Memória e Território Negro: o Museu Memorial da Luta Pela Abolição

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memória e território negro o Museu Memorial da Luta Pela Abolição, junto ao mapeamento de territórios negros, para ressignificação da história negra no Centro da Cidade de São Paulo (1550-1888)

Luany Cristina da Silva

São Paulo 2021


Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de Arquitetura e Urbanismo do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo – Campus São Paulo, como pré-requisito para obtenção do grau de bacharel, sob orientação do Prof. Alexandre Kenchian e co-orientação da Arquiteta Urbanista Maíra Fernandes Silva.

AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL, DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL , OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

SILVA, Luany. Memória e teritório negro: O Museu Memorial da Luta Pela Abolição, junto ao mapeamento de territórios negros, para ressignificação da história negra no Centro da Cidade de São Paulo (1550-1888). São Paulo, 2021. Trabalho de Conclusão de Curso (Gradução de Arquitetura e Urbanismo) Instituto Federal São Paulo- Campus São Paulo (IFSP-SPO), 2021. 1. São Paulo 2. história negra 3. territórios negros 4. memória coletiva 5. Museu Memorial.


memória e território negro o Museu Memorial da Luta Pela Abolição, junto ao mapeamento de territórios negros, para ressignificação da história negra no Centro da Cidade de São Paulo (1550-1888)

São Paulo, 23 de março de 2021.

BANCA EXAMINADORA Orientador: Prof. Dr. Alexandre Kenchian Co-corientadora: Arq. Maíra Fernandes Silva Convidada Interna IFSP: Prof. Dra. Giselly de Barros Convidada Externa: Arq. Gabriela de Matos Convidado Externo: Jornalista Abílio Ferreira


me.mó.ria s.f habilidade de relembrar informações, experiências e pessoas.


agradecimentos àqueles que compartilho memórias e o dia-a-dia.


resumo

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O trabalho tem como proposta rememorar a história de negras e negros da Cidade de São Paulo de 1550 até 1888, assim como suas práticas, costumes, feitos e religiosidade, através da inclusão dos Territórios Negros, aos quais perteceram, na cartografia da cidade. Propõem-se também a criação do Museu Memorial da Luta Pela Abolição, cujo programa inclui o Instituto de Pesquisa, voltado a pesquisa africana e afro-brasileira, e um Museu Externo, que contempla diversos pontos da cidade onde ocorreram importantes acontecimentos da história negra no Centro Histórico, para trazer representatividade preta para as pessoas que passam ou moram na região, além do entendimento de que a cidade que conhecemos foi construída com suor negro. Assim, através do Museu Memorial, deseja-se inserir essas histórias marginalizadas na memória coletiva, dando um lugar para descansarem e, através deste, ampliar o acesso a essa história.

Palavras-chave: São Paulo, história negra, territórios negros, memória coletiva, Museu Memorial, direito à memória.


abstract The work aims to recall the history of black women and black men in the City of São Paulo from 1550 to 1888, as well as their practices, customs, deeds and religiosity, through the inclusion of the Black Territories, to which they belonged, in the city’s cartography. It is also proposed to create the Memorial Museum of Fight for Abolition, whose program includes the Research Institute, focused on African and AfroBrazilian research, and an External Museum, which contemplates several points of the city where important events of black history occurred in the Historic Center, to bring black representation to people who pass or live in the region, in addition to the understanding that the city we know was built with black sweat. Thus, through the Memorial Museum, it is desired to insert these marginalized stories into the collective memory, giving a place to rest and, through it, to expand access to that history.

Keywords: São Paulo, black history, Black Territories, collective memory, Memorial Museum, right to memory.

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lista de abreviaturas

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CPTM

Companhia Paulista de Trens Metropolitanos

EJI

Equal Justice Iniciative Tradução livre: Iniciativa de Justiça Igualitária

IBGE

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IBRAM

Instituto Brasileiro de Museus

IPEAFRO

Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros

IPN

Instituto Pretos Novos

LPUOS

Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo

OEI

Organização dos Estados Ibero–americanos

PLC

Projeto de Lei da Câmara

SASP

Sindicato dos Arquitetos no Estado de São Paulo

UFBA

Universidade Federal da Bahia

USP

Universidade de São Paulo


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1. introdução, 14 parte I: preenchendo as lacunas, 22 2: memória: a luta contra o poder e o esquecimento, 24 3: territórios negros: do sequestro as resistências, 27

3.1. contexto histórico, 27

3.2. territórios negros, 44

3.3. lideranças negras paulistas, 72

3.4. contexto atual, 84

parte II: materializando a memória, 100 4: Museu Memorial da Luta Pela Abolição: administração e educação da memória, 102

4.1. Memória, 102

4.2. Museu, 105

5: estudos de caso, 108

5.1. Museu do Apartheid, África do Sul, 2001, 108

5.2. Museu Afro Brasil, Brasil, 2004, 120

5.3. Memorial Nacional da Paz e Justiça, Estados Unidos

da América, 2018, 130 5.4. Memorial da Escravatura, Portugal, 2019, 134

6: projeto, 141 6.1. análise e diagnóstico, 142

6.2. projeto arquitetura, 160

6.3. museu externo, 200

7. considerações finais, 204 8. refêrencias bibliográficas, 206

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Akoben vigiância preocupação

Aya resistência desenvoltura

01. introdução • 14 Os símbolos adinkras, são símbolos africanos e fazem parte da cultura Ashanti e são representados por

Sankofa sabedoria paciência

figuras geométricas estilizadas. Elas transmitem os valores do povo Akan, de Gana e da Costa do Marfim, os quais incluem aspectos da vida vegetal, do corpo humano, elementos geométricos e abstratos, e, até, aspectos astronômicos.

Bese Saka abundância união

Wawa Aba vigor perseverança


Cuide de pedir licença, Antes de palavrear, Ao dono da fala, que é Quem pode lhe abençoar E transformar sua língua Em flecha que chispa no ar Se o tempo for de guerra E você for guerrear Ou em pétala de rosa Se o tempo for de amar (...) Eu jogo palavra no vento E fico vendo ela voar (eu jogo palavra no vento E fico vendo ela voar) Palavrear Ricardo Aleixo

Por que eu escrevo? Porque eu tenho de Porque minha voz, Em todos os seu dialetos,

Permita que eu fale, não as minhas cicatrizes Elas são coadjuvantes, não, melhor, figurantes Que nem devia tá aqui Permita que eu fale, não as minhas cicatrizes Tanta dor rouba nossa voz, sabe o que resta de nós? Alvos passeando por aí Permita que eu fale, não as minhas cicatrizes Se isso é sobre vivência, me resumir à sobrevivência É roubar o pouco de bom que vivi Por fim, permita que eu fale, não as minhas cicatrizes Achar que essas mazelas me definem é o pior dos crimes É dar o troféu pro nosso algoz e fazer nóis sumir AmarElo, Emicida

Tem sido calada há muito tempo.

A Terra é o meu quilombo. Meu espaço é meu quilombo. Onde eu estou, eu estou.

Jacob Sam-La Rose

Quando eu estou, eu sou. Beatriz Nascimento

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objetivos e justificativas

Estar fora da memória coletiva traz consequências em diferentes níveis para determinados grupos étnicosraciais. Quando a história coloca esses grupos apenas como objeto e não como um agente ativo, entende-se qual narrativa é a posta como superior e, com isso, qual ficará gravada no tempo. Por isso, é importante inserir as contribuições dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira em sua memória social, para ir de encontro ao hegemonismo contado por uma história única e assim prover a consciência para mais pessoas, sobre si mesmas e sobre o mundo que as rodeiam, ao notaremse pertencentes ao patrimônio

cultural da sociedade, com identidade e acesso ao seu passado. Assim, o presente Trabalho de Conclusão de Curso tem como objetivo o projeto arquitetônico do Museu Memorial da Luta Pela Abolição, cujo acervo e proposta museológica consistem também na inclusão de Territórios Negros a cartografia da cidade dentro do periodo temporal de 1550 a 1888, ou seja, do Periodo Colonial até a Abolição da escravatura, onde ocorreram importantes acontecimentos na história dos africanos escravizados e afro-brasileiros. Esses territórios foram descaracterizados com o tempo em consequência dos projetos de melhoramento que


visavam modernizar e esconder o passado escravocrata da cidade, gerando o deslocamento das camadas mais pobres e negras das regiões centrais enquanto a cidade ganhava mais arranhacéus. Assim, o mapeamento e demarcação desses territórios é essencial para compreensão das movimentações urbanas, da história, dos fluxos, das experiências, dos espaços de sociabilidade e resistência da população negra na antiga cidade de São Paulo, para ressignificar um passado de forma decolonial, que não foi apenas marcado pelo roubo de liberdade e cultura, mas que foi também resiliência. Ademais, o Museu Memorial da Luta Pela Abolição

propõe democratizar o acesso a essa história à população em geral e homenagear esse povo que foi tão injustiçado e maltratado em toda história mundial, buscando formas de não restringir esse conhecimento aos livros, ao propor um programa de necessidade externo e interno. O interno, além do memorial, conta com áreas para exposição, acervo, Instituto de Pesquisa, oficinas, área de estudo livre, biblioteca, atividades para crianças, cafeteria e banheiros. O programa externo acontece pela cidade, dentro da proposta museológica de mediação e programação do Museu de visitação dos territórios. Assim, é possível entender a dinâmica das

movimentações da população negra escravizada e livre e como os administradores de São Paulo, no passar das décadas, escolheram formas veladas e também violentas de apagar essa história de dor e resistência. Com isso preencher as lacunas da história, rememorar suas lideranças, heróis e heroínas que foram invisibilizadas na tentativa de contar o outro lado da narrativa também é o objetivo deste trabalho, assim como apropriarse dela e trazer à luz essas pessoas, dando visibilidade a figuras artísticas, pensadores e lideranças que representam e lutam pela cultura negra nos dias de hoje, pois essa falta de narrativa enfraquece a

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esperança e luta, ao invisibilizar a representatividade negra. A escolha do tema abordado pela autora foi motivada pela vontade de produzir trabalhos acadêmicos que não dissociam relações de raça às análises urbanas e históricas dentro da Arquitetura e Urbanismo, pois raça não deveria ser recorte, deveria fazer parte das estruturas de estudos e análises da sociedade em todos os âmbitos. Para fins de facilitar a metodologia do Trabalho, este foi dividido em duas partes, sendo elas: Parte Um: Preenchendo as Lacunas; Parte Dois: Materializando a memória. A Parte Um consiste dos capítulos 1 ao 2, os quais têm como objetivo buscar as histórias e descobrir os

territórios. A Parte Dois busca formas de como materializar a memória nos capítulos 3, 4, 5. Ao longo do segundo capítulo foi realizado um estudo histórico para entender o local do negro na história do Brasil, desde a diáspora africana, até os dias de hoje, tendo como base os estudos de nomes como a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik, de sociólogos como Abdias Nascimento, a antropóloga e artista Grada Kilomba e o geógrafo Milton Santos, abordando questões raciais, de território e de memória. Este capítulo também contém breves apontamentos de atividades de origem afrobrasileira em São Paulo e breve biografia de lideranças negras. O terceiro capítulo explica a função social e organização

museológica de um Museu Memorial buscando embasar os estudos de caso, construção do partido de projeto, e afins. Já o quarto capítulo consiste nos estudos de caso para construção das referências de projeto. O quinto capítulo contém toda a parte de concepção do projeto, a metodologia e escolha de terreno; a análise do entorno imediato do terreno escolhido; as diretrizes projetuais através de programa de necessidades, partido arquitetônico; a volumetria; disposição do programa; as estruturas e materiais; com objetivo de incorporar elementos afrobrasileiros em todas as escalas dos projetos que fazem parte deste Trabalho de Conclusão de Curso.


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fig. 01: Filósofa brasileira Lélia Gonzalez (1935-1994). Fonte: https://www.cartacapital.com.br/blogs/ sororidade-em-pauta/o-racismo-brasileiro-na-obra-de-lelia-gonzalez/


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parteum preenchendo as lacunas


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02. memória: a luta contra o poder e o esquecimento

Quando se fala em memória, a primeira coisa que vem à cabeça é algo passado em nossas vidas, próximo a capacidade de lembrar acontecimentos pessoais. Mas esse aspecto individual, quando inserido em um recorte social onde pessoas compartilham momentos em comum, transforma a memória individual em memória coletiva. Juntamente com a memorização de alguns acontecimentos, vem o processo de esquecimento de outros, processo este que não é espontâneo, mas sim determinado a partir da escolha de qual narrativa será a dominante, ou seja, qual é considerada relevante ser lembrada ou esquecida, de ser marcada no tempo ou não. (LE GOFF, 1990, p. 423)

Apesar da memória remeter ao passado, é o presente que a constrói para resistir aos esquecimentos do tempo, e o que é escolhido para se memorizar é sempre atado aos desejos políticos que visam a manutenção do poder. Com isso, se tem a história que foi escolhida ser memorizada e amplamente disseminada, e, todas as outras que a rodeiam e são deixadas ao esquecimento. São nessas lacunas que se encontram as memórias dos grupos marginalizados e dominados, tratados como objeto da história e não como agentes ativos na mesma. (SILVA, M. A. M., 2011, p. 16) Em São Paulo, a narrativa que a cidade construiu sobre seu desenvolvimento


está fortemente atrelada ao movimento bandeirista, ao ciclo do café e ao desenvolvimento moderno do fim do séc. XIX em diante, jogando no esquecimento o seu passado escravista e tudo que está ligado a ele. Ignorar esse passado diz muito sobre a narrativa que se quer criar, além de mostrar a tentativa de invisibilizar os grupos oprimidos e de não responsabilizar os opressores. Ao nomear rodovias com nome de bandeirantes, criar monumentos para estes, nomear elevados com nome de ditadores, etc., fica claro qual história São Paulo quis contar nesses quase cinco centenários de fundação. Ao escolher dar visibilidade positiva a essa história de genocidio e tortura, e excluir a participação das “vítimas”, de pessoas negras e indígenas no

desenvolvimento e contribuição ativa da cidade, é escolhido tirar desses grupos a possibilidade de pertencer a memória coletiva da cidade, enfrequecendo e tirando-lhes o direito de ter e de participar da memória social. O que se tem nessas lacunas de esquecimento? O que perdemos e temos que resgatar? Quais são essas histórias esquecidas propositalmente? Memória é poder (LE GOFF, 1990, p.10), o que é escolhido ser memorizado vai exercer isso por um tempo incalculável. Qual memória essa cidade quis preservar? Nos lugares de histórias difíceis, como o professor Renato Cymbalista, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, chama os locais que ocorreram acontecimentos violentos (CYMBALISTA, 2019), a preservação desses lugares de memória é importante pois os

locais atuam como testemunhos da história, e sua permanência possibilita a interpretação individual, além de denunciar eventos que não devem se repetir. Quando os administradores da cidade decidem concretála por inteiro, em um processo acelerado de urbanização que além de não visar a preservação desses lugares, demonstra o desejo de desaparecer com os resquícios da escravidão e criar uma narrativa de cidade moderna, demonstra-se a falta de interesse de São Paulo em se responsabilizar e denunciar a escravatura como algo que não deve se repetir. A identidade de uma sociedade se forma através do conhecimento de sua história. Fatos históricos que pertençam à memória coletiva não podem ser apagados, esse direito precisa ser garantido para possibilitar a inserção dos grupos

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marginalizados na memória coletiva. O Direito à Memória aparece na Constituição Federal da seguinte forma:

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“Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira [...]” BRASIL. Constituição (1988).

Dessa forma, o Direito à Memória é tão importante quanto qualquer outro, pois a inclusão na memória coletiva de uma sociedade possibilita a identificação pessoal e conhecimento de sua própria história, e com isso, assegura a humanidade. Quando se descaracterizam seus antigos bairros de moradia, queimamse seus documentos, tiram sua árvore genealógica, criminalizam

sua cultura, esse direito passa a ser negado a um dos povos formadores da sociedade brasileira, o africano, e seus descendentes.(SILVA, M. A. M., 2019.) Por isso, resgatar essas memórias, essas pessoas e os antigos territórios negros da área central da cidade de São Paulo do Periodo Colonial até a Proclamação da Lei Áurea, com a demarcação desses lugares na cidade, cartograficamente e através de uma rede consolidada de lugares identificados e administrados por um Museu Memorial, materializa-se assim essa memória na história da cidade e traz a luz a contribuição desse povo pra sociedade brasileira.


03. territórios 3.1. contexto negros: do histórico sequestro as resistências a diáspora africana

O termo diáspora tem a ver com dispersão e refere-se ao deslocamento, forçado ou não, de um povo pelo mundo. A diáspora africana é o nome dado a imigração forçada de africanos, durante o tráfico transatlântico de escravizados. Junto com seres humanos, nestes fluxos forçados, embarcavam nos tumbeiros (navios negreiros) modos de vida, culturas, práticas religiosas, línguas e formas de organização política que acabaram por influenciar na construção das sociedades às quais os africanos escravizados foram destinados. (SANTOS, 2019, p. 05) Estima-se que durante todo período do tráfico negreiro, aproximadamente 11 milhões de africanos foram transportados para as Américas. Nas palavras

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de Abdias Nascimento (2016): “há uma estimativa cujos números me parecem abaixo do que seria razoável dando 4 milhões de africanos importados e distribuídos (no Brasil)”, com isso, foi o país americano que recebeu o maior número de escravizados. Um exemplo das marcas deixadas por essa migração intensa e forçada é a cidade de Salvador, na Bahia, cidade com a maior população negra do mundo fora da África. A violenta imigração e alienação à respeito dos costumes, cultura e diferenças entre os povos da África, transformando-os em uma ideia geral de um único povo, marca o início da violência que essas pessoas sofreriam no território americano com a escravatura em suas diversas faces, no trabalho escravo, as negação

de humanidade, inferiorização, torturas físicas e psicológicas, e a vida em cativeiro. Esse processo de dispersão dos negros da África entre os séculos XV e XIX, no qual o ocorre a desterritorialização da África e criação de novos territórios no Brasil, inicia uma história marcada por hostilização e preconceito.


a formação da população brasileira

A formação do povo brasileiro se deu, segundo Weimer (2005), de modo tríbido: os responsáveis pela cultura brasileira são resultado da miscigenação das etnias “negra” (ou “africana”), “indígena” (ou “ameríndia”) e “branca” (ou “europeia”, ou ibérica” ou “portuguesa”), como explica em seu livro Arquitetura Popular Brasileira. Weimer também afirma que “apesar” do fato de a maioria dos brasileiros ter em suas veias sangue africano, parecia que a escravidão havia apagado qualquer vínculo de sua arquitetura com suas origens no continente negro, ao longo da História do Brasil toda cultura passou por um “esvaziamento”

(WEIMER, 2005). Sendo assim, as tradições e costumes da população brasileira são herdados dessas etnias, mas mesmo com toda a diversidade que surge na junção dessas, a única que é valorizada desde o período colonial, até os dias de hoje, é a branca.

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a São Paulo escravocrata

A transição da província de São Paulo em condição de Vila à Cidade, configurase a partir das mudanças econômicas. Inicialmente, a economia restringia-se à subsistência, era uma região pobre e sem influência com a Colônia, refúgio de fugitivos e pessoas de má índole, a barreira geográfica existente entre a Vila e as cidades litorâneas de maior influência, também contribuiu para exclusão econômica e social de São Paulo. Com o desenvolvimento da mineração no país no início do séc. XVIII, São Paulo passa a desenvolver esse tipo de trabalho. Porém, foi só depois com a estabilização da cafeicultura no país no séc.

XIX que a Vila tem mudanças expressivas, pois foi esse novo modelo econômico que promoveu um intenso dinamismo e crescimento populacional à região, impulsionando com muito vigor o seu desenvolvimento. Neste sentido, este capítulo passa por esses processos, a fim de se chegar nas dinâmicas da escravidão existentes na cidade do século XVIII até 1888. Do início da Vila de São Paulo de Piratininga no séc. XVI até o séc. XVIII, a mão de obra escrava era constituída de indígenas locais dos povos tupinambás, tupiniquins e carijós. Essa mão de obra muda a partir do séc. XVIII, com a descoberta das minas e com a consolidação


do tráfico negreiro, e essa passa a ser a solução para prover mão de obra escrava nas Colônias portuguesas, consequentemente mudando a raça da população trabalhadora local, sendo agora predominantemente negra. Apesar da economia mineradora não ter sido tão forte em São Paulo quanto em outras regiões do país, como Minas e Ouro Preto, é a partir dela que se inicia a formação do que virão a ser futuramente as elites da cidade, possuidoras de terras agrícolas e escravizados.( SILVA, 2021. p.02) “É a partir desse século que se encontra em maior número nos inventários a citação à africanos escravizados vindos de nação Benguela, Moriollo, Mina e Cabo Verde, como descrito pelo sociólogo Clóvis Moura (1983, p. 199, apud SILVA, 2021. p.02).

A produção cafeeira mudou o cenário da região nas décadas finais do séc. XIX, promovendo uma intensa movimentação das elites. Pode-se dizer também, que esse dinamismo se dá em virtude da mão de obra escravizada africana, a qual servirá de força impulsionadora da economia paulista de maneira determinante, segundo Mário Medeiros da Silva, “a história do negro em São Paulo se confunde, durante um largo período de tempo, com a própria história da economia paulista” (SILVA, 2011, p.157). A incorporação de africanos na sociedade brasileira a mudaria por completo. A população negra de São Paulo que era inicialmente escravizada por totalidade, ao longo dos anos com decreto de novas leis e mudanças econômicas, passará a ter novas camadas sócio-raciais, com

africanos e afro-descendentes alforriados, africanos e afrodescendentes escravizados. Nas áreas urbanas também se encontrava escravizados fugidos das áreas rurais aquilombados, escravizados de “ganho” e escravizados domésticos. Houve um crescimento demográfico dos pretos e pardos entre 1792 e 1837, que passaram de 41% para 62% da população paulista. Ou seja, passando de 33.540 pretos e 30.487 pardos, para 79.122 negros e 74.176 pardos. Haviam 89.323 brancos em 1792. (MOURA, 1983 p. 202 apud SILVA, 2021.). É válido destacar que o maior crescimento de escravos urbanos em São Paulo se deu na vigência da Lei Eusébio de Queirós, a partir do tráfico intercontinental, já que o transatlântico havia sido proibido.

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“Segundo Machado, em 1765, com a queda da produção de Minas Gerais a população de escravizados urbanos cresceu em São Paulo. Durante os anos de 1823 e 1887 a população escrava na província cresceu cinco vezes, de 21 mil escravos a 107.829, mas a escravidão urbana na cidade foi efetiva apenas entre o fim do século XVIII e meados de 1860 (MACHADO, 2018. p.66 apud SILVA, 2021. p.03).

possibilitasse a vigília constante. Apesar de serem lugares insalubres, sem iluminação, ventilação natural e mobília, sem conforto e privacidade, tornou-se paulatinamente um espaço comunitário de afeto, sociabilidade e resgate da cultura ancestral africana. Como Raquel Rolnik traz o trecho a seguir:

A escravidão na área rural e na urbana não se comportavam da mesma forma, sendo o trabalho nas fazendas muito mais pesado do que o da cidade. Essa diferença de intensidades de atribuições aos escravizados foi também um dos motivos da intensa fuga para a área urbana, pois conseguiam anonimato entre os outros negros da cidade. Porém, tanto na cidade quanto no campo seu local de descanso e alimentação era nas senzalas, que eram implantadas em locais que

“Arrancado do lugar de origem e despossuído de qualquer bem ou artefato, era o escravo portador — nem mesmo proprietário — apenas de seu corpo. Era através dele que, na senzala, o escravo afirmava e celebrava sua ligação comunitária; foi através dele, também, que a memória coletiva pode ser transmitida, ritualizada. Foi assim que o pátio da senzala, símbolo de segregação e controle, transformou-se em terreiro, lugar de celebração das formas de ligação da comunidade (ROLNIK, 1989, p.02)

O anonimato na cidade se dava devido às más condições sanitárias das áreas públicas, as ruas e áreas externas não eram consideradas áreas de prestígio para a elite, então quem circulava pela cidade era majoritariamente a população negra a serviço e integravam-se a ela, os fugidos, tanto aquilombados ou não, e também os libertos que aumentavam cada vez mais com as ações abolicionistas. Então gradativamente via-se mais trabalhadores negros livres, em ocupações como sapateiros, barbeiros, lavadeiras e quitandeiras. Apesar da diferenciação das atribuições dos escravizados, sendo de ganho, doméstico ou rural, eram vistos legalmente como propriedade de alguém da mesma maneira, e necessitavam da alforria igualmente.


à Abolição da escravatura

As fugas das fazendas de café para a cidade ou para formação de quilombos, registram-se desde o período das incursões bandeirantes e datam nos jornais a partir de 1700. Os quilombos foram - e são - exemplos de resistências e luta organizada, e, apesar desse tipo de comunidade datar nos jornais a partir de 1700, o Quilombo dos Palmares remonta sua criação em 1597, mostrando que há resistência e luta organizada contra a Colônia desde seus primórdios. Para combater essas fugas, foram formadas milícias em busca dos fugidos comandadas por senhores escravocratas, por considerarem que o poder público não estava conseguindo mais controlar a situação. Em 1822, é proclamada a independência do Brasil, e apesar dessa data significar a

emancipação com Portugal e simbolizar liberdade do país, a República mostrou que essa liberdade não incluía a população negra, e, o sistema escravista se mantém como forma de relação social de produção por mais 58 anos, até o 13 de maio de 1888, com a proclamação da Lei Áurea. Nesse período entre a Independência até a Lei Áurea, aos poucos decretavam-se diferentes leis, as quais libertavam determinados grupos de cada vez. Essas leis são indicativos que havia pressão interna e externa para o fim da escravatura, ou seja, que foi um processo de fragmentadas concessões até a concessão total. Em território nacional ocorriam diversas guerras em pontos diferentes

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do país que reivindicavam por liberdade e melhores condições aos libertos. Externamente, existia a pressão da Inglaterra para a industrialização do país. Esse longo caminho para o fim do sistema escravista foi atravessado através de muita luta e resistência. Porém, junto com as leis que trouxeram alforria para as negras e negros escravizados, também foram decretadas leis que restringiam o uso desta liberdade aos alforriados. Em 1850, com a proibição do tráfico transatlântico com a Lei Eusébio de Queiroz, a forma que a Colônia viu de suprir a mão de obra nas produções cafeeiras de São Paulo, foi através do tráfico interestadual, pois apesar de São Paulo estar com sua produção cafeeira aquecida, outros estados estavam com a produção em baixa. Como é dito por Raquel Rolnik a seguir:

“A maior fonte possível para a compra de escravos, o tráfico, estava então sendo desmantelada pela mesma máquina que a havia montado séculos antes – o capital inglês. Agora que o lucro não estava mais em fazer mercadorias navegarem pelos mares, era preciso criar mercados locais nos continentes aonde esses mares chegavam. Assim, a pressão inglesa pelo fim do tráfico aumentou até sua extinção final, em meados do século. Com isso, os fazendeiros e empresários do café paulista começaram a pensar na substituição da mão de obra (ROLNIK, 1977, p.04).”

