determinado espaço fazem que os pesquisadores dedicados a realizar inventários de fauna tenham que se manter constantemente atualizados para que erros de identificação e de distribuição dos táxons não sejam cometidos.

Recursos humanos: habilitação e competência Esbarramos aí em um dos primeiros problemas a serem discutidos – quem possui habilitação e competência para elaborar estes estudos? Atualmente, profissionais de diferentes áreas do conhecimento têm se aventurado a realizar inventários de fauna para empresas de consultoria que elaboram estudos de impactos ambientais, com resultados diversos. Embora muitas vezes ligados às ciências naturais, eventualmente podemos ser surpreendidos ao ler relatórios em que os inventários foram conduzidos por profissionais de outras áreas, como Engenharia ou até mesmo das Ciências Humanas, todos em busca de uma fatia no rentável mercado das consultorias ambientais. Habilitação e competência são termos distintos e freqüentemente mal utilizados e confundidos. Por definição, apenas o biólogo é o profissional que recebeu durante a sua formação na graduação


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todo o conhecimento básico e necessário para reconhecer e lidar com a biodiversidade. Isso não quer dizer que o mesmo biólogo seja competente para realizar inventários de qualquer grupo de forma correta. Essa competência vai sendo adquirida por meio da sua formação complementar, que pode advir de cursos e estágios realizados durante a sua graduação ou mesmo de uma desejável pós-graduação stricto sensu na sua área de especialidade. Assim este profissional estará capacitado para esta tarefa. A utilização de profissionais devidamente habilitados e competentes para conduzir um inventário de fauna é um ponto fundamental, e freqüentemente ignorado, para que as listas sejam produzidas de forma a gerar conhecimento útil e norteador de decisões políticas bem fundamentadas sobre como vamos lidar com os impactos no nosso meio ambiente. Dessa forma, o primeiro ponto a ser abordado na elaboração de listas de fauna não é a própria elaboração da lista propriamente dita (per se), mas a seleção de recursos humanos devidamente habilitados e competentes para tal tarefa. Entretanto, a situação corrente ainda está longe da ideal, e uma parte significativa das centenas de empresas de consultoria ambiental prima mais por selecionar os seus consultores em razão do preço cobrado do que por suas credenciais acadêmicas e experiências em conduzir inventários de fauna que gerem dados de qualidade e que possam substanciar corretamente as decisões dos órgãos licenciadores.

Pesquisador de campo Pesquisadores de campo, via de regra, possuem diferentes acuidades e habilidades. Logicamente, isso pode provocar diferenças na detecção da fauna. A visita à coleções zoológicas em museus, o treinamento em campo, o

conhecimento da literatura técnica científica, a participação em eventos científicos e a discussão com profissionais mais experientes devem fazer parte da formação de um pesquisador de campo. O pesquisador de campo deve ser capaz de identificar as espécies, sexos e idade. Um problema comum entre os iniciantes, e até mesmo com os experientes, é a identificação de indivíduos jovens/subadultos, já que diferentes espécies podem apresentar pequenas e sutis diferenças nessa faixa etária. Algumas espécies de aves, por exemplo, possuem pelo menos três tipos de plumagem e ainda podem apresentar formas melânicas. Além das características das espécies é fundamental a familiaridade com os métodos (incluindo equipamentos) e o habitat onde será conduzido o estudo. De nada adianta, se uma pessoa é extremamente habilidosa com um tipo de método e ineficiente com o outro, um grupo de espécies ou determinado habitat será sub-amostrado. Confusões geradas pelo uso de equipamento e procedimentos na coleta de informações não geram somente ineficiência, como também erros nas medidas e tabulações, ou seja, dados não aproveitados. Uma pessoa sem capacidade pode gerar erros grotescos e ainda perder informações essenciais (e às vezes raras) que podem mudar a conclusão de um trabalho.

Uso e Seleção de Habitat Em todos os grupos de animais, as espécies não estão distribuídas de maneira uniforme nos diferentes habitats que compõem a paisagem terrestre ou aquática. Muitos estudos vêm demonstrando que espécies "escolhem" ou "preferem" um determinado ambiente baseado nas características da relação espécie/habitat.


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A partir da segunda metade do século XX, os estudos de uso e seleção de habitat passaram a ser uma das principais prioridades dos ecólogos, pois além de entender quais eram as variáveis determinantes e como ocorria a "escolha" dos habitats naturais, era também necessário, dar atenção e entender os "novos habitats" - originários das alterações provocadas em larga escala pelo homem nos ambientes naturais. Em planos de manejo de espécies com problema de conservação o uso e seleção de habitat é elemento básico e essencial. Os conceitos de "uso de habitat" e "seleção de habitat" muitas vezes não são bem definidos ou se confundem no lado empírico ou da semântica. Sugerimos adotamos neste curso, o uso de habitat como: o uso de um determinado habitat (utilização) por uma espécie em um determinado tempo. Enquanto para a seleção de habitat seguimos o conceito adotado por Tapia et al. (2007) que descreve como: um processo hierárquico envolvendo uma série de respostas inatas e/ou aprendidas que levam as espécies a utilizar, ou mesmo evitar, os habitats de maneira desproporcional do que aquelas disponíveis na natureza. Dentro desta ótica, os estudos de uso de habitat devem considerar o simples fato da espécie estar presente em um determinado habitat. Por outro lado, a seleção de habitat obrigatoriamente tem que considerar o número de registro em cada um dos habitats em função da disponibilidade destes, ou seja, sem a quantificação da oferta dos habitats não há estudo de seleção. É importante lembrarmos que a seleção de habitat por uma espécie é resultante da ecologia, comportamento, fisiologia ou da interação desses fatores. Seleção de habitat: considerações para análise O primeiro fator a considerar é o habitat, o pesquisador de campo precisa ter claramente definido quais são as

variáveis que serão utilizadas para distinguir os habitats. No entanto, é essencial que as mesmas tenham sentido biológico/ecológico para a espécie e não para a percepção humana e, principalmente, sejam capazes de responder ao objetivo. Um número grande de várias pode ser medido em campo, entretanto, como o tempo de coleta e análise destas pode ser limitado, é imprescindível que a escolha seja baseada em uma ampla revisão da literatura, no conhecimento da espécie (ou grupo), na consulta a outros pesquisadores experientes e em um estudo piloto. Uma das variáveis mais utilizadas é a cobertura vegetal (ou uso e cobertura do solo), no entanto, caso o estudo pretenda verificar seleção de habitat para sítios reprodutivos, por exemplo, dados mais refinados como altura das árvores, estrutura do dossel e diâmetro do tronco são essenciais. Logo a escolha dos dados a serem coletados tem que ser baseada na interação entre o objetivo do estudo e o sentido biológico para a espécie. As amostragens para a seleção de habitat devem ser realizadas preferencialmente em estudos de longa duração, que cubra pelo menos um ciclo anual. As espécies, em geral, possuem comportamento diferente ao longo do ciclo anual e, conseqüentemente, utilizam os habitats de maneira diferenciada. Dados obtidos na estação reprodutiva, muitas das vezes vão representar apenas o território ou mesmo o território do ninho (ex. aves) que podem ser muito diferente da área de vida. Dessa forma, os resultados são influenciados tanto em uma escala temporal quanto em uma escala espacial. Caso não seja possível efetuar as amostragens ao longo do ciclo anual é fundamental mencionar em qual período o estudo foi feito. A partir do um método previamente determinado é possível obter a


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abundância por habitat. Além dos métodos de levantamentos que iremos apresentar para cada grupo neste curso, o uso de telemetria também é uma outra forma de verificar o número de registro por habitat. O segundo passo é quantificar a disponibilidade de habitats, que podem ser obtida por meio de mapas, imagens de satélite ou elaborada de acordo com as variáveis definidas pelo pesquisador. Cumprida estas etapas, a análise de seleção de habitat pode ser realizada. Uma ampla gama de testes e análises podem ser usada, como por exemplo, qui-quadrado, modelos lineares generalizados, regressão múltipla, análise de correlação canônica, intervalos de confiança, análise de componentes principais, análise de funções discriminante, entre outras. A escolha da análise depende do tipo de dado e da resposta a ser obtida.

Qualidade dos Estudos As listas de fauna são um componente fundamental na análise das solicitações de empreendimentos que pretendem causar uma miríade de impactos no meio ambiente, muitos deles de grande porte e irreversíveis. Dessa forma, quem faz e como uma determinada localidade a ser potencialmente impactada é “fotografada” são temas da maior importância e responsabilidade. E é justamente nesse ponto tão importante do processo que também percebemos uma série de falhas. Como dito antes, os resultados de um inventário de fauna, expressos em seus dados primários, serão o balizador da análise a ser feita pelos órgãos ambientais. Falhas na coleta desses dados, ou a sua obtenção de forma incompleta ou incongruente, podem levar a consequências desastrosas para as espécies, seus padrões e processos (ver artigo de Trajano neste dossiê) e para o meio ambiente.

A legislação ambiental brasileira é considerada uma das mais avançadas do planeta, embora a efetiva implementação de alguns dos seus pontos seja motivo de controvérsias. Ainda assim, alguns dos setores que mais degradam o meio ambiente tentam há anos propor alterações importantes segundo os interesses do momento (ver, por exemplo, as recentes propostas em relação ao código florestal – conforme artigo de Varjabedian deste dossiê), sob o manto de “modernizá-la” ou “atualizála”. Esse arcabouço legal dá as diretrizes gerais, mas ainda falha em questões mais específicas, sendo bastante genérico com relação aos inventários de fauna, por exemplo. Isso deixa uma janela aberta para que esses inventários sejam conduzidos de uma maneira muitas vezes pouco científica, deixando de lado vários aspectos importantes e que poderiam ampliar a utilidade dessas listas. Analisando, formal e informalmente, diversos relatórios de consultoria ambiental nos últimos anos, vimos que esses trabalhos pecam principalmente pela ausência de um desenho experimental eficiente, por problemas na escolha da metodologia, que pouco preza a documentação da presença das espécies e pelo tempo a ser gasto na amostragem em campo e nos museus. O que poderia, então, se constituir em um bom inventário de fauna? Essa questão, aparentemente simples, esconde uma série de propostas que necessariamente precisam ser adaptadas ao tamanho e impacto do empreendimento. A definição dos métodos e do período amostral geralmente é fornecida pelo órgão ambiental responsável pelo licenciamento. Entretanto, como observamos muitas vezes, os próprios analistas sugerem metodologias inadequadas, pouco eficientes ou baseadas em seus próprios preconceitos e idiossincrasias. Um bom exemplo disso é a negação de licença de


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coleta para determinados grupos animais ou a restrição do uso de armas de fogo, uma ferramenta essencial para a amostragem nas copas de árvores. Esta última ferramenta, por exemplo, se não utilizada, vai necessariamente subamostrar uma porção importante da diversidade de vertebrados cuja identificação é difícil em campo. As diferentes metodologias disponíveis e de uso consagrado para os inventários de fauna podem, e devem, ser adaptadas para cada situação. Uma pastagem degradada é menos complexa e mais simples, e deve ser amostrada de maneira distinta de um fragmento de floresta primária, onde a diversidade e o número de interações entre os seus componentes são exponencialmente maiores. Logo, a definição do método de amostragem da diversidade mais adequado e mais eficiente deve ser pensada em função do local a ser diretamente impactado e da sua área de entorno, que sofrerá com os impactos indiretos. Embora os diferentes métodos possam, e devam, ser adaptados para a realidade de cada localidade a ser inventariada, acreditamos que alguns princípios gerais necessitem ser observados. Além da seleção de profissionais habilitados e competentes para a realização dos levantamentos, infelizmente deixada a cargo das empresas diretamente interessadas na aprovação de determinado empreendimento e caracterizando um potencial conflito de interesses, é importante que os órgãos ambientais se preocupem com o desenho experimental a ser aplicado. Esse é um fator bastante negligenciado e é, paradoxalmente, um dos mais importantes para que um inventário de fauna seja realmente útil e permita que os analistas ambientais possam chegar a conclusões mais precisas. Entretanto, apesar da importância fundamental de um bom desenho experimental, o que se observa, em muitos casos, é a ausência de qualquer desenho experimental que

faça sentido. É freqüente a apresentação de listas de fauna obtidas sem que as transecções tenham sido objeto de réplicas ou sem áreas controle; não são apresentados índices de abundância para as espécies, médias e outros aspectos fundamentais de um inventário. Na maioria dos casos, nem mesmo uma simples curva de acumulação de espécies (também conhecida como curva do coletor) é apresentada, o que não permite sequer saber se o tempo gasto na amostragem foi suficiente para que a área possa ser considerada como razoavelmente bem conhecida, o que pode ser verificado pela observação da tendência da curva no gráfico. Surpreendentemente ou não, esses inventários, com falhas conceituais desde a sua concepção, são aqueles que embasam a decisão de suprimir ou impactar de uma forma importante uma determinada localidade.

Planejamento Várias são as razões para a realização de um levantamento, seja qualitativo ou quantitativo. Conhecer quais espécies ocorrem um determinado município, bioma ou habitat específico, são bons exemplos de levantamentos qualitativos. Estimar a abundância ou densidade de uma espécie em particular, realizar o monitoramento da dinâmica populacional e verificar o uso do habitat sempre passam por levantamentos quantitativos. Entretanto, antes de iniciar a descrição dos métodos (e suas implicações e limitações) é importante distinguirmos a diferença entre censo e levantamento quantitativo (ou estimativa populacional). Censo é a indivíduos de determinada relativamente nascimento,

contagem de todos os uma população em uma área, em um período curto onde não ocorra morte, imigração e


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emigração, como é o caso de mapeamento de ninhos ou territórios.

ser sintetizada de acordo com fluxograma apresentado na Figura 1.

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O planejamento, delineamento e a execução de um levantamento vão depender primeiramente do objetivo. O objetivo tem que ser claramente definido e o método utilizado deve ser capaz de responder a este. Além disso, as informações (variáveis) a serem coletadas têm que ser cuidadosamente definidas, caso contrário estas serão insuficientes para compor a análise e, por conseqüência, responder ao objetivo. Por outro lado, a tomada de informações adicionais sem planejamento e aplicação definida pode não acrescentar nada no estudo, e ter sido apenas uma perda de tempo ou mesmo dinheiro. Em trabalhos cuja finalidade seja, por exemplo, apenas verificar a presença/ausência de uma determinada espécie não faz sentido coletar informações por um longo período e considerar fatores como distância do ponto, ângulo, coordenada geográfica. Um bom planejamento tem que ter um objetivo claro e bem definido, considerar a logística, a duração, o custo e o processamento dos dados. A realização de um estudo piloto deve ser fortemente considerada, pois permite testar o planejamento e corrigir/mudar possíveis falhas e, em alguns casos, até constatar a inviabilidade do projeto proposto. Variáveis bióticas e bióticas podem fortemente afetar a coleta, análise e interpretações dos dados, geralmente conclusões errôneas, principalmente em estudos com altas variações e baixas taxas de detecção. Dessa maneira, é de suma importância diminuir ou eliminar as variações, ou seja, buscar a melhor padronização possível. A seqüência de atividades que devem ser executadas em um levantamento de fauna, para que seus resultados possam ser analisados de forma a se adequar às exigências dos estudos ambientais, pode

Figura 1 - Seqüência de atividades que devem ser executadas em um levantamento de fauna.

Órgão licenciador e o desenho experimental Evidentemente, essa é uma questão que já chamou a atenção de diversos pesquisadores, e só muito recentemente os órgãos licenciadores começaram a perceber a importância de um bom desenho experimental e de exigir a sua aplicação. Dessa forma, uma iniciativa recente, desenvolvida por Magnusson et al. (2005) e conhecida por Rapeld, consiste basicamente numa combinação de inventários rápidos (RAP, em inglês) com pesquisas ecológicas de longa duração (Peld, em português). Esse método, que combina inventários de diversidade rápidos e eficientes com a obtenção de dados que podem ser utilizados em pesquisas de longa duração, foi


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desenvolvido para ser utilizado na Amazônia, a um custo relativamente baixo. Embora ainda apresente diversos problemas na sua operacionalidade, e dificilmente sendo aplicável a outras áreas que não aquelas homogêneas, com grande extensão e preferencialmente pertencentes ao poder público (ou seja, na Amazônia), logo passível de muitos aperfeiçoamentos, é um passo para que os dados sejam obtidos de forma padronizada e uniforme, permitindo que os impactos sejam mais bem avaliados por meio de programas de monitoramento (ver a seguir). O Rapeld, com todos os seus problemas de aplicabilidade, tem o valor de abrir a discussão para que os desenhos experimentais com a finalidade de subsidiar estudos de impacto ambiental sejam discutidos na comunidade acadêmica e que sejam propostos aos diversos tipos de empreendimento e ambientes presentes no Brasil, cuja história e dinâmica são distintas daquelas observadas na Amazônia. Além do desenho experimental, outro aspecto importante a ser levado em consideração é a metodologia a ser utilizada. Essa precisa necessariamente ser eficiente, factível e capaz de gerar dados que respondam adequadamente ao problema proposto. De nada adianta um desenho experimental impecável, mas que exija uma metodologia impossível de ser aplicada ou que responda a diversas perguntas importantes do ponto de vista teórico, mas que não responda, basicamente, se determinado empreendimento é viável ambientalmente ou não. Outro ponto a ser considerado é a utilização de metodologias distintas, e cujo somatório agrega um maior número de espécies em um período reduzido de tempo. Apenas como exemplo, em inventários de aves é comum a utilização de métodos que se fiam apenas em observações (com o auxílio de binóculos ou não) e na identificação das aves por meio das suas vocalizações, muitas vezes sem

nenhuma preocupação em documentar os registros, resultando em um procedimento bastante pouco científico. Embora sejam dois métodos consagrados, algo eficientes e de baixíssimo custo, pois dependem apenas de um biólogo disposto a acordar cedo e caminhar, os seus resultados podem variar bastante. Desnecessário dizer que métodos que se utilizam apenas da busca ativa e cuja base é fundamentalmente a experiência pessoal já sejam, per se, cercados de vieses e com enorme potencial de influir de forma importante nos resultados finais. Basta uma ave não cantar no dia e horário em que o pesquisador está presente (algo muito comum fora da estação reprodutiva) ou que ela não se movimente muito, chamando a atenção do pesquisador, para que essa espécie não seja computada. A chance de detecção fica ainda menor caso as transecções não sejam utilizadas repetidas vezes, em dias distintos. Dessa forma, a utilização de métodos complementares de inventário, como as redes-de-neblina (método passivo) e armas de fogo, agrega um maior número de espécies, freqüentemente em uma unidade de tempo menor. Além disso, a utilização desses métodos documenta inequivocamente a presença de uma determinada espécie em uma área, e a prática da coleta científica, devidamente autorizada e realizada dentro das normas já previstas na legislação, não impacta de maneira importante as populações naturais. Mais ainda, um exemplar coletado traz consigo uma série de dados importantes não só para o inventário em questão, mas também para o conhecimento básico sobre sistemática, taxonomia, biogeografia e história natural (para uma discussão sobre o tema, ver Remsen, 19950, contribuindo de maneira decisiva para a conservação das espécies in situ e ex situ. A complementariedade das metodologias deve ser encarada de forma séria e visando não à comodidade do


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pesquisador, mas fundamentalmente à obtenção de dados de qualidade e que proporcionem tomadas de decisão bem embasadas. Outro aspecto ou ignorado ou realizado de forma incorreta está relacionado com a sazonalidade dos estudos e o tempo gasto na amostragem de cada área selecionada. De um modo geral, muitos inventários são conduzidos em apenas uma época do ano, em poucos dias, atendendo mais à necessidade do contratante do que à necessidade de obter dados confiáveis. Uma parcela significativa da diversidade de animais brasileiros responde positivamente às variações sazonais, e esse aspecto deve ser adequadamente contemplado nos inventários. Várias áreas no Brasil servem de ponto de repouso para espécies migratórias, por definição altamente sazonais. Inventários conduzidos em apenas uma época do ano podem deixar de fora essas espécies, que dependem dessas áreas de repouso para sobrevivência e para acumular gordura para enfrentarem o caminho de volta aos seus locais de reprodução. O período de amostragem em campo também deve ser suficiente para que determinado grupo de fauna seja bem amostrado, e essa definição deve partir dos órgãos ambientais, e não o contrário. Os inventários, como já dito, são um dos pilares que embasam a tomada de decisões a respeito de empreendimentos que vão impactar o meio ambiente. Raros são os empreendimentos que não são autorizados, a despeito do seu impacto. Desconhecem-se ainda os efeitos sinergéticos de pequenos impactos, que vão se somando no decorrer do tempo (ver artigo de Trajano neste dossiê). Dessa forma, outro aspecto importante que decorre desses inventários são os programas de monitoramento. Esses devem ser conduzidos por um período longo,

preferencialmente três anos ou mais, para que possa ser verificado se determinado impacto alterou de forma importante as comunidades animais. Inventários não são programas de monitoramento. Mas, se feitos de maneira padronizada, com uma coleta de dados inteligível e organizada, tornam-se pontos de partida fundamentais para que os programas de monitoramento tenham sucesso. Os programas de monitoramento, atualmente, são a ferramenta mais poderosa para avaliar os impactos nas populações naturais, e a existência e continuidade desses programas devem ser incentivadas e os seus custos já devem ser incorporados aos empreendimentos. Ressaltamos aqui a importância de inventários bem conduzidos, sugerindo uma discussão mais aprofundada sobre protocolos gerais e padronização dos métodos, levando-se em conta as particularidades de cada grupo. Os inventários realizados hoje em dia, em sua maioria, não são comparáveis entre si e dificilmente se prestam para responder a perguntas mais amplas, especialmente aquelas relacionadas com a sinergia causada por diversos impactos em áreas próximas entre si e que só poderão ser percebidos tardiamente. As diferenças de método e a ausência de protocolos gerais, testados cientificamente e factíveis, podem simplificar realidades complexas, levando a tomadas de decisões equivocadas e que só serão percebidas quando não será mais possível sanar ou mitigar determinados impactos, cujas conseqüências são imprevisíveis e muito custosas para a sociedade.

