Fundamentos Teatrais: apostila do aluno-ator CITA

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Fundamentos Teatrais apostila do aluno-ator CITA



Fundamentos Teatrais apostila do aluno-ator CITA

1ª Edição Fotaleza 2015


Fundamentos Teatrais: apostila do aluno-ator CITA Almeida Jr. Felício da Silva, Neto Sier, Raíssa Forte, Renata Leite e Anderson Mendes (Orgs.) Idealização e coordenação Almeida Jr. Capa - Ilustração Felício da Silva Revisão Zacharias Oliveira e Cristiane Pimentel Projeto Gráfico e diagramação Lucas Comaru Realização Cia. Teatral Acontece

Cia. Teatral Acontece – Rua Ribeiro da Silva, 647, Bairro Monte Castelo CEP.: 60.325-2010 – Fortaleza/CE Tel.: (85) 3221-3496 cacacta@yahoo.com.br facebook.com/companhiateatralacontece


Apresentação A apostila do ator CITA foi elaborada em conjunto com todos os professores dos segmentos: Introdução à Arte Teatral, Poéticas do Palhaço, Consciência Corporal, Jogos Interpretativos. Nosso objetivo é realizar uma vivência em teatro a cada disciplina, pois aqui estamos apenas começando. O aluno-ator-CITA terá a oportunidade de pesquisar e investigar nosso teatro seja em livros, espetáculos em cartaz, fóruns de teatro, seminários, oficinas, convenções da classe, enfim, devemos estar presentes em nossa arte (teatro) para conquistarmos o nosso espaço. Cada um tem o seu, basta buscá-lo.



Agradecimentos Agradeço ao Grande Criador do universo pela oportunidade de recriar o que Ele já criou; a todas as pessoas importantes que passaram e continuam presentes em minha vida; aos alunos das turmas passadas; aos atores da Cia. Teatral Acontece; a Tarciana Castelo Branco, minha alma gêmea feminina dentro do teatro; a todos os professores que fazem e acreditam no CITA; as pessoas que contribuíram para o meu engrandecimento como o artista JOCA ANDRADE, WALDEN LUIZ e WELLINGTON PARÁ. Se existimos, é por que alguém contribuiu ou contribui para isso. No teatro estamos sempre dependendo de alguém por ser uma ARTE COLETIVA, então vamos juntos trabalhar para o nosso teatro melhorar!



Índice

Módulo I - Introdução à Arte Teatral: Teatro para quem nunca fez teatro

13 Quem é quem no teatro 15 A origem do teatro 23 Curiosidades 25 Teatro Grego 27 Teatro na Idade Média (sec. V a sec. XV) 31 Comédia Dell’Arte 35 O Teatro Brasileiro 39 O Teatro Cearense 45 A Ascensão do Teatro Cearense (1919 - 1939) 51 Conclusão 59 A figura do teatro 61

Módulo II - Poéticas do palhaço: A Habilidade para inabilidade

65 Onde há gente há palhaço 67 Palhaços são como pés de batatas 69 Eu-palhaço 75 Encontrei meu eu-palhaço. Para onde vou com ele? 77

Módulo III - Consciência Corporal

81 Corpo e consciência corporal 83 Ocupação do espaço 85 Alongamento 89 Sistema Sensorial 93


Módulo IV - Jogos interpretativos Jogos interpretativos Princípios de interpretação A crueldade e Artaud A antropologia teatral de Barba Referências Bibliográficas

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Módulo I Introdução à Arte Teatral: Teatro para quem nunca fez teatro



Módulo I - Introdução à Arte Teatral: Teatro para quem nunca fez teatro

Quem é quem no teatro

Produtor (...) Profissionalmente ele se encarregará de providenciar os recursos suficientes para a produção da encenação e de cuidar do espetáculo como um investimento financeiro. Nem sempre ele pertence ao meio. O teatro também pode ser visto como uma maneira de se profissionalizar, como tudo na vida. Muito ouvimos falar em captação de recursos, ou seja, os atores ou autores, querendo ver seus trabalhos realizados, partem em busca de grandes empresas que lhes dêem cobertura financeira para montar o texto. No Brasil existem leis de incentivo à cultura que possibilitam às empresas ser recompensadas pela quantia investida em teatro e outras linguagens artísticas (ou seja, na cultura nacional), no ajuste de contas com o Imposto de Renda/IR e outros tributos em outras esferas governamentais. Muitas vezes o produtor tem suas atividades apenas na captação de recursos, passando depois a tarefa de produtor executivo, que será encarregado de materializar o texto, escolhendo e buscando tudo que for necessário para isso. (...)