Em 1871, outra lei foi decretada, visando agora liberdade aos filhos dos escravizados nascidos a partir do ano de decreto. Além disso, a Lei do Ventre Livre também provê a esses o direito de possuir poupança monetária e a finalização dos serviços, após sete anos da prestação destes. Em 1885, vem a Lei dos Sexagenários ou Lei Saraiva-

Cotegipe, a qual decretava que os escravizados com mais de 60 anos de servidão poderiam, através da realização de mais cinco anos de trabalho, serem alforriados. Entretanto, a regulamentação dessas leis eram muito falhas, sendo comum o prolongamento dos serviços escravos por muitos anos, mantendo a liberdade dos trabalhadores negros a depender da vontade do seu proprietário. Apesar disso, no interior do estado, o não cumprimento dos regulamentos acordados pela lei e entre ambas as partes, como os atraso dos pagamentos e com a recusa das alforrias, fez progressivamente as fugas de escravizados das fazendas se intensificarem, levando ao esvaziamento de mão de obra nas lavouras, sendo o destino principal destes a capital paulista. A capital era o principal destino por conta do forte movimento


abolicionista que se estruturava nela, e incentivaram e auxiliaram nas fugas. A situação é descrita da seguinte forma: “A tal ponto haviam chegado os conflitos e a desorganização que a Assembléia provincial acabou solicitando do parlamento, por unanimidade de votos, fosse feita a emancipação. Tudo havia colaborado para esse desfecho o esforço decidido dos abolicionistas, as libertações em massa, a fuga numerosa e contínua dos escravos que desamparavam as fazendas os seus senhores, sem que ninguém pudesse embargar-lhes o passo, sendo baldada e impotente a interferência da Força Pública, a quem eles não acatavam principiando esta a não querer prestar-se mais a diligências daquela natureza, criavam para a vida social e econômica da Província uma situação perigosa e intolerável, de que era urgente sair.” (COSTA, p. 334 apud SILVA, 2019. p.05)

Apesar das leis, o Estado pouco agiu para efetivá-las, e isso desacelerou os progressos conquistados pela população negra. A carta de alforria virou uma nova forma de controle da liberdade, pois os escravizadores poderiam cancelá-la a qualquer momento. Assim, a forma que os

escravizados viram de conseguir a liberdade foi através da compra de suas próprias alforrias. É evidente que a condição de liberto era muito melhor do que a de escravizado, mas ser livre não garantiu para as pessoas negras condições de cidadania e direitos cívicos que as pessoas brancas da época possuíam. Mesmo sendo livres, eram vetadas a possibilidade de atuação em diversas posições de cunho diplomático e religioso. Isso impossibilitou por muito tempo a representação das necessidades da população negra, nas câmaras, assembleias e senado, deixando-os sem respaldo legislativo antes e depois da abolição. As alforrias mudam as dinâmicas econômicas e a relação de produção da sociedade. Com pessoas deixando de ser propriedade, a terra vira o maior bem de valor. Modifica-se então, a importância do trabalho escravo como elemento de geração de riqueza e pactua a riqueza para a propriedade de terra, e não mais, de pessoas. Em 1850, é promulgada a Lei de Terras, a qual proíbe negros de

comprarem terras. Impedindoos, portanto, de se constituírem como parte do tecido urbano formal. (PAULA, 2019, p.28). A arquiteta e urbanista, e, vereadora eleita do Rio de Janeiro em 2020, Tainá de Paula, discorre sobre: “A partir da negação da participação do negro na construção do tecido urbano, a não ser através das senzalas, quintais, alcovas e o mais recente tipo de clausura, quarto de empregada, é necessário entender a dispersão do negro no território e suas diversas contribuições para a construção da cidade.” (PAULA, 2019, p.28)

Apesar das outras leis decretadas no período não terem sido implementadas com eficácia, a Lei de Terras, ao contrário delas, foi sempre muito bem regulamentada. E foi um forte contribuinte do expulsamento da população negra no centro da cidade. Igualmente, a modernização acelerada da cidade também contribui para o desaparecimento dos negros do atual centro da cidade de São Paulo, impedindo a fixação dessas pessoas na região mais valorizada do estado no período.

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consequências do processo acelerado de modernização da Cidade de São Paulo

O processo de modernização e urbanização vivenciado pela cidade de São Paulo, produto do rápido crescimento da economia cafeeira, foi impulsionado pelos fatores descritos no capítulo anterior. O Brasil Colonial era fornecedor de matérias-primas às economias centrais da Europa, por conta disso e da tardia abolição da escravatura, passou por um processo de industrialização tardio, com pouquíssimas manufaturas em torno de 1870, ao contrário dos países centrais da Europa, onde o processo de industrialização já se encontrava estruturado e se repercutia uma nova configuração e expansão das

cidades. Na cidade de São Paulo, esse caráter industrial, moderno e de grandes mudanças urbanas, começam no final do séc. XIX ao passo que a cidade vira referência da luta abolicionista pro restante do estado devido ao movimento dos Caifazes1, , estruturado e encabeçado por Luiz Gama, o qual atuava tanto na ação de organização das fugas - que como dito anteriormente usavam da condição de desprestígio das ruas em favor do seu anonimato -, quanto nos processos judiciais a favor da alforria dos escravizados. (SILVA, 2021, p.8). Naturalmente, essa renovada condição marginal das populações negras se reflete no

1 Caifazes: A Ordem dos Caifazes foi um movimento abolicionista que surgiu em São Paulo na década de 1880. mapa 01: Primeiro mapa da Imperial Cidade de São Paulo pelo Capitão de Engenheiros Rufino J. Felizardo e Costa (1810) e copiada em 1841. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Volume XVI, 1911.

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espaço urbano, respondendo num primeiro momento pela densificação de cortiços, avenidas e habitações insalubres nas cidades. Esses locais, os quais eram anteriormente as senzalas, posteriormente os cortiços, mantêm-se superpovoados e sem saneamento básico. Mesmo que agora não vivam mais em condição de escravos, é negado negros salubridade e conforto habitacional. Devido a isso, problemas sanitários passam a desencadear doenças graves contagiosas, e com discursos de eliminação das doenças a população negra começa a desaparecer do centro da cidade diante do processo de reconstrução urbana em direção à metrópole.

Vendo-se às epidemias e problemas sanitários decorrentes destas condições nos centros urbanos, os poderes públicos brasileiros também buscarão respostas, ainda que tardiamente, no ideal de cidade moderna e saneada Paris de Haussmann2.

2 Paris de Haussmann: As Transformações de Paris no Segundo Império, também conhecidas como a Reforma Urbana de Paris ou a Renovação de Haussmann, foi um vasto programa de obras públicas de modernização da capital francesa promovida por Georges-Eugène Haussmann entre 1852 e 1870.


políticas de embranquecimento

Na direção do ideal europeu de modernização do país, com os planos urbanos que visavam abrir avenidas e esconder vestígios e histórias de um país escravocrata, surgiram no período políticas públicas de embranquecimento da população, o ideal de modernidade não incluía pessoas africanas e afrodescendentes, pois um país moderno não poderia ser negro. Outro projeto que incluía a “limpeza” da população negra do país era o projeto sanitarista, que visava um país moderno, com os equipamentos de lazer, teatros municipais, bibliotecas, praças de footing, passeios públicos e tudo que a alta sociedade europeia usufruía culturalmente

e, que, agora caminhando em direção dos arranha-céus, avenidas, elevados e marginais, não podia ser ocupado por negros.(SEYFERTH, 1996) A forma que as elites e seus governantes encontraram para substituir a mão de obra negra, que agora em condição de liberdade não era considerada a ser inserida no mercado de trabalho assalariado nas indústrias, e, também remover a “mancha negra” na cidade, foi através da imigração de milhares de europeus para terras brasileiras. Em São Paulo, essa imigração é grandemente representada pelos italianos. Esse deslocamento inicialmente foi subsidiado pelo governo, mas rapidamente a imigração se

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desenvolveu espontaneamente e São Paulo passa a ser um reduto italiano. (NASCIMENTO, 2014, p.34.) O imigrante europeu foi considerado devido ao difundido discurso que remonta a esses, e sua raça, como alternativa progressista de civilização, e que esses conseguiriam através de sua cultura, desenvolver a nação. Essa ação é baseada em teorias raciais que tentavam através da ciência comprovar que negros foram condenados a bestialidade da escravidão por conta da sua raça e descendência, justificando com essa teoria a sua incapacidade de contribuição na sociedade e sua fadada subordinação. A imigração europeia além de inserir a cultura que consideravam que a República necessitava, também embranqueceria o país através da miscigenação. O Decreto-Lei n0 528, de 28 de junho de 1890, promulgado pelo Marechal Deodoro da Fonseca, já considerando a imigração europeia como solução, determinava que:

O Decreto-Lei n0528, de 28 de Junho de 1890, promulgado pelo Marechal Deodoro da Fonseca, proibia a entrada de africanos e asiáticos no Brasil, sujeitando a multa os comandantes que desobedecessem o decreto, conforme descrito a seguir: trabalho, que não se acharem sujeitos á acção criminal do seu paiz, exceptuados os indigenas da Asia, ou da Africa que sómente mediante autorização do Congresso Nacional poderão ser admittidos de accordo com as condições que forem então estipuladas. Art. 2o Os agentes diplomaticos e consulares dos Estados Unidos do Brazil obstarão pelos meios a seu alcance a vinda dos immigrantes daquelles continentes, communicando immediatamente ao Governo Federal pelo telegrapho quando não o puderem evitar. Art. 3o A policia dos portos da Republica impedirá o desembarque de taes individuos, bem como dos mendigos e indigentes. Art. 4o Os commandantes dos paquetes que trouxerem os individuos a que se referem os artigos precedentes ficam sujeitos a uma multa de 2:000$ a 5:000$, perdendo os privilegios de que gozarem, nos casos de reincidência.” (BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1890)

Esse decreto apresenta que africanos e asiáticos eram colocados em igualdade com “mendigos e indigentes” de qualquer raça, e que se favorecia a entrada de certo tipo de europeu cuja “branquidão”, ajudaria a desafricanizar a população brasileira. Ao mesmo tempo que o imigrante europeu tinha sua viagem, moradia e emprego garantidos pelo governo, a população negra, residente e que construiu e fez o país crescer economicamente, mesmo em condição de liberdade não foi inserida na sociedade como tal, e não teve seus direitos assegurados. E, ao não ser considerada mão de obra assalariada e impedida de possuir propriedade, intensificase a dificuldade de se manter na cidade gerando seu gradual expulsamento. (TRINDADE, 2004) Mesmo após a consolidação da lei de abolição, outros ideais de dominação surgem, embasados em princípios tidos como científicos, a fim de manter a ideia de que pessoas negras eram geneticamente inferiores, apoiadas principalmente pela


elite intelectual do país. Sem o apoio das leis para justificar uma hierarquia racial, esses sujeitos lançaram mão de outra arma: a pseudociência racista conhecida por eugenista3, que nasceu na Europa, e logo se adaptou à realidade brasileira. A eugenia brasileira e a Academia conviviam lado a lado, foi entre os professores das primeiras faculdades de medicina, os políticos e os sociólogos que ela cresceu. Boa parte dos nomes desses eugenistas é familiar – eles batizam ruas e avenidas: Vital Brasil, Dr. Arnaldo, Silvio Romero, Monteiro Lobato, entre outros. Influenciados pelas ideias que cresciam na Europa e nos Estados Unidos da América, brasileiros influentes se mobilizaram em um projeto de construção de uma “raça superior” branca. E a noção de uma seleção artificial que promoveria nascimentos de maior qualidade foi se instalando em universidades, hospitais e até na política. Em 1899 houve um decreto

ordenado por Rui Barbosa, para que fosse realizada a incineração de todos os documentos inclusive registros estatísticos, demográficos, financeiros e assim por diante - pertinentes à escravidão, ao tráfico negreiro e aos africanos escravizados. É defendido que o objetivo era eliminar os comprovantes de natureza fiscal que pudessem ser utilizados pelos ex-senhores para requisitar a indenização junto ao governo da República, já que a Lei de 13 de Maio de 1888 havia declarado extinta a escravidão, sem reconhecer o direito de propriedade servil. (LACOMBE, 1988). Com isso, perde-se os documentos que identificavam as origens geográficas dos descendentes africanos de afro-brasileiros. Ou seja, a fim de assegurar de o Estado não gastar com indenizações, desassegurou a todos os negros que já pisaram em solo brasileiro sua memória, árvore genealógica e de conhecer a própria história.

Juntamente à disseminação dos ideais eugenistas, as primeiras metrópoles nasciam, e com elas, inicia-se o movimento sanitarista, que buscava resolver os problemas de saúde pública nos centros urbanos, e que também tinha como objetivo o apagamento negro em São Paulo, com medidas progressistas que diretamente visavam exclusão e periferização dessa população da parte da cidade que seguia em direção a São Paulo de arranhacéus. A privatização da água foi uma dessas medidas, com a desativação dos chafarizes de abastecimento, negando-se água gratuita às populações pobres e forçando-as a deslocaram-se para outras regiões em busca de água. (FERREIRA, 1971, p. 99). Então, a população negra que ocupava o chamado “Centro Velho” de São Paulo acabou por ser desalojada pelos chamados “trabalhos de melhoramentos da capital”, grandes operações de renovação urbana que se iniciam durante a administração

3 Eugenista: Adeptos da eugenia, termo criado por Francis Galton, na década de 1880, que significa “bem nascido” ou “de boa linhagem” (eu = bom; genia = linhagem); a partir do prisma da seleção natural, de Darwin. Para Galton, a fórmula para eliminar a miséria era simples: bastava que os ricos deixassem mais descendentes que os pobres. Com o tempo, todos os londrinos teriam o que ele chamava de “boa linhagem”. E nunca mais haveria gente pobre, doente, alcoólatra. (SANTOS, 2019)

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de Antônio Prado (18991911): alargamento de ruas, transferência e demolição de mercados, construção de praças e boulevards. O que aí se esvoaçava era o desenho de um “Centro burguês” de ruas largas e fachadas uniformes, que seria território exclusivo das classes dirigentes: seu espaço de trabalho, lazer, comemorações cívicas e religiosas. As reformas foram, em sua maior parte, realizadas durante o governo Raymundo Duprat (1910-1914). A operação limpeza foi implacável: para a construção da Praça da Sé e remodelação do Largo Municipal, os cortiços, hotéis e pensões das imediações foram demolidos. Está ligado a esse processo de “limpeza” do Centro a expansão e consolidação do Bexiga como território negro em São Paulo. Os negros que habitavam os cortiços do centro, são expulsos para construção

de equipamentos urbanos; posteriormente os locais dos atuais bairros da LiberdadeGlicério e Bexiga (1870), são tomados por imigrantes asiáticos (1908), e por conta da política de subsídio para atração de imigrantes europeus, esses espaços, que por muito tempo foram colônias negras quilombolas de refúgio, passam a ser colônias japonesas e italianas, embasadas em políticas que favoreciam a propriedade de terra e melhores empregos aos imigrantes europeus. Os corposnegros remanescentes que não foram para áreas mais distantes como a Penha que já possuía uma pequena população consolidada desde 1668, Itaquera, que passa a se desenvolver a partir de 1875 com a criação da estação de mesmo nome, eram deslocados para cortiços locais e a trabalhos menos dignos.

fig. 02: Tela “A Redenção de Cam”, de Modesto Brocos (1852-1936). Acervo Itaú Cultural.


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3.2 territórios negros

O região a se receber as intervenções propostas por esse trabalho será o Centro Velho da Cidade de São Paulo, em antigos territórios negros que marcaram a história dos negros, os quais foram delimitados a partir do recorte temporal, que contempla o período de 1550 até 1888 . Sabendo disso, é importante entender alguns conceitos que determinam o que é território e o que é território negro, como é abordado na geografia e ciências sociais, e como vem sendo apropriado pela arquitetura e urbanismo. O entendimento desses conceitos ajudará a entender as novas dinâmicas de uso do solo que a cidade sofrerá a partir do momento de implementação da nova legislação urbana da cidade, no fim do século XIX e início do século XX, que passará a disponibilizar espaço destacado para intervenção do mercado imobiliário (ROLNIK,1997, p.

25). Essa legislação nova, vem com objetivo de classificar e organizar os territórios urbanos, e com isso, classificar os grupos de cada um deles. O Código de Posturas Municipal foi o vetor que trazia essas leis para as novas construções na cidade. (ROLNIK, 1997, p. 13). Ademais, o território é um dos conceitos fundamentais da Geografia, enquanto que as relações raciais são essenciais para a compreensão das dinâmicas sociais brasileiras. Apesar disso, a raça não é tratada como conceito analítico do discurso hegemônico geográfico contemporâneo no Brasil, nem como variável estrutural da desigualdade socioespacial do país. (NOGUEIRA, 2018). Os territórios de presença negra que terão suas memórias resgatadas no trabalho partindo dos Territórios de Dor, e seguindo para os Territórios de Resistência, mesmo que por vezes possa haver as duas situações em um mesmo território.


conceito de território

Território pode se referir à cidade, ou ao que não é cidade, ao que não é físico ou a uma extensão física, logo pode ou não remeter ao espaço. É de grande importância a compreensão do termo para compreensão da história humana, porém não há unanimidade nas definições dos conceitos geográficos presentes desde a formalização da Geografia como ciência, além disso o termo “território” passou a ser estudado pelas ciências sociais, pela filosofia e antropologia. Jean Gottmann destaca que território é um conceito político e geográfico, porque o espaço geográfico é tanto compartimentado quanto organizado através de processos políticos. Ele também complementa que território é uma porção do espaço geográfico, ou seja, espaço concreto e

acessível às atividades humanas (2012, p. 525). Assim como, o território é fruto de repartição e de organização, o qual deve ser, em teoria, limitado, embora seu formato possa ser modificado por expansão, encolhimento ou subdivisão. "É importante destacar que espaço e território são conceitos muito próximos, mas que não são a mesma coisa, embora por vezes sejam usados como tal, como mostra Raffestin (2011, p.128). O espaço é aquilo que antecede o território; é o campo de possibilidades sobre o qual um ou mais atores projetarão as suas intencionalidades, constituindo um programa – projeto, ação, que se caracteriza por um conjunto de intenções a serem desenvolvidas. É neste sentido que o autor pontua que o território se forma a partir do espaço, sendo o resultado de uma ação conduzida por um ator que realiza um programa composto por um conjunto de objetivos que pode ocorrer em qualquer nível." (RAFFESTIN, 2011, P.128 apud VIEIRA, 2017, p.22.)

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Em continuidade a esse pensamento, Raffestin diz que atos aparentemente banais como nomear ou marcar espaços num mapa, ou o oposto – silenciálos, suprimi-los – constituem poderosas (e por vezes cruéis) formas de criar territórios. Entretanto, o juiz Robert David Sack diz que circunscrever coisas no espaço, ou num mapa, identifica lugares, áreas ou regiões; não cria um território necessariamente (SACK, 2011, p. 77). Para ele, tal delimitação só se torna território quando seus limites são utilizados para moldar, influenciar ou controlar acesso, comportamento e atividades. Trazendo à discussão as relações de poder existentes que acabam moldando o território. Claude Raffestin diz que

“As “imagens” territoriais revelam relações de produção e as relações de poder que as constituíram. Do Estado ao indivíduo encontram-se atores sintagmáticos que “produzem” o território. Em graus diversos, em momentos diferentes e

em lugares variados, somos todos atores sintagmáticos que produzem “territórios”, elaborando estratégias de produção que se chocam com outras estratégias.” (RAFFESTIN, 2011, p. 137). "Este choque/encontro entre múltiplos atores e suas relações com o espaço são aqui entendidas a partir da multiterritorialidade proposta por Haesbaert. Para ele o uso do território na contemporaneidade aparece principalmente, a partir de da interpretação da dominação, onde o espaço representa posse, propriedade e valor de troca; e da apropriação simbólica, o qual o território apresenta vínculos construídos pelo uso do espaço, como “lar”, “abrigo”, segurança afetiva, memória coletiva, ancestralidade (HAESBAERT, 2008, p. 20). Ou seja, os territórios estatais e funcionais diferenciamse dos territórios culturais, que são carregados de simbolismo e frutos de apropriação pela densidade de experiências a qual remetem." (VIEIRA, 2017, p.36.)

Entretanto, as disputas do espaço por diferentes sujeitos e práticas não acontecem de forma equilibrada e igualitária entre estes, podendo dizer que o uso do espaço sempre estará atrelado a conflitos e interesses diversos. Ao se notar um espaço que aparenta mais homogêneo que outros, salienta-se que isso se dá devido ao nível de dominação de determinado “agente” que o torna unifuncional em prol dele (VIEIRA, 2017, p.37) . Além disso, é importante de acordo com Henri Lefebvre (2006, p.9), que essas análises sejam feitas embasadas histórica e socialmente, pois “o conceito se relaciona com sucessivas políticas de dominação do território em análise, promovidas e executadas pelos interesses do Estado capitalista”, Interessa-nos investigar, portanto a história do território em questão, que para Lefebvre, nas circunstâncias da escrita de sua obra La production de l’espace:


“Se o espaço (social) intervém no modo de produção, ao mesmo tempo efeito, causa e razão, ele muda com esse modo de produção! Fácil de compreender: ele muda com “as sociedades” – querendo-se exprimi-lo assim. Portanto, existe uma história do espaço.” (LEFEBVRE, 2006, p.9).

A assertiva de Lefebvre, articula o modo de produção e espaço social, a fim de auxiliar na compreensão na “história do espaço”. Entre tais noções de meio físico e estruturas de poder, também a subjetividade emerge como definidora de territórios. O geógrafo Milton Santos oferece contribuições fundamentais no estabelecimento de mediações entre geografia e suas apreensões subjetivas, consequentemente, como estruturadoras de relações sociais: “O território é o lugar em que desembocam todas as ações, todas as paixões, todos os poderes, todas as forças, todas as

fraquezas, isto é, onde a história do homem plenamente se realiza a partir das manifestações da sua existência.” (SANTOS, 1999, p.7).

Para Guattari e Rolnik (1986), os seres existentes organizam-se de acordo com o território que os delimitam e articulam aos outros existentes e aos fluxos cósmicos. O território pode ser relativo tanto a um espaço vivido, quanto a um sistema percebido no seio da qual um sujeito se sente “em casa”. O território é sinônimo de apropriação, de subjetivação fechada sobre si mesma. (GUATTARI e ROLNIK, 1986, p. 323 apud ENES E BISCALHO, 2014). O conceito de território decorre da relação socioespacial e do ponto de vista metodológico, pode ser apreendido em perspectivas multiescalares e interescalares, seja em termos subjetivos, locais, regionais, nacionais e globais, desde que considere as lógicas de comando

dos fluxos que o definem, entrecruzando normas globais com as normas locais (COSTA, 2004; SAQUET, 2007; SANTOS, 1996). A partir do apresentado, é possível definir o território, na perspectiva atual, como um recorte ou espectro do espaço geográfico definido por e a partir de relações de poder, controle, apropriação e uso, sendo que essas relações são definidas em termos políticos, institucionais, econômicos e culturais.

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conceito de território negro

A discussão entorno da definição de territórios negros está focalizada nas ciências humanas, especialmente na antropologia. Porém, tem contribuições de geógrafos como Renato Emerson dos Santos, com o compilado de artigos que resultaram no livro “Questões Urbanas e Racismo”; e Alex Ratts com o compilado de textos sobre Beatriz Nascimento, que resultaram no livro “Eu Sou Atlântica”. Há também contribuição na arquitetura e urbanismo, com a urbanista Raquel Rolnik no artigo “Territórios Negros nas Cidades Brasileiras (etnicidade e cidade em São Paulo e Rio de Janeiro)”. De acordo com a geógrafa

Azânia Nogueira, “a ideologia racial brasileira pressupõe que vivemos numa nação miscigenada em que, apesar da superação teórica do mito da democracia racial, a população é fruto da mistura homogênea entre índios, negros e brancos.” (NOGUEIRA, 2018, p.2). Esse discurso de democracia racial brasileira foi muito nocivo pois impediu que se debruçassem profundamente sobre o assunto das relações sociais no brasil por muitas décadas, essa situação só foi revertida após a redemocratização do país com o caminhar do fim da ditadura militar, no final da década de 1970, que possibilitou a reorganização política do Movimento Negro Com isso, é acrescido


ao debate das questões de desigualdade racial a variante da raça. Milton Santos acrescenta também que, cada indivíduo “vale pelo lugar onde está: o seu valor como produtor, consumidor, cidadão, depende de sua localização no território” (SANTOS, 1987, p.81). Ao valorizar os territórios, consequentemente se valoriza o indivíduo pertencente a ele e a raça é um dos fatores que define quais lugares serão prestigiados e quais serão estigmatizados, “criando uma relação dialética entre território e lugar social” (NOGUEIRA, 2018, p.2). Nogueira discorre a partir de Raffestin (NOGUEIRA, 2018, p.5), sobre o que é o “poder” e como as relações sociais estão intrinsecamente operando a partir dele em todas as suas escalas. Assim, “os mecanismos de reprodução das desigualdades raciais têm como objetivo perpetuar a dominação

de um grupo sobre outro, a partir da inferiorização. O racismo é, portanto, uma forma de exercício do poder.” Com isso, o texto “Cor e territórios na cartografia das desigualdades urbanas”, de Vera Lúcia Benedito trazido por Nogueira (NOGUEIRA, 2018, p.7), acrescenta que o conceito de território negro ainda não tem um consenso entre os estudiosos do tema. É importante salientar esses marcadores culturais e simbólicos e sua relação com a história do Brasil, porque diferente dos Estados Unidos e da Africa do Sul, esse aspecto é característico daqui, pois a segregação racial no Brasil não se deu por consequência de uma politica de estado de Apartheid que delimitava e controla os corpos nos espaços, e sim através de uma sociedade que negava haver racismo a medida que o perpetuava e não declarava abertamente a

segregação em suas ações, por isso não se encontram territórios predominantemente negros pelo Brasil, pois o processo de hierarquização do poder e seus espaços prestigiados, foi feito de forma orgânica em suas políticas públicas e ações de chamadas de desenvolvimento urbano. Dessa forma, o que se considera território negro no Brasil são os chamados de “marcadores culturais e simbólicos”. Podendo ser: “ [...] organizações sociais, como ONGs do Movimento Negro; culturais, como escolas de samba, grupos de capoeira, clubes negros, bailes de música negra, rodas de samba e pagode; religiosas, como irmandades negras e terreiros de religiões de matriz africana; políticas, que vão desde atuação de partidos, até a posição de poder dentro destes territórios ocupada por negros, como líderes religiosos, políticos, moradores antigos ou de maior prestígio social, comerciantes, professoras, benzedeiras e parteiras.” (NOGUEIRA, 2018, p.7).