Marco legal A Instrução Normativa no 146 de 10 de janeiro de 2007 do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) em seus artigos 4o e 5o fornecem, de forma bastante clara, diretrizes para a execução do


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levantamento de fauna em estudos ambientais, definindo as informações mínimas que tais estudos devem conter (Brasil, 2007): O Artigo 4o da Instrução Normativa no 146 determina, dentre outros critérios, que o Levantamento de Fauna deverá conter: I – lista de espécies da fauna descritas para a localidade ou região, baseada em dados secundários, inclusive com indicação de espécies constantes em listas oficiais de fauna ameaçada com distribuição potencial na área do empreendimento, independentemente do grupo animal a que pertencem. Na ausência desses dados para a região deverão ser consideradas as espécies descritas para o ecossistema ou macro região; II – descrição detalhada da metodologia a ser utilizada no registro de dados primários, que deverá contemplar os grupos de importância para a saúde pública regional, cada uma das Classes de vertebrados, e Classes de invertebrados pertinentes. Em caso de ocorrência, no local do empreendimento, de focos epidemiológicos, fauna potencialmente invasora, inclusive doméstica, ou outras espécies oficialmente reconhecidas como ameaçadas de extinção, o IBAMA poderá ampliar as exigências de fora a contemplá-las; III – a metodologia deverá incluir o esforço amostral para cada grupo em cada fitofisionomia, contemplando a sazonalidade para cada área amostrada. O Artigo 5o da mesma Instrução Normativa determina que, como resultados do Levantamento de Fauna em áreas de empreendimentos, deverão ser apresentadas as seguintes informações: I – lista de espécies encontradas, indicando a forma de registro e habitat,

destacando as espécies ameaçadas de extinção, as endêmicas, as consideradas raras, as não descritas previamente para a área estudada ou pela ciência, as passíveis de serem utilizadas como indicadoras de qualidade ambiental, as de importância econômica e cinegética, as potencialmente invasoras ou de risco epidemiológico, inclusive domésticas, e as migratórias e suas rotas; II – caracterização do ambiente encontrado na área de influência do empreendimento, com descrição dos tipos de habitats encontrados (incluindo áreas antropizadas como pastagens, plantações e outras áreas manejadas). Os tipos de habitats deverão ser mapeados, com indicação de seus tamanhos em termos percentuais e absolutos, além de indicar os pontos amostrados para cada grupo taxonômico; III – esforço e eficiência amostral, parâmetros de riqueza e abundância de espécies, índice de diversidade e demais análises estatísticas pertinentes, por fitofisionomia e grupo inventariado, contemplando a sazonalidade em cada área amostrada; IV – anexo digital com lista dos dados brutos dos registros de todos os espécimes – forma de registro, local georreferenciado, hábitat e data; V – estabilização da curva do coletor; VI – detalhamento da captura, tipo de marcação, triagem e dos demais procedimentos a serem adotados para os exemplares capturados ou coletados (vivos ou mortos), informando o tipo de identificação individual, registro e biometria. Outra consideração que deve ser observada em um levantamento da fauna silvestre refere-se à sua representatividade. Os locais de amostragem devem representar os diferentes habitats e condições


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ambientais que ocorrem na área de estudo. Para isso, a estratégia de amostragem deve considerar a utilização de mapas dos tipos fisionômicos de vegetação existentes e de imagens de satélites que permitirão o reconhecimento dos habitats existentes em nível de paisagem, bem como de redes de drenagens e áreas antrópicas. A estratégia de amostragem deve também obedecer a critérios de aleatorização, replicação e estratificação. Também devem ser observados cuidadosamente aspectos relacionados à viabilidade e exeqüibilidade da realização do levantamento. Portanto, os locais de estudo devem ser acessíveis para a realização do levantamento e os métodos de coleta devem estar em concordância com os recursos econômicos e com a infra-estrutura de apoio disponíveis para a sua execução. Deve-se ter uma definição clara do número de campanhas de campo necessárias à coleta de dados consistentes sobre o grupo animal estudado; como, onde e com quais equipamentos tais campanhas serão realizadas; número e função dos componentes da equipe de campo e tempo de duração de cada campanha, contando sempre com os imprevistos que comumente acontecem durante o levantamento. É importante ressaltar que, uma vez definida a área de estudo, uma das primeiras variáveis que se deve considerar é o padrão climático da área, em especial a pluviosidade e a temperatura. O padrão climático da área de estudo interfere significativamente no desenvolvimento dos trabalhos de levantamento não só no aspecto que se refere à possibilidade de detecção das espécies na área de estudo, como também na possibilidade de execução dos trabalhos de levantamento. Por exemplo, em muitas regiões na época das chuvas, as estradas tornam-se

intransitáveis e os próprios locais de amostragem podem ser invadidos pelas águas, inviabilizando todo o trabalho de amostragem.

Considerações finais O sucesso de um trabalho depende fortemente do planejamento e delineamento. Um bom planejamento tem que ter um objetivo claro e bem definido, considerar a logística, a duração, o custo do projeto e o processamento dos dados. Sempre que possível é altamente recomendável submeter o esboço de delineamento a um bioestatístico para avaliação. Sugerimos ainda que a realização de um estudo piloto, mesmo de curta duração deva fazer parte do planejamento, pois permite corrigir/mudar possíveis falhas e, em alguns casos, até constatar a inviabilidade do estudo proposto. Em alguns casos, é necessário utilizar mais de um método para se ter resultados satisfatórios e/ ou complementares. É bom ter em mente que não existe um método perfeito, mas sim o mais adequado. Adicionalmente, recomendamos cautela ao se "importar" um método (ou particularidade deste) de uma região para outra e seguir este fielmente, pois características intrínsecas podem fazer que este não seja tão eficaz na nova região. Por fim, encorajamos a realização de estudos comparando métodos que envolvam grupos particulares, fato escasso nos estudos ambientais.


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CAPÍTULO 2 CONCEITOS


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Introdução Os diferentes ramos das ciências desenvolveram terminologias próprias. Quando nos referimos à "Gestão Ambiental", muitas são as interpretações, pois utilizamos vários termos do vocabulário comum. Palavras como "ambiente", "meio ambiente", por exemplo faz parte do jargão dos profissionais deste ramos da ciência, não foram criadas com objetivo de expressar algo preciso. Por isso, é preciso estabelecer com maior clareza, o que se entende por expressões como "degradação ambiental", ou mesmo "impacto ambiental". Nesta fase introdutória de nosso curso, serão apresentadas algumas definições de vários termos correntes nos estudos ambientais no contexto da consultoria ambiental e do licenciamento ambiental. Ambiente O conceito de "ambiente" permite múltiplas acepções. Quando se diz que um projeto é inviável ambientalmente, o que se entende por ambiente? Quando optamos por um produto porque causa menor impacto ambiental, de que ambiente estamos tratando? Quando avaliamos que um empreendimento não apresenta risco ambiental, referimos a qual ambiente? No campo do planejamento, do direito ambiental e da gestão ambiental, o conceito de "ambiente" é amplo e multifacetado, pode ser reduzido ou ampliado de acordo com as necessidades do analista ou interesses dos envolvidos. Sem qualquer pretensão e tentativa de definição do termo, conceituar "ambiente", esta longe de ter relevância acadêmica ou teórica. Seu entendimento amplo ou restrito, determina o alcance das políticas públicas, por exemplo. No campo do licenciamento ambiental, define a abrangência dos estudos

ambientais, das medidas mitigadoras ou compensatórias e dos planos de monitoramento, por exemplo. Assim, a interpretação legal do conceito de "ambiente" é determinante na definição dos instrumentos de gestão ambiental. Em diversas jurisdições, os estudos de impacto ambiental não são, na prática limitados às perturbações físicas e ecológicas dos projetos de desenvolvimento, mas incluem outros parâmetros de análise nos planos econômicos, social e cultural. Isto nos remete a pensar que as perturbações de um projeto pode ir além das conseqüências ecológicas. Como exemplo clássico, as barragens hidroelétricas afetam os movimentos migratórios dos peixes, que poderá causar uma redução nos estoques de certas espécies consumidas por populações humanas locais. Isto trará reflexos para as comunidades humanas locais, seu modo de vida e renda. Estes impactos sociais e econômicos não devem ser desconsiderados em um estudo ambiental dessa barragem. Podemos avaliar também a perda de áreas agrícolas pela inundação, que afetarão os agricultores e suas famílias. O impacto hipotético de uma barragem pode afetar os traços culturais de uma população, seja alterando o próprio local onde nasceram os habitantes e foram enterrados seus antepassados. Estes são exemplos de impactos sobre a cultura popular, que no nosso entendimento deve ser considerado sobre os impactos ambientais. Definições legais muitas vezes acabam redundantes ou, então, incompleta, trazendo muitas vezes insegurança jurídica. O caráter múltiplo do conceito de ambiente não só permite diferentes interpretações, como se reflete em uma variedade de termos correlatos, oriundos de disciplinas distintas e que relatam um momento histórico.


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O desenvolvimento da ciência levou a um conhecimento cada vez mais profundo da natureza, mas também dos profissionais oriundo das universidades. Assim, o campo de trabalho do consultor ambiental e do gestor ambiental requer equipes multidisciplinares. As contribuições especializadas aos estudos ambientais costumar ser divididos em três grandes grupos, referidos como meio físico, meio biótico e meio antrópico,, cada um com um conjunto de disciplinas afins. A Figura 1 traz uma síntese das diferentes acepções do ambiente e de termos descritivos de diferentes elementos, compartimentos ou funções.

renovar as formas materiais e sociais do desenvolvimento"(Godard, 1980). O termo "recurso natural" tão usual até a metade do século XX, acabou criando disciplinas especializadas como Economia dos Recursos Naturais e Geografia dos Recursos Naturais. Por muitas décadas, estaca implícito uma concepção de "natureza" como fornecedora de bens. No entanto, a sobreexplotação dos "recursos naturais" desencadeia diversos processos de degradação ambiental, afetando a própria capacidade da natureza de prover os serviços e funções essenciais à vida. Para They (1993) as classificações, tipologias e definições de "ambiente", nos permite agrupá-las las em três maneiras: uma concepção objetiva, uma subjetiva e outra como tecnocêntrica. Na concepção objetiva, objetiva ambiente é assimilado à idéia de natureza e pode ser descrito como: "uma uma coleção de objetos naturais em diferentes escalas (do pontual ual ao global) e níveis de organização (do organismo à biosfera), e as relações entre eles (ciclos, fluxos, redes, cadeias tróficas)." tróficas). Tal concepção pode ser definida como BIOCÊNTRICA, uma vez nenhuma espécie é mais importante do que a outra e a própria natureza.

Figura 1 - Abrangência do conceito de ambiente e termos correlatos usados em diferentes disciplinas.

O conceito de "ambiente" oscila entre dois extremos: "ambiente" como fornecedor de recursos e "ambiente" como meio de vida. Assim, "ambiente" "ambient não se define "somente como um meio a defender, a proteger ou mesmo a conservar intacto, mas também como potencial de recursos que permite

A concepção subjetiva conceitua o "ambiente" como "um sistema de relações entre o homem e o meio, entre "sujeitos" e "objetos". Essas relações entre os sujeitos ( indivíduos, grupos, sociedades) e os objetos (fauna, flora, água, ar, etc.) que constituem con o "ambiente" implicam relações entre esses "sujeitos" a respeito das regras de apropriação dos objetos do ambiente, transformando-os os em objetos de conflito, e o "ambiente" em um campo de conflito. Esta concepção "antropocêntrica" pode ser fragmentada, ada, na medida que "cada indivíduos, cada grupo social, cada sociedade seleciona, entre os elementos do meio e entre os tipos de relações,


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aquelas que lhe importam. Conflitos entre "desenvolvimentistas" ou "produtivistas" e "ambientalistas" podem ser facilmente facil vistos e interpretados por esse ângulo. Na concepção tecnocêntrica a extensão do "natural" do planeta se modifica conforme a humanidade expande sem cessar suas atividades e interfere de modo crescente na natureza. A relação das sociedades com seu ambiente biente é medida pelo emprego de técnicas cada vez mais sofisticadas, a ponto de diluir muitas vezes a própria noção de ambiente como um elemento distante ou virtual. Na prática, a sociedade moderna não tem outra opção a não ser gerir o meio ambiente, ou seja, se ordenar e reordenar constantemente a relação entre a sociedade e o mundo natural. Este é o grande desafio do consultor e do gestor ambiental. Buscar entender o ambiente sob múltiplas acepções: não somente como uma coleção de objetos e de relações entre re eles, nem como algo externo a um sistema (a empresa, a cidade, a região, o projeto) e com o qual esse sistema interage, mas também com o conjunto de condições e limites que devem ser conhecido, mapeado, interpretado e definido coletivamente, dentro do qual ual a sociedade evolui.

uma definição suficientemente ampla para abranger todos os casos de prejuízo à saúde, à segurança, ao bem-estar bem das populações, às atividades sociais e econômicas, à biosfera e às condições estéticas ou sanitárias do meio. A "degradação" refere-se refere a qualquer estado de alteração de um ambiente e a qualquer tipo de ambiente. O ambiente construído degrada-se, se, assim como os espaços naturais. Tanto o patrimônio natural como o cultural cult podem ser degradados, descaracterizados e até destruídos.Vários destes termos descritivos são utilizados para caracterizar impactos ambientais. Assim como a poluição se manifesta a partir de certo patamar, também a degradação pode ser percebida em diferentes dif graus. O grau de perturbação pode ser tal que um ambiente se recupere espontaneamente; mas, a partir de certo nível de degradação, a recuperação espontânea pode ser comprometida, até mesmo ser impossível ou somente se dar a prazo muito longo, desde desd que a fonte perturbadora possa ser retirada ou reduzida. A Figura 2 mostra de maneira esquemática o conceito de degradação ambiental e os objetivos das ações de recuperação ambiental.

Degradação Ambiental Este termo tem uma conotação extremamente negativa, cujo agente causador de degradação ambiental é sempre o ser humano. Para Johnson et al (1997) "processos naturais não degradam ambiente, apenas causam mudanças". as". O termo "degradação" é muitas vezes associado à idéia de perda de qualidade. Degradação ambiental seria, assim, uma perda ou deterioração da qualidade ambiental. A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente define "degradação ambiental" como "alteração adversa das características do meio ambiente"( art. 3o, inciso II). Trata-se Trata de

Figura 2 - Conceitos de degradação e recuperação ambiental e sua re relação com a sustentabilidade.


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Resiliência A capacidade de um sistema natural se recuperar de uma perturbação imposta por um agente externo (ação humana ou processo natural) é denominado "resiliência". Westman (1978) conceituou resiliência como "o grau, maneira e ritmo de restauração da estrutura e função iniciais de um ecossistema após uma perturbação". Para Holling (1973) dá um entendimento distinto: "a capacidade de um sistema de absorver mudanças (...) e ainda assim persistir". Para este autor, resiliência é diferente de estabilidade, entendida como "a capacidade de um sistema retornar a um estado de equilíbrio depois de uma perturbação temporária. O relatório The Limits to Growth, elaborado por Meadowns et al. (1972), causou muita polêmica ao apontar as conseqüências do crescimento da população em um mundo de recursos limitados. Trinta e sete anos depois, cientistas identificaram e quantificaram os limites postos pelos subsistemas ou processos biofísicos do planeta, com o objetivo de definir um “espaço operacional seguro” para a humanidade. Ultrapassá-los, alertaram os cientistas, irá ocasionar mudanças ambientais irreversíveis, com conseqüências desastrosas ao próprio homem. Dos nove processos identificados (mudança climática, perda de biodiversidade, interferências nos ciclos de nitrogênio e fósforo, destruição da camada de ozônio, acidificação dos oceanos, uso global da água doce, mudança no uso do solo, poluição química e emissões atmosféricas de aerossóis), três já teriam seus limites extrapolados: interferência no ciclo do nitrogênio, mudança climática e perda da biodiversidade. Os críticos defendiam que os limites seriam automaticamente evitados pela dinâmica do mercado, mas chegaram à visão mais realista de que o mercado não

será capaz de evitá-los, na ausência de regulação política para corrigir as falhas que levaram à trajetória da insustentabilidade e impor regras de uso do capital natural que permitam sua autoregulação, regeneração e reprodução (Stiglitz, 2006). A simples sobrevivência do modelo de limites mostra que seus autores foram capazes de prever uma tendência, que a maioria descartava no passado e agora foram forçados a admitir pelos fatos e pela acumulação de evidências, apresentadas pelos mais variados campos da ciência. Outra teoria, quanto aos limites da sustentabilidade, foi formulada por Arrow et al. (1995) da seguinte forma: “A base ambiental de recursos, da qual a atividade econômica depende em última instância de sistemas ecológicos, produz uma ampla variedade de serviços. Essa base de recursos é esgotável. Mais ainda, o uso inconseqüente da base ambiental de recursos pode reduzir irreversivelmente a capacidade de gerar a economia no futuro. Tudo isso implica em que há limites para a capacidade de sustentação do planeta”. Desta teoria surge uma nova abordagem da economia: a resiliência do ecossistema, ou seja, certa capacidade do ecossistema de se auto-regenerar das agressões sofridas, especificamente, pelo sistema econômico. Sabemos que a perda da biodiversidade sempre foi tratada no contexto das extinções das espécies e conseqüentes perdas de material genético. Recentemente as pesquisas estão voltadas na tentativa de se conhecer o papel da biodiversidade na manutenção da estabilidade dos ecossistemas; ou seja, de se conhecer as funções que a biodiversidade desempenha na geração de serviços ecológicos fundamentais – notadamente as associadas à preservação da resiliência de ecossistemas.


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Para Hollinget al. (1995), a ecologia tem duas concepções de resiliência. Uma delas é adotada pela ecologia de ecossistemas, que considera a resiliência em termos de resistência de um ecossistema a distúrbios e da velocidade do retorno deste à posição de equilíbrio, uma vez eliminados tais distúrbios. Os distúrbios provocariam deslocamentos nas imediações de um equilíbrio globalmente estável. A outra concepção – a da ecologia de comunidades – considera a dinâmica ecossistêmica em situação de múltiplos equilíbrios locais. Nesta concepção, resiliência é o montante de distúrbio que pode ser absorvido pelo ecossistema antes que ocorra mudança fundamental na sua estrutura de controles, provocando o deslocamento de uma dada situação de equilíbrio local a outra. Se o principal problema da redução da biodiversidade for a perda de informação genética, suas conseqüências serão mais globais do que locais. Contudo, se a queda da resiliência revelar-se mais importante, as conseqüências estarão mais diretamente relacionadas à debilidade de um determinado ecossistema, sendo, portanto, mais locais do que globais. Entretanto, esta resiliência tem limites. Uma agressão muito forte pode produzir mudanças drásticas no meio ambiente, afetando sua resiliência. Por sua vez, o comprometimento da resiliência do meio ambiente pode provocar situações irreversíveis, com efeitos dramáticos sobre o próprio funcionamento do sistema econômico. A necessidade dessa mudança de foco da economia ambiental - da perda de informação genética para a perda de resiliência - é o principal alerta de Perrings et al. (1995) contida no livro Biodiversity Loss: Economic and Ecological Issues. Os autores enfatizam a idéia de que a dinâmica dos sistemas econômicos não é independente da

dinâmica dos sistemas ecológicos nos quais os primeiros estão embutidos. Argumentam que o crescimento econômico engendra uma dinâmica conjunta cada vez mais descontínua dos dois sistemas, que não pode ser captada pelas atuais teorias econômicas e biológicas. Daí a importância que atribuem às fronteiras do conhecimento que começam a ser exploradas pelas teorias da complexidade, basicamente a teoria do caos e a das estruturas dissipativas. Uma forma de pensar a resiliência é focalizar na dinâmica do ecossistema onde há múltiplos (localmente) equilíbrios estáveis. Resiliência, nesse sentido, é a medida da magnitude das perturbações que podem ser absorvidas antes que um sistema centrado em um equilíbrio localmente estável mude para outro. Atividades econômicas seriam sustentáveis somente se os ecossistemas que sustentam a vida nos quais elas dependem forem resilientes. Todos os organismos são dotados de certa resiliência, o que os garantem a capacidade de recuperar-se prontamente de doenças ou das adversidades do ambiente. As populações naturais em geral, como sistemas abertos, apresentam certa capacidade de enfrentar e superar certas perturbações ambientais externas, causadas pelo homem ou não, sem que desapareça seu potencial de autoregulação. Em um ecossistema, há a reposição natural de elementos danificados, desgastados ou “consumidos”; isso ocorre por meio do mecanismo da reprodução. Por sua vez, o número de elementos em cada categoria é controlado pela predação; esse mecanismo desempenha um papel fundamental no controle do ecossistema, evitando que uma dada categoria de elemento apresente crescimento explosivo, com o potencial de desestabilizar o ecossistema.