Autor (...) O teatro está sempre baseado em um texto ou em um roteiro (...) (...) Um texto muito antigo, cujo autor morreu e não tem herdeiros vivos, transforma-se em Domínio Público, isto é, pode ser encenado sem nenhuma autorização prévia e nada se paga ao autor. Os autores vivos ou que possuem herdeiros legais recebem sempre quantias (chamadas Direitos Autorais) cada vez que suas obras são encenadas, através de uma porcen-

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Módulo I - Introdução à Arte Teatral: Teatro para quem nunca fez teatro

tagem sobre o dinheiro arrecadado nas bilheterias. Para controlar esses pagamentos existe no Brasil a SBAT (Sociedade Brasileira de Autores Teatrais), uma organização criada em 1917, junto à qual os textos são registrados, e quem quiser encená-los deve estar regulamentado com suas normas e obrigações. Seu endereço na internet é www. sbat.com.br. (...)

Diretor (...) A função de diretor é bem recente no teatro. Antigamente, os atores se encarregavam da direção do espetáculo, ou seja, cada um fazia a sua parte conforme estava escrito no texto, e em conjunto cuidavam do precário cenário, e os trajes de cena eram sempre dos próprios atores. Hoje é sabido que o diretor é a alma da encenação. Também é público que todos os atores premiados em seus trabalhos (em teatro ou mesmo em cinema) atribuem muito de seu rendimento às mãos e habilidade dos diretores. Ele sabe qual gesto enriquece o personagem, qual tipo de música deve fazer fundo para uma cena e até qual a cor ideal para a roupa do personagem. É claro que um diretor não precisa ser um músico, um cenógrafo ou iluminador, mas é preciso que tenha sensibilidade para definir tudo àquilo que vai se juntar ao espetáculo. Então, ele será auxiliado por pessoas capacitadas especificamente: figurinistas, músicos e cenógrafos, entre outros (...)

Cenógrafo (...) Toda peça acontece em determinado lugar, no tempo e no espaço. Para dar essa idéia para a platéia, são necessários os cenários, um fazde-conta que trará o espectador para a época e lugar da história. Surge o cenógrafo e mais além o cenotécnico, e o contra-regra. O cenógrafo cria o espaço artificial fazendo com que ele seja o mais natural possível. Para isso vários fatores são considerados: os recursos do teatro, a disponibilidade de verbas e principalmente a idéia do diretor com relação ao espetáculo. (...)

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Personagem

Uma princesa sem torre – Espetáculo de conclusão da 19ª turma do CITA, 2013. (...) Na busca do ator, leva-se sempre em consideração o que foi criado pelo autor, muito embora alguns atores e atrizes sejam capazes de grandes transformações no palco. (...) (...) Bem, vamos entender melhor o que acontece. O personagem (palavra originada de persona ou personae, máscara usada no antigo teatro grego) é um ser inventado pelo autor. Mas, mesmo sendo imaginário, ele tem todas as características próprias de um ser humano e deve parecer real (...) (...) No teatro não existem pequenos papéis. Um bom ator sempre se destaca, seja qual for o tamanho do seu texto. (...) (...) Um ator deve participar da peça como se estivesse em um time, jogando para ganhar. O respeito aos colegas e a disciplina são dois grandes aliados para qualquer pessoa que pretende se tornar ator, juntando-se a isso a humildade, a vontade e – por que não? – a sorte (...)

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Figurinista

Figurinos de Felício da Silva. Fake – Espetáculo de conclusão da 18ª turma do CITA, 2012. Vestir um ator é muito mais que simplesmente criar roupas. O figurinista cria um comportamento visual para as cenas. Cada detalhe da roupa reflete o personagem, e para o ator a roupa é um elemento importante de sua atuação. Quando a ação se passa em épocas passadas, o figurinista recorre a pesquisas para não ser anacrônico, dando furos, confundindo datas, fatos e costumes. (...)

Ponto (...) O ponto, geralmente um homem, ficava posicionado estrategicamente no piso do palco, com o texto da peça nas mãos. Cada vez que os atores esqueciam suas falas, ele acudia falando em voz baixa o que eles deveriam repetir. (...)

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Iluminador

A Caminho do Mar – Espetáculo de conclusão da 20ª turma do CITA, 2014. É a arte, técnica e ciência de projetar a implementação de fontes de luz, a sua focagem, temperatura de cor e respectiva intensidade ao longo das apresentações dos espetáculos de teatro, cinema, dança, ópera e música, entre outras. O iluminador cria todas as luzes e sombras necessárias ao desenrolar dos espetáculos. (...)