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os territórios negros em dois grupos, sendo eles:

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Assim, compreendese a identidade negra como uma composição das relações individuais e coletivas, pois a cultura, experiência em comum, pode ser um forte mecanismo de organização social.(NOGUEIRA, 2018, p.6). E, a territorialidade por ser uma extensão da organização social e por gerar pertencimento, também influencia na construção de identidade de um grupo. A antropóloga Ilka Boaventura Leite colabora para a discussão a cerca de territórios negros. Leite traz que é Importante ressaltar que os territórios negros “não são frutos de isolamento auto induzido ou sem motivação, e sim uma ‘forma de defesa” frente ao racismo” (LEITE, 1990, p.40). Ela classifica

“[...] os territórios de ocupação residencial, que se caracterizam por serem fixos, demarcados geograficamente por fronteiras de ocupação territorial, sendo que estes podem ou não ser documentados legalmente, onde seus ocupantes se utilizam de estratégias coletivas para sua subsistência, através de códigos específicos de sociabilidade; e os territórios de ocupação interacional, que são pontos de encontro e troca, nem sempre fixos, mas caracterizados por códigos simbólicos.(LEITE, 1990, p.40)

Além disso, Alex Ratts acrescenta sobre a produção da antropóloga Lélia González, de que se “discute o lugar de negro resultado da segregação racial e espacial, e lugar negro resultado do reconhecimento desse grupo em um determinado espaço.” Essa dualidade mostra que é naturalizado pela sociedade a

destinação a territórios menos privilegiados às pessoas negras, “ao mesmo tempo em que combate tal estigma, ao valorizar o lugar negro, aquele em que este grupo racial ocupa por identificação.”(RATTS, 2012, p. 232) Portanto, a partir dos levantamentos trazidos a compreensão de território negro no Brasil se da a partir das relações de poder incluindo as relações de raça, sendo assim, os territórios negros podem existir por autodeclaração e apropriação ou indicados pelos marcadores culturais e simbólicos. E se dão não por quantidade absoluta de pessoas em determinado território, e sim a partir da geração identificação territorial e cultural. Esses conceitos são importantes pra implantação do Museu Memorial na região


Central, ao se entender que a região não é uma territorialidade de maioria populacional negra inicialmente parece ser um local inadequado para inserção do equipamento. Porém, ao entender que a motivação pra implantação do equipamento cultural e educacional se faz pelo objetivo da criação de um simbolo negro na região, que marque e traga de volta a história negra da região que foi por muito tempo invisibilizada, justifica-se o local e cria-se um marco na região.

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a história não contada

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As documentações oitocentistas que apresentavam dinâmicas existentes na época, apesar de incluir a população negra, não a entendia com agente social ativo. Uma leitura contrária mostra, nos trabalhos historiográficos sobre escravidão em São Paulo, “a partir dos anos 1980, um olhar mais atento aos homens e mulheres escravizados, como atuantes na construção das cidades e da metrópole de São Paulo”, de acordo com Maíra Fernandes Silva (SILVA, 2021 p.01). Dessa forma, busca-se mostrar neste item, com base em pesquisas realizadas a partir dos anos 1980, a distribuição espacial que se deu dos adensamentos étnicos e sociais da cidade. O conhecimento da história de formação desses territórios,

LEGENDA TERRITÓRIO DE RESISTÊNCIA TERRITÓRIO DE DOR ÁREAS VERDES ESPELHOS D’ÁGUA LOTES MUSEU MEMORIAL

incluindo as atividades ali exercidas, é essencial para a retomada da memória e, com isso, o entendimento da ocupação. Assim, se constrói um panorama histórico urbano social da região central da cidade de São Paulo, do centro histórico, do bairro da Liberdade, e suas várzeas junto ao Rio Tamanduateí e o bairro do Bexiga; e principalmente, a história de seus ocupantes e construtores. Dessa forma, esse capítulo apresentara os territórios negros do centro e arredores, da cidade de São Paulo, contemplados pelo recorte temporal de 15501888, assim como passará por suas construções com maior relevância, e pelas relações sociais entre seus habitantes

Territórios Negros de Resistência Territórios Negros de gros de Resistência Dor 1 Quilombo do Saracura 2 Antiga Igreja Nossa Senhora do8 Ladeira da Memória Rosário 9 Cemitérios dos 3 Igreja da Ordem Terceira do Aflitos Carmo 10 Capela dos Aflitos 4 Largo São Francisco 5 Cafeteria Maria Punga 11 Largo da Forca 6 Atual Igreja Nossa Senhora do12 Pelourinho Rosário 7 Largo da Misericórdia


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territórios de dor Ladeira da Memória ORIGEM: Estrada de Piques Bairro: Anhangabaú, SP DATA: 1814 ATUAL: Ladeira da Memória

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mapa 03: Mapa sem escala Ladeira da Memória destacando onde foi o território, dentro da organização urbana atual, de acordo com relatos históricos. Base de dados: Geosampa.

A Ladeira da Memória, também chamada de Largo da Memória, localiza-se na região hoje conhecida como Anhangabaú, que outrora era chamada de Largo do Piques. O largo era formado pelo triângulo definido naturalmente a partir de caminhos, que posteriormente viraram ruas: rua do Paredão (hoje Cel. Xavier de Toledo), ladeira do Piques (hoje Quirino de Andrade) e a ladeira da Memória. O Obelisco do Piques é o monumento mais antigo da cidade, datado de 1814. (FERREIRA, 1971, p. 82) A imagem na página a seguir retrata o Largo da Memória no ano de 1861, a fotografia é de Militão Augusto de Azevedo, e nela é possível ver algumas tipologias de habitação da região e a ponte que conectava


com o bairro do Bexiga. (SILVA, 2021, p.11). A região era pouso de tropeiros, e ponto de chegada das caravanas vindas do sul e do oeste do Estado, o que favoreceu a instalação de hospedarias e armazéns, e também de mercado de escravos. Não se sabe ao certo o porque da denominação “memória” dado ao largo, há historiadores que afirmam ser em memória ao amor pela cidade dos moradores da São Paulo colonial que tentavam melhorá-la com o pouco que se tinha, outros dizem que é em memória do término da seca de 1814 que acometeu as lavouras da cidade. Em nenhuma delas é em memória as vidas das pessoas que foram tratadas com objeto no local.

A comercialização dos escravizados ocorria aos sábados, após as badaladas do sino da Igreja do Largo São Francisco, ao meio-dia. Os escravos, que eram considerados mercadorias e recebiam o nome “peça”, eram levados até lá pelos senhores, para serem vendidos nos leilões, conforme retrata Raimundo de Menezes (1969) em “São Paulo dos nossos avós”: “A elevação da subida, com o patamar (espaço no topo de uma escada) largo, circundado pelo paredão, punha em destaque a corte enfileirada da mercadoria negra”. Nessas vendas e leilões, avaliava-se a qualidade dos dentes, força, idade, se era portador ou não de algum tipo de deficiência

física ou mental, para então dar o preço, e a precificação dessas pessoas era menor do que de animais como vacas e porcos. (FERREIRA, 1971, p. 82) Em 1919, o então prefeito Washington Luís encarregou o arquiteto Victor Dubugras de elaborar um projeto para o Largo da Memória, como uma maneira de celebrar o Centenário da Independência do Brasil, que ocorreria três anos depois. Foi nesse momento que o largo ganhou as escadarias, um novo chafariz e de um painel de azulejos, onde constava, pela primeira vez em um monumento público, o brasão da cidade. fig. 03: Fotografia do Largo da Memória por Militão A. Azevedo, 1861

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territórios de dor Complexo Penal Colonial ORIGEM: Rua dos Estudantes, a Rua Galvão Bueno, a Rua da Glória e a Radial Leste, Avenida da Liberdade BAIRRO: Liberdade DATA: 1774 ATUAL: centro comercial

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mapa 04: Mapa sem escala Complexo Penal Colonial, destacando onde foi o território, dentro da organização urbana atual, de acordo com relatos históricos. Base de dados: Geosampa.

A região da Liberdade, conhecida por ser o maior reduto japonês do país, e que hoje divide a área com outros imigrantes e descendentes de países orientais, como a China, as Coréias e Vietnã, foi por muito tempo caracterizada pela ocupação negra e, principalmente, por ter grafado em seu espaço marcos do passado da escravidão e das punições na cidade. Conhecido no período colonial como Distrito da Glória, o local abrigava o Pelourinho (atual Largo 7 de setembro), a Forca (atual Largo da Liberdade) e era onde se localizava o primeiro cemitério público da cidade com sua capela, a Capela dos Aflitos. Posteriormente, recebe a Igreja Nossa Senhora das Almas


dos Enforcados, construída em 1887 e que também permanece no bairro (SILVA, 2021, p.10). “Naturalmente era também o cemitério dos escravos. Como, dentre os africanos – fossem eles bantus ou iorubás e jejês nagôs subsaarianos –o fulcro da tradição religiosa se concentra no culto dos antepassados, toda a região, o redor da forca e do cemitério, cercou-se da aura da mais elevada sacralidade. A capela do cemitério, chamada de Igreja dos Aflitos, tornou-se um centro devocional da religiosidade popular.” (SEVCENKO, 2014, p.19).

Localizava-se aproximadamente no quarteirão hoje compreendido entre Rua dos Estudantes, a Rua Galvão Bueno, a Rua da Glória e a Radial Leste, tendo sido preservada sua antiga capela. Nesse período, por conta da herança portuguesa, os sepultamentos ocorriam dentro das igrejas, sendo sepultamento

o ato de colocar o corpo falecido em uma sepultura (túmulo), logo, é um ato distinto de enterro. O cemitério público era destinado ao enterro de indigentes e enforcados, já que, deve-se destacar que até mesmo os sepultamentos eram reservados apenas aos membros do corpo religioso da igreja e aos mais abastados, enquanto os mais pobres eram deixados ao léu. Essa separação deve-se, sobretudo, a uma limitação espacial, uma vez que, no contexto de um país escravocrata, onde muitas pessoas faleciam diariamente em decorrência de doenças, tortura, exaustão e enforcamento, a quantidade de restos mortais pelo espaço público passou a ser considerado um problema de saúde pública e surgem leis pela proibição dos sepultamentos em igrejas ou sob covas rasas (BRUNO, 1953, p.329-330, p.373). No meio do cemitério foi construída a Capela dos Aflitos, também conhecida como Capela de Nossa Senhora dos Aflitos, com objetivo de ser o último espaço de súplica espiritual antes das condenações realizadas no Largo da Forca. Construída em

27 de junho de 1779, como atestam documentos existentes no Arquivo da Cúria Metropolitana, a capela existe no mesmo local até hoje, sobrevivendo aos fundos do lotes de prédios e empenas cegas das edificações que surgiram posteriormente no entorno (SEVCENKO, 2004, p.19). O cemitério foi desativado após a inauguração do cemitério da Consolação em 1858 e demolido em 1883. A gleba foi reloteada para moldes parecidos com os que conhecemos hoje em dia, mas para a realização do novo loteamento não existiu a preocupação com a retirada de forma respeitosa das ossadas dos escravizados que ali jaziam e a cidade foi construída sobre muitas delas (SEVCENKO, 2004, p.21). Recentemente, em 2016 e 2019 foram encontradas ossadas ao realizar escavações para construção da infraestrutura de novos prédios. Há quem defenda que o bairro da Liberdade deveria ser um sítio arqueológico. O Largo do Pelourinho se tornou Largo 7 de Setembro, após a independência do país, e hoje passa um respiradouro da Linha 1 – Azul do Metrô SP;

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no Largo da Forca foi erguida a Igreja dos Enforcados; e na antiga Casa da Cadeia está o Fórum João Mendes, o maior da América Latina. Mostra-se o projeto de apagamento da história da cidade, já que, diferente do que aconteceu em outras cidades do país, não há nenhuma referência nos locais que sinalize às suas antigas funções. Ademais, a ocupação da região, era de terrenos, casas de famílias empobrecidas e quartos de aluguel, principalmente nas regiões baixas mais próximas ao Rio Tamanduateí, padrão que seguia por toda a cidade. Não havia ali disputa pelo lugar como estabelecimento de moradia, apesar da proximidade com o centro da cidade, caracterizando a área como de ocupação das populações mais empobrecidas (SILVA, 2019). O bairro ficou conhecido também por concentrar abolicionistas da cidade, além dos caifazes, que se encontravam na antiga Igreja dos Remédios, na atual Praça João Mendes (nomeada anteriormente por Largo da Cadeia). O processo e luta pela abolição foram ativas no bairro,

tendo entre seus protagonistas negras e negros, assim como as comemorações no 13 de maio de 1888 (SILVA, 2019). Em 1821 o Largo da Forca foi palco de evento que marcou o local, em que dois soldados foram condenados à morte, por terem organizado uma revolta pelo atraso do pagamentos de salário de soldados, em Santos, essa história será contada mais a frente no item 2.2.9 Lideranças Invisibilizadas. Em 1858, a forca é retirada e o cemitério é loteado, o Largo da Forca passa a ser chamar Largo da Liberdade, como o chafariz de sua proximidade. A “Liberdade” aqui faz menção a “propaganda” abolicionista, mas como homenagem ao fim do governo do Dom Pedro I após revolta popular, em 1832, evidenciando, como afirma o historiador Nicolau Sevcenko (2004, p. 21), “a vocação liberal da elite paulista e o papel-chave que vinha assumindo na gestão da jovem nação independente”. Posteriormente a construção da Igreja Nossa Senhora das Almas dos Enforcados, inaugurada em 1891, que também foi lugar de encontro das populações

negras. “Como se vê, a Glória, quando não era o “inferno”, era o “purgatório”. A cidade empurrava para lá tudo aquilo que percebia como ameaçador, desagradável, tumultuário, desprezível, repugnante ou indigno. Em diferentes épocas e distintos locais, foram instaladas lá instituições as mais problemáticas” (SEVCENKO, 2004, p. 19).

A presença negra na área da Liberdade, é assinalada como história também a partir de suas manifestações culturais, musicais e religiosas e de alguns personagens ainda presentes no imaginário popular. O bairro era conhecido no fim do século XIX por suas festividades e sociabilidades negras, a Festa da Santa Cruz das Almas registrada em 1890. Ainda, encontros musicais, organizações ligadas ao carnaval como cordões, blocos, ranchos, escolas de samba (SILVA, 2019, p.18). fig. 04: Fotografia da fachada da Capela dos Aflitos e do beco que leva o mesmo nome, nota-se a falta de manutenção, o abandono de um patrimônio tomado, uma cidade que engoliu a capelinha a privando de recuos e tão próxima da rua que os postes temáticos japoneses se sobressaem a ela. Fonte: autoral.


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territórios de resistência Largo da Misericórdial ORIGEM: Largo da Misericórdia BAIRRO: Sé DATA: 1716 ATUAL: Edifício Ouro Para o Bem de São Paulo

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mapa 05: Mapa sem escala Largo da Misericórdia destacando onde foi dentro da organização urbana atual, de acordo com relatos históricos. Base de dados: Geosampa.

O Largo da Misericórdia era um importante espaço público da São Paulo Colonial. Surgiu do encontro das atuais Rua Direita, Rua Álvaro Penteado, Rua do Tesouro e Rua Quintino Bocaiuva, no bairro da Sé. Sua popularidade se fez por conta da antiga Igreja da Misericórdia, que tinha sua sede no local desde 1608 e foi reconstruída em 1716, localizada na esquina da Rua Direita, com sua frente em direção a Praça da Sé, e pertencia a Irmandade Santa Casa da Misericórdia, que tem como missão o tratamento e sustento a enfermos e inválidos. Por conta disso atraia muitas pessoas ao local e tornava o largo um espaço sempre muito movimentado (FERREIRA, 1971, p. 57). Sua fama também se devia ao chafariz de distribuição de água construído por Tebas. Com o dinheiro recebido dessa obra, Tebas conseguiu comprar sua alforria.


Ele recebia 600 réis, por dia, por dominar técnicas de construção em pedra, e esse valor equivalia a uma vez e meia o salário de um construtor branco na época (FERREIRA, 1971, p. 50, p. 57, p. 83). Em 1793 o largo recebeu um chafariz próximo ao átrio da Igreja a mando do governador da capitania e Capitão Geral de São Paulo, Bernardo José de Lorena. O Chafariz da Misericórdia tem importância por ser uma das primeiras obras na construção do sistema de abastecimento público regular de águas da cidade de São Paulo uma vez que até o final do século XIX, chafarizes e fontes significavam abastecimento de água. A construção de pedra foi o primeiro chafariz público da cidade e tinha 4 torneiras (FERREIRA, 1971, p. 97). Antes do advento dos chafarizes, a distribuição de água aos 20 mil habitantes da cidade era feita através dos aguadeiros, que retiravam a água dos rios e distribuíam em pipas em carroças, com preço de venda que variava de 40 a 80 réis o barril de 20 litros (DIVISÃO DE ACERVO HISTÓRICO DA

ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DE SÃO PAULO, 2004). O sistema de abastecimento da cidade teve fundamentalmente duas origens. A primeira, e mais antiga, foi a feita pelos frades do Convento de São Francisco, trazendo por adução (operação que consiste em derivar e conduzir a água na rede de distribuição) a água do córrego do Anhangabaú para uso privado e depois ao público. O segundo, e mais importante, era o que se originava a partir de dois tanques de água formados da nascente do rio Anhangabaú, que ficava no antigo morro do Caaguassú isto é, na altura do Paraíso. Estes tanques, chamados de Municipal e de Santa Teresa, ficavam, respectivamente, na altura das atuais ruas João Julião e Santa Madalena, e foram utilizados até o limite que, obviamente, não teve condições de acompanhar a evolução populacional da cidade. A partir dos encanamentos e técnica de obra conhecida pelo arquiteto, as valetas, até então a céu aberto e seguindo as declividades da região, foram substituídas por canalizações em pedra o que possibilitou uma

maior vazão das águas (DIVISÃO DE ACERVO HISTÓRICO DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DE SÃO PAULO, 2004). Devido a distribuição gratuita de água, escravas e escravos recorriam aos chafarizes em busca de água para consumo próprio e também a mando de seus senhores. Era no momento de busca de água que as escravas e escravos conseguiam brechas para socializarem e, por várias vezes a Câmara recebeu queixas de moradores das redondezas, que descreviam o local como “um lugar de namoro e algazarra dos cativos”. A agenda da igreja também era motivo de queixa, quando chegavam bispos e governadores, o largo era adornado com arco votivo de palmas e folhagens, para que sob ele passassem antes do destino final na Sé ou no palácio, no Pátio do Colégio. Era também um dos lugares da barulhenta festa de São João (FERREIRA, 1971, p. 97). A imigração europeia teve relevante participação na elevação da densidade demográfica da cidade a partir de 1867. Por conta disso, o

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abastecimento de água tornouse crítico, exigindo do governo da Província obras de captação da água do ribeirão Anhangabaú e transportando por novas tubulações aos chafarizes existentes. Em 1877 foi idealizada a Companhia Cantareira de Águas e Esgotos e, em 1881, começaram a ser distribuídas às residências as águas captadas da Serra da Cantareira. A própria Assembléia Provincial recebeu a água canalizada da Cantareira em 1883. Os serviços tinham de ser pagos e houve resistência da população à sua adoção, mas no início da década de 1890, vários chafarizes e bicas foram desativados como forma de obrigar os paulistanos a terem seus prédios ligados à rede distribuidora das águas da Cantareira, então sob o controle do governo do Estado de São Paulo (FERREIRA, 1971, p. 99). Assim se desativaram os tanques que abasteciam a cidade e naturalmente os chafarizes foram aos poucos perdendo sua importância de servidão pública. O governo do Estado assumiu a Companhia

Cantareira de Águas e Esgotos em 1892, criando a Repartição de Águas e Esgotos, aproveitando a ocasião para expedir a ordem para que todos os chafarizes da cidade fossem destruídos. Acaba então a distribuição de águas livres, de forma gratuita. Em 1883, José Antônio Garcia recebera concessão da Câmara para construção, de um quiosque de venda de café, bebidas e petiscos no local que ficava o Chafariz da Misericórdia. O largo da “algazarra popular” aderia aos novos tempos e se transformava no largo da algazarra lucrativa. A igreja foi demolida do local em 1886 e sua sede é deslocada para a região da Santa Cecília, o chafariz foi retirado do largo e acompanhou a trajetória da igreja sendo reinstalado no mesmo bairro, permaneceu até o 1903 por lá, sendo depois recolhido a algum depósito municipal e hoje tem sua localização desconhecida. Com a retirada da distribuição gratuita da água, os negras e negros livres do pós 13 de maio de 1888, residentes agora dos cortiços, que se formaram nas proximidades e nos mesmos

locais das antigas senzalas, pela região central, muitos se viram sem a possibilidade de adquirir essa água por ser precificada e não possuírem trabalhos com salários suficientes para a sobrevivência, em decorrência da fraca ou inexistente política pública de inclusão de negros a economia assalariada. Isso provoca o deslocamento de muitos para as periferias. Em um panorama geral das consequências da retificação, tamponamento dos rios e o novo sistema de distribuição de água, pode-se dizer que o processo tirou o acesso dá água ao uso pessoal dos que não conseguiam pagar, impediu atividades ocupacionais, como o serviço de lavadeiras, de muitas negras e negros, e impulsionou o deslocamento dessas pessoas para as periferias. fig. 05: Desenho do Chafariz da Misericordia por José Whasth Rodrigues, retirada do libro “Tebas, o negro arquiteto”, de Abílio Ferreira, colagem autoral. fig. 06 Fotografia da Igreja da Misericórdia por Militão. A. Azevedo, retirada do livro “São Paulo de Outrora“ de Cursino de Moura, colagem autoral. fig. 07: Reclamação de falta de água no chafariz da Misericórdia publicada em 1876 no Jornal O Estado. Colagem autoral.


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territórios de resistência Quilombo do Saracura ORIGEM: córrego do Saracura, delimitado pelas ruas Rocha, Una, Almirante Marques Leão e Avenida Nove de Julho BAIRRO: Bexiga DATA: início séc. XIX ATUAL galpões de armazenamento da Vai-Vai

• 64 mapa 06: Mapa sem escala Quilombo do Saracura destacando onde foi o dentro da organização urbana atual, de acordo com relatos históricos. Base de Dados: Geosampa.

A SARACURA É um pedaço da África. As relíquias da pobre raça impellida pela civilização cosmopolita que invadiu a cidade, ao depois de 88, foi dar alli naquela furna. Uma linha de casebres borda as margens do riacho. O Valle é fundo e estreito. Poças dagua esverdeada marcam os logares donde sahiu a argila transformada em palacetes e residências de luxo. Cabras soltas na estrada, pretinhos semi-nus fazendo gaiolas, chibarros de longa barba ao pé dos velhos de carapinha embranquecida e lábio grosso de que pende o cachimbo, dão áquelle recanto uns ares do Congo. Alli pae Antonio, cujas mandingas celebram os supersticiosos de Pinheiros, de Santo Amarão, da várzea do Tasbôa, pratica os seus mysterios e tange o urucungo, apoiando ao ventre rugoso e despido a cabaça resonanta. As casas são pequenas; as portas baixas. Há pinturas enfumaçadas pelas paredes esburacadas. A mobília, caixas velhas e tóros de pau, sobre ser pobre, é sórdida. E alli vão morrendo aos poucos. sacrificados pela própria liberdade que não souberam gosar, recosidos pelo álcool e estertorando nas angustias do brightismo que os dizima, eliminados pela elaboração anthropologica da nova raça paulista . os que vieram nos navios negreiros, que plantaram o café, que cevaram este solo de suor e lágrimas, acumulados alli, como o rebutalho da cidade, no fundo lôbrego de um valle. (O CORREIO PAULISTANO, 9 DE OUTUBRO DE 1907).


O Quilombo do Saracura foi um quilombo muito importante para a região de São Paulo. Era la que muitos negros fugidos encontravam proteção e condições de viver uma vida distante de toda servidão e violência. Localizava-se na região que hoje conhecemos como o bairro da Bela Vista, era uma área de várzea, afastada do centro residencial e comercial de maior importância do período. O Quilombo se estabeleceu na região por conta do Riacho Saracura, que possibilitava acesso a água, e era delimitado pelo quadrilátero das atuais Rua Rocha, Rua Una, Rua Almirante Marques Leão e Avenida Nove de Julho, no centro abriga atualmente a sede da tradicional escola de samba do bairro, o Grêmio Recreativo Cultural Social Escola de Samba Vai-Vai (GRCS Vai-Vai). O riacho do Saracura fornecia água para a região central da cidade, era uma área baixa da cidade, possibilitando a construção de uma barragem para captação das águas e distribuição através dos chafarizes, também era

chamado de Tanque Reúno ou Tanque Municipal. Além dessa atividade de distribuição de água, quitandeiros e lavadeiras utilizavam das águas em prol de sua ocupação, assim como os curtumeiros realizavam o processo de manipulação do couro cru para transformálo em vestimentas etc. Essas práticas, para a elite, depreciava a cidade, fazendo com que estes não quisessem ocupar o local. (NASCIMENTO, 2014). Os quilombos existiam em duas modalidades, o quilombo urbano e o quilombo rural. Os quilombos rurais existiam em mais quantidade que os urbanos, o Quilombo do Saracura por ser nas proximidades da cidade de São Paulo era considerado urbano, e favoreceu a vinda de escravizados do interior por possibilitar o anonimato que a cidade proporciona, apesar de ser urbano, existia uma barreira entre o território e a cidade por conta da densa mata atlântica que existia ainda ali, até 1870 foi assim, a mata e o medo dos animais desse habitat proporcionou segurança aos quilombolas. Um dos acessos

para o Quilombo era através de uma ponte que conecta a região do Largo do Piques, forte área comercial e atual Anhangabaú, à região do Saracura, e devido as intensas fugas decretaram o fechamento desse acesso em 1831 na tentativa de impedi-las. (NASCIMENTO, 2014). Com isso se estabelece o Bexiga, o nome que ficou inicialmente conhecida a região. Porém, a origem de sua nomeação não é unânime, mas relaciona-se a Chácara a qual pertencia até 1850, por conta de seu dono ter contraído a doença varíola e por ter sido uma doença muito presente no local, e se manteve nessa configuração com sua população sendo majoritariamente negra até o final do século XIX, quando se iniciou o patrocínio e chamamento de italianos pelo governo brasileiro. A região foi cedida a eles na tentativa de provocar a associação destes ao local e transformar a região em um reduto italiano. Por conta do sotaque, aos poucos a pronúncia foi mudando e o Bexiga foi substituído por Bixiga. Segundo Soares (1999), Bixiga - com ‘i’ -

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foi popularizado por meio das canções de Adoniran Barbosa e representaria uma tentativa da ala tradicional do bairro em resgatar um italianismo que se perdera. (NASCIMENTO, 2014). Paulatinamenteme, o protagonismo negro foi sendo subistituido pelo italiano e com a oferta de propriedade para os europeus e mudanças de traçado urbano, aos poucos familias negras começam a se deslocar da área e o bairro começa a ter divisões internas. Uma das divisões era o Quadrilátero do Saracura, que era ocupado por pessoas negras, na área de baixa topografia. O Morro dos Ingleses era a subdivisão mais valorizada, ascendendo topograficamente na tentativa de se distanciar da insalubridade da planície. Nesse contexto de subida e afastamento do córrego é inaugurada a Avenida Paulista em 1891, com objetivo da implantação de palacetes dos cafeicultores, acadêmicos e industriais. Como é trazido por Raquel Rolnik, “Desde logo se configurou um padrão de segregação urbana marcado por uma espécie de

zoneamento social: os ricos abandonaram a contiguidade dos sobrados do Centro da cidade para desenhar um espaço de privacidade e exclusividade burguesas. Assim, novos loteamentos foram surgindo em áreas de antigas chácaras, abrigando palacetes neoclássicos circundados por muros e jardins” (ROLNIK, 1989, p. 7).