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A estrutura e a biomassa desses elementos também são afetadas por mudanças climáticas, por variações sazonais e acidentais da disponibilidade de nutrientes e por catástrofes tanto naturais como as produzidas pelo homem. Normalmente, entretanto, os ecossistemas exibem considerável capacidade de auto-regulação – denominado homeostase – que confere resiliência ao ecossistema. Assim, resiliência também pode ser entendido como a habilidade de um ecossistema de manter sua auto-organização em face de choques ou de estresse. Enquanto os limites da resiliência não forem ultrapassados, tais variações são absorvidas e o ecossistema tende a se manter em condições de funcionar. Entretanto, como veremos adiante, o impacto da pesca extrativista predatória pode fazer com que a capacidade de regeneração de um ecossistema seja excedida, fazendo-o desestabilizar-se. A diversidade biológica, no seu papel de sustentar ciclos biofísicos no contexto de uma hierarquia de ecossistemas, tem um valor inestimável; ela é parte fundamental da capacidade de auto-organização do sistema global e, portanto, da sua habilidade de responder a pressões impostas pela degradação antrópica (Mueller, 2007). A descontinuidade das funções e do equilíbrio de um ecossistema pode levar a uma perda repentina de produtividade biológica e, conseqüentemente, reduzir a capacidade de manter as necessidades humanas. Esta mudança pode ser irreversível na matriz de serviços ambientais disponíveis no ecossistema, para as atuais e futuras gerações. A extensão da destruição de espécies, nem sempre é percebida. Certos pesquisadores, em decorrência de suas posturas metodológicas, fazem leituras globais a partir de sua visão micro dos problemas. Os estudos de ecossistemas individuais e da “ecologia de comunidades”, não permitem uma visão

macro das forças avassaladoras das atividades econômicas frente à biodiversidade. Os ambientalistas, por outro lado, mantém suas análises a partir de métodos indutivos e de esforços de generalização. Os mais recentes esforços para compreender a importância da biodiversidade para o planeta, apontam que: a) a biodiversidade propulsionam os fluxos de energia e de matéria e, ao fazerem isto, determinam as propriedades funcionais do ecossistema ; e b) a biodiversidade fornece ao ecossistema resiliência em face de perturbações. Não há dúvidas que a humanidade tem tratado os sistemas naturais de forma não cuidadosa e não há sinais de que isso esteja mudando. Além disso, dada a expansão da economia contemporânea e a atual dinâmica demográfica, esse comportamento assegura que a pressão sobre a biodiversidade continuará com a mesma intensidade. Estamos constatando casos, cada vez mais freqüentes, de alterações preocupantes de ecossistemas de diferentes tipos e mesmo a ruptura da estabilidade, com mudança de um estado de equilíbrio local a outro. São florestas que se tornam áreas de campo, é o colapso de zonas pesqueiras, a transformação de áreas de savana em semidesertos, são as áreas erodidas, acompanhadas de extenso assoreamento de cursos d’ água (Hollinget et al., 1995). Não podemos desconsiderar, também, que as mudanças descontínuas e irreversíveis em um ecossistema causadas pelo homem, aumentam as incertezas associadas aos efeitos ambientais. Suspeita-se que, se a destruição da biodiversidade for ampla e generalizada, a resiliência do ecossistema global também poderá ser afetada de forma crítica, provocando sua desestabilização.Infelizmente não sabemos a magnitude dos danos


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decorrentes da perda da biodiversidade. Não há dúvidas que esta destruição já tenha atingido níveis preocupantes, sobretudo nos ecossistemas aquáticos, embora desconhece-se detalhes dos seus impactos sobre a estrutura organizacional do sistema. Não conhecemos qual o atual grau de comprometimento da capacidade do sistema de resistir a perturbações. E o pior é que boa parte da opinião pública nem mesmo percebe o problema, embora muitos cientistas e ambientalistas venham apresentando um quadro pessimista a este respeito. Será válido sermos otimistas em relação à sustentabilidade? Existem três motivos para rejeitarmos esse otimismo, todos decorrentes de possível perda de resiliência dos ecossistemas: 1. Essa perda pode significar súbita redução de produtividade biológica e, portanto, da capacidade de suporte da vida humana, conduzindo a mudanças descontínuas e irreversíveis no ecossistema, de estados familiares a não familiares; 2. Essas mudanças descontínuas podem conduzir a alterações irreversíveis no conjunto das opções disponíveis, se não à geração presente, às gerações futuras; 3. A possibilidade crescente de que ocorram mudanças descontínuas é fator importante nas incertezas associadas aos impactos ambientais das atividades econômicas. A natureza não envia sinais claros de danos à resiliência ambiental: no limite, a perda da resiliência resultante de pressão antrópica extrema se manifestará de forma abrupta e irreversível. Para Arrow et al. (1994), essas mudanças abruptas raramente podem ser antecipadas a partir do sistema de sinais tipicamente recebidos pelos tomadores de decisão no mundo de hoje. Geralmente, os sinais recebidos não são percebidos, ou são erroneamente interpretados, ou não fazem parte da estrutura de incentivos da

sociedade. Isso acontece pela nossa ignorância sobre os efeitos dinâmicos das mudanças nas variáveis ecossistêmicas e pela presença de empecilhos institucionais. Dadas as incertezas sobre a dinâmica da estabilidade do sistema global e as drásticas conseqüências da implementação de decisões erradas, devem receber prioridades máxima ações de proteção à resiliência dos ecossistemas individuais, sobretudo a proteção da biodiversidade, a fim de se garantir o seu potencial produtivo; e, uma vez que não há como saber em que condições a resiliência estará seriamente ameaçada, ou seja, quanto de degradação o meio ambiente pode suportar antes que mudanças descontínuas venham ocorrer, é errado considerar a liberdade econômica e o crescimento acelerado como as principais bases de uma política ambiental, s ubjetivamente, considerada adequada. Há de se preservar a resiliência de ecossistemas específicos, confiando que, com isso, se estará protegendo a resiliência do ecossistema global (Muller, 2007) e o desrespeito aos limites de provisão sustentável dos ecossistemas é decisivo para a manutenção da sociedade humana neste planeta (Diamond, 2005; Lovelock, 2006). Impacto Ambiental A expressão "impacto ambiental" esta popularizada como algo depreciativo. Na maioria das vezes, associada a algum dano à natureza. O vazamento de petróleo é uma tragédia ao ambiente marinho, sobretudo quando nos chegam imagens de aves totalmente revestidas de petróleo que chocam a opinião pública. Neste caso em particular, tratase de um impacto ambiental derivado de uma situação indesejada, que é o vazamento de petróleo.


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Na literatura técnica e científica há inúmeras definições de "impacto ambiental", embora formuladas de diferentes maneiras, quase todas elas são concordantes a seus elementos básicos. Vejamos alguns exemplos: exemplos • "Qualquer alteração no meio ambiente em um ou mais dos seus componentes - provocada por uma ação humana" (Moreira, 1992). • "O efeito sobre o ecossistema de uma ação induzida pelo homem" (Westman, 1985). • "A mudança em um parâmetro ambiental, num determinado nado período e numa determinada área, que resulta de uma dada atividade, comparada com a situação que ocorreria se essa atividade não tivesse sido iniciada"(Wathern, 1988). A definição de Wathern (1988) introduz a dimensão dos processos do meio ambiente como base de entendimento das alterações ambientais denominadas impactos.. Para darmos aplicação deste conceito, segundo Wathern (1988) vejamos a seguinte situação hipotética: 1. Vamos supor uma determinada área ocupada por uma formação vegetal, que já foi no passado alterada pela extração de espécies arbóreas; 2. O estado atual da vegetação dessa área pode ser descrito por indicadores, como biomassa por hectare, a densidade de indivíduos arbóreos de diâmetro acima de um determinado valor ou algum índice de diversidade de espécies; 3. Se a vegetação degradada no passado, não sofre nenhuma pressão no presente, provavelmente estará em processo de regeneração natural, podendo com o passar dos anos a se aproximar à sua originalidade ou à de climax; Primeira análise:: A descrição da situação atual da área por meio do uso de algum indicador pode sugerir que ela

tenha pouca importância ecológica - por abrigar poucos indivíduos arbóreos de grande porte, por exemplo. Segunda análise:: Com o passar do tempo, a área deve ve estar em melhores condições do que as atuais, abrigando árvores maiores e de maior diversidade. De acordo com o conceito de Wathern, se um empreendedor vier a derrubar a vegetação atual, seu impacto deveria ser avaliado não comparando a possível situação ão futura (área sem vegetação) com a atual, mas comparando duas situações futuras hipotéticas: aquela sem a presença do empreendimento proposto com a situação decorrente de sua implantação (Figura 3). 3)

Figura 3 - Representação do conceito de impacto ambiental. amb

Na prática da avaliação de impacto ambiental, nem sempre é possível empregar esse conceito, uma vez que temos dificuldades em prever a evolução da qualidade ambiental em uma determinada área. Nesses casos, o que é muito freqüente, o conceito operacional oper de impacto acaba sendo a diferença entre a provável situação futura de um indicador ambiental (com o projeto proposto) e sua situação presente. Imagine a dificuldade de avaliar o impacto sobre a qualidade de ar com a implantação de uma indústria química. q O cenário de referência para comparação normal seria o atual, e não um hipotético cenário futuro, no qual novas fontes de poluição contribuíram para deteriorar a qualidade do ar, uma vez que essas hipotéticas novas fontes não estão em


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análise hoje, e, caso venham a ser consideradas no futuro, será necessário avaliar seu impacto, levando a situação do momento futuro. Se impacto ambiental é uma alteração do meio ambiente provocada por ação humana, então é claro que tal alteração pode ser benéfica ou adversa. Mais que isso, um projeto típico trará alterações, algumas negativas, outras positivas, e isso deverá ser considerado quando se prepara um Estudo de Impacto Ambiental (EIA), embora seja devido às conseqüências negativas que a lei exige a elaboração desse estudo. Resumidamente, os principais impactos ambientais causados pelo homem implica em: a) SUPRESSÃO de certos elementos do ambiente. Exemplo: supressão de componentes do ecossistema, como a vegetação; destruição completa de habitats (exemplo, aterramento de um mangue); destruição de componentes físicos da paisagem (ex. escavações); supressão de elementos significativos do ambiente construído; supressão de referências físicas à memória (ex. locais sagrados); supressão de elementos ou componentes valorizados do ambiente (ex. cavernas, paisagens cênicas). b) INSERÇÃO de certos elementos do ambiente. Exemplo: introdução de espécies exóticas ou não nativas; introdução de componentes construídos (ex. barragens, rodovias, condomínios, áreas urbanizadas). c) SOBRECARGA a partir da introdução de fatores de estresse além da capacidade de suporte do meio, gerando desequilíbrio). Exemplo: a pesca não regulamentada, qualquer poluente, introdução de espécies exóticas (ex. Coelhos e Bufos na Austrália); aumento da demanda por bens e serviços públicos (ex. educação, saúde).

O conceito de impacto ambiental que adotaremos neste curso é, claramente, o resultado de uma ação humana, que é a sua causa. Não devemos, portanto, confundir a causa com a conseqüência. Uma rodovia não é um impacto ambiental; uma rodovia causa impactos ambientais, inclusive para a Fauna. Da mesma forma um projeto de reflorestamento com espécies nativas não é um impacto ambiental benéfico, mas uma ação humana que tem o propósito de atingir certos objetivos ambientais, como a proteção do solo e dos recursos hídricos ou a recriação do hábitat da vida selvagem. É fundamental que nos Estudos Ambientais a noção de "impacto ambiental" seja apresentada como resultado de uma determinada ação ou atividade, mas jamais as confundindo com ele. Uma leitura mediana de Estudos Ambientais apresentados em processos de licenciamento ambiental revelará que esse erro é muito freqüente e compromete as análises subseqüentes.

Aspecto Ambiental A série ISO 14.000 compreende normas sobre sistemas de gestão, desempenho ambiental, avaliação do ciclo de vida de produtos, rotulagem ambiental (selo verde) e integração de aspectos ambientais no desenho de produtos (ecodesign). A Norma ISO 14.001 introduziu o termo "aspecto ambiental" e, gradativamente foi sendo incorporado ao vocabulário de profissionais consultores, e chegou aos órgãos governamentais através dos processos de licenciamento ambiental. A Norma NBR ISO 14.001: 2004 define "aspecto ambiental" como: "elemento das atividades, produtos ou serviços de uma organização que pode interagir com o meio ambiente" (item 3.3.).


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Nos processos de licenciamento, fiscalização e monitoramento ambiental situações típicas descritas como aspectos ambientais são a emissão de poluentes e a geração de resíduos. A produção de efluentes líquidos, poluentes atmosféricos, resíduos sólidos, ruídos ou vibrações não é o objetivo das atividades humanas, mas esses aspectos estão indissociavelmente ligados aos processos produtivos. Assim, aqueles elementos que podem interagir com o ambiente são chamados de aspectos ambientais. Ao consumir água (recurso renovável) reduz-se sua disponibilidade para outros usos ou para suas funções ecológicas. Assim, o consumo de água, uma parte dissociável de um sem-número de atividades, são aspectos ambientais. O uso da palavra "aspecto" não nos parece a mais adequada, mas pelo fato de constar em normas internacionais, seu uso passou a ser comum. Entretanto, uma questão é certa: a emissão de poluentes não é um impacto ambiental, mas sim um aspecto ambiental. Veja a representação a seguir. As ações são as causas, os impactos são as conseqüências, enquanto os aspectos ambientais são os mecanismos ou os processos pelo quais ocorrem a conseqüência.

Figura 4 - Relação entre ações humanas, aspectos e impactos ambientais.

Assim, "aspecto ambiental" pode ser entendido como o mecanismos através do qual uma ação humana causa um impacto ambiental. Veja a seguir alguns exemplos.

Efeito Ambiental Munn (1975), conceitua efeito ambiental como "um processo que decorre de uma ação humana". Exemplos: erosão do solo, a dispersão de poluentes, o deslocamento de pessoas, etc). Diferencia-se, assim, de impacto ambiental, entendido como uma alteração na qualidade do meio ambiente. Segundo este autor, ações humanas causam efeitos ambientais, que por sua vez, produzem impactos ambientais. Assim, devemos considerar que o efeito ambiental tem a vantagem de servir de "ponte"entre as causas (ações humanas) e suas conseqüências (impactos) e reservar o termo impacto ambiental para as alterações sofridas pelo receptor, seja de elemento do ambiente físico, biótico ou antrópico. Para os consultores ambientais a definição de efeito ambiental é mais coerente quando a consideramos como "alteração de um processo natural ou social decorrente de uma ação humana". Veja que há correlação entre a noção de aspecto ambiental e a noção de efeito ambiental, ambos representando interfaces ou mecanismos entre uma causa (ação humana) e sua conseqüência (impacto ambiental). Processos Ambientais Fluxo de energia e matéria, teias de relações intra e interespecíficas são algumas das facetas dos processos naturais que ocorrem em qualquer ecossistema, seja ele natural, alterado ou degradado. Uma das maneiras de estudar os impactos ambientais


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causados por um empreendimento ou atividade, é entender como as ações humanas afetam os processos naturais. Case - A redução dos pesqueiros pela sobrepesca.

estoques

Como fator de predação, a pesca tem um impacto incomensurável nas populações de peixes, se constituindo na principal fonte de mortalidade e pode exceder a mortalidade natural em mais de 400% . Por ser um fator de predação exógena à biocenose, a pesca faz com que se reduzam as populações, estabilizando-as em seguida a um nível de equilíbrio inferior àquele apresentado antes do início da sua exploração. Na prática, isto é facilmente reconhecido e extremamente preocupante. Por exemplo, há uma tendência dos pescadores mais antigos recordarem maior abundância em tempos passados, que os pescadores mais jovens. Esta é uma situação chamada de síndrome de linha de base inconstante – uma condição cognitiva perigosa em que cada geração de pescadores aceita um padrão mais baixo de abundância de recurso como normal. No Brasil, apesar de uma expressiva parcela da comunidade científica e gestores públicos reconhecerem a ocorrência da síndrome de linha de base inconstante, pouco ou absolutamente nada tem sido feito para reverter a situação, optando-se pelo esgotamento do recurso como estratégia de "sobrevivência social", inseridas nas chamadas políticas públicas e devidamente mascaradas em normas de acesso. Pescarias no mundo todo relatam declínios acentuados nas taxas de captura, sobretudo durante os dez primeiros anos de exploração. Sabe-se que é muito difícil identificar uma única razão para explicar por que certos estoques foram totalmente explotados e, por que muitas áreas mundiais de

captura tornaram-se sobreexplotadas. Logicamente, há um conjunto de razões inter-relacionadas que contribuíram em maior ou menor grau em diferentes situações. Entretanto, apesar das avaliações dos efeitos da atividade pesqueira sejam incipientes, dois indicadores se destacam na opinião dos cientistas e gestores de pesca: o aumento significativo da sobrepesca (overfishing) - que já dizimou muitos estoques de peixes comerciais e o aumento crescente do descarte (bycath) - caracterizada pela captura de espécies não desejadas e descartadas (para alguns cientistas, um efeito da sobrepesca). Há muitas evidências que a sobrepesca tem importância significativa no declínio global de inúmeras espécies oceânicas, tornando-se mais recentemente em uma das mais preocupantes ameaças à biodiversidade de águas continentais. Os descartes já preocupam autoridades pesqueiras da União Européia. Em relatório recente, pesquisadores apontam que mais de 2/3 dos peixes capturados são devolvidos ao mar, geralmente mortos, como resultado do atual sistema de cotas. Estima-se que cerca de 1 milhão de toneladas de peixes estejam sendo descartados a cada ano no Mar do Norte. Muitos postulam que para aumentar a contribuição da pesca à segurança alimentar, às economias e ao bem-estar das comunidades de pescadores, é necessário aplicar planos eficazes para restabelecer as populações de peixes afetados pela sobrepesca. Entretanto, fortalecer a governança e ordenar de forma eficaz a pesca, não tem apresentado significativos resultados significativos. O aumento exponencial da lista das espécies sobrepescadas, descartadas e ameaçadas de extinção não deixam dúvidas a este respeito. Assim, a sobrepesca pode ser expressa


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como a situação, pela qual, a atividade pesqueira de uma espécie (ou numa região) deixa de ser “sustentável”, onde quanto maior o esforço de pesca menores serão os rendimentos, seja biológico como econômico. O nível de “sustentabilidade” necessária para uma pescaria é muito difícil de definir e, pode variar a partir de uma série de perspectivas diferentes. Quando a pesca se aproxima dos seus limites há uma tendência natural de reduzir os níveis de captura. Porém, na prática, muitos gestores pesqueiros, pressionados pelas chamadas "forças políticas, econômicas e sociais", em ato de submissão, desconsideram as recomendações técnicas e científicas (quando existem) e flexibilizam as normas de acesso aos recursos, o que potencializa o problema. Neste cenário de reduções, os pescadores burlam as regras estabelecidas (favorecidos pela fiscalização ineficiente ou inexistente) e passam a utilizar métodos ilícitos e predatórios para manterem suas capturas e ganhos a um nível anterior. Quando a pesca se aproxima dos seus limites, a sobrepesca já impera e expõe seus efeitos ambientais, sociais e econômicos, apesar das "estatísticas produtivas" estarem apontando uma certa "manutenção" dos níveis de exploração. Muitas civilizações que ultrapassaram os limites da pesca e não reduziram os seus níveis de captura, tiveram grandes perdas econômicas e graves conseqüências políticas e sociais. Diamond (2005) ao estudar os oito processos através dos quais as sociedades do passado minaram a si mesmas, incluiu a sobrepesca como um dos responsáveis pelo colapso destas sociedades. Recentemente, a sobreexplotação das pescarias passou a ser uma preocupação global e atinge tanto os países desenvolvidos quanto os em desenvolvimento. Nos últimos anos tem havido um grande número de publicações sobre o crescimento e

posterior declínio da pesca mundial. Quase todas as publicações mencionam que vários estoques marinhos, principalmente os de fundo, estão sobrepescados. A Comissão Européia divulgou em 2009 que 88% das unidades populacionais de peixes marinhos capturados em redes de arrasto de fundo, se encontravam sobrepescados. A força devastadora da pesca foi minuciosamente retratada por pesquisadores inglêses, ao estudarem a drástica diminuição das unidades populacionais das principais espécies comerciais que ocorrem em águas das ilhas Britânicas, em 118 anos de atividade da indústria pesqueira (Figura 3). Os autores constataram uma diminuição de 94% das capturas de peixes de fundo e, que a atual e moderna frota pesqueira exige 17 vezes mais esforço para alcançar a mesma quantidade de peixes, em comparação a 1889. Estes resultados apontaram a necessidade de serem adotadas, urgentemente, medidas para eliminar a sobreexplotação pesqueira européia e reconstituir as unidades populacionais de peixes, em níveis mais elevados de abundância dos existentes atualmente (Thurstan et al., 2010).

Figura 5: O desembarque de peixes de fundo feito por grandes traineiras da Inglaterra, Gales e Escócia. Círculos fechados representam desembarques por unidade de potência de pesca da Inglaterra e País de Gales, os círculos abertos mostram a Escócia (de Thurstan et al., 2010).


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Entre as muitas conseqüências ambientais decorrente da sobrepesca, relatadas na literatura científica, destacam-se: a redução nas capturas das espécies-alvo, a excessiva captura não intencional de espécies indesejáveis e as profundas alterações nos ecossistemas. Entretanto, estudos recentes apontam que a sobrepesca também esteja atuando nas estruturas populacionais, nas cadeias alimentares, nas características biológicas das espécies e, inclusive, na composição genética das populações. Quando os organismos são removidos a um ritmo tal, que a composição do ecossistema é alterada, significativamente, pode produzir efeitos adversos mais amplos nos ecossistemas. Durante as décadas de 1960 e 1970, a produção das áreas de captura marinhas e de água doce aumentou de forma exponencial no mundo todo, numa média de 6% ao ano. Na década de 1980, a taxa de crescimento diminuiu consideravelmente, estabilizando-se nos anos 90. Por volta de 1990, a produção global de peixes atingiu um patamar de cerca de 100 milhões de toneladas anuais e não mudou muito nos anos seguintes. Embora a aqüicultura continuasse a crescer, a produção das áreas de captura de estoques selvagens dos oceanos e águas continentais era irregular e começava a se estagnar. A produção global de peixe e produtos de pesca continua crescendo, mas a captura estagnou na última década e a sobrepesca ecossistêmica tem sido indicada como responsável por esta estagnação. A captura de espécies indesejáveis, ou captura acidental, representa cerca de ¼ da pesca global. Compreende todos os animais não desejados, não utilizados ou descartados por exigência de regulamentações. Entre as espécies, podemos incluir espécies especialmente protegidas (vulneráveis e

ou ameaçadas), indivíduos jovens ou pequenos demais para serem comercializados ou outras espécies sem valor comercial. As espécies indesejadas normalmente são descartadas (bycatch) depois de mortas, na água ou na terra, como estratégia para burlar a fiscalização. Muitos equipamentos utilizados pela pesca não são seletivos e podem capturar peixes economicamente indesejáveis. As tarrafas, tanto no ambiente marinho como de água doce, podem capturar peixes jovens ou outras formas de vida, em decorrência de sua baixa seletividade. Os espinhéis de fundo, tanto no ambiente marinho como de água doce, capturam mamíferos, répteis, aves e outros peixes indesejáveis. As redes de emalhar, tanto no ambiente marinho como de água doce, podem também capturar mamíferos, répteis e outros peixes indesejáveis e, quando perdidas ou descartadas, podem continuar a capturar e a matar espécies aquáticas, fato conhecido como “pesca fantasma”. As redes de arrasto são um tipo particular de equipamento não seletivo e podem capturar acidentalmente muitas espécies distintas, causando, inclusive sérias alterações ao habitat dos peixes ao serem arrastadas no fundo do mar, dos rios e, principalmente em ambientes lênticos - como vem ocorrendo nos lagos africanos. A sobrepesca também tem causado profundas alterações nas cadeias alimentares. Nos ecossistemas marinhos há inúmeros relatos destas alterações. O declínio de populações de leõesmarinhos-de-steller (Eumetopias jubatus) no Alasca, foi atribuído em parte à sobrepesca dos principais itens alimentares (cavala e bacalhau) destes mamíferos. Estudos em recifes de corais também têm demonstrado os efeitos da sobrepesca. Quando algumas espécies


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de peixes, que habitam nos corais e se alimentam de plantas, são removidos pela pesca, certas algas que coexistiam com os corais proliferam-se e tornam-se dominantes. Esta proliferação de algas acaba obstruindo a passagem de luz, e os corais, que dependem da luz, acabam morrendo. Estudos apontaram que se estes patamares de produção foram mantidos graças às alterações na composição das espécies é porque a pesca atingiu os chamados “níveis inferiores na cadeia alimentar”. As espécies predadoras (topo de cadeia) tendem a ser capturadas prioritariamente. Quando estas se esgotam, espécies de níveis inferiores na cadeia passam a ser capturadas, causando a simplificação de alguns ecossistemas marinhos e de água doce. Declínio na abundância de grandes predadores pode aumentar a abundância de suas presas, o que causa mudanças no equilíbrio do ecossistema, sobretudo em relação às espécies de menor tamanho. Devido à natureza pouco seletiva, a maioria das atividades pesqueiras não só afetam as comunidades de peixes em nível de estoque interespecífico, mas também na sua composição e diversidade intra-específica. Há fortes evidências que a sobrepesca, não só afeta demograficamente as populações, mas também tem causado mudanças na composição genética destas populações. Pressões evolutivas estão sendo desencadeadas pela pesca, ocasionando mudanças quanto ao tamanho, estado de maturidade, morfologia, ou comportamento das espécies. Mudanças drásticas na composição de espécies podem resultar em mudanças irreversíveis em ecossistemas, fazendo com que o fluxo de energia, que envolve o equilíbrio das espécies, tenham se alterado pela nova composição. A entrada de carpas em um sistema, anteriormente dominado por trutas e capturadas ao extremo, por exemplo, pode fazer com que seja impossível para

a truta restabelecer uma população, reprodutivamente, viável. Neste caso, a sobrepesca passa a ser responsável pela extinção ecológica de espécies. Assim, tal como sugerido pela teoria ecológica moderna, a sobrepesca ecossistêmica seria a transformação de um sistema relativamente maduro (eficiente) em um sistema imaturo (estressado ou ineficiente). Exemplo desta transformação é o que ocorreu no Golfo da Tailândia, onde havia (presumivelmente) um sistema constituído por uma biomassa estável e altamente eficiente, dominada por peixes teleósteos,mas que foi gradualmente transformada em um estoque de biomassa (presumivelmente) instável e de baixa eficiente, onde o papel dos invertebrados no sistema aumentou acentuadamente (note a inversão da seqüência evolutiva!) (Pauly, 1983). Mudanças em características da história natural das espécies, particularmente relacionada ao tamanho médio da primeira maturação, têm sido relatadas, continuamente, em espécies exploradas comercialmente. Na maioria dos casos, tais tendências são explicadas por improváveis influências ambientais e a atividade pesqueira como indutora de tais evoluções, tem sido citada em explicações mais parcimoniosas. Estas mudanças nas características das espécies podem ser facilmente observadas e mensuradas (i.e. tamanho e estruturas de idade) ou não determinadas, devido a uma série de interações que confundem os efeitos de dependência da densidade e do ambiente. Por outro lado, a falta de conhecimento das estruturas populacionais pode estar “mascarando” potenciais mudanças da diversidade genética das espécies. A manutenção da sobrepesca tem causado a eliminação dos exemplares adultos e de maior tamanho, dentro de uma população ou estoque. As populações não sobreexplotadas caracterizam-se pela presença de peixes


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com baixa fertilidade, o que acaba levando a uma redução nos estoques. Por outro lado se a sobrepesca for controlada e os recursos pesqueiros forem manejados de forma sustentável, teóricamente, as áreas pesqueiras se tornarão mais produtivas, o custo do peixe cairá e a captura aumentará de maneira sustentável. Os principais sintomas de sobrepesca esta no declínio na captura de peixes de maior porte, especialmente piscívoros e um declínio acentuado, nos diferentes níveis tróficos, das assembléias. Maiores mudanças estão ocorrendo entre espécies predadoras, onde mais de 90% dos peixes predadores dos oceanos estão ameaçados. A diminuição da captura associada à redução do tamanho do peixe é inaceitável em algumas partes do mundo, como na América latina, o que ocasiona mudanças de espécies-alvo. Em países africanos e asiáticos a certa preferência por peixes menores em sua culinária, o que fomenta a captura de espécies extremamente pequenas, ocasionando o esvaziamento das assembléias. O levantamento de informações sobre o ciclo de vida das espécies, padrões de migração dos indivíduos, crescimento individual e taxa de mortalidade, é fundamental para entender como as populações de peixes respondem a exploração pesqueira. Tal compreensão, por sua vez, permite avaliar o estado atual de exploração e a relação entre o esforço de pesca e o rendimento do recurso. A descrição dos tamanhos e idades dos indivíduos que compõem uma população, explorada economicamente, permite verificar em que locais, de sua área de distribuição, os peixes desovam, alimentam-se e crescem. O impacto da pesca sobre cada uma dessas parcelas da população será diferenciado. Assim, se houver exploração comercial dos adultos reprodutores (desovantes) sem observar limites, não haverá novos descendentes e, conseqüentemente, não será mantida a taxa de renovação da

população (recrutamento). Nesse caso, ocorre a chamada sobrepesca de recrutamento. Do mesmo modo, se houver pesca predatória de jovens e de pré-adultos (imaturos), não será possível que eles atinjam o tamanho no qual o rendimento em peso seja máximo, caracterizando a chamada sobrepesca de crescimento. O declínio dos estoques pesqueiros de espécies comerciais, tanto por sobrepesca de recrutamento como por sobrepesca de crescimento, vem sendo documentado em diversas regiões do mundo, configurando uma crise sem precedentes. É possível, concomitantemente, inibir a sobrepesca e propor políticas de manejo, tanto para atender as necessidades das populações humanas, que dependem diretamente desta atividade, como para a conservação deste patrimônio genético. Entretanto, são medidas que passam por restrições de acesso - o que não é compreendido e aceito por todos os atores envolvidos. Sobrepesca de recrutamento O colapso das unidades populacionais de peixes, seja no ambiente marinho ou continental, é causado, sobretudo, pela sobrepesca de recrutamento. Allan et al. (2005) considera que a sobrepesca de recrutamento é o principalmente responsável pelo declínio de várias populações de peixes, antes mesmo das contribuições de represas, alteração de hábitat e poluição. Determinadas artes de pesca e petrechos podem selecionar peixes maiores, causando uma redução nas classes de maior tamanho da população explorada. Isso pode comprometer a agregação de desova, onde os membros maiores e sexualmente maduros do estoque estão sendo pescados. Com uma pesca contínua, o tamanho médio dos peixes torna-se menor, e os peixes são capturados antes que eles possam amadurecer. Isso resulta em uma redução geral no tamanho médio da


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população adulta, ou seja, menos peixes e menores estarão inseridos no processo reprodutivo. Com a redução da biomassa de reprodutores, concomitantemente, haverá uma redução no numero de larvas e juvenis a ponto de comprometer a manutenção destas populações, pela redução da entrada de novos indivíduos na população (recrutamento). Mudanças na idade e estrutura populacional, devido uma remoção excessiva de indivíduos grandes e maduros, têm sido relatadas para muitas espécies de peixes exploradas economicamente. Esse problema pode se agravado, em certas populações, pela remoção de fêmeas de grande porte, que produzem mais ovos do que as fêmeas relativamente menores. A remoção de fêmeas maiores de uma população pode ter um efeito significativo maior no investimento reprodutivo e no recrutamento. Sabe-se que em muitas espécies de peixes, as fêmeas maiores produzem mais ovos, entretanto, não há evidências de que as fêmeas maiores produzam uma maior quantidade exponencial de ovos. Assim, a remoção de algumas fêmeas maiores de uma população pode ter um efeito significativamente maior no investimento reprodutivo e na taxa de recrutamento. Estudos mostram que as condições das larvas também melhoram com o tempo ou a idade dos peixes e, portanto, as larvas produzidas pelas fêmeas podem ter taxas de sobrevivência superiores. Geralmente as fêmeas da maioria das espécies produzem uma grande quantidade de ovos, algumas vezes milhões de ovos, como no caso de algumas espécies exploradas comercialmente em águas temperadas. Entretanto, essa suposta “alta fecundidade” tem enganado pesquisadores a assumirem a seguinte relação: mesmo ocorrendo um número limitado de fêmeas adultas em uma população, a alta fecundidade resultaria na produção de mais peixes - o suficiente

para repor o número de recrutas, tornando-os disponíveis para a pesca. Para Pauly (1983) a aplicação desta relação tem sido uma das causas do colapso mundial da pesca. Estranhamente, aparentemente nenhuma tentativa foi feita para avaliar se existe de fato, em peixes tropicais, uma relação entre o tamanho de uma população reprodutora e o número de recrutas produzidos por esta população reprodutora. A questão que se coloca é: será que a manutenção da remoção em larga escala de peixes em diversos subsistemas do ecossistema aquático, promovida pelo atual sistema econômico, não poderá ser fator de desestabilização em escala global? Sobrepesca de crescimento A sobrepesca de crescimento é caracterizada quando a taxa de pesca, que causa uma perda de biomassa do estoque, torna-se maior do que a biomassa obtida em razão do crescimento. Isto ocorre quando os peixes são capturados com um tamanho médio menor que o tamanho que iria produzir o máximo rendimento por recrutamento. Ou seja, cria-se uma instabilidade populacional porque muitos peixes imaturos são capturados, antes de atingirem um tamanho em que o máximo crescimento e produtividade seriam oferecidos ao estoque. Sobrepesca de crescimento é muito mais comum do que a sobrepesca de recrutamento, mas não recebe a devida atenção. A sua ocorrência é reconhecida nas regiões onde os esforços de captura estão direcionados às espécies jovens, mais vulneráveis, capturadas antes que possam crescer até um tamanho razoável (Pauly, 1983). Mas a sobrepesca de crescimento representa uma séria ameaça à existência do recurso, reduz o rendimento potencial de uma pescaria e, assim, compromete os benefícios econômicos que poderiam ser obtidos a partir do estoque.


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Para se evitar a sobrepesca de crescimento, teoricamente, bastaria capturar indivíduos adultos; entretanto, os pescadores utilizam equipamentos de baixa seletividade e acabam explorando unidades populacionais de várias espécies, com idades e tamanhos distintos. Ou seja, o tamanho da malha selecionada, por exemplo, pode permitir que peixes menores (imaturos) de uma determinada espécie possam escapar; entretanto outras espécies, representadas por indivíduos maiores (porém jovens e imaturos) sejam capturadas. Efeitos econômicos da sobrepesca A sobrepesca gera um custo econômico significativo, podendo afetar o desempenho de toda a atividade pesqueira em uma determinada região. A rápida remoção de peixes faz com que as capturas excedam o rendimento econômico máximo, o que torna a atividade economicamente inviável. O limite da sobrepesca econômica é comumente definido como o ponto em que o esforço de pesca excede o lucro total da pescaria; ou seja, a quantidade de peixes capturados não paga os custos operacionais de captura, armazenamento e transporte. Uma definição mais dinâmica da sobrepesca econômica, também considera o valor presente da pesca, através de uma relevante taxa de desconto para maximizar o fluxo de renda do recurso sobre todas as capturas futuras. A ocorrência de sobrepesca econômica se evidencia quando os recursos da pesca não estão sendo utilizados na forma mais eficiente. Ou seja, o manejo, se existir, é ineficaz. Se os recursos pesqueiros fossem manejados de forma sustentável, a produção total poderia aumentar em 10 milhões de toneladas métricas, ou seja, uma receita bruta adicional de US$ 16 milhões por ano. Nos EUA, a recuperação dos estoques sobreexplotados e a prevenção da

sobrepesca em outras áreas poderiam gerar uma receita adicional de US$ 3 bilhões a US$ 3,5 bilhões. Portanto, o manejo sustentável da pesca marinha nas 200 milhas de zona econômica exclusiva dos EUA (sua maior fonte de pesca) poderia praticamente dobrar suas receitas. As informações de diferentes pescarias confirmam o prognóstico da FAO, que afirmou que os recursos pesqueiros globais frente às tendências atuais da pesca apontam um colapso súbito e gradual dos estoques. O excesso de capacidade da frota pesqueira mundial é a principal causa da diminuição dos estoques mundiais de peixes. Muitos estudos indicam que, em esfera mundial, a capacidade pesqueira deva ser reduzida, ou seja, há “barcos demais para peixes de menos”. Entre 1979 e 1989 a produção pesqueira mundial cresceu somente a metade da taxa das frotas, o que resultou no excesso de capacidade da frota pesqueira mundial, que segundo a FAO (2003) aumentou 322% sem aumento concomitante nos recursos. Este excesso de capacidade da frota pesqueira mundial causou uma migração excessiva de embarcações para as áreas de pesca abertas, levando a uma “corrida pelo peixe” - quando todos os pescadores tentam capturar o máximo que podem no menor tempo possível antes que a cota seja atingida. A “corrida pelo peixe” leva a uma saturação temporária do mercado e reduz os preços para os pescadores ao mesmo tempo em que cria problemas de abastecimento para os compradores no longo prazo. Também leva ao excesso de capacidade no setor de processamento e reduz os benefícios econômicos para o consumidor. É provável que o único elemento constante na pesca seja a incerteza. Para contrapor, a indústria pesqueira tem recebido por parte dos governos, tratamento diferenciado dos demais segmentos econômicos. A competitividade do setor pesqueiro em


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muitos países é mantida por subsídios governamentais, incluindo tratamento fiscal, creditício e de financiamento diferenciados daqueles praticados no mercado. Entretanto, os incentivos econômicos são, com freqüência, incompatíveis com os objetivos da política pesqueira atual. Essa falta de harmonia é mais pronunciada onde os incentivos econômicos encorajam a expansão das frotas pesqueiras, que já são grandes demais, e estimulam uma “corrida pelo peixe” que não é racional do ponto de vista biológico e nem prudente do ponto de vista comercial. Os países devem apoiar o desenvolvimento de medidas para resolver o excesso de capacidade das frotas pesqueiras. Essa foi a principal causa do colapso da população de bacalhau na Nova Inglaterra e da crise nas áreas de pesca no Pacífico e no Alasca no passado recente. Os subsídios também representam uma ameaça aos países em desenvolvimento, pois ajudam a financiar ciclos de manejo inadequado que acabam deixando milhares de pescadores desempregados. O setor público também pode exibir custos significativos relacionados com a sobrepesca. É difícil saber os custos totais, mas à medida que os estoques vão sendo sobreexplotados, a regulamentação se torna mais complexa, exigindo maior controle e fiscalização - o que aumenta os custos de gestão pelo setor público. Os custos para o setor público dos subsídios oferecidos ao setor pesqueiro e, aqueles envolvidos na redução da capacidade excessiva, assumidos pelo poder público por meio de programas de recompra de navios com financiamento público, são extremamente preocupantes. No mundo todo, os subsídios anuais para o setor pesqueiro estão estimados entre US$ 14 bilhões e US$ 20 bilhões. Estes subsídios reduzem os custos fixos e variáveis ou aumentam

as receitas, mas também distorcem o comércio e prejudicam a concorrência nos mercados globais de peixes e frutos do mar. Graças a estes subsídios, teoricamente, a produção pesqueira aumenta e os preços caem. Nos EUA os programas de recompra de embarcações no período de 1994-2002, financiados pelo governo americano, teve um custo de US$ 65 milhões. Um estudo recente sobre os custos de um programa de recompra para eliminar o excesso de capacidade em cinco áreas de pesca controladas pelo governo federal dos EUA estimou esses custos em US$ 999,6 milhões. Subsídios tão altos certamente contribuem para aumentar as falhas no manejo. Esses subsídios têm a finalidade de reduzir os custos fixos e variáveis, melhorar as receitas e diminuir os riscos. Portanto, eles encorajam ainda mais o esforço adicional e os investimentos em áreas pesqueiras sobreexplotadas e esgotadas que tendem a predominar no mundo desenvolvido. A captura acidental excessiva, que freqüentemente acompanha a sobrepesca, também acarreta custos econômicos ao setor. Tais custos incluem a queda da produção de alimentos nas áreas direcionadas para exemplares adultos de espécies que são descartadas na fase juvenil em outras áreas de pesca, a diminuição do emprego nas áreas de pesca e fábricas de processamento e as perdas correspondentes nas comunidades dependentes da pesca. Sob o ponto de vista econômico, controlar a sobrepesca permite a recuperação dos estoques, aumento da produtividade e maximização das receitas do setor no longo prazo. Para os economistas, controlar a sobrepesca é uma medida necessária e urgente para a estabilização econômica do setor. Mas os investimentos, nesta direção, são mínimos.


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Efeitos sociais da sobrepesca Devido à sobrepesca cerca de 80% das espécies de peixes do mundo estão ameaçadas, com prejuízos previsíveis aos ecossistemas aquáticos e, sobretudo, para as pessoas que dependem desta atividade como fonte de proteína. A União Européia esta tentando intervir e fixar cotas de pesca mais rigorosa e coibir ir condutas predatórias, mas os outros continentes, quando muito, se limitam a observar. A União Européia tem defendido, em suas políticas, que a sobrepesca é uma externalidade negativa da produção; ou seja, que a produção de um bem ou serviço tem um impacto impac negativo em relação a terceiros. Peixe em águas internacionais é um exemplo de um recurso comum, um recurso que é rival (quando há competição), mas não-excludente excludente (uma pessoa não pode ser excluída usando o bem). Assim, os pescadores agem em seu próprio interesse, tanto quanto possível, para impedir que outros pescadores possam competir pelo recurso. Históricamente representada como a tragédia dos comuns; comuns a pesca, através de auto-interesse, interesse, pode levar à destruição de um recurso compartilhado e limitado, pois apenas alguns pescadores terão o benefício, mas os custos serão distribuídos a todos. Para entendermos os custos sociais da sobrepesca, obrepesca, analisemos a Figura 6. 6

Figura 6. Efeitos sociais da sobrepesca.

O ponto socialmente justo (ideal) é a quantidade QO (Figura 4). Entretanto, a

falta de percepção de limites fez com que pescadores capturassem a quantidade QA. Esta falta de limites criou uma falha de mercado. Em QA o custo marginal social (ponto C) é maior do que o custo marginal privado (ponto D). A produção p está em um ponto onde o custo para a sociedade é muito maior do que o custo para os pescadores.

Figura 7. Efeitos sociais da sobrepesca.

A Comunidade Européia postula que as cotas de pesca sejam definidas com base em recomendações científicas e que muito em breve seja proibido descartar peixes capturados ao mar. Estas medidas buscam aumentar os custos marginais privados dos pescadores e, hipoteticamente, reduzir as externalidades negativas. Com as restrições e proibições, os pescadores terão que gastar dinheiro para satisfazer os padrões estabelecidos pelo governo, e assim aumentarão os seus custos. A quantidade é reduzida de QA a QB (Figura 6)) e a perda de bem-estar bem é, portanto, ao mesmo tempo reduzido, fazendo com que o mercado se movimente e se e aproxime da quantidade quanti socialmente ótima (Figura 7). 7 O papel do governo é garantir que os pescadores simplesmente não possam internalizar os seus custos. Embora a utilização de cota de captura seja considerada como medida restritiva de acesso, ela podem contribuir para frear a sobrepesca. Entretanto, em algumas situações, os custos para avaliar


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cientificamente os requisitos de uma cota ideal pode, ultrapassar os custos da sobrepesca, inviabilizando tal medida. Alguns acreditam que a privatização ou nacionalização de grandes áreas oceânicas, como estratégias de limitação de acesso, possam reduzir a sobrepesca. Embora tais medidas possam potencializar os conflitos de interesse entre nações, os peixes estariam excluídos, o que significa que os governos ou empresas privadas poderiam ter o controle sobre os pescadores que, teoricamente, estariam autorizados a pescar em suas águas. Para muitos, esta medida poderia neutralizar também o principal efeito da sobrepesca - o descarte ("bycath"). Proibir os pescadores a descartar a captura acidental ou de baixa qualidade, haveria menos incentivo para o uso de redes de arrasto e mais incentivos ao desenvolvimento de técnicas de pesca seletiva. Entretanto, há de se considerar que os custos das pescarias aumentariam, o que tornaria tal medida inviável economicamente. Vimos que a sobrepesca traz efeitos sociais gravíssimos. Os pescadores estão removendo muito mais peixes dos mares e rios, sem dar o devido tempo para a sua reposição. Isto significa que o custo marginal privado (o custo para os pescadores capturarem outro peixe) é inferior ao custo marginal social ( o custo para a sociedade capturar outro peixe). Os pescadores estão externalizando seus custos por dumping, através do descarte de peixes sem qualquer interesse econômico e no uso de petrechos de baixa seletividade. Para a sociedade a sobrepesca é desastrosa: os custos econômicos desta pratica para os países que compõem a Comunidade Européia devem chegar a € 40 bilhões por ano! Resumo.

Vimos assim como processos biológicos, ecológicos, econômicos e sociais podem ser alterados por atividades humanas, comprometendo a dinâmica ambiental. Um processo social freqüentemente induzido por obras de engenharia e outros projetos públicos e privados é a atração de pessoas em busca de oportunidades de trabalho, verdadeiros fluxos migratórios postos em marcha pelo mero anúncio de um único e grande projeto.