Apesar dessas subdivisões, a população negra não se restringia ao Saracura, e se manteve na região em grande presença durante o século XIX até as décadas finais do século XX, porém era fadado a ela os cortiços, as habitações de menor prestígio, de espaço limitado de compartilhamento de moradia. Nesse contexto de subida do morro e ascensão simbolizando a ascensão social, é construída a Vila Itororó, localizada entre as ruas Martiniano de Carvalho, Monsenhor Passalacqua, Maestro Cardim e Pedroso, foi construída por um tecelão português entre os anos de 1916 e 1922. É uma das áreas mais antigas da cidade, constituída por um casarão e 37 casas repletas de adornos remanescentes da demolição do Teatro São José, primeiro teatro da cidade, que

fora destruído por um incêndio. Ao longo do tempo, esse conjunto arquitetônico transformou-se em cortiço. (NASCIMENTO, 2014). Apesar de residirem nessas habitações de baixa qualidade, a boa localização interessava à população negra que trabalhava nas residências da elite, por ser de fácil acesso aos palacetes para as criadas, lavadeiras, cozinheiras entre outros. E essa planície se mantém ocupada por pretos até os dias de hoje, assim como o Morro dos Ingleses é ocupado por uma população branca. Os quilombos representaram materialmente a luta de diversos negros que vieram antes, uma das facetas mais fortes da resistência contra a escravatura e sua existência e organização, foram essenciais na libertação de centenas de pessoas antes de 1888 e reivindicação e luta pela Abolição, eram abrigo dos fugidos, dos libertos, de todos os negros. Foram um sopro de esperança dentro dos três séculos de escravidão. fig. 08: Fotografia do Córrego do Saracura, por Vincenzo Pastore, 1910. fig. 09: Gráfite “Que cantos nos libertam do destino de servir?” localizado no muro da Escola de Samba Vai-Vai, arte de Ana Lira. Colagem autoral.


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territórios de resistência Irmandade Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos ORIGEM: primeira igreja era na atual Praça Antônio Prado, segunga e atual sede é no Largo do Paissandu BAIRRO: República DATA: 1711 e 1907

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ATUAL: Bolsa de Valores de São Paulo na antiga sede, segunda sede permanece no Largo do Paissandu.

mapa 07: Mapa sem escala Igrejas do Rosário dos Homens Pretos, destacando onde foram dentro da organização urbana atual, de acordo com relatos históricos. Base de dados: Geosampa.

A Igreja Irmandade Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos é uma confraria de culto católico, foi criada para abrigar a religiosidade do povo negro, que no período escravista era impedido de frequentar as mesmas igrejas dos senhores. As celebrações da igreja em São Paulo tem seus primórdios no ano de 1711, antes mesmo da região ser elevada à categoria de cidade. As irmandades eram uma forma de organização da comunidade, que além de congregar e promover o convívio, buscavam as alforrias e auxiliavam financeiramente os escravizados. E apesar das irmandades


não serem declaradamente abolicionistas, com exceção da Irmandade Nossa Senhora dos Remédios, constituíam importante parte do movimento abolicionista da cidade. (AMARAL, 1954) A primeira igreja da Irmandade na cidade foi construída no dia 02 de novembro de 1725 e nomeou consequentemente o largo a qual pertencia de Largo do Rosário. Localizava-se onde hoje conhecemos por Praça Antônio Prado, mais precisamente o terreno onde hoje está localizado o edifício da Bolsa de Valores de São Paulo. Quando a igreja foi erguida, essa área da cidade não apresentava dinâmica relevante para a Elite, a qual “permitiu” a apropriação do espaço pelos negros, toda a atenção da Elite estava voltada para Praça da Sé. A implantação da igreja no

largo desenvolveu pouco a pouco a área e logo uma comunidade negra se estabeleceu aos arredores dela habitando, ou realizando algum trabalho como a venda de quitanda -, agrupando-se religiosamente ou também com encontro livre voltado à sociabilização entre os seus. (SILVA, 2019, p.21). O Largo era palco dos festejos e cerimônias da igreja, lá acontecia desde as despedidas nos sepultamentos dos membros da irmandade até as celebrações em homenagem a Nossa Senhora do Rosário. A trilha sonora desses eventos era feita por tambores de origem africana celebrando as hierarquias da igreja e seus antepassados. Esses festejos e cerimônias eram considerados pejorativos e, posteriormente, até criminosos. Com a promulgação da Lei Áurea, outras leis foram criadas

para manter o controle das pessoas negras, a partir do decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890, cultos afro-brasileiros eram enquadrados nos artigos 157 (espiritismo, magia e outros sortilégios) e 158 (curandeirismo) do Código Penal. Esse Código Penal também enquadrava aglomeração de negros na rua e a prática da capoeira, como vadiagem, se fossem encontrados na rua nessas situações poderiam, se brancos pagar uma multa, e se negros seriam presos por 30 dia; com a capoeira a pena poderia ser de dois a seis meses. Além disso, a razão de muitos negros terem sido atingidos pelos decretos se deu pelo desemparo que foram deixados após a abolição por não ter tido inserção na sociedade, oferta de emprego e moradia, então muitos se encontravam na ruas desempregados e

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desamparados. Décadas a frente iriam criminalizar também as formas de expressão musical, como aconteceu com o Samba, no séc. XIX e XX, o ritmo só passou a ser considerado uma manifestação cultural válida quando foi apropriado pelos sambistas brancos. E hoje vemos essa perseguição com outra abordagem, com o rap e o funk. Além do papel religioso que as Igrejas pretas exerciam, acabavam também por promover um espaço de encontro e socialização, onde se preservava a sua cultura, e auxiliava a população perante o processo de periferização. Não só as Igrejas, mas o quilombos, as Irmandades, terreiros de umbanda e de candomblé, clubes negros, associações, etc. Nesse mesmo contexto de periferização e projetos de melhoramentos urbanos, começam a retirar os equipamentos do Largo. Primeiro é removido o Chafariz Sete de Setembro em 1883, e essa ação foi para justificar a criação da Companhia Cantareira e foi alvo de grandes protestos. Em 1903 o

terreno da igreja é desapropriado pela Câmara Municipal, assim como suas áreas adjacentes e renomeia-se a área com o nome do prefeito que liderava os projetos de “melhoramentos”, virando a Praça Antônio Prado. Esse processo além de remover construções, remove pessoas, espaços de sociabilidade e práticas de rituais. O valor pago à Irmandade pela desapropriação era inferior ao valor que o terreno foi comprado por ela anteriormente, por isso a Irmandade recebe o terreno do atual Largo do Paissandu para construção da nova sede, como forma de completar o valor. A área do Paissandu, era desvalorizada imobiliáriamente por ter muitas nascentes e lagoas do riacho Yacuba. Era uma área de difícil construção por ter seu solo saturado de água, e isso acarretará para a Irmandade um período de obra mais longo do que o comum, e consecutivamente, uma construção mais cara.(JORGE, 1999, p.81) A construção finalizou-se em 24 de julho de 1906, a medida envolve muitas polêmicas

com os moradores locais, que alegavam que uma igreja ali iria acabar com a beleza do local, no dia foi consagrada uma missa em comemoração a transferência bem sucedida da sede, e está até hoje é referência de celebração das comunidades negras da cidade.

fig. 10: Fotografia de M. A. de Azevedo da Igreja do Rosário no antigo Largo do Rosário, na época já era uma área urbanizada, 1862. fig. 11: Fotografia de Aurélio Becherini da nova Igreja do Rosário no Largo do Paissandu, 1935. Região demorou a ser urbanizada por ser área de brejo.


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3.3. lideranças negras paulistas

É decorrente na história do Brasil as mudanças de representações de determinadas pessoas ao longo do tempo, Machado de Assis é uma dessas pessoas, que por muito anos foi representado for fotografias e imagens com a pele branca, por distorção de iluminação. Conforme citado, sobre o projeto de branqueamento do país, medidas legislativas foram tomadas para mudar a raça dominante do país embasadas na ciência eugenista. Ainda de acordo com o projeto eugenista, por considerarem que pessoas negras estão ligadas à força física e à animalização, não a

seu potencial intelectual, quando estes indivíduos ganham projeção por seu talento na literatura, por exemplo, criamse mecanismos para manter os negros no lugar de subcategoria. Por isso, transformaram uma pessoa negra em branca. E a história valeu-se da frágil documentação da época reforçar a imagem de um Machado de Assis não negro. O processo de branqueamento pelo qual Machado de Assis passou diz respeito ao imaginário social construído em relação à população negra, que é vista como inferior e incapaz pela população não negra, como discorre o historiador


Luiz Maurício Azevedo, em seu livro “A Toupeira Invisível: marxismo negro e cultura antimarxista em Ralph Ellison”. Esse embranquecimento da representação, além de manter o detimento intelectual referenciados aos brancos, enfraquece o movimento e a população negra por fortalecer o entendimento que esse grupo étnico não possui ou possuiu lideranças, não têm referências intelectuais, além de tirar a possibilidade de ser inspiração para novas gerações. É necessário que haja revisão da representação física histórica, pois a representatividade motiva a apropriação desses locais intelectuais, não mantendo

pessoas negras destaques apenas em atividades de uso de força, como nos esportes por exemplo, pelo alto desempenho em muitos deles. Com isso, a seguir será contada brevemente a história de algumas lideranças e figuras destaques negras paulistas que realizaram grandes feitos, mas que não têm suas histórias amplamente conhecidas, e, algumas também sofreram pelo processo de embranquecimento de sua representação.

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Luiz Gama, o advogado abolicionista • 74

fig. 20: Luiz Gama, desenho autoral.


Luiz Gonzaga Pinto da Gama foi um homem negro, nascido no dia 21 de Junho de 1830 em Salvador, Bahia. Era filho de Luísa Mahin, mulher negra livre, e uma importante figura do movimento abolicionista de Salvador. Apesar de sua mãe ser livre, e que isso o fazia consequentemente livre pela lei, ele viveu em condição de escravizado até os 17 anos. Seu pai, um homem branco, após se endividar e quase estar falido, vendeu Luiz aos 10 anos de idade como escravo a um comerciante de São Paulo, e foi nessa cidade que ele passou o restante de sua vida. Luiz viveu até os 17 anos nessa condição, sendo escravo doméstico, e só em 1847 conseguiu acesso aos documentos que comprovaram sua liberdade. Era analfabeto até essa idade e logo após ser alfabetizado, já inicia sua carreira acadêmica, em 1850, e ingressa na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, sendo o primeiro estudante negro da história da instituição. Pela lei vigente, Luiz por ser negro não poderia receber diploma (FERREIRA,

2018, p.41), apesar disso concluiu todo o curso sendo ouvinte, então torna-se amanuense4 ou rábula, da Secretaria de Policia de São Paulo, e passa a integrar a abolicionista da cidade, usando seus conhecimentos das leis e direitos favor dos negros. Nesse mundo da escrita, Luiz exerceu outras ocupações, como jornalista e escritor, também fundou jornais e participou de importantes Redações Negras da cidade. Conseguiu através da lei a alforria de 500 a 1000 pessoas. Além da atividade judicial que exercia, pertencia ao movimento dos Caifazes, que teve em seu primeiro momento a atividade legalista, e após a morte de Luiz em 1882 aos 52 anos em decorrência de diabetes. O movimento passa a agir de forma direta monitorando fugas e encaminhando fugidos a lugares de segurança. Luiz não viveu o suficiente para ver a proclamação da Lei Áurea. Em 1931 foi inaugurado no Largo do Arouche um busto em sua homenagem, resultado de uma luta que começou em 1929 para sua implantação, e

faz parte do grupo dos poucos monumentos a pessoas negras, da cidade de São Paulo. Seu título de advogado só foi concedido 133 anos após sua morte, em 2015, pela Ordem dos Advogados de São Paulo. Em 2017, a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, no Largo de São Francisco, deu o seu nome a uma de suas salas, simbolizando a importância dele para o Direito e contribuição para o Brasil. Em 2018, a Lei 13.628/2018 resultante do PLC 202/2015, inscreve o nome do abolicionista no Livro de Heróis e Heroínas da Pátria. Já a Lei 13.629/2018, criada a partir do PLC 221/2015, declara Luiz Gama como Patrono da Abolição da Escravidão do Brasil. Os dois projetos são de autoria do deputado Orlando Silva (PCdoB/ SP.) A citação mais popular de Luiz Gama é: “Escravo que mata senhor, seja em que circunstância for, mata em legítima defesa.”

4 Amanuense: funcionário de repartição pública que ger. fazia cópias, registros e cuidava da correspondência

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Maria Punga, a empreendedora

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Compre os docinhos bão de quem aqui num mora Compre, compre, meu branco qu’eu já vô siimbora! Cocadinha, Sinhá! [...] Óia o bolinho de bagre! Óia o pinhão miquiquerê! Óia o içá p’rá vassuncê! (DELLAMÔNICA, 1975, p.27) fig. 21: Maria Punga, desenho autoral baseado na representação desenvolvida pelo Coletivo Cartografia Negra, junto ao Instituto Pólis e o artista Jerona Ryuce, não existe representação ilustrativa da mesma na história.


Maria Emília Vieira foi uma mulher negra clara e liberta, sempre era vista usando um turbante, argolas de ouro e um ramo de arruda nas orelhas. Seu café era famoso por conta da maneira diferenciada que ela servia, pois ela mesma torrava e socava os grãos num pilão, depois coava quantidade suficiente para apenas três canecos por vez e só servia dessa forma, obrigando os clientes a esperarem ter três pedidos para poder servir o café. “Enquanto esperavam e conversavam com conhecidos, os fregueses costumavam comer quitutes, bolos de fubá, broinhas de polvilho e bolinhos de tapioca” (SCHMIDT, 1940 p.114). Seu Café se assemelhava a uma taberna, mas isso não impediu de muitos dos seus frequentadores serem pessoas da alta sociedade da cidade. Maria for apelidada de Punga devido ao seu tamanho corporal, e assim ela e seu estabelecimento ficaram conhecidos, “Punga” remete aos tambores da dança Tambor de Punga/Tambor de Crioula, foi dado esse apelido em referência a um tambor grande por ser considerada uma mulher gorda. Maria Punga é a síntese

em pessoa, de uma das buscas principais desse Trabalho de Conclusão de Curso, encontrar histórias de resistência de pessoas negras, histórias que mostram um sopro de vida, que se atrelam a desenvolvimento de São Paulo e que colocam essas como agentes ativos do desenvolvimento da cidade. Sua história de vida atrela-se ao ciclo do café, o motivador principal da expansão demográfica e econômica da cidade, mas não inserida no contexto costumeiro de exploração nas lavouras, e sim no de trabalho livre, administrando seu próprio negócio e ressignificando a relação do grão de café com a vida negra, que se antes simbolizava a servidão forçada, agora emancipa economicamente uma mulher negra. Os registros sobre Maria foram descobertos a partir de diários de estudantes da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, como fez Afonso Schmidt. Além disso, ela aparece nas narrativas sobre a história do café na cidade, mostrada pelo Museu do Café em Santos, e também foi citada na tese de doutorado de João Luiz Máximo da Silva: “A Alimentação na

cidade de São Paulo (1828-1900) pela Universidade de São Paulo, em 2009. Mas foi através do Coletivo Cartografia Negra, que essa história chegou às autoras desse trabalho, em uma das Caminhadas da Memória, evento que consiste na visitação guiada a territórios negros do centro da cidade. (DO LARGO... 2018) Apesar desses debruçamentos sobre sua história, não se tem registro de como sua vida se fez depois do ano de 1860, o que aconteceu após o fechamento do Café e para onde foi. Assim como não se tem registro da sua vida posterior ao estabelecimento, em que situação conseguiu sua liberdade e quem foram seus familiares, etc. Isso abre o questionamento na forma que é representada pelos frequentadores do café, até que ponto a descrição a representa coerentemente? Essas lacunas na sua vida mostram como é importante ter a chance de escrever a própria história, e mostra como as pessoas marginalizadas são retratadas: pelos olhos dos outros e apenas em seus momentos de vitória, empurrando ao esquecimento o restante de uma vida.

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Chaguinhas, o soldado • 78


Francisco José Das Chagas, conhecido como Chaguinhas, era um homem negro que servia como cabo militar pelo Brasil na luta de Independência de Portugal. Não se sabe ao certo ano e sua data de nascimento, mas sua origem remonta da cidade de Santos. Sua história fica marcada no ano de 1821, no quartel da Rua Santa Catarina, onde protagonizou a Revolta Nativista, que tinha como objetivo reivindicar salários atrasados há 5 anos a militares negros, enquanto os militares brancos recebiam normalmente. (ANDRADE, 2017, p.108-110) A insurgência dos militares negros foi sufocada, porém Chaguinhas assumiu a culpa com o intuito de livrar outros companheiros da punição, e foi condenado. No dia 20 de setembro de 1821, foi levado para o Largo da Forca (hoje a Praça da Liberdade). Colocaram um laço em torno do pescoço dele, fizeram o palanque abrir, mas a corda arrebentou. (ANDRADE, 2017, p.108-110) Antigamente, quando a

corda da forca arrebentava, tinha como significado perdão divino, pois pelo julgamento de Deus, a pessoa não merecia ser morta. Nisso, aos gritos de liberdade, a população que assistia e o próprio Chaguinhas, clamavam por liberdade, sendo considerada por alguns historiadores essa a origem do nome do bairro. Porém, o perdão divino não foi o suficiente e houve mais duas tentativas de enforcamento, e em todas a corda arrebentou. Apenas na terceira vez, de acordo com uma das versões da história, o enforcamento foi concluído. (ANDRADE, 2017, p.108-110) Em uma outra versão, cessam as tentativas de enforcamento, e depois longe dos olhos da população o assassinam. Chaguinhas vira mártir e passa a ser considerado um santo a partir de então, era abençoado, a falha consecutiva das cordas só reforçava a benção. (ANDRADE, 2017, p.108-110) Foi declarado uma santidade em 1877 e recebeu em homenagem a capela, batizada Santa Cruz da Alma dos Enforcados.

Assim, como muitas das figuras históricas e santidades, terem passado por um processo de embranquecimento de sua representação — como Santa Ifigênia e Santo Elesbão — com Chaguinhas não foi diferente, e hoje é representado como um homem branco. (ANDRADE, 2017, p.108-110)

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IMAGEM 21: Chaguinhas, representação desenvolvida pela autora, sua representação foi embranquecida ao longos dos anos e a original se perdeu na história.


Tebas, o arquiteto

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Profissão: Alvenaria Construiu a velha Sé Em troca pela carta de alforria Trinta mil ducados que lhe deu padre Justino Tornou seu sonho realidade Daí surgiu a velha Sé Que hoje é o marco zero da cidade Exalto no cantar de minha gente A sua lenda, seu passado, seu presente Praça que nasceu do ideal E braço escravo É praça do povo Velho relógio, encontro dos namorados Me lembro ainda do bondinho de tostão Engraxate batendo a lata de graxa E camelô fazendo pregão O tira-teima do sambista do passado Bixiga, Barra Funda e Lava-Pés O jogo da tiririca era formado O ruim caía e o bom ficava de pé No meu São Paulo, oi lelê, era moda Vamos na Sé que hoje tem samba de roda Samba de Geraldo Filme - Tebas, o negro fig. 22: Tebas, o arquiteto. fig. 23: Igrejas as quais Tebas desenvolveu algum trabalho. Elaborado pela a autora.


IGREJA DA ORDEM TERCEIRA DO CARMO

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ANTIGA IGREJA DA SÉ

ANTIGO MOSTEIRO SÃO BENTO

IGREJA DO LARGO SÃO FRANCISCO


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Joaquim Pinto de Oliveira foi um homem negro nascido em 1721, na cidade de Santos, e escravizado de Bento de Oliveira Lima, um português mestre de obra com grande conhecimento de construção civil. Joaquim era também conhecido por Tebas, e foi através de Bento que teve sua iniciação na obra civil. Com a baixa procura por obras na região de Santos, eles se mudam para cidade de São Paulo em busca de novas oportunidades, e a partir daí que a história de Tebas passa a se desassociar da de Bento. (FERREIRA, 2019, p.13) Perto dos seus 29 anos, em 1750, começa a ser chamado para a realização de diversas obras de grande importância na cidade, como: a reforma do Mosteiro de São Bento, em 1766; a reforma da fonte de São Francisco em 1770; a construção da Capela da Ordem Terceira do Carmo, em 1772; a Torre da Catedral de São Paulo, a antiga Sé, em 1771; a torre do Recolhimento de Santa Teresa; a reforma da Ordem terceira Serafim de São Francisco, em 1783; e também, a construção do Chafariz da Misericórdia, em 1791. Tebas fez sua fama através

do seu conhecimento que ia além das construções de taipa de pilão, as quais eram comuns na cidade de São Paulo, ele possuía conhecimento sobre construções de pedra, alvenaria, hidráulica e drenagem, e conhecimentos em física. E também a sua ousadia de aceitar desafios e ser bem sucedido neles, como foi com a construção da Torre da Catedral da Sé, que nenhum construtor antes conseguiu fazer a cobertura estabilizasse. (FERREIRA, 2019, p.27) Segundo o historiador Carlos Gutierrez Cerqueira (2019, p.53) em seu texto “Tebas: vida e atuação na São Paulo Colonial” parte da coletânea organizada pelo historiador Abílio Ferreira, no livro intitulado “Tebas: um negro arquiteto na São Paulo Escravocrata”, pode-se dizer que Tebas foi decisivo para a constituição daquilo que Luís Saia, um arquiteto renomado paulista, chamou de período de ‘renovação estilística’, ocorrido especialmente nas igrejas na segunda metade do século XVIII, as quais foram feitas por Tebas. Há inconsistências sobre a data específica de sua alforria,

mas há concordância que ela existiu. A alforria se deu entre 1777 e 1778, em ação judicial movida por Tebas contra a viúva de Bento, sob orientação do já citado Matheus Lourenço de Carvalho, arcebispo da Sé.(FERREIRA, 2019, p.38) e viveu até os 90 anos livre, pois no dia 11 de janeiro de 1811 morreu vítima de gangrena. O velório e o sepultamento foram realizados na Igreja de São Gonçalo (FERREIRA,2019, p.40), ainda hoje existente na Praça João Mendes. Joaquim foi apenas reconhecido formalmente como arquiteto quase 200 anos após sua morte, em 2018, pelo Sindicato dos Arquitetos no Estado de São Paulo (SASP). No dia 20 de novembro de 2020 foi instalada na Praça da Sé uma escultura em sua homenagem, em comemoração ao Dia da Consciência Negra, feita pelo artista Lumumba Afroindígena e pela arquiteta Francine Moura.

fig. 24: Igreja do Largo São Francisco. Foto: Militão A. de Azevedo , 18621863.

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linha do tempo séc. XV 1500

séc. XVII 1600

1700

séc. XV início Diáspora Africana processo de dispersão de africanos ao restante do mundo

• 84 1500 Chegada dos Portugueses 1550 Inicio Ocupação portuguesa

1597 Quilombo dos Palmares maior Quilombo que existiu no Brasil, Pernambuco

1711 Irmandade Nossa Senhora Do Rosário Dos Homens Pretos início do culto

1721 Tebas nasce Cidade de Santos, SP

1793 Chafariz da Misericordia é inaugurado


séc. XIX 1800 séc. XIX fim da Diáspora Africana processo de dispersão de africanos ao restante do mundo

séc. XIX Cafeicultura estabilização da cafeicultura no país

85 • início séc. XIX Quilombo do Saracura Quilombo Urbano cidade de São Paulo

1830 Luiz Gama nasce Advogado abolicionista

1811 Tebas morre Cidade de São Paulo, SP

1850 Lei Eusébio de Queirós lei n. 581 que proibia o tráfigo humano transatlantico

1821 Chaguinhas morre Largo da Forca, SP 1822 Proclamação de República Brasil torna-se independente de Portugal

1871 Lei do Ventre Livre liberdade aos filhos dos escravizados nascidos a partir do ano de decreto 1882 Luiz Gama morre

1850 Lei de Terras Lei n. 601 Impedia negros de adquirirem terras

1888 Lei Áurea 13 de maio entra em vigor a lei n.3 353 que extingui a escravidão do Brasil

1860 Cafeteria Maria Punga funcionamento do café de Maria

1890 Bloqueio dos Portos Decreto 528 proibia a entrada de africanos e asiaticos no país


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3.4. contexto atual distribuição atual da população negra na cidade de São Paulo

A localização e quantificação desses territórios, e número de pessoas, foi estimado por um longo período da história do país. A arquiteta e urbanista Raquel Rolnik apontou, no fim da década de 1980, a necessidade de mapear a “inserção territorial dos pretos e pardos nas cidades, seja localizando esse grupo mais precisamente no tecido urbano, seja penetrando em seus espaços cotidianos de vida e socialização” (ROLNIK, 2007, p. 75), mas poucos esforços aplicados a políticas públicas foram feitos para tal no período. Este debate é importante também para a própria população negra, como aponta Octavio Ianni (1987), ao dizer que para o branco é conveniente que a população negra não saiba quantos são, onde estão, como vivem e de que forma participam da renda, da cultura e das decisões políticas da sociedade. A formação de territórios

negros é possibilitada a partir de diversos mecanismos econômicos, institucionais e culturais resultantes da expansão urbana, como a especulação imobiliária e o déficit habitacional, que se retroalimentam. Esses processos aprofundam a segregação, visto que a população é afastada para as periferias, áreas onde o acesso aos serviços e bens são mais caros, valorizando ainda mais os centros. Nesse sentido, Santos aponta que “A cidade em si como relação social e como materialidade, tornase criadora de pobreza, tanto pelo modelo socioeconômico, de que é o suporte, como por sua estrutura física, que faz dos habitantes das periferias pessoas ainda mais pobres. A pobreza não é apenas o fato do modelo socioeconômico vigente, mas, também do modelo espacial.” (SANTOS, 1996, p. 10-11).