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CAPÍTULO 3 LICENCIAMENTO AMBIENTAL

Sapajus cay Photo by Oscar Fernandes Júnior/ Bonito MS


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Licenciamento Ambiental O Licenciamento Ambiental é um dos instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente, estabelecida pela Lei 6.938 de 1981. Em 1988, a Constituição Federal ratificou o licenciamento por meio do artigo 225 §1o, ao prever a necessidade de estudo de impacto I. ambiental para atividades causadoras de II. significativa degradação ao meio ambiente. Através deste instrumento, a Administração Pública passou a efetivar o controle prévio das atividades econômicas utilizadoras de recursos ambientais e potencialmente degradadoras, estabelecendo condições e medidas de controle ambiental ao III. empreendedor, a fim de que este adéqüe sua atividade, obra, empreendimento ou serviço às normas de tutela ambiental, evitando, minimizando ou compensando danos ao meio ambiente e à sadia IV. qualidade de vida e saúde da coletividade. Com a instituição da PNMA, uma série de leis, decretos, resoluções e normas destinadas a garantir a aplicação da lei foram publicadas. Em 1983, dois anos após a publicação da PNMA, foi 88.351 publicado o Decreto No regulamentou a Lei 6.938/81, mas foi revogado e substituído em 1990 pelo Decreto No. 99.274 mas manteve intactos os artigos referentes ao licenciamento ambiental constante no Decreto No 88.351/1983. O Decreto No. 99.274/1990 em seu Art. 17 §1o estabelece competência do Conselho Nacional do Meio Ambiente CONAMA para estabelecer os critérios básicos, segundo os quais são exigidos estudos de impacto ambiental para fins de licenciamento, assim como, define o conteúdo desses estudos: a) diagnóstico ambiental da área; b) descrição da ação proposta e suas alternativas;

c) identificação, análise e previsão dos impactos significativos, positivos e negativos. O Decreto No. 99.274/1990 estabeleceu também os três tipos de Licenças Ambientais emitidas pelo poder público durante o processo de licenciamento: Licença Prévia (LP), na fase preliminar do planejamento de atividade, contendo requisitos básicos a serem atendidos nas fases de localização, instalação e operação, observando os planos municipais, estaduais ou federais de uso do solo; Licença de Instalação (LI), autorizando o início da implantação, de acordo com as especificações constantes do Projeto Executivo aprovado; Licença de Operação (LO), autorizando, após as verificações necessárias, o início da atividade licenciada e o funcionamento de seus equipamentos de controle de poluição, de acordo com o previsto nas Licenças Prévia e de Instalação (Art. 19, Decreto No. 99.274/1990) Resoluções CONAMA O Conselho Nacional de Meio Ambiente está previsto pelo artigo 6o da Política Nacional de Meio Ambiente. É formado por representantes do poder público federal, dos estados e por representantes da sociedade civil organizada (empresários, sindicatos e ongs). Entre as atribuições, o CONAMA ficou incumbido de regulamentar a Política Nacional de Meio Ambiente e de criar o SISNAMA - Sistema Nacional de Meio Ambiente, estrutura deliberativa composta por órgãos ambientais federal, estaduais e municipais.


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Em 1986, o CONAMA por meio da Resolução No. 1/1986, em seu artigo 1o, conceituou impacto ambiental como: (...) qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: I - a saúde, a segurança e o bem-estar da população; II - as atividades sociais e econômicas; III - a biota; IV - as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; V - a qualidade dos recursos ambientais. Um fato também marcante da Resolução No. 1/1986 é a exigência da realização de estudo de impacto ambiental - EIA para o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente, estabelecendo também a inclusão de questões socioeconômicas no diagnóstico ambiental e análise de impactos ambientais do projeto e suas alternativas. No seu Artigo 11o § 2o foi instituída a audiência pública, como instrumento de informação sobre o projeto e seus impactos ambientais e discussão das medidas compensatórias e/ou mitigadoras apontadas no Relatório de Impacto Ambiental - RIMA. O Conama por meio da Resolução No 09/1987, as audiências públicas são regulamentadas, estabelecendo seu objetivo: "expor ao público interessado o conteúdo do EIA em análise e do seu referido RIMA, dirimindo dúvidas e recolhendo dos presentes as críticas e sugestões a respeito". Um aspecto importante da Resolução No 09/1987 é que por meio do seu Art. 8o estabelece que: "Correrão por conta do proponente do projeto todas as despesas e custos referentes à realização do estudo de impacto ambiental, tais como: coleta e aquisição dos dados e informações, trabalhos e inspeções de campo,

análises de laboratório, estudos técnicos e científicos e acompanhamento e monitoramento dos impactos, elaboração do RIMA e fornecimento de pelo menos 5 (cinco) cópias". Assim, caberá ao interessado pelo projeto, atividade ou empreendimento todos os custos relacionados aos estudos que subsidiarão o processo de decisão a respeito da viabilidade ou não da proposta em análise. Embora a Resolução No 09 tenha sido elaborada em 1987, esta resolução só passou a vigorar em 5 de julho de 1990, quando foi publicada. Em 1997, o CONAMA publica a Resolução No 237 - o ato normativo referido ao licenciamento ambiental, tratando de muitos temas que já tinham sido abordados, assim como de aspectos do sistema de licenciamento ambiental definido em lei. A Resolução No 237/97 definiu o licenciamento ambiental como: "procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas aplicáveis ao caso"(Art. 1o, Resolução Conama 237/97) A Resolução também estabeleceu parâmetros a partir dos quais se define a competência da União, Estados e Municípios para lidar com processos de licenciamento, embora exerçam a liderança dos processos de maneira com que as outras esferas possam ser solidárias e até co-responsáveis. Nos processos de licenciamento caberá ao IBAMA licenciar propostas:


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I - localizadas ou desenvolvidas conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; no mar territorial; na plataforma continental; na zona econômica exclusiva; em terras indígenas ou em unidades de conservação do domínio da União; II - localizadas ou desenvolvidas em dois ou mais Estados; III - cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais do pais ou de um ou mais Estados; IV - destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN; v - bases ou empreendimentos militares, quando couber, observada a legislação específica" (Art. 4o, Resolução CONAMA 237/97). A publicação desta Resolução, em seu anexo, consta das atividades ou empreendimentos sujeitos ao licenciamento ambiental. Constituição Federal A Constituição Federal de 1988 esteve alinhada com os objetivos do PNMA, quando em seu Artigo 225 garantiu a todos os brasileiros o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, e o definiu como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, cabendo ao poder público e a coletividade o dever de defende-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. No Artigo 225 § 1, diz ainda que a instalação de atividades causadoras de significativa degradação ao meio ambiente necessitarão de estudo de impacto ambiental, o qual deverá ter publicidade.

Debates acirrados Quando se discute o tema licenciamento ambiental no Brasil observamos duas perspectivas: 1. Do ponto de vista dos problemas concretos relacionados ao licenciamento ambiental, identifica-os, discute-os e sugere caminhos para ajudar na solução dos problemas; 2. Contribui com a percepção e a legitimidade da discussão de determinados problemas relacionados ao tema que os atores têm de assumir publicamente. Parte do posicionamento público dos setores sociais envolvidos nos conflitos relacionados ao licenciamento ambiental, normalmente, só levam em conta seus problemas. A sistematização e discussão de toda problemática relativa ao tema, de forma conjunta, contribuem para uma visão mais sistêmica da situação, e lança as bases para um processo de discussão mais qualificado, sobretudo com os diversos atores reconhecendo a legitimidade dos problemas e posições uns dos outros. Em meio a esta dicotomia, tomada como premissa, os diversos atores envolvidos no processo de licenciamento ambiental há o consenso de que é preciso haver mudanças na aplicação deste instrumento de gestão, de modo a tornálo mais eficiente ou que, ao menos deixe de ser percebido como algo ineficiente. O tempo da licença: órgão fragilizados x estudos ambientais ruins Um Estudo do Banco Mundial constatou que a Licença Prévia no Brasil é emitida em média em 2,7 anos, sendo responsável por quase 80% do tempo que o empreendimento leva para obter a Licença de Instalação (3,4 anos) e que a elaboração do Termo de Referência (1,1 ano) representa 40% do tempo necessário a obtenção da LP (Banco Mundial, 2008).


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Na prática, de acordo com o levantamento feito pelos consultores do Banco Mundial, em média, o IBAMA gasta 394 dias para dizer o que deve conter no Estudo de Impacto Ambiental e o empreendedor leva 219 dias para fazer todo o estudo. Uma análise mais detalhada, observamos que há uma contradição, no mínimo curiosa, uma vez que, em tese, os estudos ambientais são complexos e demandam pesquisa de campo, em fontes secundárias e muitas vezes a formulação de dados primários. Vejamos como exemplo o tempo de tramitação de cada fase do processo de licenciamento de uma UHE, licenciada pelo IBAMA, segundo dados do Banco Mundial (2008). Tempo de tramitação de cada fase do processo de licenciamento de uma UHE Fases do Licenciamento

Envio do TR pelo IBAMA ao empreendedor

Até a entrega do EIARIMA ao IBAMA

Até a última audiência pública

Até a emissão da LP

Até o empreendedor requerer a LI

Até o IBAMA emitir a LI

Até a emissão da LO

Média (dias) acumulada DP (dos dias acumulados) Média (anos) acumulada

394 394 156

219 613 273

263 876 395

82 958 538

145 1.103 458

132 1.235 486

1.100 2.335 515

1,1

0,6

0,7

0,3

0,4

0,4

3,1

1,1 0,4

1,7 0,8

2,4 1,2

2,7 1,5

3,1 1,3

3,4 1,4

6,5 1,4

DP (dos anos) acumulados

DP = Desvio Padrão; TR = Termo de Referência; LP = Licença Prévia; LI = Licença de Instalação; LO = Licença de Operação. Fonte: Banco Mundial (2008).

A demora nas fases iniciais do processo da elaboração do Termo de Referência TR (394 dias) e a Emissão da Licença Prévia (958 dias) com intervalo relativamente menor entre o envio do TR e a entrega do EIA no IBAMA (219 dias); tempo menor do que os 345 que se leva entre a entrega do EIA e a emissão da LP , tem explicações que remontam a características estruturais do sistema como um todo. A primeira característica sistêmica exposta com os dados apresentados pelo Banco Mundial e que interfere para esse quadro é a falta de um quadro técnico no IBAMA em quantidade à altura da missão do órgão. O pouco número de servidores acarreta equipe pequenas sem a multidisciplinaridade que os processos exigem e que são obrigados a tratar de assuntos que muitas vezes fogem à competência do grupo.

O gestor ambiental na época (MInistra Marina Silva) dotou de melhores condições de trabalho ao órgão ambiental. Em cinco anos, o quadro de analistas ambientais concursados no IBAMA saltou de 8 para 149 servidores, e o quadro total de analistas saltou de 78 em 2002 para 180 em 2007. Além do aumento do quadro de analistas concursados, foram feitas reestruturações internas - a Diretoria de Licenciamento e Qualidade Ambiental foi dividida em Diretoria de Qualidade Ambiental e Diretoria de Licenciamento Ambiental, dentro da qual foi criada três coordenações gerais, para cada tipologia de empreendimento: a Coordenação de Petróleo e Gás; a Coordenação de Energia; a Coordenação de Transporte, Mineração e Obras Civis


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Com o quadro de analistas concursados, o sistema fortalece na medida em que abre possibilidade para formação continuada da equipe, conformação de memória institucional e aprimoramento da expertise do quadro de analistas. Segundo o Banco Mundial, a falta de um quadro técnico com qualificação adequada contamina todo o processo. O exíguo quadro técnico de analistas ambientais demanda que a mesma equipe cuide de mais de um empreendimento, o que impossibilita, por exemplo, idas a campo freqüentes, ou em momentos nevrálgicos do processo, a fim de conhecer e entender melhor a dinâmica social, econômica, física e biológica da região onde se quer instalar o empreendimento. A falta de um corpo técnico grande e com formação diversificada contribui para que os TR's em algumas situações sejam frágeis, o que demanda pedidos complementares quando o EIA já esta finalizado e entregue. Esse quadro, de certa forma, torna a equipe de analistas do IBAMA dependente dos consultores que preparam os EIA's, uma vez que os profissionais contratados pelo empreendedor dominam temas que a equipe de analistas pouco conhece, ou as vezes desconhece; por outro lado, a demanda de trabalho não permite que possam se aprofundar e entender melhor uma determinada situação. O tempo aquém do necessário para que cada equipe de analista dedica a cada projeto em análise interfere também as vistorias em capo de duas formas: a) Pouco tempo para cada visita a campo; b) Em função da limitação de tempo, os consultores ficam sujeitos à programação feita pela equipe de consultores do EIA, que conhece a região e das características do projeto e acabam não

tendo controle sobre aquilo que será vistoriado pelos analistas. A falta de estrutura adequada por parte do IBAMA e a legislação contribuem para que o empreendedor tenha controle financeiro, técnico e político de praticamente todo o processo de licenciamento. Não há tempo, nem condições administrativas que contribuam para que o corpo técnico do IBAMA possa buscar fora do órgão conhecimento quando necessário. Demandas geradas por situações novas em relação à experiência acumulada no órgão ou com alto grau de complexidade podem ficar sem solução adequada. Quando isso ocorre, o procedimento tem sido solicitar ao empreendedor que esclareça a dúvida ou até formalize juízo técnico a respeito do tema. Para exemplificar, o caso da UHE Tijuco Alto, no seu primeiro licenciamento, o IBAMA solicitou que os estudos ambientais fossem até a foz do rio Ribeira. No segundo processo de licenciamento, o TR não previu estudos até a foz do rio. Os questionamentos lançados em audiência pública, a respeito da necessidade ou não de estudos até a região estuarina, que poderia ser impactada devido a alteração da cunha salina, foram respondidas pelos consultores contratados pelo empreendedor e não pelo IBAMA, quem deveria dizer porque mudou o critério em relação à extensão dos estudos. Nas audiências, técnicos do IBAMA respondiam que as decisões no órgão eram tomadas com base nas informações técnicas disponíveis. A discussão técnica entre analistas e consultores em torno do EIA esteve pautada por uma disputa dos rumos dos estudos. No Estudo de Impacto Ambiental da PCH Tijuca Alto a CNEC (empresa de consultoria contratada pela CBA) apresentou um parecer de um de


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seus consultores de que não haveria impacto da UHE na região estuarina. No entanto, no coletivo de educadores de Lagamar, apresentou outro estudo, que concluía exatamente o oposto. No final, prevaleceu os argumentos apresentados pela CNEC. Para o Banco Mundial (2008) o mito do licenciamento ambiental como obstáculo burocrático a ser removido pelo empreendedor o leva a minimizar sistematicamente sua importância face aos interesses econômicos do empreendimento. Isso explica, em parte, a baixa qualidade dos estudos de impacto ambiental e o nível técnico do diálogo mantido durante o licenciamento entre a equipe de técnicos vinculados ao empreendimento e os órgãos licenciadores.


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CAPÍTULO 4 ESTUDOS AMBIENTAIS


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Estudos ambientais definidos legislação federal

pela

A definição dos estudos ambientais necessários ao licenciamento ambiental são definidos pelo órgão licenciador. Entretanto, nos empreendimentos que tenham o potencial de causar degradação significantiva, sempre será exigido o Estudo de Impacto Ambiental, nos termos da legislação. Diversos tipos de estudos foram criados, por diferentes instâncias, sejam Federais, Estaduais ou Municipais com o intuito de fornecer as informações e análises técnicas para subsidiar o processo de licenciamento. O termo "estudos ambientais" foi definido pela Resolução CONAMA no 237/97 para englobar diferentes estudos:

[...] são todos e quaisquer estudos relativos aos aspectos ambientais relacionados à localização, instalação, operação e ampliação de uma atividade ou empreendimento, apresentados como subsídio para a análise da licença requerida, tais como: relatório ambiental, plano e projeto de controle ambiental, relatório ambiental preliminar, diagnóstico ambiental, plano de manejo, plano de recuperação de área degradada e análise preliminar de risco (Art. 1o, Inciso III, Resolução CONAMA no 237/97)

Muitas normas adicionais foram estabelecidas para orientar o licenciamento ambiental de atividades específicas, estipulando a necessidade de apresentação de estudos ambientais ou procedimentos simplificados. O quadro a seguir mostra as principais resoluções do CONAMA que trata da questão. É interesse observar, por meio da cronologia das resoluções citadas, o tipo de projeto que mais atraía a atenção: no início, foram os empreendimentos do setor elétrico, principalmente usinas hidrelétricas, seguidos de projetos de mineração. Com efeito, quando a Resolução CONAMA no 01/86 foi publicada, exigindo a apresentação de estudos de impacto ambiental, várias barragens estavam em construção ou em

fase avançada de projeto, quase todas pertencentes a empresas estatais, e foi preciso clarificar a função do EIA no planejamento. Assim, a Resolução no 6/87: Na hipótese dos empreendimentos de aproveitamento hidroelétrico, respeitadas as peculiaridades de cada caso, a Licença Prévia (LP) deverá ser requerida no início do estudo de viabilidade da Usina; a Licença de Instalação (LI) deverá ser obtida antes da realização da Licitação para construção do empreendimento e a Licença de Operação (LO) deverá ser obtida antes do fechamento da barragem. (Art. 5o, Res. CONAMA no 6/87).

Segundo essa resolução, o Estudo de Impacto Ambiental deve ser apresentado para obtenção da LP, enquanto, para solicitação da LI, um novo estudo ambiental deve ser preparado, denominado Projeto Básico Ambiental. Já os empreendimentos de mineração rapidamente formaram a maior parcela dos estudos de impacto ambiental protocolizados nos órgãos ambientais de vários Estados. Tal fato não se devia a uma inusitada proliferação de novos projetos, mas à busca de regularização de centenas de empreendimentos que já funcionavam sem as devidas autorização do DNPM e mesmo sem licença ambiental nos Estados que já a exigiam. As duas Resoluções do CONAMA no 9/90 e no 10/90, estipularam a obrigatoriedade da licença e os documentos necessários para requerê-la. Para solicitação de LP, deveria ser apresentado um EIA, enquanto para a solicitação de LI, deveria ser preparado um Plano de Controle Ambiental. A Resolução CONAMA no 10/90, estipularam a obrigatoriedade da licença e os documentos necessários para requerê-la. Para solicitação de LP, deveria ser apresentado um EIA, enquanto para a solicitação da LI, deveria ser preparado um Plano de Controle Ambiental.


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A Resolução no 10/90 abriu a possibilidade de dispensa de apresentação do EIA, a critério do órgão licenciador, caso em que outro documento deveria ser apresentado, denominado Relatório de Controle Ambiental. Observe-se que, por meio das três Resoluções citadas, foram criadas nada menos que três novos tipos de estudos técnicos - Projeto Básico Ambiental, Plano de Controle Ambiental e Relatório de Controle Ambiental - que a resolução CONAMA no 237/97 viria a denominar de estudos ambientais. Novas resoluções para guiar o licenciamento de outros tipos de empreendimentos surgiram somente dez anos depois. Nesse ínterim, os órgãos ambientais estaduais aperfeiçoaram seus procedimentos, ou mesmo os criaram. Nesse processo, foram publicadas por esses órgãos outras normas aplicáveis a determinados tipos de empreendimentos. Termos de referência Um dos objetivos dos termos de referência (scoping) é o de formular diretrizes para a preparação de estudos ambientais. Dessa forma, é normalmente sintetizado um documento que recebe o nome de Termos de Referência ou Instruções Técnicas. Há diferentes maneiras ou estilos de preparar os termos de referência. Alguns são extremamente detalhados, podendo estabelecer obrigações para o empreendedor e seu consultor quanto à metodologia a ser utilizada para levantamentos de campo, quanto à forma e freqüência de consultas públicas a serem realizadas durante o período de preparação do estudo de impacto ambiental, e ainda quanto à forma de apresentação dos estudos, por exemplo definindo de antemão as escalas dos mapas a serem apresentados. Outras listam os pontos principais que devem

ser abordados, deixando ao empreendedor e seu consultor a escolha das metodologias e procedimentos. A Comissão Européia recomenda que as diretrizes para a elaboração de um estudo de impacto ambiental incluam (European Comission, 2001): 1) alternativas a serem consideradas; 2) estudos e investigações de base que devam ser realizados; 3) métodos e critérios a serem usados para a previsão e avaliação dos efeitos; 4) medidas mitigadoras que devam ser consideradas; 5) organização que devam ser consultadas durante a realização dos estudos; 6) a estrutura, o conteúdo e o tamanho do EIA. Exemplos de termos de referências que estabelecem detalhes do EIA a ser realizado em projetos de mineração. No primeiro exemplo, trata-se de um extrato de termos de referência para realização de um estudo de impacto ambiental de um projeto de mineração de pequeno porte. O termo de referência cita especificamente algumas espécies de fauna ameaçadas de extinção cuja presença na área era suspeita, pois levantamentos anteriores em escala regional haviam encontrado indícios de sua ocorrência. Essas espécies caracterizam-se como componentes valorizados do ecossistema. Nem sempre os termos de referência chegam a este nível de detalhe, o que ocorreu aqui devido à existência de um RAP que precedeu o planejamento do EIA e que, por sua vez, utilizou dados de um levantamento anterior realizado voluntariamente pela própria empresa interessada.


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O segundo exemplo, trata-se do extrato de termos de referência para realização de um estudo de impacto ambiental de um projeto de mineração de grande porte. Case 1. Extrato de termo de referência pare realização de um estudo de impacto ambiental de um projeto de mineração de pequeno porte. VEGETAÇÃO O ESTUDO DA VEGETAÇÃO REMANESCENTE INCLUIRÁ: Realização de levantamento botânico das diferentes fisionomias presentes na área de influência direta; os locais onde forem realizadas amostragens deverão ser identificadas em planta em escala 1: 10.000. Mapeamento das formas vegetais em escala 1:10.000 e determinação do seu estágio sucessional; Delimitação em carta 1: 10.000 das áreas de preservação permanente; Quantificação e qualificação de quaisquer intervenções necessárias para melhoria dos acessos, implantação do pátio ou quaisquer outras atividades; FAUNA - O ESTUDO DA FAUNA NATIVA INCLUIRÁ: Levantamento de campo da ornitofauna, realizado pelo menos quatro campanhas trimestrais; o levantamento deverá ser realizado por observação direta, vocalização e outros métodos usuais, visando identificar as espécies de aves de ocorrência na área; as campanhas deverão ter duração suficiente para permitir a identificação do maior número possível de espécies; as áreas onde forem realizadas observações e levantamentos deverão ser localizadas em planta em escala 1:10.000; Estudos específicos visando a confirmar a presença de Pyroderus scutatus, Anthus lellmayn, Anthus natterreri e Taoniscus nanus na área de influência direta; Descrição de outras comunidades faunísticas, com ênfase em mamíferos e répteis; esses grupos faunísticos deverão ser descritos através de meios diretos ou indiretos, tais como observações, entrevistas, visualização de rastros e outros métodos que não incluem coleta.

O atendimento às orientações dos termos de referência pode tomar várias formas no EIA. Algumas exigências podem ser tratadas no texto principal, enquanto a compreensão de estudos de detalhe pode ser facilitada se o estudo for apresentado de forma completa em anexo. Uma deferência ao leitor (incluindo o analista do órgão governamental responsável) é indicar com clareza em que parte C do EIA encontra-se a resposta às questões levantadas. Isso pode ser feito com quadros explicativos que relacionem as questões levantadas com os capítulos e seções do EIA em que possam ser encontradas as informações e análises requeridas. O quadro a seguir traz, como exemplo, a indicação de onde podem ser encontradas respostas às questões levantadas durante reuniões públicas de scoping para o EIA de um projeto de perfuração de petróleo no mar. Neste caso os autores do EIA optaram por colocar quase tudo como estudos individualizados, mas esta não é necessariamente a melhor resposta em todos os casos; tal estratégia requer atenção especial da equipe coordenadora, não somente para assegurar coerência entre os diversos estudos especializados realizados, mas também para integras as análises e conclusões de cada especialista no estudo principal.


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Case 2. Extrato de termo de referência pare realização de um estudo de impacto ambiental de um projeto de mineração de grande porte. Visão Geral Propósito do EIA Questões - Chave A questão crítica para a proposta é provavelmente a gestão das atividades mineiras e de transporte em um enclave próximo à Zona de Amortecimento do Parque Nacional de (...). É portanto, crítico que o EIA mostre uma compreensão detalhada da paisagem e dos valores sociais da área e se eles estão representados em outros locais. Os valores de conservação das áreas a serem perturbadas devem ser examinados em detalhe (...) Neste caso, as questões-chave deveriam incluir: a) as razões para escolha do local da mina e do corredor de transporte; b) flora, fauna e ecossistemas; c) paisagem e valores recreativos; d) gestão da água: (1) suprimento de água subterrânea, necessidades de bombeamento, zonas de influência, impactos na flora, fauna e comunidades vegetais; (2) desaguamento e efluentes, erosão e assoreamento (...) Consulta e Participação Pública Apresentar uma descrição das atividades de consulta e participação públicas desenvolvidas pelo proponente durante a preparação do EIA. Deve-se descrever as atividades, datas, grupos e indivíduos envolvidos, e os objetivos das atividades. Deve-se fazer referências aos itens do EIA que indiquem claramente como as preocupações da comunidade serão tratadas no projeto (...) Lista Detalhada de Compromissos Ambientais Os compromissos assumidos pelo proponente devem ser claramente definidos e listados separadamente (...). Os compromissos devem ser numerados e incluir: a) responsável; b) descrição; c) cronograma; d) a qual órgão deverá atender. Todos os compromissos passíveis de auditoria feito no corpo do EIA devem ser resumidos na lista.

Case 3. Algumas das questões ambientais relevantes em um projeto de exploração de petróleo. POLUIÇÃO E GESTÃO DE RESÍDUOS Questões-chave Ações para tratar as questões-chave Derramamento de Modelagem de óleo dispersão (apêndices A, B e E) Poluição resultante Estudo (apêndice C) de lamas de perfuração Outras formas de Discutido no Capitulo poluição 3 Impactos causados A empresa respeitará por ruptura ou todos os requisitos deriva de de segurança plataformas (como marítima e códigos colisões com de segurança navios) MEIO BIOFÍSICO Questões-chave Ações para tratar as questões-chave Impactos em áreas Estudo especializado úmidas costeiras "L" Impacto sobre Estudo especializado Gracilaria (alga) "J" Impacto sobre Estudo especializado estoques de "K" lagostas Impacto sobre Estudo especializado maricultura "D" Impacto sobre Estudo especializado estoques "C" pesqueiros Impacto sobre aves Estudo especializado costeiras "E" Impacto sobre aves Estudo especializado pelágicas "E" Impacto sobre focas Estudo especializado "F" Impacto sobre Estudo especializado golfinhos e baleias "G" Danos e situação Situação atual ambiental atual. avaliada nos vários estudos especializados

Para auxiliar na preparação de termos de referência, existem diretrizes para a seleção de questões relevantes, assim como modelos de termos de referência produzidos por diferentes organizações como o Banco Mundial, a Comissão


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Européia e, no Brasil, pelo Ministério do Meio Ambiente (por exemplo, Ministério do Meio Ambiente/Ibama, Manual de Normas e Procedimentos para Licenciamento Ambiental no Setor de Extração Mineral, Brasília, MMA, 2001) pela CETESB e Secretarias Estaduais de Meio Ambiente. No Brasil há poucas as jurisdições que adotam uma sistemática estrutura de preparação de termos de referência. No Estado de São Paulo a Resolução SMA No 42/94 estabeleceu modificações dos procedimentos de AIA, entre as quais, aquela que o proponente deve apresentar um documento denominado Plano de Trabalho, no qual se expõem o conteúdo sugerido para o EIA e os métodos de trabalho a serem empregados (por exemplo, nos levantamentos para o diagnóstico ambiental, ou na análise dos impactos). De acordo com esta regulamentação, o interessado prepara um Plano de Trabalho, "que deverá explicar a metodologia e o conteúdo dos estudos necessários à avaliação de todos os impactos ambientais relevantes do Projeto, considerando, também, as manifestações escritas (...), bem como as que forem feitas na Audiência Pública, se realizada". O Plano de Trabalho é analisado pela Secretaria de Meio Ambiente, que, ao aprová-lo (muitas vezes com modificações), emite os termos de referência, documento oficial para nortear a elaboração dos estudos. Esta medida esta assim explicita: [...] com base na análise do Plano de Trabalho, do RAP (Relatório Ambiental Preliminar) e de outras informações constante do processo, o DAIA (Departamento de Avaliação de Impacto Ambiental) definirá o Termo de Referência (TR), fixando o prazo para elaboração do EIA e Rima, publicando sua decisão[...]. No Rio de Janeiro, denomina-se Instruções Técnicas o documento pelo qual o órgão regulador estabelece

oficialmente o conteúdo dos estudos a serem apresentados: A Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente - FEEMA orientará a realização de cada Estudo de Impacto Ambiental através de Instruções Técnicas - IT específica, de forma a compatibilizálo com as peculiaridades do projeto, as características ambientais da área e a magnitude dos impactos ( Art. 2o, Lei no 1.356 de 3 de outubro de 1988). A Resolução CONAMA 1/86 já estabelecia que cada estudo deve ser objeto de diretrizes específicas: Ao determinar a execução de estudo de impacto ambiental, o órgão estadual competente, ou o IBAMA ou, quando couber, o Município, fixará as diretrizes adicionais que, pelas peculiaridades do projeto e características da área, forem julgadas necessárias, inclusive os prazos para conclusão e análise dos estudos (Art. 5o, Parágrafo único, Res. CONAMA 1/86).Em alguns Estados, as atividades preliminares de preparação de estudos ambientais, resultam em um documento que sintetiza os resultados de uma avaliação ambiental inicial e aponta os impactos mais importantes. Essa é, teoricamente, uma das funções do Relatório Ambiental Preliminar - RAP empregado no Estado de São Paulo. Diretrizes para identificação questões relevantes

das

Ao planejar um estudo de impacto ambiental, o analista depara-se com a necessidade de estabelecer critérios para incluir ou excluir determinado impacto potencial da relação daqueles que merecerão estudos e levantamentos detalhados durante a preparação dos estudos. Ou seja, quais serão os impactos significativos de um projeto em analise? Identificar as questões relevantes para um estudo ambiental é o método para se estabelecer seu escopo. Há na literatura e documentos oficiais inúmeros critérios que poderiam ser adotados para tentar responder a essa pergunta, mas, em termos práticos, pelo


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menos três tipos de critérios têm se mostrado úteis para definir as questões relevantes em um estudo de impacto ambiental: 1) a experiência profissional dos analistas; 2) a opinião do público (sociedade); 3) requisitos legais. Os requisitos legais formam o grupo mais evidente de critérios para selecionar as questões relevantes. Trata-se de questões que a sociedade consideram relevantes, haja vista que foram incorporadas à legislação ou regulamentos decorrentes dessas leis. Alguns exemplos de requisitos legais existentes: 1) proteção de espécies da flora e fauna ameaçadas de extinção 2) proteção de ecossistemas que desempenham relevantes funções 3) ecológicas, como recifes de coral, manguezais e outras áreas úmidas; 4) proteção de bens históricos e arqueológicos; 5) proteção do patrimônio natural, como cavernas e paisagens notáveis; 6) proteção de modos de vida tradicionais e outros elementos valorizados da cultura popular; 7) restrição de atividades em áreas protegidas, como unidades de conservação; 8) restrição ao uso do solo, estabelecidas em zoneamentos, planos 9) diretores e outros instrumentos de planejamento territorial. Muitos desses requisitos estão presentes em convenções internacionais, o que realça seu caráter universal e de interesse comum da humanidade. O fato de um tratado internacional haver sido aprovado pelo Congresso Nacional, ratificado internacionalmente e promulgado pelo Presidente da

República faz com que tratado a integrar o ordenamento jurídico nacional, internalizado segundo o processo legislativo instituído pela Constituição Federal. Alguns tratados internacionais sobre a proteção de recursos ambientais e culturais são: • Convenção de Ramsar sobre Áreas Úmidas de Importância Internacional, especialmente como hábitat de aves aquáticas (1971); • Convenção sobre Salvaguarda do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural (1972); • Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies de Fauna e da Flora Selvagens em Perigo de Extinção (CITES) (1973); • Convenção sobre o Direito do Mar (1982); • Convenção sobre a Diversidade Biológica (1992); • Convenção sobre Mudança do Clima (1992); • Convenção sobre a Proteção do Patrimônio Cultural Subaquático (2001). A existência de um requisito legal significa não somente que um impacto que possa afetar o bem ou o recurso designado seja potencialmente significativo, mas também que tais impactos merecerão atenção particular nos estudos ambientais, seja para melhor conhecer como os bens ou recursos serão afetados, seja para orientar a busca de alternativas de projeto para evitar ou reduzir os impactos, seja, ainda, para alertar para a necessidade da formulação de medidas mitigadoras para reduzir a magnitude e a importância dos impactos. Documentos elaborados por entidades reconhecidas intergovernamentais, nãogovernamentais ou profissionais, também podem servir de referência para a seleção de questões relevantes. Um exemplo, são as conhecidas "Listas


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Vermelhas de Espécies Ameaçadas de Extinção", sejam de espécies da fauna e da flora, promovidas pela IUCN - União Internacional para a Conservação da Natureza e seus Recursos, entidade nãogovernamental sediada na Suíça. É importante ressaltar que o gestor do processo de avaliação de impacto ambiental tem um papel de maior importância na definição dos termos de referência, ao integrar as demandas e pontos de vista de todos os interessados. Caso contrário, as várias rodadas de consultas poderão levar a uma somatória de questões a serem tratadas no estudo de impacto ambiental, fazendo-o novamente perder o foco e anulando o objetivo do Termo de Referência. Não é por outra razão que a regulamentação americana exige que sejam deixados claros os critérios, tanto de inclusão como de exclusão de itens, no estudo de impacto, chegando ao ponto de determinar que se estabeleçam limites máximos ao número de páginas de um EIA. Se um estudo detalhado e especializado faz parte de um EIA, então suas conclusões e recomendações devem ser incorporadas ao EIA e claramente explicadas ao leitor. Infelizmente, nem sempre é o que acontece. Alguns coordenadores parecem se contentar em anexar estudos, ao passo que órgão ambientais ainda aceitam estudos fragmentados e pouco conclusivos. Há um consenso, entre gestores, consultores e cientistas que muitos destes estudos de impacto ambiental apresentam sérias deficiências por não seguirem as etapas básicas do processo descritivo de composição faunística. Surge então a Instrução Normativa do IBAMA No. 146 (IN-146), publicada em 10 de janeiro de 2007, que normatiza os métodos a serem utilizados em Estudos de Impacto Ambiental, sobretudo quanto ao estabelecimento de "critérios para procedimentos relativos ao manejo de fauna silvestre em áreas de influência de empreendimentos e atividades consideradas efetiva ou

potencialmente causadoras de impacto à fauna sujeitas ao licenciamento ambiental". Em suma, uma boa prática de Avaliação do Impacto Ambiental recomenda que a seleção das questões relevantes seja uma etapa formal do professo de avaliação, e que os estudos ambientais sejam dirigidos para os impactos potencialmente significativos. Os Termos de Referência, preparados antes da realização dos estudos ambientais, deveriam orientar os estudos de base para que estes coletem os dados necessários para a análise dos impactos ambientais relevantes e ajudem a definir as medidas de gestão que assegurem efetivamente proteção ambiental caso o projeto venha ser aprovado. Qualidade dos ambientais

estudos

técnicos

Os problemas relacionados aos estudos de impacto ambiental são recorrentes e foram sistematizados no estudo do Banco Mundial (2008) a partir de publicação da Escola Superior do Ministério Público da União (2004). Este estudo apontou que o problema da qualidade técnica dos EIA-RIMAS foi identificado por todos os atores do processo de licenciamento ambiental. As análises deste estudo confirmaram esse entendimento e corroboram trabalho preparado pela Câmara de Coordenação do Ministério Público Federal. As deficiências nos trabalhos técnicos apresentados nos processos de licenciamento interfere negativamente nos prazos de liberação das licenças, pois o órgão licenciador ao solicitar complementações abre precedente para a intervenção do Ministério Público e a judicialização do processo. A solução dos problemas que dificultam a boa aplicação deste instrumento de gestão, passa pela percepção das responsabilidades que cabe a cada um dos atores envolvidos no processo.


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Principais deficiências encontradas nos EIA's, nos estudos da Escola Superior do Ministério Público da União em 2004. Tema Atendimento ao Termo de Referência Objetivo do Empreendimento

Deficiência - Ausência de pesquisa e análise adequada - Requerimentos passados pelo órgão licenciador na fase posterior do empreendimento - Omissão, ou registro superficial, da relação do projeto específico com o conjunto da obra ao qual se filia - Apenas parte do empreendimento é proposta para análise Estudo de - Ausência de proposição de alternativas alternativas - Proposta de alternativas reconhecidamente inferiores à tecnológicas selecionada no EIA - Prevalência nos aspectos econômicos sobre os ambientais na escolha de alternativas - Comparação de alternativas a partir de bases de conhecimentos diferenciadas Delimitação das - Desconsideração da bacia hidrográfica áreas de - Delimitações desconhecendo a real situação ambiental e influência social da área Diagnóstico - Prazos insuficientes para a realização de pesquisas de ambiental campo - Caracterização da área baseada predominantemente em dados secundários - Ausência ou insuficiência de informações sobre a metodologia utilizada - Falta de integração dos dados de estudos específicos Identificação, - Não-identificação ou identificação parcial de determinados caracterização e impactos análise de - Identificação de impactos genéricos e impactos impactos mutuamente excludentes - Não-utilização ou subutilização de dados dos diagnósticos - Desconsideração ou subestimação de impactos cumulativos ou sinergéticos - Tendência a minimização ou subestimação de impactos negativos e a supervalorização de impactos positivos Mitigação e - Proposta de medidas que não mitigam o impacto compensação de - Identificação de medidas pouco detalhadas impactos - Obrigações legais apresentadas como medidas mitigadoras - Ausência de avaliação de medidas mitigadoras - Reassentamento involuntário de populações com base em diagnósticos inadequados - Não-incorporação de propostas dos grupos sociais afetados - Proposta de criação de Unidades de Conservação de categoria incompatível com a lei - Ausência de informações detalhadas acerca dos recursos financeiros destinados aos programas e projetos ambientais Programas de - Erros conceituais na indicação de monitoramento acompanhamento - Ausência de programa de monitoramento de impactos e monitoramento específicos / programa insuficiente ambiental - Estipulação de prazos de monitoramento incompatíveis com a época de ocorrência de impactos


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Conclusões O consultor, na preparação de um estudo de impacto ambiental não pode prescindir de um planejamento que inclua a determinação daquilo que é relevante e, portanto, deve ser analisado em profundidade nos estudos. A qualidade dos EIA's - e, por conseguinte, a qualidade da decisão que será tomada - depende de um planejamento criterioso e de termos de referência cuidadosamente preparados, necessariamente com consulta pública. A definição do escopo de um estudo ambiental estabelece a meta a ser atingida. Conhecendo-a, o coordenador do estudo e sua equipe podem preparar seu mapa de navegação, definindo os caminhos a serem percorridos. Vale aqui a citação de Kuhn (1970) acerca da função dos paradigmas para nortear a pesquisa científica: Na ausência de um paradigma ou de algum candidato a paradigma, todos os fatos pertinentes ao desenvolvimento de uma dada ciência parecem ser igualmente relevantes. Em conseqüência, a coleta de dados é uma atividade quase aleatória [...]. Ademais, na ausência de uma razão para buscar alguma forma particular de informação [...], a coleta é usualmente restrita à riqueza de dados ao alcance da mão. O termo de referência (scoping) significa estabelecer hipótese, e sem elas não há como ordenar a realização de estudos ambientais. Em avaliação de impacto ambiental, não se trata nem de investigar a natureza nem a sociedade (EIA não tem o propósito de produzir conhecimento, embora ocasionalmente posa fazê-lo), mas de estabelecer relações, usando métodos e critérios científicos.

A definição do escopo de um estudo ambiental formula problemas, que devem ser respondidos no desenvolvimento dos estudos e, como se sabe, um problema bem formulado já traz metade da solução.


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CAPÍTULO 5 PLANEJAMENTO E ELABORAÇÃO DE ESTUDO AMBIENTAL


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Planejamento e Elaboração de Estudo Ambiental No processo de avaliação de impacto ambiental, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) é o mais importante documento. É com base neste documento que serão tomadas as principais decisões quanto à viabilidade ambiental de um projeto, quanto à necessidade de medidas mitigadoras ou compensatórias e quanto ao tipo e alcance dessas medidas. Dado ao caráter público do processo, este documento servirá, também, de base para as negociações que poderão se estabelecer entre empreendedor, governo e partes interessadas. No Brasil há inúmeros tipos de "estudos ambientais" (expressão introduzida formalmente pela Resolução CONAMA no 237/97), incluindo o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), o Plano de Controle Ambiental (PCA), o Relatório de Controle Ambiental (RCA), o Relatório Ambiental Preliminar (RAP), além de estudos de aplicação circunscrita a certos tipos de empreendimentos, como o Plano de Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD), utilizado largamente no setor de mineração, e o Projeto Básico Ambiental (PBA), empregado para projetos do setor elétrico. Apesar de distintos, todos esses estudos baseiam-se no formato e nos princípios do EIA, que estamos abordando como modelo de referência. A metodologia básica para planejamento e elaboração de um estudo de impacto ambiental pode, portanto, com as devidas adaptações e proporções, ser utilizada para qualquer um dos estudos ambientais. Perspectivas contraditórias da realização de um estudo ambiental Um estudo de impacto ambiental é feito para uma determinada proposta de

empreendimento ou projeto de interesse econômico ou social, que requerem a realização de intervenções físicas no ambiente (obras), que por sua vez, podem causar impactos ambientais, e que podem ser genericamente classificados como "empreendimento " ou "projeto". Uma das finalidades da avaliação de impacto ambiental é auxiliar na seleção da alternativa mais viável, em termos ambientais, para se atingir determinados objetivos. Por exemplo, a AIA pode ser empregada para selecionar o melhor traçado para uma rodovia. Embora a formulação de alternativas seja central em avaliação de impacto ambiental, as etapas descritas adiante não incluem a comparação de alternativas. Há duas perspectivas bem diferentes para a elaboração de um EIA, comumente chamadas de Abordagem Exaustiva e Abordagem Dirigida. A Abordagem Exaustiva buscam um conhecimento quase enciclopédico do meio e supõe que quanto mais se disponha de informação, melhor será a avaliação. resultam longos e detalhados estudos de impacto ambiental, nos quais a descrição das condições atuais - o diagnóstico ambiental - ocupa a quase totalidade do espaço. Esta abordagem é chamada, jacosamente, de "abordagem do taxonomista ocupado", que consiste em elaborar listas completas de espécies de flora e fauna da área de influência do empreendimento em estudo, o que consome a maior parte do esforço, do tempo e do dinheiro disponíveis para o EIA e desdenha o estudo das relações funcionais entre os componentes do ecossistema. Isso não significa que inventários de fauna e flora sejam desnecessário para uma avaliação de impacto ambiental, mas, simplesmente, que a função de tais levantamentos precisa ser estabelecida ser estabelecida antes do início de cada estudo - e em muitos casos eles podem


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simplesmente não ter utilidade. Outro exemplo comumente encontrado em EIA's é o das descrições extensas da geologia regional, sem que daí se tire qualquer informação diretamente utilizável para analisar os impactos do empreendimento, e muito menos para gerenciá-lo. O mesmo vale para extensas compilações de dados sociais e econômicos. Ao extrair uma passagem de um EIA ilustra esta abordagem exaustiva: "A finalidade principal (dos trabalhos realizados) foi a de reunir todos os dados existentes, bem como de efetuar trabalhos de campo, interagindo com os demais estudos". Veja, não há nenhuma razão para reunir "todos" os dados existentes sobre um determinado assunto; o que interessa é reunir os dados necessários para analisar os impactos do empreendimento, que na maioria das vezes não existem, e devem ser produzidos. Quanto aos trabalhos de campo, tampouco podem ser a "finalidade" dos estudos - trabalhos de campo freqüentemente são um meio de coletar previamente dados não existentes e necessários para a análise dos impactos. Mais adiante, pode-se ler no mesmo capítulo desse mesmo EIA : " [...] foram relacionadas todas as publicações de interesse, visando a uma avaliação dos estudos existentes, lacunas de informações e proposições para novos estudos". Essa passagem denuncia que faltou direção e coordenação ao EIA. Propor novos estudos só excepcionalmente pode ser objetivo de um Estudo de Impacto Ambiental. Na verdade, o EIA deveria ser organizado de maneira a coletar os dados necessários e preencher as lacunas de informação relevantes para analisar os impactos; se houver alguma informação importante, mas não disponível, ela deve ser obtida.

Na Abordagem Dirigida, pressupõe que só faz sentido levantar dados que serão efetivamente utilizados na análise dos impactos, ou seja, serão úteis para a tomada de decisões. O objetivo é o entendimento das relações entre o empreendimento e o meio e não a mera compilação de informações , nem mesmo o entendimento da dinâmica ambiental em si. Afinal, a AIA não busca o conhecimento, nem ampliar as fronteiras da ciência; a AIA utiliza conhecimento e métodos científicos para auxiliar na solução de problemas práticos, concretamente o planejamento do projeto e a tomada de decisões. Como se começa o estudo de impacto ambiental? Dentro de uma abordagem exaustiva, o estudo começaria pela compilação de dados ambientais existentes acerca da região onde se pretende implantar o empreendimento. Como não há orientação prévia, é difícil discernir quais dados são relevantes, o que acaba resultando em vastas compilações, seguidas de alguns levantamentos básicos de campo, por exemplo, sobre a fauna e flora. Sob a perspectiva de uma abordagem dirigida, a primeira atividade em um EIA é a identificação dos prováveis impactos ambientais. Tal identificação é preliminar e permite um entendimento inicial e provisório das possíveis conseqüências do empreendimento. Corresponde a formulação de hipóteses sobre a resposta do meio às solicitações que serão impostas pelo empreendimento. Essa etapa será seguida de uma classificação ou hierarquização dos impactos listados, com o objetivo de selecionar aqueles mais importantes ou significativos. Somente então deve-se passar à fase de estudo das condições do meio ambiente, mas ainda assim mediante a preparação prévia de um plano de estudos.