O Censo do IBGE de 2010 trouxe à luz algumas dessas


questões levantadas na década de 80, localizando espacialmente onde está a população preta e parda no Brasil, a fim de se entender as realidades da sociedade atual e ter ferramentas para o planejamento desta. O projeto do mapeamento das desigualdades de São Paulo, realizado pela Rede Nossa São Paulo também realiza levantamentos de uma série de indicadores de cada um dos 96 distritos da capital, de modo que se possa comparar dados e verificar os locais mais desprovidos de políticas públicas. Em muitos casos, a enorme distância entre o melhor e o pior indicador – que determina o “Desigualtômetro” que aparece nas páginas de cada tema – dá uma dimensão dos desafios que precisam ser superados na cidade. O Censo 2010 detectou mudanças na composição da cor ou raça declarada no Brasil. Dos

191 milhões de brasileiros em 2010, 91 milhões se classificaram como brancos, 15 milhões como pretos, 82 milhões como pardos, 2 milhões como amarelos e 817 mil como indígenas. Registrouse uma redução da proporção de brancos, que em 2000 era 53,7% e em 2010 passou para 47,7%, e um crescimento de pretos (de 6,2% para 7,6%) e pardos (de 38,5% para 43,1%). Sendo assim, a população preta e parda passou a ser considerada maioria no Brasil (50,7%). O mapa da localização da população negra na Cidade de São paulo, realizado pelo censo de 2010 do IBGE, será a referência central de análise dos outros instrumentos levantados pelos Mapa da Desigualdade de 2019 de São Paulo, sendo os instrumentos comparados: violência e injúria racial, favelas, arrecadação de IPTU, gravidez na adolescência, tempo médio de atendimento de vaga em creche, emprego formal, idade média ao morrer, equipamentos públicos de cultura e arborização urbana. Com base nos apontamentos mostrados pelos

mapas a seguir, realizados com base nos dados compilados pelo projeto Mapa da Desigualdade em comparação com o mapa realizado pelo IBGE da distribuição da população parda e preta em São Paulo, observase que a população negra se concentra nas periferias da cidade, sendo o Jardim Ângela o bairro com a maior porcentagem. Nessa mesma distribuição racial espacial das pessoas, nota-se que os índices de melhor e pior seguem o mesmo padrão, as áreas com maior população negra são as com menor quantidade de arborização urbana, maior índice de gravidez infantil, menor quantidade de equipamentos culturais, ou até mesmo nenhum, menor média de longevidade e menor quantidade de empregos formais. E observa-se, que quanto menos residentes negros o bairro tem, maiores são as ocorrências de injúria racial, e violência de racismo. Em contraste, o setor sudoeste possui os melhores índices dos indicadores citados anteriormente.

87 •


• 88

N Até 10,00 10,01 a 25,00 25,00 a 50,00 50,00 a 75,00 75,00 a 100,00

5

20 10

km


distribuição atual da população negra na cidade de São Paulo

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IMAGEM 25: Mapa e Tabela do Municipio de São Paulo apresentando a porcentagem da população preta e parda na população total. Fonte: Censo Demográfico de 2010, IBGE. mapa 08: Mapa e Tabela do Municipio de São Paulo apresentando a porcentagem da população preta e parda na população total. Fonte: Censo Demográfico de 2010, IBGE.


• 90

violência e injuria racial 0 a 1,0 1,0 a 5,6 5,6 a 12,3 12,3a 49,1

mapa 09: Mapa do Município de São Paulo apresentando a Proporção de ocorrências de violência de racismo e injúria racial, para cada dez mil habitantes. Fonte: Mapa da Desigualdade 2019, SEHAB; HabitaSampa; IBGE, 2018.


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arrecadação IPTU mapa 10: Mapa do Município de São Paulo apresentando a arrecadação nominal de IPTU Fonte: Mapa da Desigualdade 2019, SEHAB; HabitaSampa; IBGE, 2018.

5

20 10

N

79.089 a 21.161.153 21.161.153a 55.696.439 55.696.439 a 115.444.225 115.444.225 a 841.564.958

km


• 92

favelas 0 0 a 1,3 1,3a 2,1 2,1 a 13

mapa 11: Mapa do Município de São Paulo apresentando a proporção de domicílios em favelas, em relação ao total de domicílios (%). Fonte: Mapa da Desigualdade 2019, SEHAB; HabitaSampa; IBGE, 2018.


93 •

arborização viária mapa 12: Mapa do Município de São Paulo apresentando a proporção de árvores no sistema viário, em relação à área total do distrito (km2). Fonte: Mapa da Desigualdade, 2019; SMDU; Geosampa, 2015.

5

20 10

N

3,0 a 361 361 a 649 649 a 1040 1040 a 1805

km


• 94

gravidez na adolescência 0,4 a 3,6 3,6 a 8,4 8,4 a 12,0 12,0 a 18,9

mapa 13: Mapa do Município de São Paulo apresentando a Proporção de nascidos vivos cujas mães tinham 19 anos ou menos, em relação ao total de nascidos vivos (%). Fonte: Mapa da Desigualdade 2019, SMS; SINASC, 2018.


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empreço formal mapa 14: Taxa de emprego formal, por dez habitantes participantes da PIA (população em idade ativa) com idade igual ou superior a quinze anos (%). Fonte: Mapa da Desigualdade 2019, MTE; RAIS - Microdados; IBGE; Seade 2017.

5

20 10

N

0,2 a 5,0 5,0 a 13,9 13,9 a 34,6 34,6 a 59,2

km


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idade média ao morrer 57 a 63 63a 69 69 a 75 75 a 81

mapa 15: Mapa do Município de São Paulo apresentando a Média de idade com que as pessoas morreram. Fonte: Mapa da Desigualdade 2019; SIM, 2018.


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equipamentos públicos de cultura mapa 16: Mapa do Município de São Paulo apresentando proporção de equipamentos públicos municipais de cultura, para cada cem mil habitantes. Fonte: Mapa da Desigualdade 2019; SMC; IBGE; Seade, 2017.

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0 63a 69 69 a 75 75 a 81

km


africanidades em São Paulo fig. 12: Bloco Afro Ilú Obá de Min desfilando no Carnaval da Barra Funda. Foto de Fernanda Carvalho fig. 13: Show do Emicida, lançamento disco AmarElo, no Teatro Municipal de São Paulo. Foto de Jeferson Delgado. fig. 14: Batalha do Point, Rua Dom José de Barros, junto com o encontro de pixadores. Foto de Página Facebook Batalha do Point, 2016. fig. 15:: Festa do Rosário na Igreja Nossa Senhora do Rosário da Penha. Foto de Vanderson Satiro, 2017.

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fig.

fig. Cec


fig. 18: Byou’z Restaurante Africano. Foto da página do facebook do restaurante, 2019. fig. 19:: Bloco Afro Ilú Obá de Min, carnaval de SP. Foto de Guilherme Soares, 2019.

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16: Mulher trançando o cabelo na Galeria do Reggae. Foto de Marcos Muniz.

17: Aparelha Luzia, Quilombo Urbano de São Paulo, na região do Santa cília. Foto de Instagram do Aparelha Luzia.


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partedois materializando a memória


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memória 04. Museu Memorial da Luta Pela Abolição: administração e educação da memória

As cidades têm memórias. Porém, nem todas as memórias estão presentes nas representações sobre a cidade. Não raro, memórias de grupos sociais vão com o tempo desaparecendo, sendo necessária a sua recuperação através de registros escritos, cartográficos, fílmicos, fotográficos, monumentais, entre outros. Como mostrado anteriormente, as relações de poder e embates no território determinam qual história e como ela será contada. Trazer à tona essas as marcas espaciais apagadas, “rugosidades” presentes num espaço “alisado” na construção de um território funcional e homogêneo (SANTOS RE, 2009, p. 14), implica numa releitura do espaço urbano. A demarcação e conhecimentos destes espaços propõe a construção de referenciais (materiais e simbólicos) do segmento negro para a memória coletiva da cidade, com potencial de ressignificação das representações, muitas vezes restritas e depreciativas,


sobre este grupo étnico-racial. Novas formas de contar e memorizar a história num contexto decolonial afro-brasileiro começam a ser discutidas, a historiadora sergipense Beatriz Nascimento discorre sobre isso em suas publicações, trazendo a perspectiva das trajetórias de vida individuais com o seu corpo sendo o elo com o território e sua história, que junta de outras histórias corporais individuais constituem um coletivo, que envolve ancestralidade, memória e história. Na publicação “Eu sou Atlântica”, compilado de textos de Beatriz nascimento organizados pelo geógrafo Alex Ratts, citando Nascimento, Ratts discorre que o corpo é igualmente memória, porque “Da dor – que as imagens da escravidão não nos deixam esquecer, mas também dos fragmentos de alegria. (...) Rosto e cabelo são marcas da raça social e política. Cabeça – intelecto, memória, pensamento. Cada um tem o direito de fazer essa viagem de volta. Olhar-se no espelho da raça e reconstruir sua identidade e seu corpo, pensando na sua trajetória e nas rotas do povo ao qual se sente vinculado. Na memória

corporal ou na difícil construção da cidadania, a linha do corpo negro continua desenhando o espaço. Fio da memória. Fio da identidade. Espelho que nos indaga. Da cabeça aos pés, repleta de signos, a imagem no espelho fala ao corpo que desenha o espaço.” (RATTS, 2006 p. 68 apud NASCIMENTO, 1997).

Sendo assim, ao colocar o corpo como parte do território, traz a ideia de identidades entre os lugares, em trânsito, na diáspora, faz o corpo ser indissociável da memória e território. A escritora, psicóloga, teórica e artista interdisciplinar portuguesa, Grada Kilomba tem como foco do seu trabalho, o exame da memória, trauma, gênero e racismo no póscolonialismo. Dessa forma, traz para essa discussão que racismo contemporâneo e cotidiano não se fez apenas pela continuidade das práticas do colonialismo, mas também como uma realidade que é negligenciada. Com isso, o “Memórias de Plantação”, seu livro fruto da tese de doutorado, desenvolveu-se sob um compilado de situações vividas, pela perspectiva dela e de outras duas mulheres que tiveram seus nomes

preservados, nos dias atuais que se perdem na atemporalidade do racismo cotidiano e procura entender como essas situações transformaram-se no trauma consequente ao racismo cotidiano. “[...] nossa história nos assombra porque foi enterrada indevidamente. Escrever é, nesse sentido, uma maneira de ressuscitar uma experiência coletiva traumática e enterrada adequadamente. A ideia de um enterro impróprio é idêntica a ideia de um episódio traumático que não pode ser descarregado adequadamente, e portanto, hoje ainda existe vivida e intrusivamente em nossas mentes.” (KILOMBA, 2019 p.223244).

O sujeito passa a ser voz, quando este escreve a própria história, passa a ser narrador da própria realidade, torna-se oposição absoluta do que o projeto colonial predeterminou (KILOMBA, 2019, p.28). A memória aqui é um instrumento de continuidade histórica. Com isso, a visualização privilegiada de determinadas memórias na cidade determinam o grau de importância que é dado a ela na história. A

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monumentalização da memória é uma ferramenta de perpetuação de poder, segundo Jacques Le Goff. (LE GOFF, 1924, p.537). Os monumentos da cidade de maior porte e maior visibilidade, é o Monumento às Bandeiras, construído em comemoração ao IV Centenário da cidade que a narrativa atrelava o desenvolvimento da cidade aos Bandeirantes e atribuía a eles heroísmo, com 50 metros de comprimento e 12 metros de altura, localizado na Avenida Ibirapuera, uma via muito movimentada e com grande fluxo de pessoas diariamente; um outro monumento de grande porte é a estátua do Borba Gato com 13 metros de altura, localizado na Avenida Santo Amaro, outra via movimentada e de grande fluxo de pessoas. Fazendo um breve panorama da situação de monumentos da cidade, São Paulo tem: 367 monumentos,

199 destes são em formas humanoides, 169 do total são figuras masculinas, 24 são figuras femininas. Destes, 155 são monumentos em homenagem a pessoas brancas, 137 homens e 18 mulheres. São 5 monumentos de pessoas negras, sendo 4 deles homens. Outros 4 monumentos representam pessoas indígenas, todos homens. E em dimensão, o maior monumento negro em forma humana tem 3,68 metros de altura, que é a Estátua da Mãe Preta, localizada no Largo do Paissandu, a qual o fluxo e visibilidade de pessoas não se equivale ao fluxo gerado por uma Avenida. (INSTITUTO PÓLIS, 2020). A escolha por lugares privilegiados e de muito fluxo, a escolha pela dimensão e material construído desses monumentos, e a escolha por ser na forma humana, de maneira a perpetuar uma pessoa ou o grupo a qual ela pertence, não é por acaso.

Por isso se é necessário retomar a narrativa e incluir os territórios negros na memória coletiva da cidade, a cartografia é uma forma de se fazer isso, identificalos de forma grandiosa através de memoriais e monumentos é possibilitar que a história dos construtores e trabalhadores que ergueram essa cidade seja conhecida. Assim como, reconhecer que o centro da cidade é da forma que conhecemos hoje, aparentemente branco, em consequência das disputas que ocorreram nele a qual alisaram o espaço para contar a história que os beneficie, por isso esse trabalho tem como objetivo, desalisar o espaço e trazer a tona as rugosidades que fizeram parte da história de tanta gente. Inserir a população negra na cartografia da cidade através da identificação desses pontos, é essencial para ampliar o debate do desenvolvimento da cidade, para atrelar o desenvolvimento dela, aos negros.


museu

O Museu Memorial da Luta Pela Abolição tem seu projeto sustentado nas políticas públicas para os museus e para a promoção da igualdade racial, promovidas pelo Ministério da Cultura em 2003, que têm como objetivo a superação da exclusividade de uma “alta cultura” e a superação do apoio exclusivo a obras e a manifestações artísticas consolidadas, em favor de um conceito que agregue a valorização da diversidade e o suporte ao patrimônio cultural. Ou seja, procura implementar uma museologia mais preocupada com as questões da sociedade e que se desenvolve como ramo científico. Além disso, “os museus vêm ganhando renovada importância na vida cultural e social brasileira, como processos socioculturais colocados a serviço da democracia, da sociedade e como uma ferramenta de desenvolvimento social” (IBRAM, 2010).

Assim, o que se tem assistido é a ascensão dos museus a instituições de importância nas discussões sobre cultura no Brasil. A ênfase na simples conservação e a velha imagem de um depósito de coisas velhas, que tanto têm assombrado as instituições museais, parecem estar sendo substituídas, paulatinamente, por uma busca por museus dinâmicos e vibrantes, que ocupem seu lugar nas discussões sobre temas como patrimônio cultural, identidade e diversidade. Nessa perspectiva, sempre convém lembrar que os museus são lugares de memória e de esquecimento, assim como são lugares de poder e de silêncios. É preciso ter em mente que “os museus não são inocentes” (CHAGAS, 1998), que não existem instituições museais neutras, que apenas nos dariam vislumbres do passado, mas que toda instituição está sujeita a seus interesses e acepções, assim como estão os profissionais que ali desenvolvem suas

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atividades. Muitos museus estão, continuamente, legitimando ou deslegitimando, valorizando ou depreciando diferentes identidades e culturas. Neste sentido, podese dizer que o museu é um espaço político de disputas de representação, começando pelas representações atribuídas aos objetos pelos próprios técnicos desses espaços culturais, pelos participantes ou não das comunidades onde se encontram inseridos, pelos patrocinadores das exposições e ainda pelos demais públicos que visitam essas instituições. Assim, os museus tanto podem atuar hierarquizando culturas e identidades, quanto contribuindo para colocar em circulação representações alternativas sobre diferentes grupos sociais, étnico-raciais e culturais, sobre suas memórias, histórias e culturas (ZUBARAN; MACHADO, 2013, p. 1). A Política Nacional de Museus, de 2003, foi um marco para a consolidação de muitas ações hoje efetivas. Não se trata apenas de uma atividade estatal, mas do reconhecimento de

anseios nacionais que há muito estavam sendo construídos. Essa premissa, da participação, deu base à metodologia usada para a formulação da política. Promover a valorização, a preservação e a fruição do patrimônio cultural brasileiro, considerado como um dos dispositivos de inclusão social e cidadania, por meio do desenvolvimento e da revitalização das instituições museológicas existentes e pelo fomento à criação de novos processos de produção e institucionalização de memórias constitutivas da diversidade sócio, étnico e cultural do país (MINISTÉRIO DA CULTURA, 2003). O alvo referencial destas políticas são os Pontos de Memória e os Pontos de Cultura, programas que reconhecem e estabelecem diálogo e ações com diferentes grupos sociais do Brasil que não têm, tradicionalmente, oportunidades de narrar e expor suas próprias histórias, memórias e patrimônios nos museus. Nesse processo, destaca-se, desde 2009, a parceria do IBRAM

com o Programa Mais Cultura e Cultura Viva, do Ministério da Cultura, o Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci), do Ministério da Justiça, e com a Organização dos Estados Ibero–americanos (OEI), que vem apoiando ações de memória em todo o país e no exterior, em comunidades populares, através do Programa Pontos de Memória. Esta iniciativa tem como objetivo principal contribuir para o desenvolvimento de uma política pública de direito à memória, com base nos já referidos Plano Nacional Setorial de Museus e Plano Nacional de Cultura (IBRAM, 2015). Muito embora estas iniciativas pareçam atuais, esforços individuais e dos movimentos negros podem ser percebidos ainda no século XX. Uma das principais iniciativas neste sentido surge a partir de 1950, com os trabalhos de Abdias do Nascimento. Dos trabalhos e discussões do Teatro Experimental do Negro surge a ideia de criação de um Museu de Arte Negra. Durante 18 anos, entre 1950 e 1968, Abdias do


Nascimento foi coletando obras de arte de diversos artistas, culminando em uma exposição no Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro. E, apesar de todos os esforços, o Museu de Arte Negra nunca saiu do papel, ficando o acervo sob a guarda de Abdias do Nascimento, que continuou colecionando e, também sob a influência de artistas próximos, dedicou-se à elaboração de obras de sua autoria. Este acervo encontra-se atualmente no Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (IPEAFRO). Seguindo-se ao Museu de Arte Negra, outras iniciativas foram construídas dentro da temática. Atualmente encontram-se registrados no Cadastro de Museus do Ibram, de um total de 3.600 instituições, 31 museus com recorte específico sobre a cultura e memória africana e afrobrasileira. Entre essas instituições podemos destacar: Museu do Negro (Rio de Janeiro/RJ), Museu da Abolição (Recife/PE), Museu Afro-Brasileiro (Laranjeiras/SE), Museu Afro-Brasileiro da UFBA (Salvador/BA), Museu Afro Brasil (São Paulo/SP).

Assim, o Museu Memorial da Luta Pela Abolição baseado nas diretrizes citadas acima, busca montar sua curadoria e disposição museológica de duas formas diferentes, que se complementam, sendo elas: i) na edificação do museu, que terá o seu local justificado e apresentada no capítulo posterior. ii) memoriais identificados com elementos de comunicação visual verticais e/ ou horizontais nos territórios negros apresentados no item “Territórios Negros”. A edificação será o núcleo desse museu, que se apresentará também pelo centro da cidade inteira por meio de memoriais e/ ou elementos de comunicação visual. O objetivo dessa proposta é utilizar a cidade como espaço museológico, para entender espacialmente os deslocamentos do povo negro, e mostrar que a existência e passagem dessas pessoas não se limitou no passado apenas às atuais periferias atuais da cidade, a fim de mostrar que houveram negras e negros habitando o centro da cidade e essa região também pertence a esse povo. Além

disso, rememorar esses espaços que foram invisibilizados, na tentativa de esconder a história da escravidão, para tentar trazer representatividade para as pessoas que passam pelo espaço cotidianamente mostrando que negras e negros usufruíram, construíram, resistiram, criaram e desenvolveram a cidade. O Museu Memorial da Luta Pela Abolição vem para solidificar e abrigar a história e memória do povo negro de São Paulo, resgatando seus líderes do período, sua trajetória pelo espaço e tempo, ao possibilitar um espaço de repouso dos traumas, um espaço que de visibilidade as vitórias e que vele as dores. E também um espaço de encontro, de sociabilidade, de estudos, de referência em um geral à população afrobrasileira e africana. Espaço que não inviabilize o passado cruel, e que acima de tudo, permita olhar para o futuro sem esquecer do que veio antes, a fim de prosseguir sua narrativa em busca das tecnologias, liberdade de expressão, empoderamento para criar um futuro novo.

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05. estudos de caso • 108

Museu do Apartheid Joanesburgo, Africa do Sul Mashbane Rose Associates 2001

Museu do Apartheid da África do Sul, projetado pelo escritório Mashibane Rose Associates, foi inaugurado em novembro de 2001, mais de sete anos após as primeiras eleições democráticas do país. Mas não foi por uma iniciativa do novo governo, o seu financiamento veio dos empresários Solly e Abe Krok para cumprir o componente de “responsabilidade social” de sua oferta de licença para um cassino que, junto com o parque temático Gold Reef City, fica ao lado para o Museu. O museu como significante afetivo é uma forma de representação da arquitetura bem difundida no discurso contemporâneo, como foi bem

caracterizado nos museus de Daniel Libeskind, que formam protótipos persuasivos para qualquer museu que tenta abordar uma história de trauma. Influente desde os estágios de planejamento, o Museu Judaico de 2001, em Berlim, evita as expectativas convencionais de design de museus e parece disfuncional em termos de práticas habituais de exibição. Os espaços complexos propiciam uma experiência sensorial inquietante que sugere a história carregada de presenças e ausências judaicas na Alemanha. As formas dobradas e em ziguezague do primeiro exemplo convidam a comparação com aspectos do layout complicado

fig. 25 Museu do Apartheid, fachada sul. Fonte: https://www.apartheidmuseum.org fig. 26: Dizeres da nova constitnuição. Fonte: https://www.apartheidmuseum.org


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do Museu do Apartheid. Podese dizer que o foco desses museus é menos o objeto, e mais a experiência. (RANKIN & SCHMIDT, 2009). Nesse sentido, a arquitetura inovadora do museu é paralela à reconfiguração da prática do museu, pois a troca do foco na coleta, catalogação e conservação dá lugar a criação de agendas proativas voltadas ao público. Os curadores contemporâneos pretendem envolver os espectadores em experiências mais afetivas: o objetivo é a história a ser percebida não apenas como recontagem, ou até memorização, mas como agente causador de empatia. Em uma dessas realocações, a África do Sul enfrenta a questão problemática de como representar a história do apartheid, que dominou a vida sob um governo nacionalista por 40 anos. Os registros

documentais não capturam completamente sua opressão iníqua, e as coleções históricas feitas sob o regime refletem suas ideologias e não seus efeitos: de qualquer forma, existem poucos objetos que SCHMIDT, 2009). O Museu do Apartheid compartilha com outros novos museus da África do Sul o problema de falta de uma coleção substancial de artefatos ‘autênticos’: mas isso não era necessariamente percebido como uma desvantagem. Enquanto a equipe interdisciplinar de curadoria — incluindo o historiador Phil Bonner, a socióloga Deborah Posel, o diretor do museu Christopher Till, o ator e ativista cultural John Kani e o cineasta Angus Gibson — reuniu alguns itens, como armas descomissionadas, e criou simulacros de parafernálias comuns do apartheid, como sinalização, a atenção tradicionalmente dada aos objetos nos museus concentravase na coleta de fotografias e imagens em movimento que poderiam ser usadas para reconstruir uma narrativa. Mais abertamente do que objetos, eles

podem transmitir a experiência daqueles que são submetidos ao apartheid. Mas, crucialmente, ao tentar replicar essa experiência, o Museu do Apartheid usa não apenas suas exibições para contar a história, mas principalmente a arquitetura do museu. (RANKIN & SCHMIDT, 2009). “Afirmamos que é o próprio edifício e a interação do visitante com seus espaços arquitetônicos divergentes que mais intensamente gera um processo de ‘inquietação empática’. (RANKIN & SCHMIDT, 2009 p.79)

O uso da experiência espacial como uma aproximação entre a experiência incorporada e as circunstâncias sócio-políticas é visto e sentido no museu. Rankin e Schmidt argumentam com base nisso, que o sentimento de desorientação física nos fluxos dos espaços de um edifício como o Museu do Apartheid aumenta um senso relacional de experiência espacial.(RANKIN & SCHMIDT, 2009). Embora apenas alguns visitantes do Museu do Apartheid estejam em posição de reconhecer ou se lembrar


de suas próprias experiências corporais sob o apartheid, outros ainda podem ter um forte senso de empatia com aqueles sujeitos às manobras de controle do regime, através de um processo de manipulação de seus sentimentos pelos espaços do museu. O museu não apenas tenta narrar o apartheid da África do Sul em suas estratégias de exibição: ele também realiza suas complexidades e contradições de sua arquitetura e a forma física de suas exibições.(RANKIN & SCHMIDT, 2009). “Embora a experiência corporal da arquitetura e seus espaços possa gerar sensações compartilhadas, os “pontos problemáticos” serão identificados e experimentados de maneira diferente por diferentes visitantes.” (RANKIN & SCHMIDT, 2009 p.80)

As reações ao museu pelos visitantes estrangeiros, não serão as mesmas que as dos sul-africanos. Mas até mesmo as reações desses grupos locais não podem ser claramente distinguidas. Assim como os turistas trarão experiências e expectativas amplamente diferentes, gerando reações

correspondentemente diferentes, a forte heterogeneidade também caracteriza a recepção do museu pelos visitantes sul-africanos — talvez mais obviamente entre vítimas e torturadores do apartheid —, mas também pela geração mais jovem vivendo depois dele. (RANKIN & SCHMIDT, 2009). O percurso percorrido pelo visitante é importante, pois contextualiza a experiência do próprio edifício. O acesso ao terreno é feito pela rodovia sul de Joanesburgo (como é provável para os cidadãos de classe média com seus próprios veículos) ou via Soweto (como é mais provável para os moradores da cidade operária e talvez estrangeiros em passeios organizados). Ao pegar a estrada, o visitante não encontra a pobreza típica de grande parte de Soweto, mas tem consciência de uma cidade caracterizada pela industrialização do primeiro mundo, com as rodovias e arranha-céus resultantes. (RANKIN & SCHMIDT, 2009). Mas esses significantes da riqueza, sejam fatos ou fantasia, carregam um texto oculto — os sistemas de exploração

grosseira que sustentavam a economia de mineração. Esse aspecto ganha forma visível na abordagem do sul via Soweto, em termos de moradias e barracas sub-econômicas que refletem as condições de vida relativamente inalteradas para muitos que sofreram opressão sob o regime do apartheid. Existe, portanto, uma dicotomia nos arredores do museu que corresponde às contradições da sociedade sul-africana: riqueza extrema ou pobreza extrema; indústria capitalista ou economia de subsistência; atividades de lazer glamourosas ou labuta incessante. O exterior do museu é fechado como se estivesse isolado dessas verdades e ficções adjacentes para criar sua própria narrativa, uma narrativa que é enquadrada - literal e figurativamente - pelas formas arquitetônicas. As paredes curvas de pedra natural ao sul parecem recordar uma história pré-colonial mais antiga, uma arqueologia de formas orgânicas que sugerem formas vernaculares (Imagem 51). (RANKIN & SCHMIDT, 2009).

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A construção, desse ângulo, funde-se benignamente com as linhas baixas da paisagem, replantada cuidadosamente com gramíneas indígenas que capturam a escassez seca e o calor de seus ocres encharcados pelo sol. Mas esse aspecto do exterior é visto apenas à distância quando os visitantes se aproximam do museu. Do outro lado em que entram, são confrontados por uma fachada reta e dura, seus altos muros de tijolo vermelho construídos com precisão retilínea em escala fascista que evoca instituições de controle burocrático (Imagem 54).(RANKIN & SCHMIDT, 2009). No contexto dessa fachada proibitiva, a faixa adjacente de hastes altas de concreto na entrada, inscrita nos sete princípios da nova constituição, traz uma mensagem afirmativa para o futuro pós-apartheid da África do Sul - Democracia, Igualdade, Reconciliação, Diversidade, Responsabilidade, Respeito e liberdade. Suas formas hermeticamente fechadas remete às das prisões do apartheid e do isolamento da África do Sul por trás de

suas fronteiras, examinando suas práticas imperdoáveis ​​do mundo exterior A planta baixa (Imagem 53) disponibilizada em formato simplificado aos visitantes que do Museu, mas nenhum desenho pode fornecer clareza ao espectador, pois a complexidade e o paradoxo operam em vários níveis. O Museu desafia os espectadores com sua justaposição de diferentes formas arquitetônicas. É logo na bilheteria que se inicia a experiência do museu, antecedendo o pátio aberto, são emitidos bilhetes que classificam os visitantes aleatoriamente como “pretos” ou ”brancos” e os obriga a usar diferentes rotas no museu (Imagem 55), forçandoos a experiência fundamental do apartheid, a divisão. (RANKIN & SCHMIDT, 2009). A classificação aleatória induz respostas que podem variar de desconcertantes a assustadoras. Pois ele não apenas divide os visitantes de acordo com um código racial arbitrário, mas também separa famílias e amigos de uma maneira imediatamente afetiva. Não há um hall de entrada

espaçoso e acolhedor no qual os visitantes se misturam, planejam suas visitas e escolhem suas rotas. Em vez disso, eles são canalizados através de entradas estreitas com catracas, uma para “BRANCOS” e outra para “NÃOBRANCOS” (termo onipresente do apartheid “não-brancos”) perpetuando o conceito de “brancura” como norma e “negritude” dos africanos como o Outro, o negativo e aberrante). Além das entradas da catraca, os visitantes se mudam para uma das duas passagens sombreadas, definidas por gaiolas de arame que abrigam réplicas ampliadas dos documentos de identidade que categorizam respectivamente africanos e europeus no apartheid (Imagem 56). (RANKIN & SCHMIDT, 2009). A gaiola divisória entre os dois corredores invoca a crueldade caprichosa das classificações em preto e branco do apartheid, pois seus documentos simulados pertencem àqueles a quem o sistema designou “colorido”. Por essa zona ambígua, os visitantes de um lado, vislumbram

fig. 27: Implantação e Corte Longitudinal do Museu do Apartheid. Fonte: https://roodt.blinkin.co.za/contemporary-architecture-sa/. Reprodução autoral.


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IMPLANTAÇÃO 1. Northern Parkway 2. Gold Reef Road 3. Entrada Principal 4. Rampa 5. Hall de Recepção 6 Rampa Exterior 7. Hall de Congregação 8 Hall de Encontro 9. Purificação 10. Hall da Separação 11. Hall das 1as Resistências 12. Espaço das Celas 13. Hall da Resistência 14. Sala de Segurança 15. Hall das Testemunhas 16. Hall da Eleição 17. Rampa 18. Memorial 19. Hall da Luta Int. 20. Arquivos 21. Loja 22. Vista Panorâmica 23. Lagoa 24. Saída Principal

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fig. 29: Entrada e bilhete segregador. Fonte: https://www.apartheidmuseum.org/

fig. 28: Muro de tijolo do museu. Fonte: https://turismo. culturamix.com/cultural/museu-do-apartheid

fig. 30: Corredor divisor de brancos e nãobrancos. Fonte: https://www.apartheidmuseum.org/

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fig. 39: Espaço expositor: eleições diretas 1994. Fonte: https://www.apartheidmuseum.org/

fig. 38: Espaço expositor: manifestações. Fonte: https:// www.apartheidmuseum.org/

fig. 36: Espaço expositor: Apartheid. Fonte: https://www.apartheidmuseum.org/

fig. 37: Espaço expositor: em direção a liberdade. Fonte: https://www.apartheidmuseum.org/


fig. 31: Rampa acesso plataforma intermediária. Fonte: https://www.apartheidmuseum.org/

sequência dos espaços do Museu

fig. 31: Vista da plataforma intermediária/telhado. Fonte: http://www.carolizejansen.com/Apartheid-Museum. html fig. 33: Entrada espaço expositor. Fonte: http://www.carolizejansen.com/Apartheid-Museum.html

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fig. 35: Espaço expositor: Apartheid. Fonte: https://www.apartheidmuseum.org/

fig. 34: Espaço expositor: Pré-Apartheid. Fonte: https:// roodt.blinkin.co.za/contemporary-architecture-sa/


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familiares, mas desorientadores, que sugere as relações contingentes de diferentes grupos raciais na África do Sul. As rotas de saída não são claras, a área de entrada cria um local de contradição e mal-estar. (RANKIN & SCHMIDT, 2009). Quaisquer que sejam suas respostas aos corredores confinantes que atravessaram, os visitantes experimentem a saída inesperada para a luz do sol no final com algum alívio (Imagem 57). A transferência de dentro para fora representa a “entrada na luz” para a África do Sul. Os visitantes que até agora seguiram duas rotas separadas, estão unidos novamente, e a rampa aberta mais à frente é ocupada por uma simulação de pessoas. Uma dispersão de espelhos verticais é posicionada na longa inclinação, suas superfícies reflexivas duplicam o número de pessoas reais presentes quando visitantes se

aproximam do vidro espelhado. (RANKIN & SCHMIDT, 2009). Uma decisão de atribuir à rampa uma “função de museu”, flanqueando um lado com alcovas de exposição, distrai a experiência principal. Ao final da rampa se chega a uma plataforma. A entrada no museu propriamente dita é adiada mais uma vez, desta vez por uma ampla plataforma de observação no teto do museu, criando um forte contraste espacial com o recinto relativo da rampa. (RANKIN & SCHMIDT, 2009). Esse espaço desempenha um papel fundamental, pois orienta o visitante para a paisagem circundante de forma mais explícita, do que a viagem ao local pode fazer. A plataforma de visualização controla o olhar do visitante ao restringir o olhar ao sul. É importante ressaltar isso, pois cria-se a narrativa de não ver sul, e volta-se apenas ao norte africano. Uma metáfora à história colonial do país, simbolizando as consequências da chegada dos europeus que vieram pelo sul para se estabelecer no norte do país - percorrendo uma rota em direção ao apartheid

e suas práticas iníquas de cerceamento e controle. Nessa área de contemplação há uma escada a qual da acesso ao nível interior do museu. (RANKIN & SCHMIDT, 2009). Saindo da plataforma de observação, os visitantes descem para a cavidade do museu. Finalmente, eles alcançam a área que aparenta ser um espaço expositivo de museu, com o balcão de informações e instalações esperadas em ambientes leves, amplos e sem restrições (Imagem 58). Na entrada, as letras de metal oferecem a clareza de uma definição de dicionário do apartheid, a área exibe grandes fotografias e textos. Quando se sai desse espaço, no entanto, a arquitetura retorna as formas anteriores de rigidez e isolamento. Tijolos e concreto com persianas moldam espaços restritos em um caminho predefinido que controla o acesso e a direção, continuando o tema preliminar do encarceramento e seus efeitos desorientadores. Não há amplas salas de exibição ou vistas, mas sim uma sucessão de espaços pequenos ou


interrompidos e galerias laterais, abrindo caminhos tortuosos que parecem ziguezague e se voltam para si mesmos. E dentro dessa gama desconcertante de situações espaciais, o visitante é submetido a uma sucessão esmagadora de sons e imagens. (RANKIN & SCHMIDT, 2009). A ênfase na imagem virtual aumenta a consciência da experiência corporal, à medida que ela interage com as formas construídas do museu, em um esforço para encontrar orientação física dentro do ataque de informações mediadas. A exposição permanente do museu é bem extensa e busca contar desde o pré-apartheid; as fases deste e as lutas em direção a liberdade. A fase préapartheid é exposta através de grandes fotografias, a ascensão do apartheid é representada por um labirinto de gaiolas de arame, há também um espaço de homenagem e rememoração aos ativistas anti-apartheid que foram assassinados; já no regime consolidado buscaram reconstituir as celas de prisão, além disso, também está exposto um veículo Casspir - espécie de

tanque militar blindado - que usavam para o ataque e controle da multidão. Ao final do trajeto próximo a saída do museu existe uma sala para contemplação. E, apesar da planta sequencial, o progresso no museu não oferece ao visitante uma sucessão lógica de espaços que podem ser facilmente compreendidos, pois o relacionamento de um local com outro é frequentemente obscuro. A sequência fornece uma acumulação esmagadora de experiências sensoriais antes da liberação do espaço final. (RANKIN & SCHMIDT, 2009). Há também uma mudança da exposição da dor para exposição da comemoração, quando o exposto se torna referente as eleições democráticas da África do Sul, o percurso leva as primeiras eleições livres de 1994. Inicialmente este espaço final oferecia pouco além de bancos simples e quietude. Mais recentemente, foi reformulado com uma exibição da bandeira da África do Sul e, com uma inscrição grandes muros, os princípios da constituição se encontraram pela primeira vez

na Entrada. Serve como lembrete de que a eleição de um novo governo e o desenvolvimento de uma nova constituição forneceu resultados positivos para anos de trabalho. (RANKIN & SCHMIDT, 2009). O espaço contemplativo não se dissipa, mas, em certa medida, desativa as exigentes experiências emocionais que o museu oferece e a sensação de inquietação que gera. E, na saída, um café e uma loja de museu restauram expectativas turísticas padrão. Sua própria banalidade serve aos recursos necessários de reintroduzir visitantes no mundo cotidiano. Juntamente com uma repousante pátio aberto, a loja e o café servem quase como “áreas de descompressão” após a turbulenta jornada que os visitantes experimentaram, antes de finalmente partirem através de outra catraca que ecoa o ponto de partida da turnê. (RANKIN & SCHMIDT, 2009).

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ANÁLISE CRÍTICA O Museu do Apartheid tem um grande papel representativo no âmbito dos museus que contam histórias de raças perseguidas, a escolha para o estudo de caso se deu inicialmente por isso e pela semelhança no tema do projeto do Museu da Luta Pela Abolição. Ao aprofundar o estudo no Museu do Apartheid, novos motivos foram descobertos como o uso da arquitetura para criar sensações e narrativas; alguns elementos projetuais — como a plataforma de observação do telhado, que possibilita a percepção espacial das resultantes dos processos históricos, mas não só. A narrativa que se cria a partir do avanço pelos ambientes, não só pela materialidade e com o que é exposto, mas com a mudança brusca da espacialidade de um ambiente por outro, como sair de um corredor para um lugar ao ar livre, e depois entrar em um ambiente com pé direito diferente do anterior, sem conseguir se localizar direito no percurso, as mudanças de níveis, sendo feitas por escadas e outras vezes rampas, sair de um lugar escuro direto para um muito iluminado sem nenhum aviso. Esses sensoriais são usados para causar sensações no visitante e atrelar a história que o Museu conta a sensação que o visitante ficará da visita, na tentativa de causar empatia com o que foi visto. • 118

fig. 40: Fachada com a frase de Nelson Mandela: “For to be free is not merely to cast off one’s chains, but to live in a way that respects and enhances the freedom of others”. Fonte: https://apartheidmuseum.or fig. 41: Nelson Mandela e ativistas. Fonte: https://apartheidmuseum.org/


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fig. 42: Museu Externo, obra de Diego Mouro na mostra "Foram os homens e mulheres negras que construíram a identidade nacional" em homenagem a João Alberto Silveira Freitas, homem negro, assassinado em uma unidade da rede Carrefour de Porto Alegre, em novembro de 2020. Foto: Diego Mouro. fig. 43: Entrada Museu Afro Brasil., fachada sul. Foto: http://www. museuafrobrasil.org.br/

Museu Afro Brasil • 120

São Paulo, Brasil Oscar Niemeyer 2004

O Museu Afro Brasil foi criado em 2004 da iniciativa do artista negro brasileiro Emanoel Araújo, o acervo inicial do Museu formou-se a partir da coleção de 1100 peças comodatas por ele. Emanoel tem uma longa trajetória em realização de exposições relacionadas ao reconhecimento da matriz afroatlântica como identidade da cultura nacional, no Brasil e também no exterior, tendo sido exposto em museus europeus e no Museu Guggenheim de Nova York, com a exposição “Brazil: Body and Soul”, em 2001. A proposta de criação do Museu feita por ele, foi apresentada à prefeita vigente da época, Marta Suplicy e foi

bem-vinda. Com isso inicia-se os trâmites para implementação do equipamento cultural que é feito através do decreto 44.816 de 01/06/2004, o qual utilizouse de recursos da Petrobras e do Ministério da Cultura, neste último através da Lei Rouanet, e por fim foi atribuída a sua gestão ao Instituto Florestan Fernandes, por meio do termo de colaboração com a Secretaria Municipal de Cultura - SMC, a qual mudará em 2009 e passará a ser gerido pela Associação Museu Afro-Brasil (AMAB), que se constituiu como Organização Social, vinculada a Secretaria de Estado da Cultura, e recebe recursos do governo estadual.


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O Museu foi criado com alguns objetivos prévios. Emanoel discorre sobre eles em um texto publicado em 2004 intitulado “Museu Afro Brasil Um Conceito em Perspectiva”, que virou por assim dizer uma espécie de manifesto, e que servirá de norte para o embasamento da Missão, Visão e Valores do Museu Afro Brasil. “Criar um Museu que reflita uma herança na qual, como num espelho, o negro possa se reconhecer, reforçando a autoestima de uma população excluída e com a identidade estilhaçada, e que busca na reconstrução da autoimagem a força para vencer os obstáculos à sua inclusão numa sociedade cujos fundamentos seus ancestrais nos legaram.”(ARAÚJO, 2004)

Essa questão da autoestima é muito citada ao decorrer do texto por Emanoel, assim como ele ressalta que é importante entender o trabalhador negro como elemento essencial para sucesso do desenvolvimento do Brasil em todas as suas etapas. A coleção original do acervo do Museu, segue três linhas mestras, sendo: da história, da memória e da arte. Essas linhas mestras originaram os “Temas e Tipologias de Acervo” que serão instrumento para organizar o Programa de Acervo e serão base para a fundamentação dos Programas do Museu. Os “Temas e Tipologia de Acervo” são: 1. África, Áfricas, que busca enfatizar a competência das culturas africanas, por meio das obras de arte produzidas posteriormente ao tráfico transatlântico; 2. Trabalho e Escravidão, consiste entender o papel dos africanos escravizados e seus descendentes na construção da sociedade brasileira; 3. Religiosidade Afrobrasileira, que lida com a questão da criação e surgimento

das religiosidade africana em continente americano, que se surgiram devido a mistura de diferentes religiões de diferentes povos africanos, que acabaram por assimilar e trocar entre si elementos semelhantes de suas culturas; 4. Festas: O Sagrado e o Profano, as celebrações que realizavam a partir do cristianismo que lhes foi imposto, a qual derivou espaços sociais de preservação de suas culturas de origem; 5. História e Memória, que procura resgatar negros na história e na memória do Brasil, ao reunir momentos nos quais personalidades negras se destacaram ou tiveram participação fundamental em diversas e diferentes áreas; 6. Arte do Século XVIII a Arte Contemporânea, este núcleo reúne obras da arte brasileira desde o Barroco e o Rococó, passando pelo século XIX, a Academia e os acadêmicos, bem como pelas artes de origem popular, ou arcaica e genuína. Os programas do Museu são: Programa de Exposições,


que determina a narrativa museal das exposições; Programa de Museografia, que determina através do Curador do Museu, a concepção museográfica da exposição de longa duração e das exposições temporárias; Programa de Salvaguarda, o que faz a preservação do acervo, também, na reconstituição da história particular contida em cada obra do acervo através dos fragmentos históricos; Programa de Pesquisa e Documentação, realiza a pesquisa, preservação e registro de seus aspectos culturais, tecnológicos, artísticos, religiosos, entre outros, em bibliografias especializadas e em diferentes fontes de pesquisa; Programa de Educação, visa ampliar a compreensão acerca das exposições por meio de visitas orientadas e de atividades adequadas aos diferentes públicos; Programa de Comunicação, que faz ações internas para melhor o relacionamento entre Museu e funcionários, e externamente para melhor o relacionamento do Museu com o

público externo. Além desses Programas, existem mais dois, que são mais voltados a questões administrativas, que são: Programa de Gestão Pessoal, que coordenada pela Diretoria Administrativo-Financeira e está balizada nos termos do Manual de Recursos Humanos, elaborado a partir das especificidades da ação museal, salvaguardando as relações trabalhistas previstas por Lei; e por fim o Programa de Segurança, que tem objetivo promover a segurança dos funcionários, por conta da edificação não ter sido construída com a finalidade que é usada hoje, possui alguns problemas de segurança que são supervisionados pelos Bombeiros e a Normas Regulamentadoras. Em linhas gerais, os Programas lidam com diferentes aspectos da Missão, Visão e Valores do Museu, mas o objetivo principal é conseguir que o “Museu seja antes de tudo um fórum de debate que fala por diversas linguagens, que seja o diálogo entre o passado e a contemporaneidade, a produção

artística erudita e a popular.” (ARAÚJO, 2004). Os Programas que serão aprofundados neste estudo de caso é o Programa de Exposição e o de Museografia. Isso não invalida os outros, apenas filtra o que é mais relevante para a finalidade de entendimento de programa de necessidades de arquitetura, para criação, gerenciamento e fluxo dos espaços. O local escolhido para abrigar o Museu foi o Pavilhão das Nações, um dos Pavilhões projetados por Oscar Niemeyer, para as comemorações do IV Centenário da cidade, e realizar a função cultural que Parque do Ibirapuera pretendia alcançar. O Museu tem uma área total 12.060 m2 dividida em três pavimentos, sendo 4.550 m2 destinados à exposição do acervo; 2070 m2 às exposições temporárias; 660 m2 à biblioteca e 4.780 m2 à área administrativa e operacional. A biblioteca do museu, cujo nome homenageia a escritora, “Carolina Maria de Jesus”, possui cerca de 8.000 títulos com especial destaque para uma coleção de obras raras sobre o tema do Tráfico Atlântico e Abolição da

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Escravatura no Brasil, América Latina, Caribe e Estados Unidos.

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O Pavilhão das Nações é uma edificação tipicamente modernista construída em 1953, sua volumetria consiste em um bloco horizontalizado com pilotis térreos inclinados que participam ativamente em sua fachada, e possui duas fachadas envidraçadas, a norte e a sul. Fica nas proximidades da região dos lagos do Parque e o acesso mais próximo ao Museu, é pelo Portão 10, localiza-se na ponta norte da marquise. Programa de Exposições

fig. 44 Museu Afro Brasil mostrando Museu Externo, fachada sul, Foto: http://www.museuafrobrasil.org.br/ fig. 45 Museu Afro Brasil, fachada oeste Foto: http://www.museuafrobrasil.org. br/


fig. 46 Resquicícios de um navio negreiro usado para o tráfico de pessoas. Foto: http://www. museuafrobrasil.org.br/

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fig. 47 Espaço de Exposição Arte Conmporânea. Foto: http://www. museuafrobrasil.org.br/


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A partir do Programa de Exposição, as áreas expográficas se dividem em Exposição de Longa Duração, O Lado de Fora do Museu, “Exposições Temporárias e o Acervo”. Além desse programa interno, o Museu realiza Exposições Itinerantes e Exposições Itinerantes Interestaduais e Internacionais. Como o próprio nome diz as Exposições de Longa Duração constituem o acervo fixo do Museu, que a partir do eixo temático “trabalho, ancestralidade e arte”, se subdividem em seis núcleos temáticos, citados anteriormente, sendo eles: África, Áfricas; Trabalho e Escravidão;Religiosidade Afro-brasileira; Festas: O Sagrado e o Profano; História e Memória; Arte do Século XVIII a Arte Contemporânea. Apresenta seu conteúdo através de pinturas, esculturas, gravuras, instalações, fotografias, documentos, máscaras, roupas, Mobiliário, adereços, santos negros, ex-votos, joias, litografia, instrumentos musicais, etc. O que a subdivisão O Lado de Fora do Museu consiste em apresentar, através

das paredes envidraçadas e das paredes externas da edificação, exposições que podem ser vistas pelo lado de fora mesmo quando o Museu estiver fechado, alternando peças do acervo nos vidros. Recentemente, em dezembro de 2020, o Museu convidou cinco artistas contemporâneos negros brasileiros para participarem da mostra “Vidas Negras do Brasil – Foram os homens e as mulheres negras que construíram a identidade nacional”. A exposição, nas paredes externas do museu, é assinada por: Diego Mouro, Énivo, Kika Melim, Speto e Zé Palito. A finalidade da exposição é prestar homenagem a João Alberto Silveira Freitas, homem negro que foi assassinado em novembro de 2020 dentro de uma unidade de supermercado da rede Carrefour, mas também em homenagem geral as pessoas vitimas da violência policial. As Exposições Temporárias e o Acervo, tem como foco principal dinamizar o Museu, pretende-se através delas aprofundar temas existentes no acervo, revelar artistas pouco conhecidos, reiterar

memórias, abrir espaço para a contemporaneidade e exposições internacionais. São escolhidas pelo curador. As obras adquiridas para as exposições temporárias passam a integrar o acervo. Alguns recortes curatoriais dessas exposições, segundo avaliação do curador, podem ser incorporados à exposição de longa duração, enriquecendo o núcleo de que faz parte.

fig. 48: Planta térreo, Planta Primeiro Pavimento e Corte Longitudinal. Material disponibilizado pela equipe Museu Afro Brasil.


PLANTA PAV. SUPERIOR 5

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PLANTA TÉRREO 18 17

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CORTE LONGITUDINAL

12. Trabalho escravo 13. Navio Negreiro 14. Artes africanas 15. Área administrativa 16. Auditório 17. Espaço Mestre Didi 18. Loja 19. Acolhimento 20. Espaço Estevão Silva 21. Espaço Petrobrás 22. Espaço Paula Brito 23. Áreais Técnica

Recepção Sanitários Espaços Expositivos Biblioteca Carolina de Jesus Administrativo Auditório

5

30 15

N

1. Sanitários 2 Biblioteca 3. Arte Popular 4. Arte Contemporânea 5. Escravidão 6. História e memórias 7. Vida privada séc. XIX 8. Aristocracia 9. Religiosidade 10. Arte dos séc. XIX e XX 11. O sagrado e o profano

m


Programa de Museografia

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A concepção museográfica da exposição de longa duração e das exposições temporárias é definida pelo curador do Museu. O que diferencia a Instituição e dá um caráter único à ela, é que as exposições do Museu, quase sua totalidade, são criadas no próprio Museu, desde o conceito expositivo, a concepção museográfica e a produção dos suportes museográficos. E isso torna a museografia do Museu muito singular. O que se necessita para a exposição e a museografia se alinharem

e fazer funcionar essa gestão unificada, é a sintonia entre a visão curatorial e a equipe que executa as montagens. A geografia da exposição de longa duração, segundo seu curador, é contemporânea. Não está submetida aos modelos convencionais expográficos. O público visitante é provocado a escolher percursos expositivos, há uma proposição dialética distribuída pelos núcleos que constituem a exposição. O processo de construção de uma exposição exige um fluxo de ações, que envolve profissionais de diferentes núcleos do

Museu. Assim, uma exposição temporária é preparada a partir de reuniões entre os núcleos de trabalhos envolvendo a salvaguarda, a expografia, a produção, a pesquisa e a educação, na articulação do orçamento, do processo de aquisição e empréstimo de obras, do seguro das obras, do transporte, da desmontagem e devolução de obras. As Plantas Museográficas da Exposição de Longa Duração exemplificam o que foi dito e possibilita o entendimento da ação desempenhada pelas diferentes equipes de trabalho.