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É claro que, para se formular essas hipóteses, é preciso dispor de um mínimo de conhecimento da região onde se pretende implantar o projeto, assim como um conhecimento do próprio projeto. Suponha-se o projeto de construção de uma barragem: é óbvio que se a área a ser inundada é usada como pasto, os impactos prováveis serão muito diferentes daqueles que adviriam se a área ativer cobertura de vegetação nativa. É evidente, então, a necessidade de dispor de um conhecimento mínimo do ambiente que poderá sofrer os impactos do projeto. Tal atividade pode ser chamada de reconhecimento, e é feita por meio de uma visita de campo, da visualização de fotografias aéreas ou imagens de satélite, de uma rápida revisão bibliográfica, de uma consulta aos órgãos públicos que detêm informações setoriais e, se possível, por meio de conversas informais com moradores ou lideranças locais. Fontes de Informações para o reconhecimento ambiental inicial da área e de seu entorno. Mapas topográficos oficiais (escalas 1:100.000 a 1:10.000) Fotografias aéreas Imagens de satélite Plantas relativas ao projeto Memoriais descritivos do projeto Estudos ambientais anteriores Breve pesquisa bibliográfica Bases de dados socioeconômicos Bases de dados ambientais Conversas com moradores locais Conversas com lideranças locais Conversas com prefeitos e funcionários públicos Tão importante quanto o reconhecimento do meio ambiente é o entendimento do projeto cujos impactos serão analisados e de suas alternativas. As atividades de preparação do terreno, o processo construtivo, a forma de operação, os

insumos e matérias-primas consumidos, os tipos de resíduos e a mão de obra empregada são algumas informações fundamentais para se planejar um estudo de impacto. Usualmente esses dados já estão disponíveis junto ao empreendedor, mesmo que o projeto não esteja detalhado, e podem ser obtidos por meio de realização de entrevistas com os responsáveis pelo empreendimento e consulta a documentos técnicos como plantas e memoriais descritivos. Mesmo quando o projeto técnico é desenvolvido paralelo aos estudos ambientais - a situação ideal - deve-se partir de informações sobre o empreendimento proposto, estejam elas formalizadas em anteprojetos ou sejam apenas intenções do proponente. Para certos tipos de empreendimentos, a empresa projetista ou o proponente dispõem de informações ambientais necessárias ao projeto e que podem ser aproveitadas nessa etapa de reconhecimento. Assim, com pouco esforço e poucas horas de trabalho, é possível realizar um bom planejamento dos estudos a serem executados. Quase sempre o próprio contexto comercial dos estudos de impacto ambiental obriga a tal exercício: é usual que as empresas e demais entidades que precisam realizar um EIA convidem duas ou três empresas de consultoria para apresentar propostas técnicas e comerciais. Como tais propostas envolvem uma descrição do trabalho a ser realizado, um mínimo de conhecimento do projeto proposto e do ambiente possivelmente afetado é imprescindível. Principais atividades na elaboração de um estudo ambiental Dentro de uma perspectiva dirigida, um EIA deve ser feito adotando-se uma seqüência lógica de etapas, cada uma dependente dos resultados da etapa anterior. Sua seqüência é extremamente


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importante, pois a maneira de se conduzir um estudo ambiental terá conseqüências sobre a qualidade do resultado final. São sete as atividades básicas na preparação de um estudo de impacto ambiental (veja figura abaixo), às quais podem ser er acrescentadas algumas atividades preparatórias ou complementares, como o estudo da legislação aplicável e dos planos e programas governamentais incidentes sobre a área do empreendimento, ou ainda alguns estudos sobre os tipos de impactos normalmente associados ociados ao projeto em análise, atividades que usualmente são realizadas nas primeiras etapas da elaboração dos estudos.

essa figura é uma sequência lógica e genérica de planejamento ejamento e preparação de um estudo de impacto ambiental. Todo EIA deve ter uma fase de planejamento antes de sua execução, e o resultado dessa fase deve ser consolidado em algum documento ou plano. O plano de trabalho descreve a estratégia de execução do estudo e os métodos que nele serão empregados. Mesmo nas jurisdições que não adotam a prática de discussão prévia de termos de referência para estudos de impacto ambiental, esse procedimento é necessário, no mínimo para que a equipe ou a empresa encarregada encarrega da preparação do EIA possa estimar seus custos ou preparar suas propostas técnica e comercial. Portanto, independentemente de requisitos legais, o bom planejamento de um estudo de impacto ambiental implica a preparação de um plano de trabalho. O quadro a seguir mostra como se pode estruturar um plano de trabalho para um EIA. A seguir, cada etapa da sequência de planejamento e execução de um EIA é apresentada de forma resumida. Conteúdo de um plano de trabalho para realização de um estudo de impacto ambiental 1. Breve descrição do empreendimento 2. Breve descrição das alternativas que serão avaliadas 3. Localização 4. Delimitação da área de estudo 5. Características ambientais básicas da área 6. Principais impactos prováveis devidos ao empreendimento empreendimen 7. Considerações sobre os prováveis impactos mais significativos 8. Estrutura proposta para o EIA e conteúdo de cada capítulo e seção 9. Metodologia de levantamentos e tratamentos de dados 10. Procedimentos de análise dos impactos 11. Formas de apresentação esentação dos resultados 12. Compromissos de consulta pública

O termo "plano de trabalho" usado na figura anterior, coincide com o termo usado na regulamentação em vigor no Estado de São Paulo. No o entanto, à parte questões terminológicas (proposta de trabalho, proposta técnica, plano de execução ou qualquer outra expressão equivalente), que não são relevantes aqui, o que se pretende mostrar com

1. Atividades preparatórias Discutimos anteriormente da necessidade de se realizar um conhecimento ambiental preliminar. Outra atividade que também a consideramos preparatória é a caracterização ização do projeto proposto e de suas alternativas. Quando a equipe


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consultora é contratada para a realização de um estudo ambiental para um dado projeto, este já pode estar razoavelmente detalhado (na forma de um projeto básico, por exemplo) ou ainda em fase conceitual. O projetista já pode estar com algumas alternativas previamente escolhidas e outras já descartadas. O conhecimento e a caracterização do projeto e suas alternativas deve, idealmente, ser tal que permita disseminar informações consistente e homogênea para todos os membros da equipe multidisciplinar, de modo tal que cada um possa desenvolver uma boa compreensão do projeto a ser analisado. Caso a equipe não tenha familiaridade com o tipo de empreendimento, nada melhor que realizar uma visita a um empreendimento similar e discutir com seus gestores. Alguns membros da equipe ambiental deverão se debruçar sobre os documentos de projeto (plantas, memoriais descritivos, memórias de cálculos, etc.) para alcançar uma compreensão detalhada das atividades e processos a serem realizados em cada etapa do ciclo de vida do empreendimento - da implantação à desativação. Além do reconhecimento ambiental preliminar e da caracterização do projeto e de suas alternativas, é conveniente, ainda como atividade preparatória, realizar uma análise da compatibilidade do projeto proposto com a legislação ambiental. As principais leis e regulamentos nacionais e estaduais normalmente já devem ser de conhecimento da equipe ambiental, mas pode ser necessário coletar legislação específica sobre o tipo de projeto, e também observar se existe legislação municipal. Uma tarefa básica é verificar se o empreendimento proposto é compatível com a legislação municipal de uso do solo. Alguns órgãos

ambientais estaduais pedem uma declaração ou certidão que ateste essa compatibilidade, sem a qual a análise do projeto não segue adiante. Caso haja impedimentos legais absolutos, naturalmente não há porque continuar com o EIA. Na verdade, essa análise já deve ser feita antecipadamente, em algum tipo de estudo preliminar de viabilidade ambiental (como um relatório ambiental preliminar). Impedimentos absolutos podem ocorrer em situações de restrições impostas por zoneamento, entre outros, mas as leis não são imutáveis, e forças políticas e econômicas podem alterar leis e tornar compatíveis com os requisitos legais empreendimentos que antes eram inviáveis. Isso não é raro no caso de empreendimentos considerados de "utilidade pública", e já houve casos em que até unidades de conservação de proteção integral foram alterados para dar lugar a esse tipo de empreendimento. Contudo, na maioria das vezes, a legislação apenas impõe restrições parciais, que devem ser conhecidas para assegurar um bom planejamento do projeto. Por exemplo, a legislação florestal designa "área de preservação permanente"o entorno de nascentes, as margens dos rios, os topos de morros, as vertentes de grande declividade e algumas outras situações. Nesses casos, deve-se fazer um levantamento de todas as restrições durante o planejamento do projeto, o que vai exigir uma interação entre a equipe ambiental e a equipe do projeto. Usando o exemplo das áreas de preservação permanente, nota-se que certos tipos de projeto podem respeitar integralmente (ou quase) as restrições, como as linhas de transmissão de energia elétrica, cujas torres podem ser localizadas fora dessas áreas e cujo traçado também pode, em larga medida, evitar corte de vegetação nativa. Já uma


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barragem é necessariamente construída barrando um rio, e portanto é inevitável que inunde áreas de preservação permanente. O quadro a seguir são mostradas as mais freqüentes atividades preparatórias para a elaboração de um estudo de impacto ambiental. Note que nem todos os EIA demandará a execução de todas essas tarefas. Atividades preparatórias usuais para realização de um estudo de impacto ambiental 1. Levantamento de bases cartográficas 2. Levantamento de fotografias aéreas 3. Aquisição de fotografias aéreas ou imagens de satélite 4. Levantamento preliminar de dados socioambientais 5. Levantamento preliminar de estudos sobre a região 6. Compilação de dados sobre o projeto e estudo dos documentos de projeto (plantas, memoriais descritivos, etc) 7. Entrevistas ou reuniões de trabalho com projetista e proponente para esclarecimentos 8. Visitas a empreendimentos similares 9. Visita de campo para reconhecimento da área do projeto e entorno 10. Conversas informais na área do projeto e entorno 11. Levantamento e análise da legislação aplicável 12. Identificação da equipe necessária 13. Orçamento para execução dos serviços

2. Identificação preliminar dos impactos prováveis A identificação dos impactos ambientais na fase preliminar consiste na preparação de uma lista das prováveis alterações decorrentes do empreendimento. Nessa fase não há preocupação com a classificação dos impactos segundo seu grau de importância, mas devem ser descartados os impactos irrelevantes. Normalmente parte-se de uma descrição do empreendimento proposto e de suas alternativas, do estudo dos documentos de projeto disponíveis (tais como estudos de viabilidade econômica, estudo de alternativas, projetos ou anteprojetos de engenharia) e de um reconhecimento do local proposto para implantação do empreendimento.

No reconhecimento é possível identificar as mais evidentes características ambientais que poderão ser afetadas pelo projeto: por exemplo, pode-se verificar a existência de diferentes tipos de vegetação, as formas de uso do solo e as atividades antrópicas realizadas no entorno, vias de acesso, características físicas do meio, como relevo, solos e rede hidrográficas, entre outras. Documentação cartográfica, fotografias aéreas e imagens de satélite costumam ser muito úteis nessa fase, pois possibilitam uma visão de conjunto do local do empreendimento e seu entorno. As demais atividades preparatórias também podem fornecer vários elementos úteis para a identificação preliminar de impactos. A análise dos impactos do empreendimento será sempre feita com base no estudo das interações possíveis entre as ações ou atividades que compõem o empreendimento e os componentes ou processos do meio ambiente, ou seja, de relações plausíveis de causa e efeito. Na etapa inicial as interações podem ser identificadas a partir de: a) Analogia com casos similares; b) Experiência e opinião de especialistas (incluindo a equipe ambiental); c) Dedução, ou seja, confrontar as principais atividades que compõem o empreendimento com o processos ambientais atuantes no local, inferindo conseqüências lógicas. d) Indução, ou seja, generalizar a partir de fatos ou fenômenos observados. Na prática, caso os profissionais envolvidos nessa etapa não tenham familiaridade com o tipo de empreendimento que será analisado, é comum se utilizar listas de verificação (check lists) e outras listagens de impactos existentes na literatura técnica.


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Um especialista no tipo de empreendimento proposto (mesmo que pouco versado em planejamento e gestão ambiental) será capaz, juntamente com uma pessoa experiente em análise de impactos ambientais, de identificar grande número de impactos prováveis. O mesmo ocorrerá se for consultado um cientista que detenha conhecimento especializado sobre o tipo de ambiente onde se pretende implantar o projeto; por exemplo, para um projeto de marina em zona de manguezais, um especialista nesse tipo de ecossistema poderá rapidamente preparar uma lista de vários impactos ambientais potenciais, que posteriormente serão validados, ou não, na seqüência dos estudos. 3. Determinação do escopo Dois empreendimentos idênticos localizados em ambientes diferentes resultarão em diferentes impactos ambientais. Da mesma forma, num mesmo local, dois projetos distintos poderão ocasionar impactos bem diferentes; por exemplo, a monocultura de cana-de-açúcar ou de soja poderá causar impactos mais extensos que uma mineração, a qual, por sua vez, pode causar impactos de grande intensidade, porém concentrados em áreas restritas. Em certos locais, uma rodovia pode causar mais impactos adversos que um gasoduto, ou vice-versa, dependendo das interações projeto x meio que poderão vir a se estabelecer. Por outro lado, sabe-se que os impactos e os riscos ambientais não são percebidos da mesma forma por pessoas ou grupos sociais diferentes. Por exemplo, o sentimento de perda ocasionado pela inundação de um cemitério indígena, ou de qualquer outro sítio sagrado de uma comunidade, dificilmente poderá ser aprendido em sua plenitude por pessoas que não façam parte daquele grupo.

Devido a essas duas razões - tanto de ordem científica como de ordem social -, alguns impactos causados por um determinado empreendimento deverão ser considerados como mais importantes que outros e, portanto, deverão receber mais atenção no estudo de impacto ambiental. Além disso, por razões de ordem prática, é impossível estudar detalhadamente todas as interações projeto x meio. Isso equivaleria a uma abordagem exaustiva, que acaba forçosamente redundante num estudo superficial, uma vez que todo EIA é realizado num contexto de limitação de recursos e de tempo. É mais eficaz e mais útil analisar com profundidade três ou quatro questões relevantes que descrever com igual superficialidade vinte ou trinta impactos ambientais abordados genericamente. Ademais, a experiência tem mostrado que, quando um determinado projeto é submetido a discussão pública no processo de avaliação de impacto ambiental, somente umas poucas questões críticas atraem a atenção dos interessados. Para estabelecer o escopo de um estudo de impacto ambiental, procede-se primeiro à identificação das questões relevantes, com emprego de métodos como: a) Analogia com casos similares; b) Experiência e opinião de especialistas; c) Consulta ao público; d) Análise das questões definidas previamente por via legal (exemplo, bens tombados, patrimônio arqueológico e paleontológico, espécies raras e áreas protegidas).

Mesmo que não exista uma formalização dessa etapa (que é obrigatória em diversas jurisdições), é impossível conceber um estudo de impacto


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ambiental que não contenha alguma forma de seleção das questões principais - muitas vezes isso se faz de maneira implícita, mas a desvantagem neste caso e que os critérios de seleção não são conhecidos do público e a equipe de analistas não tem conhecimento de suas opiniões. Nas jurisdições em que o scoping é etapa obrigatória, costuma dar lugar a um documento de orientação pra o estudo de impacto ambiental conhecido genericamente como Termos de Referência.


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CAPÍTULO 6 ESTUDO DE BASE E DIAGNÓSTICO AMBIENTAL


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Estudo de base Os estudos de base têm uma posição central na seqüência de etapas de um EIA. Eles devem ser organizados de maneira a fornecer as informações necessárias às fases seguintes do EIA, ou seja, a previsão dos impactos, a avaliação de sua importância e a elaboração de um plano de gestão ambiental; essas informações, por sua vez, são definidas em função das duas etapas posteriores, a identificação preliminar dos impactos potenciais e a seleção das questões mais relevantes. A realização dos estudos de base é certamente a atividade mais cara e mais demorada da avaliação de impacto ambiental, e é justamente por isso que deve ser planejada cuidadosamente. Depois de definir o tipo de informação que se pretende coletar, o plano de estudos deve estabelecer as escalas temporal e espacial dos estudos e os métodos de coleta, a eventual necessidade de análises laboratoriais e os procedimentos ou métodos de tratamento e interpretação dos dados. Em particular, deve-se definir se serão necessários dados primários ou secundários. Estes são dados preexistentes, publicados ou armazenados em instituições públicas, organizações de pesquisa ou pelo próprio proponente do projeto. Dados primários são aqueles levantados especialmente para o estudo de impacto ambiental, o que demandará trabalhos de campo e, conseqüentemente, maior esforço de trabalho, custo e tempo. A necessidade de se adotar uma abordagem dirigida transparece aqui. Caso contrário, a equipe técnica que elabora o EIA estará arriscada a levantar uma quantidade imensa de dados secundários disponíveis, mas absolutamente inúteis ou, pior ainda, inúmeros dados primários que posteriormente não serão utilizados para a análise dos impactos decorrentes do empreendimento. Infelizmente, isso é

bastante comum em boa parte dos estudos de impacto ambiental. Uma questão importante aqui é a definição prévia da área de estudo, ou seja, a área geográfica onde serão realizados os estudos de base, área que será objeto de coleta de dados primários ou secundários. É comum se confundir a área de estudo com a área de influência. Muitas regulamentações sobre EIAs, como a Resolução CONAMA no 1/86, requerem que a equipe determine a área de influência do empreendimento analisado. Esta não é conhecida na fase dos estudos, mas somente depois de analisados os impactos (e varia conforme os impactos afetem o ambiente físico, biótico ou antrópico). Pode ser definida como a área cuja qualidade ambiental sofrerá modificações direta ou indiretamente decorrentes do empreendimento. Por sua vez, a área de estudo é simplesmente aquela em que serão coletadas informações a fim de realizar o diagnóstico ambiental - o resultado dos estudos de base normalmente irá formar um capítulo do EIA denominado diagnóstico ambiental. Identificação e previsão dos impactos Como a avaliação de impacto ambiental é uma atividade que visa a antecipar as conseqüências futuras de decisões presentes, a previsão dos impactos é uma etapa fundamental do EIA. Previsão deve ser entendida como uma hipótese fundamentada e justificada, se possível quantitativa, sobre o comportamento futuro de alguns parâmetros, denominados indicadores ambientais, representativos da qualidade ambiental. É muito comum a confusão entre identificação e previsão dos impactos. A identificação é apenas uma enumeração das prováveis conseqüências futuras de uma ação. Também deve ser justificada e fundamentada, mas, ao contrário da previsão de impactos, não resulta da


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aplicação sistemática e dirigida de métodos e técnicas próprias de cada uma das disciplinas científicas conhecidas pelos membros de uma equipe multidisciplinar de preparação de um EIA, mas de procedimentos dedutivos e indutivos de formulação de hipóteses (que, claro, não prescindem para que as previsões sejam devidamente fundamentadas. Uma das formas de realizar previsões de impacto é a utilização de modelos matemáticos, que representam o comportamento de diferentes indicadores ambientais em função de variáveis de entrada. Assim, por exemplo, a concentração de poluentes no ar pode ser prevista a partir de informações sobre as emissões de um processos industrial e sobre as condições atmosféricas que permitem a dispersão dos poluentes emitidos. A concentração de poluentes pode ser representada por um indicador ambiental - por exemplo, a concentração de material particulado no nível do solo. No entanto, nem todos os processos ambientais, e ainda menos os sociais, podem ser modelados matematicamente, de forma que outras técnicas devem ser empregadas para a previsão de impactos, dentre as quais encontram-se as experiências e ensaios de laboratórios e de campo, a extrapolação, modelos de simulação com o auxílio de computadores, as técnicas de construção de cenários e a opinião de profissionais, baseada em analogia com casos similares ou em seu conhecimento do meio. Todas as técnicas de previsão, inclusive os modelos matemáticos, têm seus limites e produzem resultados com certa margem de incerteza. Isso é inerente à avaliação de impacto ambiental e deve ser levado em conta na elaboração EIA, durante sua análise e nas decisões que são tomadas em decorrência.

Avaliação dos impactos Enquanto a previsão dos impactos informa sobre a magnitude ou intensidade das modificações ambientais, a avaliação dos impactos discorre sobre sua importância ou significância. É importante diferenciar os dois conceitos, já que a avaliação da importância tem uma subjetividade muito maior que a previsão dos impactos, atividade esta que demanda conhecimentos especializados e a aplicação do método científico. Por exemplo, previsões de impacto em um EIA poderiam vir na forma de enunciado como: "Como o empreendimento implicará a drenagem completa da área úmida conhecida localmente como Brejo do Matão, a espécie Brejus brasiliensis, recentemente descrita e considerada endêmica da região, correrá sério risco de desaparecer". "Devido aos despejos de efluentes, e mesmo após tratamento, a concentração de zinco nas águas do corpo d'água receptor deverá atingir 10 mg/l nas piores condições de diluição, ou seja, com vazão mínima num período consecutivo de 7 dias e período de retorno de 10 anos [ Q7, 10]".