ANÁLISE CRÍTICA O Museu Afro Brasil por ocupar uma edificação que não foi feita para sua finalidade, precisa encontrar formas de usar o prédio ao seu favor de maneira que consiga passar o discurso desejado, pela curadoria, ao visitante. Então, o prédio é usado quase como um invólucro, que guarda e protege, o que será desenvolvido dentro dele, e o que causará apropriação da narrativa que o Museu quer passar e melhor forma de ocupar o prédio, são os planejamentos feitos através dos seus Programas, principalmente o de Exposição e o de Museografia. Então, a ocupação desse museu e setorização interna, acaba sendo mais importante que a edificação em si. O Pavilhão das Nações apesar de aparentemente colocar o Museu em um lugar de prestígio na cidade, por pertencer a uma região nobre, ser projetado por um arquiteto renomado dentro do mais famoso parque da cidade, estabelece uma certa barreira com o público - essa barreira também aparece com menor impacto nos outros equipamentos culturais do parque. Considerando que é uma região de certa forma afastada das estações principais de Metrô e trem da CPTM, a população negra periférica apresenta dificuldade de acesso ao espaço. Existe também certa dificuldade em divulgar o Museu e suas atrações, sua comunicação externa com o público é considerada um dos pontos fracos do Museu. fig. 49: Fachada Norte, Museu Afro Brasil. Foto: http://www.museuafrobrasil.org.br/


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fig. 50: Monumentos em aço corten representando os assassinatos nos condados nos EUA. Fonte: https:// museumandmemorial.eji.org/ memorial

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Memorial Nacional Pela Paz e Justiça Alabama, Estados Unidos da América Mass Design Group 2004

O Memorial Nacional pela Paz e Justiça foi inaugurado em 26 de abril de 2018 e é o primeiro memorial do Estados Unidos da América dedicado ao legado das negras e negros escravizados, e após a abolição da escravatura, foram as pessoas que sofreram perseguições e linchamentos da segregação racial no país. O trabalho no memorial começou em 2010, quando a equipe da Equal Justice Iniciative (EJI), começou a investigar os milhares de linchamentos terroristas raciais no sul do país, muitos dos quais nunca haviam sido documentados. A EJI estava interessada não apenas em incidentes de linchamento, mas em entender o terror e o trauma

que essa violência sancionada contra a comunidade negra criou. Seis milhões de negros fugiram do Sul como refugiados e exilados como resultado desses “linchamentos terroristas raciais”. (MUSEU AND MEMORIAL, 2018). Esta pesquisa publicou em 2015 o resultado da pesquisa, denominado “Linchamento na América: Confrontando o Legado dos Linchamentos Terroristas Raciais” Confronting the Legacy of Racial Terror in 2015”, que documentou milhares de linchamentos em 12 estados. A equipe da EJI também embarcou em um projeto para memorizar essa história, visitando centenas de


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locais de linchamento, coletando solo e montando marcadores públicos, em um esforço para remodelar a paisagem cultural com monumentos e memoriais que refletem de maneira mais verdadeira e precisa a nossa história. (MUSEU AND MEMORIAL, 2018). O Memorial da Paz e da Justiça foi concebido com a esperança de criar um local sóbrio e significativo onde as pessoas possam se reunir

e refletir sobre a história da América de desigualdade racial. A EJI fez parceria com artistas como Kwame Akoto-Bamfo, cuja escultura de pessoas negras escravizadas acorrentadas confronta os visitantes quando eles entram no memorial. O Memorial leva os visitantes a uma jornada da escravidão, através do linchamento e do terror racial, com texto, narrativa e monumentos para as vítimas de linchamento na

América. No centro do local, os visitantes encontrarão uma praça memorial, construída em colaboração com o MASS Design Group. A experiência contínua através da era dos direitos civis, tornada visível com uma escultura de Dana King dedicada às mulheres que sustentaram o boicote aos ônibus em Montgomery. Finalmente, a jornada memorial termina com questões contemporâneas de violência policial e justiça


criminal racialmente expressa, expressas em um trabalho final criado por Hank Willis Thomas. O memorial exibe textos de Toni Morrison e Elizabeth Alexander, palavras do Dr. Martin Luther King Jr. e um espaço de reflexão em homenagem a Ida B. Wells. (MUSEU AND MEMORIAL, 2018). Situado num terreno de 24.281 m2 o memorial usa escultura, arte e design para contextualizar o terror racial. O terreno possui uma praçamemorial com 800 monumentos de 1,82 metro de altura que simboliza as milhares de vítimas. Esses monumentos são em aço corten, um para cada município dos Estados Unidos onde ocorreram tais acontecimentos. Os nomes das vítimas de linchamento estão gravados nas colunas. O memorial é mais do que um monumento estático. É esperança para inspirar as comunidades de todo o país a entrar em uma era de contar a verdade sobre a injustiça racial, suas próprias histórias locais e refletir sobre as violências causadas pela da supremacia branca. Após um trabalho ativo de

lembrança da comunidade, a EJI também colaborará para colocar um monumento — idêntico ao encontrado no Memorial Nacional — nas comunidades onde se descobrirem outras histórias. Os uso de marcadores e monumentos podem ajudar a transformar o cenário nacional em um reflexo mais honesto da história da América e refletir o compromisso contínuo da comunidade com a justiça racial e que diz a verdade. Promover a verdade e a reconciliação em torno da raça e enfrentar com mais honestidade o legado da escravidão, linchamento e segregação.(MUSEU AND MEMORIAL, 2018). ANÁLISE CRÍTICA O Memorial Nacional Pela Paz e Justiça foi escolhido por ser considerado a melhor representação contemporânea de um memorial de grande porte com uma linguagem escancarada e considerada até agressiva. Mas não mais do que a história. A implantação no terreno se da de acordo com as curvas de nível, de forma a criar caminhos internos que oscilam

entre os desníveis, e oferecer a contemplação nesses caminhos, bem parecido com o Museu do Apartheid, nesse quesito. A mudança da materialidade é um outro ponto a se analisar, pois mostra a diversidade que se é possível representar o tema de forma coerente. No entanto o motivo principal da escolha se deu pela individualização das histórias de linchamento racial, a Eji frisa bastante sobre a importância de ser local as histórias, saber nome, familiares, o território habitado, a história dessas pessoas, para transformálas em um legado mesmo e não em um acontecimento histórico que da forma que é retratado parece que não teve pessoas responsáveis por tal.

fig. 51: Escultura do artista Kwame Akoto-Bamfo. Foto de Alan Karchmer.

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fig. 52: Maquete em argila d’O Barco. Fonte: https://www. memorialescravatura.com/gradakilomba fig. 53: Iconográfia retratando os tumbeiros no período do trafego negreiro. Fonte:https://www. memorialescravatura.com/gradakilomba

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Memorial Escravatura Lisboa, Portugal Grada Kilomba 2019

O projeto do Memorial da Escravatura de Lisboa em Portugal, consiste na criação de um memorial que preste homenagem aos dos milhões de africanas e africanos escravizados por Portugal ao longo da sua história, do séc. XV ao XIX. A iniciativa foi proposta ao Orçamento Participativo de Lisboa (OP) em 2017 pela Djass – Associação de Afrodescendentes. Assim como prestar homenagem às vítimas e resistentes de ontem e de hoje, promover o reconhecimento histórico do papel de Portugal na Escravatura e no tráfico de pessoas escravizadas e evocar os legados desse longo período na sociedade portuguesa

atual, desde a rica herança cultural africana às formas contemporâneas de opressão e discriminação. (MEMORIAL ESCRAVATURA, 2019) Para o projeto do memorial, foram convidados artistas ao redor do globo, sendo os convidados: Kiluanji Kia Henda, Grada Kilomba e Jaime Lauriano. A escolha do projeto a ser construído se daria através da votação popular presencial em seis sessões públicas que decorreram entre os meses de dezembro de 2019 e fevereiro de 2020, em diversos locais da Área Metropolitana de Lisboa, priorizando locais com forte presença de pessoas africanas e afrodescendentes.(MEMORIAL


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fig. 54: Fotocolagem da implantação do projeto do memorial de Grada Kilomba. Fonte: colagem autoral sobre fotografia do memorialescravatura.com


40

10

implantação

20

m N

LEGENDA 1 2 3 4 5 6

ÁREA INTERVENÇÃO LARGO JOSÉ SARAMAGO RUA DOS ARMAREIROS RUA DA ALFÂNDEGA AV. INFANTE D. HENRIQUE DOCA MARÍTIMA

6

5 1

3

2

fig. 55: Implantação do projeto do memorial de Grada Kilomba. Fonte: autoral.

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ESCRAVATURA, 2019) A proposta vencedora foi a do Kiluanji Kia Henda, com um total de 77 votos à 48 para Grada Kilomba e 7 à Jaime Lauriano, porém o projeto escolhido para o estudo de caso foi a proposta “O Barco”, de Grada Kilomba. (MEMORIAL ESCRAVATURA, 2019) Grada Kilomba (1968, Lisboa) é uma artista interdisciplinar, com raízes em São Tomé e Príncipe, Angola e Portugal. Nas suas obras, Kilomba explora as questões da memória, trauma e pós-colonialismo: “Quem fala? Quem pode falar? E falar sobre o quê?” Kilomba é particularmente conhecida pela sua prática artística subversiva, na qual ela dá corpo, voz e imagem aos seus próprios textos, criando uma visualidade poética de vários formatos e materiais, para revisar a história colonial e o seu legado traumático estendendo-se da performance, à instalação e vídeo.(MEMORIAL ESCRAVATURA, 2019. A proposta d’O Barco busca criar na plataforma que se estende ao lado do rio Tejo, uma simples composição de bancos, que pretende imitar a forma de uma

nau com pessoas escravizadas. Mais precisamente imitar o porão desses barcos. Os bancos de betão criam uma silhueta que expõe não só a história, mas o conteúdo desses barcos, os corpos. A distância entre os 131 bancos de betão cria “entradas” e infinitos caminhos, quase que um labirinto, convidando o público não só a contemplar “o barco” de fora, mas também a entrar nele e a caminhar dentro dele - como se tratasse de um jardim de contemplação e de memória. O formato retangular e uniforme dos bancos revelamnos, não só como assentos, nos quais o público é convidado a se sentar para olhar, pensar, contemplar, rezar, cultuar e respeitar; mas também os revela como uma alusão a metafóricos túmulos, que dão “habitat” a uma história de desumanização, e dão um lugar de descanso e reconhecimento a milhares de pessoas escravizadas. (MEMORIAL ESCRAVATURA, 2019). Para distinguir os simples bancos, dos metafóricos túmulos, estes últimos, serão cobertos por poemas inscritos

na sua superfície, como: “Não há nada mais doce, do que uma profunda verdade.” Os poemas interagem diretamente com o público, que os lê e se curva perante eles. Esta coreografia da contemplação, é própria de um memorial, como um espaço de rituais e cerimônias a uma história que tem de ser lembrada e que não pode ser esquecida. Uma história que tem que ser contada e enterrada dignamente, pois só assim se pode produzir memória. (MEMORIAL ESCRAVATURA, 2019).


ANÁLISE CRÍTICA O objetivo de trazer essa proposta para estudo se dá pelo cuidado com a história e com as pessoas que sofreram nesta, que Grada Kilomba teve. Sua narrativa e seu objetivo de realizar um espaço de culto e descanso das pretas e pretos que sofreram no percurso, dos que não chegaram com vida, dos que sobreviveram e foram atormentados e torturados. Outro motivo da escolha é a linguagem visual usada pela artista, da mesma forma que é forte e bastante explícita, também é muito respeitosa as pessoas que foram escravizadas, sem mostrar correntes e torturas explicitas. Todos esses elementos descritos me nortearam para construção do meu partido de projeto em todas as escalas que trabalharei.

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06. projeto

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análise e diagnóstico • 142

O lote para a proposta de implantação do Museu Memorial da Luta Pela Abolição pertence à Subprefeitura da Sé, Zona Central da Cidade de São Paulo, formada pelos distritos do Bom Retiro, Santa Cecília, Consolação, República, Sé, Bela Vista, Liberdade, Cambuci, totalizando uma área de 26,20 km2 e 431.106 mil habitantes (IBGE, 2010). O terreno do projeto insere-se também no contexto do Centro Histórico da cidade de São Paulo. A escolha do lote do museu foi guiada a partir da localização dos Memoriais do Museu, ao procurar um local central a estes, para assim os deslocamentos aos memoriais terem uma distância média equivalente, chegou-se

assim à Praça Ouvidor Pachêco e Silva. Com isso, foi analisado o contexto histórico que aquele terreno se dava em relação aos territórios negros apresentados. Por ser em frente a Faculdade de Direito da USP, local onde Luiz Gama estudou Direito, e desempenhou importante papel histórico na luta pelos direitos e luta pela abolição da população negra em São Paulo. Assim como, o terreno localiza-se em frente à Igreja do Largo São Francisco, a qual a fachada foi realizada por Joaquim Pinto, homem negro mestre de obras, também conhecido como Arquiteto Tebas. E não podemos esquecer da Secretaria de Segurança

mapa 17: Perspectiva isométrica da área entorno do projeto, três camadas: topografia, cheios e vazios e estrutura urbana. Fonte: Geosampa, reprodução autoral.


meio físico topografia

chieos e vazios 143 •

estrutura viária


3

1

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2

4

TRANSPORTE

1. Museu Memorial 2. Terminal Bandeira

Metrô 3. Anhangabaú 4. Sé

Faixa exclusiva ônibus Ciclofaixa

Linha Azul - Metrô Linha Vermelha - Metrô

mapa 18 Mapa com indicadores sociais e urbanos de São Paulo. Base de dados: Geosampa.

Ponto de ônibus


MUSEUS EESPAÇOS CULTURAIS Museus Espaços culturais

ZEIS-3, ZEIS-5 ECORTIÇOS ZEIS-3 ZEIS-5 Cortiços

TOMBADOS Bens tombados e em processo de tombamento

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SAÚDEEESCOLAS Equipamentos de saúde Escola


• 146

Pública, local responsável pela administração das polícias em todo o Estado de São Paulo, e que realiza manutenção da violência policial com necropolíticas que encarceram e assassinam em massa a população negra masculina de São Paulo. As imagens das próximas páginas procuram ilustrar as condições existentes do meio físico e urbano, áreas verdes, oferta e tipos de transporte público, bens tombados, Zonas Especiais de Interesse Social, ocupações, saúde, espaços culturais e imóveis notificados nas proximidades do terreno do museu. A partir delas é possível verificar a proximidade do terreno com as estações de Metrô Anhangabaú e Sé, ambas fazem parte da Linha 3 - Vermelha, e a Sé também da Linha 1 - Azul do Metrô. O Terminal Bandeira também está nas proximidades, prestando

serviços intermunicipais e municipais de ônibus. Também é possível observar que o terreno possui três frentes para a Praça Ouvidor Pachêco e Silva, classificada como uma via coletora, e uma frente para a Rua José Bonifácio, classificada como via local. Além disso, é atualmente utilizado como estacionamento, com uma área de aproximadamente 2380,00 m2. O lote foi classificado, de acordo com a Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (LPUOS), como uma Zona de Centralidade. No levantamento das áreas verdes do entorno mostrou que não havia nenhuma dentro do raio de 400 m, por isso não foi informado nenhum mapa do tema. Nos outros indicativos, é possível afirmar que é uma região com muitos bens tombados, alguns destes em processo de troca de uso de comercial para habitacional na modalidade ZEIS-3 (Zona Especial de

Interesse Social 3 - Terrenos ou imóveis subutilizados em áreas com infra-estrutura urbana, serviços e oferta de emprego). Pode-se afirmar que há museus e equipamentos culturais diversos dentro da área estudada, assim como equipamentos de saúde de pequeno porte. Visto que o terreno é ocupado por uma atividade de estacionamento, cabem as seguintes proposições. Segundo o portal da prefeitura de São Paulo e o Plano Diretor Estratégico (Lei 16.050/2014), a legislação enquadra determinadas categorias de imóveis como subutilizados, os quais poderão recair no princípio de direito de propriedade segundo a Constituição Federal de 1988, a Função Social da Propriedade Urbana. Os imóveis não edificados são aqueles “com área superior a 500,00 m2 que não possuem nenhuma edificação, ou seja, cujo


coeficiente de aproveitamento é igual a zero”, podendo também ser subutilizados quando “com área superior a 500,00 m2, cujo coeficiente de aproveitamento é inferior ao mínimo definido para a zona na qual está localizado” (PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2018). Através do texto da mesma lei, Art. 5° Paragrafo 2°: “Parágrafo 2o Função Social da Propriedade Urbana é elemento constitutivo do direito de propriedade e é atendida quando a propriedade cumpre os critérios e graus de exigência de ordenação territorial estabelecidos pela legislação, em especial atendendo aos coeficientes mínimos de utilização determinados nos Quadros 2 e 2A desta lei.” (PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2015).

147 •


• 148

série fotográfica retratando a identidade local fig. 56: Série fotográfica entorno do Museu. Fotos do Google Street View com desenhos autorais sobrepostos.


149 •


partido de projeto • 150

O partido de projeto do Museu Memorial da Luta Pela Abolição se constrói a partir das reflexões trazidas até então. Um grande questionamento que surgiu durante o processo de pesquisa foi o de como fazer uma arquitetura que represente as relações afrobrasileiras históricas, atuais e as possibilidades de desenvolvimento tecnológico destas, a qual não se limite às convenções arquitetônicas contemporâneas existentes na realidade paulistana, que ainda hoje é muito pautada nos feitos do modernismo europeu. Ou seja, o partido arquitetônico busca pela decolonialidade dentro da arquitetura, pela afirmação afrobrasileira, pelo seu aspecto póscolonial a partir da perspectiva e realidades da América Latina, e por fim: pela valorização da outra

etnia que formou a população brasileira, a africana. Com isso, o Museu Memorial busca incorporar esse discurso em sua materialidade e forma. O uso de sistemas construtivos vernaculares será mesclado com o convencional uso do concreto. Para explorar a potencialidade de ambos materiais, os fechamentos serão em taipa-de-pilão e estrutura em concreto armado, pois a inércia térmica proporcionada pela taipa-de-pilão é mais eficiente do que a do concreto, gerando mais conforto térmico. As práticas de construção em terra - a forma de construção mais usada no Brasil colonial e pós-colonial -, são originárias da cultura africana e foram difundidas em todo território brasileiro. A construção vernacular em terra é um importante elo entre a cultura


africana e a brasileira. Ademais, o uso de elementos vazados é outro importante elo entre as duas culturas, desde os primeiros muxarabis até a criação do cobogó brasileiro. Serão aplicados para condicionar trocas de ventilações constantes em áreas que não se destinam a expografia, assim como para dar expressividade para a fachada. O terreno do Museu Memorial possui algumas mudanças de níveis que serão usadas como partido, proporcionando ao projeto transições integradas a funcionalidade e volumetria. Atualmente o lote do museu é uma praça arborizada e como dito anteriormente, subutilizada como estacionamento, tirar partido dessas árvores no projeto é um grande objetivo, para assim fazer a conexão com a terra viva e conexão com a natureza. A relação não se dá apenas pelos benefícios trazidos pela natureza, mas também pela questão de contato com a terra e formas ancestrais de cuidado e espiritualidade. Com isso, se

prevê a criação de uma praça coberta como entrada do museu, que distribui seu fluxo abaixo e acima, deixando o térreo livre para continuar com o caráter de praça, mas que agora será usada por pessoas e não pelos carros. Além disso, prevê-se para a área externa do térreo a implantação do Memorial e um jardim sensorial com área destinada ao cultivo de folhas sagradas para as religiões afro-brasileiras. Uma das propostas principais do programa museológico é a Caminhada da Memória. O objetivo desta é levar grupos guiados de visitantes do museu aos territórios negros demarcados descritos no item “Territórios Negros”. Levar a população a esses territórios tem como objetivo a ampliação do alcance do entendimento espacial das dinâmicas de São Paulo, o direito a memória, e a vivência das movimentações do povo negro ao longo da história na cidade de São Paulo. Esse percurso será sinalizado para que proporcione sua realização com

ou sem um guia turístico, pois apesar de ser uma atividade do museu, a Caminha da Memória, o objetivo não é restringir o entendimento do território a um guia, é que seja possível a partir da sinalização de percurso e do território, compreender a o deslocamento e o que aconteceu em cada lugar. Além disso, criar uma rede de monumentos pela cidade, a qual será sugerida neste trabalho, é importante para fortalecer o discurso através da continuidade, e democratizar o museu à cidade ao não restringir sua expografia as paredes de uma edificação, é usar a cidade como museu, ideia muito defendida do Hélio Oiticica, que questionava o confinamento da arte e sua institucionalização.

fig. 57 (PÁGINAS A SEGUIR): Desenho a mão do entorno do Lote do Museu Memorial, destacando o mesmo. Fonte: Google Earth.

151 •


ELOENTREÁFRICA, BRASIL EAMÉRICALATINA

USODEELEMENTOS VAZADOS

VENTILAÇÃOCONSTANTE ANCESTRALIDADE

RELAÇÃOCOM ANATUREZA PRÁTICAS DECOLONIAIS DE ARQUITETURA

REFERÊNCIANÃO-EUROPEIA JARDIMSENSORIAL

• 152

TERRA+CONCRETO VERNACULARECONTEMPORÂNEO

TECNOLOGIAMENOSPREZADA

PREPARAROFUTUROCOM OLHARNOPASSADO


DIREITOAMEMÓRIA

ENTENDIMENTOESPACIAL DAS MOVIMENTAÇÕES PELACIDADE HISTÓRIADE RESISTÊNCIA

REPRESENTATIVIDADE NOCENTRODACIDADE

HISTÓRIANÃO-CONTADA

CONHECIMENTODAS RESISTÊNCIAS ECELEBRAÇÕES

HOMEAGEARHEROÍNAS EHERÓIS NEGROS

MOSTRAROOUTROLADODAHISTÓRIA

HISTÓRIADE DOR QUEMCONSTRUIU ACIDADE?

153 •


programa de necessidades • 154

Para a elaboração do programa de necessidades do Museu Memorial é bom relembrar os objetivos propostos ao espaço, além da parte de exposição e rememoração, o seu caráter voltado a pesquisa é muito importante. Por isso, o projeto se divide funcionalmente em Museu, Memorial e Instituto de Pesquisa, além das áreas administrativas. Dessa forma, o programa foi dividido em três partes: 1 - Área Acesso Público; 2 - Área Acesso Restrito e 3 - Área Acesso Controlado. O Museu Memorial e Instituto de Pesquisa dos Pretos Novos (IPN), localizado na região portuária do Rio de Janeiro existe em atividade semelhante ao que se


propõe ao Museu Memorial Da Luta Pela Abolição. Foi criado em 13 de maio de 2005, nove anos após o achado arqueológico do Cemitério dos Pretos Novos, ocorrido no dia 8 de janeiro de 1996. Os proprietários da sede do instituto, resolveram reformar o imóvel do qual são donos e, ao sondar o solo para as obras, encontraram fragmentos de ossos humanos misturados a vestígios de cerâmica, vidro e ferro, entre outros. A descoberta foi comunicada aos órgãos responsáveis, que enviaram ao local equipes de profissionais que confirmaram a existência de um sítio arqueológico de grande importância histórica. (INSTITUTO PRETOS NOVOS, 2015.).

A casa, cuja construção data de 1866, passou a ser a sede do IPN e no local foi também instalado o Museu Memorial Pretos Novos. O grupo de estudos do IPN promove encontros aos sábados, que abordam a história do negro não apenas no Brasil, através de várias pesquisas históricas. O espaço, que inclusive é ponto de cultura e ponto de leitura, dispõe de uma biblioteca especializada na temática africana e afrobrasileira, bem como de uma galeria de arte contemporânea. Diversos cursos são oferecidos no Instituto, tanto para capacitar professores quanto para moradores da região ou o público em geral. (INSTITUTO PRETOS NOVOS, 2015.).

Dessa forma o programa de necessidades busca contemplar e oferecer espaços de estudos para a comunidade, professores e interessados num geral, a fim de ampliar o conhecimento sobre a história africana e afro-brasileira e não restringir o acesso a informação apenas a instituições de pesquisas burocráticas, como as universidades num geral, pois além de oferecer o conhecimento, a facilidade de acesso a tal é tão importante quanto.

155 •


acesso ingresso

exposição

acesso público

instituto de pesquisa

acesso público

estudos livres

05 Áreas de exposição permanente 02 Áreas de exposição temporária 01 Bilheteria

01 Secretária 08 Salas de Aula 01 Salas e Vídeo

01 Biblioteca 03 Ateliês 01 Salas de tecnologia e internet

acesso restrito

administrativo

acesso público

convivência

acesso público

externo

todos acessos

geral

todos acessos

circulação

• 156

2016 m2

03 Salas administrativas 01 Sala de reunião 01 Sala de CFTV 03 Centro de Pesquisa e Catalogação 01 Acervo 01 Despósito e almoxarifado 01 Copa

Convivência 01 Espaços Infantis 01 Cinema/auditório 01 Foyer

01 Praça Coberta 01 Jardim Sensorial das folhas sagradas 01 Memorial da Luta Pela Abolição

01 Loja 02 Café 01 Bicicletário de 20 vagas Sala de Maquinas Sanitários

Circulação horizontal Circulação vertical

440 m2 250 m2 265 m2 1250 m2

1100 m2 250 m2

1610 m2


fluxograma

157 •

LEGENDA Subsolo Térreo Pavimentos Fluxos Mudança pavimento: subir Mudança pavimento: descer

fig. 58: Fluxograma Museu Memorial. Elaborado pela a autora.


processo de projeto

programa geral distribuído volumétricamente - térreo livre integrado com o calçadão para prolongar a circulação e possibilitar uma praça coberta, área permeável do lote será praça arborizada para retomar o caráter de praça antes de ser subutilizada como estacionamento.

- inserção da circulação vertical, -inicialmente era uma condicionante da volumetria formando dois blocos, pretendia-se distribuir os diferentes usos e acesso através da circulação, posteriormente, apesar dos acessos e usos continuarem setorizados, a volumetria fecha-se formando um único bloco

• 158

- o uso geral (sanitários e serviços) locase junto a circulação vertical, antes ficava ao lado direito, depois passa pro lado esquerdo da escada para dar espaço a mais área de exposição, possibilitar a descida do shaft em um lugar que não seja a recepção do Museu - organiza-se o programa de acordo com a restrição de acessos - bloco do museu fica ao sul para menor insolação


-alteração da fachada para criação de movimento no bloco -alteração perímetro do pavimento subsolo para melhor aproveitamento do terreno e inserção do jardim e memorial externo

-junção volumétrica dos bloco do museu e bloco do instituto de pesquisa para ampliar quantidade de área expositiva - mudança do pavimento administrativo para o bloco do instituto - caminho das rampas da fachada alterado para possibilitar que tenha mais mudanças sensoriais e se adeque a norma de acessibilidade - acréscimo terraço e pav. cobertura.

159 •

- acréscimo final da cobertura que tem objetivo sombrear e proteger contra intempéries o terraço e ao mesmo tempo funcionar como espécie de coroa em enaltecimento da história e tudo que o edifício significa. Será explicada melhor no item "Sistema Construtivo Cobertura"

fig. 59: Diagrama de processo de projeto. Elaborado pela a autora.


5 Arquibancada 6 Jardim Sensorial 7 Exposição aberta

1 Acesso Museu 2 Acesso Instituto 3 Bilheteria 4 Praça Coberrta

NIFÁC

S É BO RUA JO

20

m

10

IO

Ç PRA

3

A OU

1

w CENTRO ABERTO

SILVA

CO E CHÊ R PA V I DO

4

CHÊCO E VIDOR PA

2

U PRAÇA O

7

6

• 160

5

N

implantação térreo +0,00

5

A SILV

LARGO SÃO FRANCISCO

fig. 60: Implantação Nível Terréo. Elaborado pela a autora.


implantação subsolo -1 -3,50

SÉ B RUA JO

5

20 10

N

6 Auditório 7 Camarim 8 Sanitário Camarim 9 Depósito 10 Acesso serviços

1 Acesso Memorial 2 Acesso Auditório 3 Foyer 4 Sanitário 5 Café

m

C IO ONIFÁ

4

4

4

5

3

Ç PRA A OU

6

10

9

161 •

DECK CENTRO ABERTO

SILVA

CO E CHÊ R PA

V I DO

1

CHÊCO E VIDOR PA

10

U PRAÇA O

2

7

8

8

8 7

9

A SILV

LARGO SÃO FRANCISCO

fig. 61: Implantação Nível Subsolo -1. Elaborado pela a autora.


• 162


163 •

fig. 62: Perspectiva externa mostrando o térreo livre. Elaborado pela a autora.


jardim sensorial das folhas sagradas

• 164

A área permeável do terreno será uma praça com gramado amplo para lazer que segue o desnível natural do terreno com bancos para incentivar o uso, e em outra parte ela é composta por um Jardim Sensorial. Essas folhas foram escolhidas, além do seu caráter aromático, pelo seu desempenho espiritual para as religiões de matriz africana, e também para possibilitar que o Museu seja um lugar que as pessoas possam retirar mudas e folhagens para uso cuidado pessoal.. As folhas escolhidas para o jardim foram: arruda, lavanda, boldo, guiné, manjericão, espada de São Jorge, louro, babosa e alecrim. Suas propriedades descritas a seguir são conhecidas de experiência pessoal e também baseadas no estudo feito pelo Grupo de Estudos do Terreiro do Pai Maneco. (GRUPO DE ESTUDOS DO TERREIRO DO PAI MANECO, 2018)

A arruda é considerada uma erva agressiva, com ação consumidora e purificadora, é um dos maiores termômetros do ambiente; pois, indica a qualidade de energia do local, pela sua vitalidade. Pode-se usar suas folhas, o caule e as raízes para banhos energéticos e de descarrego, bate folhas, defumações e maçarocada de ervas. A lavanda e o boldo são ervas consideradas equilibradoras; a lavanda tem ação de harmonizar e tranquilizar; e o boldo tem ação de acessar, cristalizar, desobstruir e preparar, é uma poderosa erva fortalecedora, São utilizada para limpar e purificar o ambiente trazendo a paz e harmonia. é indicada para chás, emplastros, garrafadas e infusões, boldo é também é usado para descarrego, bate folhas e maçaroca de ervas. A guiné e a espada de São Jorge são ervas consideradas quentes e ou agressiva, com ação de anular; eliminar; limpar e quebrar os acúmulos energéticos negativos que, junto ou separado das atuações espirituais negativas, envolvem em camadas energéticas densas das pessoas ou dos locais.

São indicadas para banhos energéticos e de descarrego, defumações, etc. O manjericão é considerado uma erva morna e ou equilibradora, tem ação de acessar; equilibrar; manter e proporcionar. É indicada para banhos energéticos e de descarrego, defumações e maçarocadas de ervas. Tem ação para diversas finalidades para ações como antifebril, anti séptico, calmante, carminativa, digestivo, diurética. O louro é considerado uma erva fria e ou específica masculina e fortalecedora da mediunidade. É uma erva associada à prosperidade. É um ímã de energia material, catalisando o desejo de progresso e crescimento. É indicada para banhos energéticos, de descarrego e defumações. O alecrim e a babosa são consideradas ervas mornas, o alecrim é tem ação de equilibrar; iluminar e rejuvenescer e é considerada a “erva da alegria”. O alecrim pode ser usado através de chás, emplastros, garrafadas e infusões, etc. A babosa é especial para quem descuida das próprias necessidades físicas e emocionais. Pode ser usada através de banhos energéticos e de descarrego, e defumações.


ervas e plantas equilibradoras

fig. 63: Desenho das folhas sagradas. Elaborado pela autora.

babosa

lavanda

ervas e plantas agressivas

arruda boldo manjericão

alecrim 165 •

erva fria louro

espada de São Jorge

guiné


2

12

m

C

D

6

N

planta subsolo -2 -6,90

1

2

• 166

1

-6,90

-6,90

B

B 3

-6,90

4

-6,90

2

A

-6,90

fig. 64: Planta Subsolo -2. Elaborado pela a autora.

D

1 Reservatório de água 2 Sala de Máquinas 3 Depósito 4 Área não circulável devido a pé direito insuficiente

C

S

A


2

12

8

6

7

5

B

B

3

2 3

1 Exposição 2 Corredor de serviços 3 Sanitários 4 Fraldário 5 Espaço Infantil 6 Convivência 7 Loja 8 Café

3

1 1

A

D

A

1

C

4

m

D

C

6

N

planta 1° pavimento +5,50

fig. 65: Planta 1° Pavimento. Elaborado pela a autora.

167 •


• 168

fig. 66: Perspectiva Interna Museu: Mezanino do pé-dirieto duplo. Elaborada pela autora.


169 •


2

12

m

D

C

6

N

planta 2° pavimento +9,45

8 7 7

6

7

4 S

B

3

• 170

1

4

5

A

B

4

2

A

D

1 Exposição 2 Circulação 3 Corredor de serviços 4 Sanitários 5 Depósito 6 Sala Internet 7 Ateliês 8 Biblioteca

C

2

fig. 67: Planta 2° Pavimento. Elaborado pela a autora.


2

12

m

D

C

6

N

planta 3° pavimento +13,40

5 6

7

4

B

B

3

171 •

2

3 3

1

Exposição Corredor de serviços Sanitários Depósito Secretária Instituto Sala de Vídeo Biblioteca

D

1 2 3 4 5 6 7

A

C

A

fig. 68: Planta 3° Pavimento. Elaborado pela a autora.


• 172

fig. 69: Perspectiva Interna Museu: Mezanino do pé-dirieto duplo. Elaborada pela autora.


173 •


2

12

m

D

C

6

N

planta 4° pavimento +17,35

5 5 5 5

3

B

S

• 174

2

3 4

1

3

D

A

C

A

1 Exposição 2 Corredor de serviços 3 Sanitários 4 Fraldário 5 Sala de Aula

B

fig. 70: Planta 4° Pavimento. Elaborado pela a autora.


2

m

D

6

C 6

12

N

planta 5° pavimento +21,30

6

6

6 1

B

5

4

B 3 4

4

A

2

A

Exposição Circulação Corredor de serviços Sanitários Fraldario Sala de Aula

D

1 2 3 4 5 6

C

2

fig. 71: Planta 5° Pavimento. Elaborado pela a autora.

175 •


• 176

fig. 71: Perspectiva Interna: rampa da fachada. Elaborada pela autora.


177 •


2

• 178

B

m

D

C

6

7 5

12

N

planta 6° pavimento +25,25

11

6 8

7

10

9

B

3 2 3 4

3 1

D

1 Exposição Temporária 2 Corredor de serviços 3 Sanitários 4 Depósito 5 Copa 6 Almoxarifado 7 Administração 8 Sala Reunião 9 Sala CFTV 10 Centro de Pesquisa e catalogação 11 Acervo

A

C

A

fig. 72: Planta 6° Pavimento. Elaborado pela a autora.


2

12

m

D

C

6

N

planta terraço +29,20

B

B 2

1

A

A

D

C

1 Exposição Temporária 2 Terraço

fig. 73: Planta Terraço. Elaborado pela a autora.

179 •


• 180

fig. 74: Perspectiva interna. Pavimento 7: Exposição. Elaborado pela autora.


181 •


2

12

m

D

C

6

N

planta cobertura +34,20

1 2 2

1

2 2

• 182

B

4

3 3

1

B

1 1

3 24 2 1

A

2 2

A

2

D

1 Telha Metálica Trapezoidal i=3% 2 Calha Shed saída i=3% 3 Calha Shed entrada tubo de queda i=3% 4 Tubo de Queda dentro do shaft

C

1

fig. 75: Planta Cobertura. Elaborado pela a autora.


sistema construtivo cobertura membrana translúcida auto-limpante

A cobertura do terraço tem como objetivo inicial coroar o edifício, a história que ele guarda e manter a relação com o exterior sempre possível. Na sua parte mais inferior, possui uma estrutura ripada em madeira, espaçada de forma suficiente para que possibilite a passagem do ar, e sua diferença de angulação em cada água é proposital para também permitir a ventilação, e dar um movimento a volumetria total do edifício. A estrutura secundaria são treliças tubulares de aço, para que seja possível vencer o grande vão desejado, e faz parte dela a estrutura metálica de fixação na estrutura de concreto armado da caixa de elevador. A última estrutura é uma Membrana Précontraint translúcida auto-limpante que possibilita a passagem de iluminação ao mesmo tempo que protege da chuva. Assim, a cobertura prove sombreamento e proteção contra intempéries, ao mesmo tempo possibilita a ventilação e a passagem do sol. O escoamento das águas é direcionado a uma telha metálica trapezoidal que deságua na laje de cobertura do Pavimento 7 e segue para os tubos de queda no shaft, junto com as águas do restante da laje e do telhado em shed. fig. 76: Perspectiva axonométrica explodida da cobertura. Elaborado pela a autora.

estrutura treliça tubular

estrutura ripada em madeira


render terraço externo • 184

fig. 77: Perspectiva externa: Terraço: Elaborado pela a autora.

fig. xx: Corte AA. Elaborado pela a autora.


185 •


corte aa

2.5

10 5

+41,20 COBERTURA MADEIRA

+34,20 COBERTURA

+29,20 7 TERRAÇO

+25,25 6 PAVIMENTO

• 186

+21,30 5 PAVIMENTO

+17,35 4 PAVIMENTO

+13,40 3 PAVIMENTO

+9,45 2 PAVIMENTO

+5,50 1 PAVIMENTO

+0,00 0 TÉRREO

-3,50 -1 SUBSOLO -6,90 -2 SUBSOLO

fig. 78: Corte AA. Elaborado pela a autora.

m


corte bb

2.5

10 5

m

187 •

fig. 79: Corte BB. Elaborado pela a autora.


corte cc

2.5

10 5

+41,20 COBERTURA MADEIRA

+34,20 COBERTURA

+29,20 7 TERRAÇO

+25,25 6 PAVIMENTO

+21,30 5 PAVIMENTO

• 188

+17,35 4 PAVIMENTO

+13,40 3 PAVIMENTO

+9,45 2 PAVIMENTO

+5,50 1 PAVIMENTO

+0,00 0 TÉRREO

-3,50 -1 SUBSOLO -6,90 -2 SUBSOLO

fig. 80: Corte CC. Elaborado pela a autora.

m


corte dd

2.5

10 5

m

189 •

fig. 81: Corte DD. Elaborado pela a autora.


elevação frontal

2.5

10 5

+41,20 COBERTURA MADEIRA

m

Ripado de Madeira Freijó

+34,20 COBERTURA

+29,20 7 TERRAÇO

• 190

+25,25 6 PAVIMENTO +21,30 5 PAVIMENTO +17,35 4 PAVIMENTO +13,40 3 PAVIMENTO

Guarda-corpo metálico vazado acabamento branco

Porta Pivotante Madeira Freijó Rampa em Concreto Aparente forma vertical Elemento Vazado quadrado cor de tijolo 10x10cm

+9,45 2 PAVIMENTO

Taipa de Pilão

+5,50 1 PAVIMENTO

Vigas em Concreto Armado Aparente

+0,00 0 TÉRREO

fig. 82: Elevação Frontal. Elaborado pela a autora.


elevação lateral

2.5

10 5

m

Ripado de Madeira Freijó Estrutura Métalica Tubular acabemento Branco

Elemento Vazado quadrado cor de tijolo 10x10cm

191 •

Rampa em Concreto Aparente forma vertical

Porta Pivotante Madeira Freijó

Taipa de Pilão

Arquibancada de Concreto com acabemento em Pedra Calcário Branca

fig. 83: Elevação Lateral. Elaborado pela a autora.


elevação posterior

2.5

10 5

+41,20 COBERTURA MADEIRA

+34,20 COBERTURA

+29,20 7 TERRAÇO

• 192

+25,25 6 PAVIMENTO +21,30 5 PAVIMENTO +17,35 4 PAVIMENTO

m

Ripado de madeira Freijó

Concreto Armado Aparente forma vertical Elemento Vazado quadrado cor de tijolo 10x10cm Vergas e Contra-vergas de Concreto Armado Aparente Taipa de Pilão

+13,40 3 PAVIMENTO +9,45 2 PAVIMENTO +5,50 1 PAVIMENTO

+0,00 0 TÉRREO

Núcleo Rígido em Concreto Armado Aparente, pintura posterior azul índigo Porta Pivotante de Madeira Freijó

fig. 84: Elevação Posterior. Elaborado pela a autora.


elevação lateral calçadão

2.5

10 5

m

Ripado de Madeira Freijó Estrutura Métalica Tubular acabemento Branco Porta de Correr com brise automatizado Madeira Freijó

193 •

Rampa em Concreto Aparente forma vertical Leitreiro fotoiluminado Branco

Taipa de Pilão Pilar de Seção Circular e Núcleo Rígido em Concreto Armado Aparente

fig. 85: Elevação Lateral Calçadão. Elaborado pela a autora.


detalhamento projetual: taipa

• 194

O fechamento escolhido como dito no item "Partido de Projeto" é a taipa de pilão, por ser um grande elo entre a cultura africana e brasileira. A Taipa tem suas especificidades construtivas para que seja possível alcançar seu desempenho máximo, como qualquer material de construção. Não é um elemento estrutural, será utilizado como vedação e é um elemento autoportante, ou seja, seu próprio peso que proporciona sua estabilidade estrutural. A taipa de pitão também é conhecida por Terra Compactada, por conta do processo que cria-se a parede, o apiloamento de fiadas de terra, seja manual ou mecanizado. Para ser possível sua estabilidade ao

ganho de altura é verificado o Índice de Esbeltez (relação entre a altura livre da parede – pé direito – e sua espessura). De acordo com algumas publicações, a taipa deve ter espessura ≥ 30 cm, esbeltez ≤10 e comprimento máximo de 9 m; quando usar a terra misturada com cimento (solo-cimento), a parede deve ter a espessura mínima de 12 cm e esbeltez ≤ 23. Isto equivale a um pé direito de 2,70 m. Em um pé direito de 4,00m de altura, deve ter a espessura mínima de 17 cm desde que use solo-cimento, no projeto foi escolhida a espessura de 20 cm. Outra especificidade é sobre sua base, indica-se construir sobre uma base de

concreto ou não em contato direto com o solo para se evitar que o elemento sofra algum tipo de umidade por capilaridade ou afins, e evitar danos estruturais futuros. Para conseguir ter a fachada sem emendas de laje, foi utilizado um sistema construtivo o qual a laje nervurada funciona como a viga de borda e recuase a mesma 5cm da borda final para preencher essa junção entre pavimentos com taipa e conseguir criar um pano único, como mostra o detalhe na página a seguir.

fig. 86: Detalhe Construtivo Taipa de Pilão. Elaborado pela a autora.


detalhe parede subsolo -1: contato com o solo

detalhe parede pavimentos: abertura fachada

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cm


estrutura • 196

A estrutura escolhida foi o concreto armado pela sua materialidade combinar com a da taipa. Os pilares são de seção circular, a laje por conta dos grandes vãos é nervurada em uma direção, com capa de 6cm, altura de 30cm, eixo entre nervuras de 90cm e nervuras com espessura de 10cm. As vigas protendidas passaram por um processo de achatamento, transformandose em vigas faixas protendidas, saindo de 80cm para 50cm, para possibilitar um pé-direito de

3,50m sob vigas. Essa altura de pé-direito foi escolhida de acordo com a rampa da fachada, a altura de 3,95m é máxima que a rampa consegue vencer com espaço disponível para ter a inclinação e comprimento necessário acessível correto de acordo com a norma de acessibilidade. As rampas da fachada se apoiam nas lajes e também são de concreto armado. O último pavimento tem sua cobertura de Shed embutido na platibanda, com 1,00m de altura de iluminação e ventilação. No terraço, a chaminé de ventilação

é fechada de forma protetiva com vigas em duas direções formando uma grelha. O edifício ainda conta com alguns pés-direitos duplos para ampliar o espaço interno. O que determinou a distribuição dos pilares e vigas foi o núcleo rígido de escada e elevador em concreto armado. Foi considerada para o cálculo dos pilares a carga de 600kg/m2 em cada pavimento.

fig. 87: Estrutura de projeto. Elaborado pela a autora.


cobertura shed

grelha de proteção chaminé viga faixa protendida laje nervurada em uma direção

rampa

núcleo rígido

pilar seção circular

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condicionantes ambientais

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Para possibilitar o resultado desejado volumétricamente, não foram usadas esquadrias das fachadas. Ao invés delas, usa-se elementos vazados de dimensão 10x10cm, de cerâmica e cor de barro. Foi escolhida essa forma de ventilar para se ter ventilação constante e evitar o uso excessivo de ar-condicionado e ventilação forçada, e para se criar uma unidade material nas fachadas, já que o elemento vazado aparece em todas e sua materialidade combina bem com os tons terrosos da taipa de pilão. As paredes do Instituto na face norte, as quais absorvem maior incidência de sol, são recuadas 2,00m a fim de se criar uma espécie de varanda/

beiral interior que protege essas paredes do contato direto com o sol, e, elas sim possuem esquadrias que abrem e fecham, para que seja possível o fechamento do ambiente no inverno caso seja necessário. Essas janelas estão dispostas de forma a se obter ventilação cruzada, pois na parede oposta também há aberturas e esse ar saturado consegue sair dos ambientes através da parede em elemento vazado que divide o Museu do Instituto de Pesquisa, para por fim sair pela "chaminé" de elemento vazado do Museu. A "chaminé" foi criada no intuito de proporcionar saída de ar constante no Museu, já que este possui maiores restrições quanto a controle térmico por

conta da exposição das obras e documentos históricos. Então, apesar de estar na face sul, não permite a abertura direta de ventilação, nem incidência solar. Essa chaminé, passa por todos os pavimentos e acaba no terraço, com uma grade que permite a saída do ar saturado e ainda vira banco para descanso dos visitantes. Essa chaminé funciona como saída do ar, então não agride as exposições internas. Como dito no item "Sistema Construtivo Cobertura", a cobertura tensionada, com seu fechamento inferior em ripa de madeira e a posição de inclinação desencontrada das águas permite que o ar continue circulando no terraço e não seja acumulado ali. fig. 88: Condicionantes ambientais. Elaborado pela a autora.


Parede de elemento vazado para saída de ar saturado

Fachada elemento vazado saída e entrada de ar Esquadrias para ventilação cruzada Chaminé exaustor de saída de ar

fig. xx: Corte perspectivado condicionantes ambientais. Elaborado pela a autora.

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fig. 89: Mapa Turistico Caminhada da Abolição. Elaborado pela a autora.

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O Museu Externo será apenas indicado, através de um mapa turístico que sugere os territórios que podem ganhar intervenções, através de memoriais ou monumentos, dentro do trajeto da Caminhada da Abolição, e também para mostrar o que existe atualmente lá, é comum em muitos não ter o que ver por ter sido escrita outra história em cima, mas é importante também o não ver "nada", assim como é importante instalar alguma estrutura que demarque o local, para ressignificá-lo o tensionar a discussão sobre a falta de vestígios. Para a realização da caminhada, indica-se também inserir na cidade sinalização visual vertical e horizontal que possibilita que o trajeto seja feito sem acompanhamento de um mediador do museu e

que seja facilmente identificável o território através destes sinalizadores e das estruturas de demarcação, apesar disso, é também um programa mediado pela instituição. Visando tornar o percurso democrático, de fácil leitura e expandir o conhecimento sobre os sítios aos transeuntes, ou não, a depender da escala e visibilidade da intervenção, podendo ser vistas pelos motoristas de passagem. O trajeto atual contempla 12 pontos, de acordo com a pesquisa realizada na fundamentação teórica deste caderno, que tem o recorte temporal das chegadas marítimas até o fim da escravatura, e é passível de ampliação, de acordo com novas pesquisas e instalação de sinalização e calçamento necessário para possibilitar preferencialmente que o trajeto seja realizado totalmente a pé, de forma a manter a sua autonomia.

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Museu Externo: Caminhada da Abolição

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Territórios Negros Museu Memorial da Luta Pela Abolição e Largo São Francisco 2 Ladeira da Memória 3 1a Igreja Nossa Senhora do Rosário 4 Atual Igreja Nossa Senhora do Rosário 5 Cafeteria Maria Punga 6 Largo da Misericórdia 7 Igreja do Carmo 8 Estátua Tebas Escultura feita por Rubem Valetim 9 Pelourinho 10 Início Cemitério dos Aflitos 11 Capela dos Aflitos m 12 Largo da Forca 13 Memorial dos Aflitos 1

ordem sugerida de visitação

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Museu Externo: Memorial do Pelourinho fig. 90: Perspectiva Memorial impantado no Largo Sete de Setembro. Elaborado pela a autora.

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O Memorial do Pelourinho, será implantado no atual Largo 7 de Setembro onde localizavase o Pelourinho da cidade no Período Colonial. É uma região intermediária entre a Sé e a Liberdade, nas proximidades da Igreja de São Gonçalo e da parte posterior da Catedral da Sé, em frente onde fica hoje o Fórum de São Paulo "João Mendes" e também onde tem a Praça Dr. João Mendes Jr. O local foi escolhido por ser na proximidade do bairro da Liberdade, o qual está inserido

hoje em dia, fortemente nas discussões acerca da memória negra no centro da cidade de São Paulo. Agregar o Pelourinho ao debate é importante para entendimento total do complexo penal. O Largo da Forca e Cemitério aparece na história por diversas vezes relacionado a história de Chaguinhas, mas o Pelourinho é desconhecido no geral. Por isso a atenção se volta a ele, por ser um lugar que aconteceu barbaridades, mas que ainda fica à margem da história escravocrata da


cidade. Muitos desdobramentos estão sendo realizados na Liberdade para trazer à tona essa memória, como o Memorial dos Aflitos, iniciativa organizada coletivamente pela União dos Amigos da Capela dos Aflitos, com objetivo de realizar o projeto arquitetônico e urbanístico para o Memorial. É importante a proximidade dos dois Memoriais para se criar uma rede consolidada de lugares administrados que se voltem a essa história, e também facilitando a visitação, tanto

de forma espontânea, quanto ministrada pelo Museu Memorial, na Caminhada da Abolição. O memorial é composto por totens espalhados pelo Largo Sete de Setembro e na Praça Dr. João Mendes Jr, são de taipa de pilão na dimensão de 1,00x1,00m com 4,00m de altura, sobre uma base de concreto. Em todos os totens em uma de suas faces é aplicada um espelho. Os totens simbolizam o pelourinho, e são mais de um, pois existiram mais de um pelourinho em São Paulo. Ao caminho que

a cidade crescia e a urbanização se aproximava do Complexo Penal, esses novos moradores começaram a se incomodar com os sons das torturas, então, a punição foi alocada para outro lugar mais distante. O espelho simboliza isso, os moradores que ao invés de reivindicarem o fim da forma de punição, preferiram olhar para o incômodo que aquilo causava a si próprios ao invés do que causava a pessoa escravizada, sempre olhando seu próprio reflexo.

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7. considerações finais

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O trabalho foi elaborado com a finalidade de fomentar algumas discussões. Sendo elas: a falta de análise racial dentro da Arquitetura e Urbanismo, que não avalia qual é a cor das pessoas que moram nos lugares da cidade em comparação aos indicadores urbanísticos, é preciso humanizar esses índices para deixarem de ser só números; discutir memória coletiva e memória da cidade, e como as consequências da marginalização da história de determinados grupos étnicos raciais pode ser nociva a uma raça inteira, ao deslocar sua história da memória social; lembrar que existe uma grande falha no ensino de arquitetura, e em todas as outras ciências, que não contempla a contribuição destes de forma benéfica para a formação da sociedade que conhecemos, de qualquer grupo étnico racial que não seja o caucasiano, e que precisamos mudar isso imediatamente. A contribuição negra pra sociedade brasileira é extremamente importante e por isso deve ser vista na cidade com visibilidade e respeito que merece, para mostrar todas as suas nuances, da escravidão as celebrações, e que tiveram passado, exercer o direito a memória desse povo. Demarcar esse lugares com estruturas que resistam ao tempo para mostrar todos os lados da verdade que São Paulo tentou esconder na sua modernização na tentativa de tirar sua responsabilidade sobre os crimes, mas além de tudo isso, principalmente não resumir a vivência dos pretos só a sobrevivência. O objeto arquitetônico atua como espaço de repouso, proteção, disseminação dessa história e busca o elo transatlântico entre África e Brasil através de sua materialidade. Ele detém grande poder de engrandecer e gerar autoestima para quem não se reconhece na história do Centro Histórico de sua própria cidade, que foca desde sempre em enaltecer o genocídio bandeirista como motivador do crescimento da mesma. Sua abordagem museológica é mais direcionada do que a do Museu Afro Brasil, por isso agrega ao Museu Afro Brasil outros pontos de vista, criando dois polos na cidade voltado a história negra, e de melhor localização e disponibilidade de transporte, possibilitando maior aderência do público. fig. 91: A artista interdisciplinar portuguesa Grada Kilomba, em uma das salas ocupadas pela exposição “Desobediências Poéticas”, na Pinacoteca de SP. Foto: MANDELACREW.


What if history has not been told properly? What if only some of its characters have been revealed as part of the narrative? What if history has not been told properly? And what if our history is haunted by cyclical violence precisely because it has not been buried properly?

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Heroines, Birds And Monsters Series Grada Kilomba E se a história não tiver sido contada corretamente? E se apenas alguns de seus personagens foram revelados como parte da narrativa? E se a história não tiver sido contada corretamente? E se a nossa história for assombrada pela violência cíclica precisamente porque não foi enterrada corretamente? Série Heroínas, Aves e Monstros Grada Kilomba [tradução livre]


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