No primeiro caso, a destruição do hábitat de uma espécie que só ocorre naquele local significará muito provavelmente sua extinção, exceto se ela puder ser introduzida em hábitat semelhante ou reproduzida em cativeiro, hipóteses possivelmente desconhecidas. Dado que hoje em dia há um reconhecimento social mundial da importância da biodiversidade, tal impacto deveria ser julgado como muito importante. Na verdade, deve ser tão importante que poderia determinar a recusa da aprovação do projeto. No segundo caso, a interpretação - ou avaliação do impacto - discutirá o significado daquele rio apresentar aquela concentração de metal. Isso representa um risco para a saúde de uma


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comunidade indígena situada a jusante e que utiliza a água do rio para diversas atividades? o metal poderá se acumular nos tecidos dos peixes desse rio, peixes que fazem parte da dieta alimentar dessa comunidade, e conferir-lhes características tóxicas? É evidente que a equipe do EIA estará bem posicionada para emitir seus próprios julgamentos de valor, uma vez que, em princípio, conhece melhor que ninguém os possíveis impactos do projeto. Na verdade, deve fazê-lo avaliando a importância dos impactos que identificou e previu, mas para isso é necessário que descreva com clareza os critérios de atribuição de importância que empregou, de modo que o EIA possa ser exposto ao julgamento público e as outras opiniões. Ferramentas Induzir e/ou deduzir quais serão as conseqüências de uma determinada ação é uma das primeiras tarefas do analista ambiental. Há diversos tipos de ferramentas para auxiliar uma equipe na tarefa de identificar os impactos ambientais. Tais instrumentos foram desenvolvidos para facilitar o trabalho dos analistas, mas não se trata de "pacotes"acabados. São, na verdade, métodos de trabalho cuja aplicação demanda (i) um razoável domínio dos conceitos subjacentes; (ii) uma compreensão detalhada do projeto analisado e de todos os seus componentes; e (iii) um razoável entendimento da dinâmica socioambiental do local ou região potencialmente afetada. a) Listas de verificação Listas de verificação (checklists) são instrumentos bastante práticos e fáceis de usar. Há diferentes tipos de listas. Algumas arrolam os impactos mais

comuns associados a certos tipos de empreendimentos. Outras, indicam os elementos ou fatores ambientais potencialmente afetados por determinados tipos de projetos. A seguir, quadros que mostram respectivamente, listas de efeitos e aspectos ambientais e os impactos ambientais mais comuns tipicamente associados a projetos de mineração. Veja que no primeiro quadro, empregase a terminologia efeitos e aspectos ambientais (alteração de processos ambientais) e o segundo quadro se aplica a noção de impactos ambientais (alteração da qualidade ambiental) da norma ISO 14.001. Embora a noção de efeito ambiental e de aspecto ambiental sejam próximas, não são coincidentes, pois efeito ambiental refere-se a processos ambientais, ao passo que aspecto ambiental refere-se a atividades, ou processos tecnológicos. Com a difusão das normas ISO, o termo e o conceito aspecto ambiental tornamse cada vez mais conhecidos, deixando a noção de efeito ambiental em posição secundária.


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Todas estas listas são genéricas, descrevem impactos por categorias de projeto e não projetos individuais. São úteis para uma primeira aproximação à identificação dos impactos de um projeto específico, principalmente se a equipe não tiver experiência prévia com o tipo de projeto em análise. Porém, os impactos não são correlacionados às suas causas e, tanto para uma correta análise dos impactos como para comunicar aos leitores do EIA os resultados dessa análise, a apresentação de uma simples lista não satisfaz.

procedimento para os componentes ambientais. Leopold e seus colaboradores aplicaram seu método à análise dos impactos de uma mina de fosfato (quadro abaixo), e para isso selecionaram nove ações e treze componentes ambientais. Das 117 interações possíveis, consideraram que somente quarenta eram pertinentes ao projeto que analisaram.

b) Matriz de Leopold Outra ferramenta muito comum para identificação dos impactos é a matriz. Sua estrutura é formada por duas listas, dispostas na forma de linhas e colunas.Em uma das listas são elencadas as principais atividades ou ações que compõem o empreendimento analisado e na outra são apresentados os principais componentes ou elementos do sistema ambiental, ou ainda processos ambientais. O objetivo é identificar as interações possíveis entre os componentes do projeto e os elementos do meio. Uma das matrizes mais conhecidas é a Matriz de Leopold. Trata-se de uma proposta para avaliação ambiental publicada por Leopold et al. (1971), do Serviço Geológico dos Estados Unidos. Os autores prepararam uma lista de cem ações humanas que podem causar impactos ambientais, e outra lista de 88 componentes ambientais que podem ser afetados por ações humanas. São portanto 8.800 as interações possíveis. O método é simples: para cada empreendimento, os analistas deveriam selecionar as ações que se aplicariam ao caso em estudo, ou criar eles mesmo sua própria lista de ações e aplicar o mesmo

Depois de selecionadas as ações e os componentes ambientais pertinentes, o analista deve identificar todas as interações possíveis, marcando a célula correspondente. De acordo com a proposta original, a Matriz de Leopold também se presta a outras finalidades além da identificação dos impactos, principalmente para a comunicação dos resultados, como um "resumo do texto da avaliação ambiental". Os números inseridos em cada célula correspondem a uma pontuação de magnitude e importância de interação, em uma escala arbitrária de 1 a 10 (se a magnitude for zero não há interação e a célula não é marcada). A magnitude é apontada no canto superior esquerdo da célula, ao passo que a importância é apontada no canto inferior direito.


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Uma das críticas à Matriz de Leopold e suas congêneres é que representam o meio ambiente como um conjunto de compartimentos que não se interinter relacionam. Por exemplo, uma determinada ação pode causar impactos sobre os componentes "avifauna", "mastofauna" e "características físicofísico químicas das águas superficiais", mas os mecanismos como se manifestam os impactos não são descritos. C) outras matrizes Atualmente há inúmeras variações da matriz triz de Leopold, que na verdade pouco têm a ver com o original a não ser a forma de apresentação e de organização das linhas e colunas. A figura a seguir, mostra uma matriz que correlaciona ações de uma linha de transmissão e subestação de energia elétrica,, com "elementos do meio". O empreendimento é descrito em quinze diferentes atividades, desde o planejamento até a desativação. A grande diferença que temos aqui em relação a Matriz de Leopold, é que se trata de um único tipo de empreendimento, descrevendo-o o mais detalhadamente. Já os elementos do ambiente afetado são agrupados em três categorias: meio natural, meio humano e paisagem. Observam-se se três diferenças importantes em relação à divisão empregada por Leopold e seus colaboradores. A primeira, há aqui ui alguns processos do meio físico, como o escoamento de águas superficiais e a dinâmica de infiltração de águas pluviais, em vez de ser descrito exclusivamente em compartimentos, como fazem Leopold e sua equipe. A segunda, para a descrição do ambiente humano mano esta matriz lança mão do conceito de espaço geográfico, caracterizando-o o segundo a forma predominante de uso. Finalmente, uma integração entre os meios natural e humano é buscada por intermédio do conceito de paisagem.

Matriz ações x impactos ambientais ambi A figura a seguir, mostra outra matriz de identificação dos efeitos e impactos ambientais que indica as interações entre ações do empreendimento e elementos ambientais selecionados, uma variação da estrutura matricial para auxiliar na identificação de impactos. A matriz aponta as interações entre as atividades que compõem o empreendimento analisado e alguns processos e elementos ambientais selecionados por sua importância no local pretendido para a implantação do projeto. Dessa forma, essa matriz serve se de auxiliar na identificação dos impactos - por exemplo, pode-se se observar que a ação "serviços de melhoria nas estradas vicinais" interfere com vários processos


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ou elementos ambientais, dentre eles os ecossistemas aquáticos. Tal intervenção foi indicada porque, no local estudado, os serviços de terraplenagem, alargamento, construção de bueiros, etc., aumentarão a carga de sedimentos enviada aos riachos, o que, por sua vez, deverá promover assoreamento dos leitos, com conseqüente soterramento de comunidades bentônicas e seus efeitos secundários sobre a cadeia alimentar como a matriz não explica isso, a identificação dos impactos deverá ser feita por meios anunciados apropriados. Matriz natureza ocorrência

do

impacto

causa e efeito. A Figura a seguir mostra um exemplo de matriz causas x impactos em uma usina hidrelétrica. As colunas indicam os nove impactos sobre o meio biológico identificados nesse estudo e a matriz mostra a correlação com as atividades do projeto, aqui denominados de "fatores geradores".

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Uma outra variação pode ser vista na figura a seguir, na qual cada interação é classificada segundo dois critérios: a natureza do impacto (benéfico ou adverso) e uma apreciação subjetiva da ocorrência de cada impacto apontado. Esse é um problema comum enfrentado na identificação preliminar dos impactos: algumas conseqüências são certas, mas há grande dose de incerteza sobre muitos impactos, que poderão ou não ocorrer. Nessa matriz preparada para um relatório ambiental preliminar de um terminal portuário, há uma indicação sobre tal probabilidade. Essa indicação é baseada em interpretação subjetiva e pode ser, portanto, contestada. Matriz causas x impactos Outro tipo diferente de matriz é organizado de modo a mostrar as relações entre as causas (ações) e as conseqüências (impactos). Essa abordagem pressupõe um entendimento prévio, anterior, sobre as interações projeto x meio. Na verdade, em um EIA pode-se empregar os dois tipos de matriz: primeiro uma matriz ações x elementos/processos ambientais para identificar as interações entre projeto e o meio, e depois, uma matriz ações x impactos para mostrar as relações de

Matriz dos mecanismos de ocorrência No exemplo da Figura a seguir, além das ações e dos impactos, a matriz mostra os mecanismos por meio dos quais eles ocorrem. Ela é composta de dois campos: o da esquerda mostra as interações entre ações tecnológicas e processos ambientais, gerando efeitos ambientais; à direita mostra-se, para cada efeito, os impactos possíveis. Neste caso, o meio ambiente não é representado por uma somatória de compartimentos, mas por processos selecionados em função da


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influência que as ações podem ter sobre eles.


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CAPÍTULO 7 PLANO DE GESTÃO


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Plano de Gestão Alguns impactos negativos poderão ser aceitáveis se houver medidas capazes de reduzi-los. Conhecidas como medidas mitigadoras, ou seja, ações que visam a atenuar os efeitos negativos do empreendimento, devem ser descritas no EIA. A regulamentação, por meio da Resolução CONAMA no 1/86, somente determina, explicitamente, que todo EIA deve incluir a "definição das medidas mitigadoras dos impactos negativos" (Art. 6o, III). Na prática, os EIAs vão além desse requisito mínimo, propondo outras medidas, ações, iniciativas ou programas que contribuam para melhorar a viabilidade ambiental do projeto em análise. Esse conjunto de medidas é aqui chamado de plano de gestão ambiental, entendido como "o conjunto de medidas necessárias, em qualquer fase do período de vida do empreendimento, para evitar, atenuar ou compensar os impactos adversos e realçar ou acentuar os impactos benéficos". Trata-se de um plano a ser aplicado (e detalhado, adaptado ou aperfeiçoado) após a aprovação do projeto, sendo necessário um compromisso do empreendedor com seu cumprimento. Sua implementação e fiscalização correspondem à fase de acompanhamento do processo de AIA. Outro componente dos planos de gestão ambiental de um EIA é um conjunto de medidas compensatórias, aquelas que visam a compensar a perda de elementos importantes do ecossistema, do ambiente construído, do patrimônio cultural ou ainda de relações sociais. Um caso típico de compensação ocorre quando uma porção de vegetação nativa tem de ser eliminada; nesta situação a compensação poderia ser feita mediante a proteção de uma área equivalente ou maior que aquela que será perdida, ou mediante a recuperação de uma área degradada, ou ambas.

Medidas de valorização ou realce dos impactos positivos são muitas vezes necessárias para que estes se concretizem em benefícios da região onde o empreendimento será implantado. Por exemplo, um impacto positivo comumente citado em estudos de impacto ambiental é a geração de empregos. No entanto, determinados empreendimentos requerem mão-de-obra especializada nem sempre disponível localmente, necessitando atrair trabalhadores de fora e, portanto, não criando empregos na região que acolhe o projeto. Um programa de formação de mão-de-obra e de qualificação de fornecedores locais de bens e serviços pode contribuir sobremaneira para tornar realidade os impactos benéficos possíveis. Finalmente, outro componente essencial dos planos de gestão e o plano de monitoramento e acompanhamento. Esse plano deve ser coerente com as demais atividades do EIA. Por exemplo, os indicadores ambientais e as estações de monitoramento deverão, a princípio, ser os mesmos empregados na elaboração dos estudos de base, o que permitirá a comparação do comportamento desses indicadores antes e depois da implantação e operação do empreendimento. Na verdade, o monitoramento é quase uma continuação dos estudos de base, e a maior parte das considerações feitas para estes também é válida para aquele. Pelo menos quatro objetivos podem ser atribuídos ao monitoramento dos impactos de um projeto submetido ao processo de avaliação de impacto ambiental: 1) Verificar os impactos reais do projeto; 2) Compará-los com as previsões; 3) Alertar para a necessidade de intervir caso os impactos 4) Ultrapassem certos limites; 5) Avaliar a capacidade do EIA de fazer previsões similares ou localizados no mesmo tipo de meio.


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O monitoramento ambiental do projeto não deve ser confundido com o monitoramento da qualidade ambiental ou do estado do meio ambiente, normalmente executado por instituições públicas. Trata-se de um automonitoramento concebido em função dos impactos previstos e que deve ser capaz de captar as mudanças induzidas pelo empreendimento e distingui-las de eventuais mudanças naturais ou induzidas por outras fontes.


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CAPÍTULO 8 CUSTOS DOS ESTUDOS E DO PROCESSO DE AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS

Custos de Elaboração do EIA


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Primeiro passo: a escolha do método Todo processo de avaliação de custos, inicia-se pela escolha do método a ser empregado nos estudos. O Método Ad Hoc, consiste na contratação de consultores externos e que atuarão à distância em projetos específicos. Os impactos são identificados através de brainstorming, caracterizados e sumarizados através de tabelas e matrizes. Este método envolve reuniões de planejamento dos especialistas envolvidos. O método aplica-se em avaliações rápidas. A vantagem é o baixo custo e rapidez nas análises. A desvantagem é o alto grau de subjetividade destas análises. O melhor exemplo é o Sistema Delfos, usualmente empregado por empresas de consultoria. O Método Checklist (ou listagens de controle) é aquele que envolve a listagens de fatores e impactos ambientais padronizados, associados a projetos específicos, que serão analisados por especialistas à distância. Consiste na identificação de impactos prováveis. Algumas incluem informações sobre técnicas de previsão de impacto, outras incluem descrição dos impactos ou, ainda, incorporam escalas de valor e índices de ponderação dos fatores. Aplica-se a diagnósticos ambientais e até comparação de alternativas. A grande vantagem é a memorização de todos os fatores. As desvantagens são: não identifica os impactos diretos e indiretos, características temporais e dinâmica dos sistemas em análise.Os exemplos deste método são: Threshold of Concem e Batelle. O método de Matrizes de Interação é aquele que analisa uma listagem de controle bidimensional (fatores e ações). As matrizes são utilizadas para relacionar as diversas ações do projeto aos fatores ambientais. As quadrículas definidas pela interseção das linhas e colunas representam o impacto de cada ação

sobre cada fator ambiental. Podem também ser introduzidas variáveis temporais e parâmetros que permitam a valoração dos impactos. Entre as mais utilizadas encontra-se a Matriz de Leopold, desenvolvida para oServiço Geológico do Ministério do Interior dos Estados Unidos, que relaciona uma centena de ações do projeto a 88 fatores ambientais (do meio social e natural), contabilizando 8.800 possíveis interseções. São associados aos impactos julgamentos de valor (magnitude e importância) numa escala de O-10, identificando se são possíveis (+) ou negativos (-). Foram criados desdobramentos desse tipo de matriz (matriz de interação) com o fim de verificar os efeitos secundários e a interdependência entre os fatores ambientais, listando-se os fatores nos dois lados da matriz. Este método aplicase quando há necessidade de identificar os impactos diretos. As vantagens o uso deste método são: boa visualização, simplicidade e baixo custo. As desvantagens é que não identifica os impactos indiretos, características temporais e dinâmica dos sistemas; há uma subjetividade na magnitude. O método de Redes de Interação permite a construção de gráfico ou diagrama da cadeia de impacto. Este método aplica-se quando há necessidade de se determinar os impactos diretos e indiretos. As redes de interação surgiram como um avanço, por estabelecerem relações do tipo causas-condições-efeitos, permitindo retratar, a partir do impacto inicial, o conjunto de ações que desencadeou direta ou indiretamente. Uma das redes mais conhecidas é a de Sorensen. Podem ser associados parâmetros de valor (magnitude, importância e probabilidade), visando-se obter um índice global de impacto. A grande vantagem deste método é que permite uma abordagem integrada de impactos e interações. Entretanto, como desvantagens, os resultados são subjetivos, não quantifica a magnitude, é difícil a integração de dados


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sócio-econômicos e não considera a dinâmica dos sistemas. O exemplo deste método é o KSIM. O método de Simulação utiliza-se de modelos matemáticos automatizados. Sua aplicação é recomendada quando se busca diagnósticos e prognósticos da qualidade ambiental. A desvantagem é seu custo elevado. O método de Superposição de Cartas envolve o uso de mapas de recursos e usos. Aplica-se a projetos lineares e de diagnóstico ambiental. A superposição de cartas consiste na confecção de uma série de cartas temáticas, uma para cada fator ambiental, onde se apresentam os dados organizados em categoria. Essas cartas são superpostas para reproduzir a síntese da situação ambiental de uma área geográfica. A superposição de cartas é útil para estudos que envolvem alternativas de localização e outras questões de dimensão espacial, e vem sendo muito utilizada para AIA de projetos lineares (estradas de rodagens, linhas de transmissão, dutos, etc.), já que favorece bastante a representação visual e a identificação da extensão dos efeitos. A possibilidade de utilização de imagens de satélite toma-se um recurso valioso para esse tipo de método. Suas principais vantagens esta na visualização e exposição de dados. As desvantagens estão na subjetividade dos resultados, a não quantificação da magnitude, na difícil integração dos dados sócio-econômicos e por não considerar a dinâmica dos sistemas. A combinação de métodos (dois ou mais métodos) permite avaliar impactos negativos de projetos (uso simples ou multiuso). As vantagens são: a simplicidade, rapidez e baixo custo nas avaliações de impactos negativos. Por outro lado, a desvantagem é a avaliação global pouco segura. Os métodos até agora citados são voltados mais para a identificação dos impactos do que para a avaliação, apesar

de, como já foi visto, alguns incorporarem julgamentos de valor. Os métodos para a fase de avaliação propriamente dita são utilizados rara a comparação de alternativas e podem ser classificados, segundo Westman (1983), de acordo com o modo como incorporam a opinião do público no processo. Em outras palavras, existem métodos que agregam a avaliação dos diversos públicos sob um único índice de julgamento e outros que desagregam a avaliação segundo a ótica dos diversos atores envolvidos. Às dificuldades mencionadas soma-se a questão da subjetividade que se encontra sempre presente na avaliação e na análise dos impactos. Isto faz com que surjam, inevitavelmente, conflitos de interesses, que só podem ser reduzidos pela interação com os diferentes grupos sociais envolvidos ao longo de todo o processo.

Quem paga os estudos? Estimar os custos na escolha dos métodos e na elaboração do EIA e das demais tarefas associadas ao processo de licenciamento é uma demanda freqüente da parte dos proponentes. Há poucos estudos sobre o assunto, seja porque as empresas mantêm sigilo sobre seus custos, seja porque os itens de custo podem nem ser contabilizados pelas empresas. Tais custos recaem basicamente ao investidor, mas parte dele é assumida pelo governo, principalmente para a etapa de análise do EIA. Para o proponente, os principais itens a considerar são: os custos de elaboração do EIA e o custo de organização da consulta pública. Em algumas jurisdição, o governo pode cobrar taxas ou um ressarcimento de suas despesas de análise do EIA. Estes custos se situam em torno de 0,5% a 1% do valor do investimento. Outra questão a ser considerado pelo empreendedor que um dos objetivos do


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processo de AIA é prevenir danos ambientais. Portanto, o empreendedor terá interesse em saber em que patamares se situarão os custos de mitigação e de compensação, uma vez que tais medidas farão parte dos custos totais do projeto e devem ser levadas em conta na avaliação de sua viabilidade econômica. Finalmente, outros componentes de custos devem ser lembrados: (a) os estudos complementares e subseqüentes, como aqueles que no Brasil podem ser exigidos para a obtenção das licenças de instalação (LI) e de operação (LO), e (b) os custos da etapa de acompanhamento, que podem incluir supervisão, auditoria e monitoramento ambiental. Deve-se considerar, também, imprevistos externos que possam comprometer a execução dos objetivos.

Literatura complementar Bolea, T. Evaluación dei impacto ambiental. Madrid, Mapfre, 1984. Eletrobrás e Fundação João Pinheiro. Itlventário hidrelétrico da bacia do rio Doce. Relatório preliminar, v. 4, abro 1989. Dunn, W. Public policy analysis. New Jersey, Prentice Hall, 1984; Eletrobrás/Grupo Coordenador de Planejamento do Sistema (GCPS). Comissão de Planejamento da Transmissão da Amazônia (CPTA). Relatório consolidado da etapa de pré-seleção da tecnologia, abro 1990. Hidro-Quebec. Project Radisson-Nicoletdes Cantos. Guide methodologique des études d'impact et rapport sur les études d·advant-projet. Canadá, aout 1986; Bonneville Power Administration - BPA. Garrison-Spokane 500 kV transmission project - EnvironmentalImpact Statement EIS. EUA, Mar. 1982

Magrini, A. Metodologias de avaliação de impacto ambiental. Rio de Janeiro, Coppe, 1990. Sanchez, L. E. Avaliação de Impacto Ambiental. Conceitos e métodos. Oficina de Textos. São Paulo. 2006. Silva Filho, João Inácio et alii. Gaia Sistema computacional para avaliação multidisciplinar do impacto ambiental de linhas de transmissão aéreas. Rio de Janeiro, Cepel, Departamento de Linhas e Subestações - DLPS, 1990. Relatório Técnico 202, de 1988. Souza, M. A incorporação do risco tecnológico na avaliação de impacto ambiental. Rio de Janeiro, Seminário Coppe, dez. 1990. Westman, M. Ecology: impact assessment and environrnental planning. New York, John W. & Sons, 1984; Lee, Norman. Environrnental impact assessment: a review. Applied Geography, Bulterworth & Company, 3: p. 5-27,1983. Westman, W. op. cit.; Lee, Nonnan. op. cit.; Magrini, A. op. cit.; Bisset, R. Methods for environmental impact assessment. A selective survey case studies. Scotland, University of Aberdeen, Department of Geography, 1987. .


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O autor Thomaz Lipparelli é Biólogo, Mestre e Doutor em Zoo ologia pela Universidade Estadual Paulistta "Julio de Mesquita Filho"- UNESP / Rio Claro. Especialista em Biologia da Conservação, C tem ministrado cursos teórico os e práticos de Levantamento e Monitorramento de Fauna para Consultores e Gestores Ambientais, com foco em Liccenciamento Ambiental.

CURSOS E TREINAMENTOS AMBIENTAIS A www. biohub.com.b br


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