Sonoplasta O sonoplasta ou técnico de som é quem se encarrega das músicas ou ruídos exigidos pelo texto. (...)

Maquiador (...) Um texto pode pedir que o ator envelheça vinte ou mais anos durante o espetáculo. A maquiagem será fundamental para isso. E é muito interessante notar que no teatro nada é feito para ser visto de perto. (...)

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Assessoria de imprensa Montado o espetáculo, é sempre necessário que se faça a divulgação para atrair os espectadores. Além de cartazes, fotos e encartes criados, são contratados profissionais de comunicação que levem para toda a imprensa, escrita e falada, notícias sobre os atores, autor, diretor, motivando textos para revistas, jornais, rádios e redes de televisão.

Formação em Fortaleza Fortaleza até os anos 80 só tinha como formação o Teatro Universitário com o Curso de Arte Dramática da UFC-CAD que é um curso Livre, onde para ingressar os alunos se submetem a um teste prático de interpretação, depois faz um estágio de uma semana e logo após uma redação, passando nesta etapa o aluno passa dois anos estudando e conclui com uma montagem, a última montagem do CAD foi com o espetáculo Curral Grande em 2008,em 2010 a UFC abre sua primeira turma de ensino Superior em Artes Cênicas com Licenciatura em Teatro que marca uma nova fase para o teatro cearense. Nos anos 90 com a inauguração do anexo do Theatro José de Alencar surge O Curso Princípios Básicos de Teatro- CPBT, que contribuiu para a inicialização de muitos artistas na capital cearense, o curso hoje forma três turmas por ano, são 200 alunos inscritos em cada turma. Estes são submetidos a testes gerais e no final dos ficam apenas 20 ou 30 em cada turma. Em julho de 2002 surgiu o Curso de Iniciação Teatral Acontece – CITA que veio para gerar mais oportunidades aqueles que apenas buscavam superar um pouco de sua timidez, ter um melhor desempenho em sua carreira profissional ou ter uma experiência estética com o teatro. De seu surgimento até o ano de 2014 CITA já formou 21 turmas sendo 1 em Baturité, 1 em Pacajus, 1 em Horizonte, 1 em Apuairés, 1 em Pires Ferreira e 16 em Fortaleza. Com o lema “Encantamento e compromisso acima de tudo!” o CITA vem ganhando a credibilidade em todo o Estado.

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Também em 2002 nasceu em Fortaleza o primeiro curso de formação superior em teatro do Estado, o Curso Superior em Arte Cênicas do antigo CEFET (hoje Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará - IFCE), protagonizado pelos professores Marcelo Costa, Mônica Marçal e Paulo Ess, este último seu primeiro coordenador. A graduação, pioneira no Estado, surgiu para atender a uma antiga demanda por formação superior na área que, até então, só contava com cursos livres ou de extensão universitária. O IFCE oferece o curso preocupado com a excelência da formação integral do ensino e no compromisso com a cidadania e o humanismo. Em 2009 o curso passa a ser de Licenciatura em Teatro. Para o ingresso o candidato presta, semestralmente, um teste de interpretação e o vestibular tradicional.

Módulo de consciência corporal, 21ª turma do CITA, Fortaleza/CE, 2014.

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A origem do teatro

As primeiras manifestações teatrais A arte e o teatro tiveram suas origens na pré-história. Ao estudarmos esse período, verificamos que o material sobre a escrita naquela época é praticamente inexistente. As informações que conseguimos obter desse momento foram através de fósseis, objetos confeccionados e das pinturas encontradas nas cavernas. Foi desses fósseis antigos que se descobriu a forma pré-histórica do homem. Dos outros achados já citados puderam descobrir os relatos da época. Por tanto, podemos afirmar que a arte e o teatro tiveram suas origens a partir do desenvolvimento do homem, através das suas necessidades. O homem primitivo era caçador e selvagem, por isso sentia a necessidade de se comunicar, contar suas histórias de caça e dominar a natureza. Assim, os primeiros homens se reunião em torno do fogo e começavam a interagir a interpretar suas atitudes na caça e imitar os gritos dos animais, afim, de assegurar o seu sucesso e o sucesso de suas caçadas. Através dessas necessidades, surgiram às primeiras manifestações primitivas e suas invenções como pinturas rupestres e corporais, máscaras, disfarces, mitos, rituais, possessão (presença de uma divindade no corpo de um indivíduo). Ou seja, o teatro e a arte nascem na suas formas mais primitivas. O teatro primitivo eram espécies de danças dramáticas coletivas que abordavam as questões do seu dia a dia, uma espécie de ritual, de celebração, agradecimento ou perda. Com o passar do tempo o homem primitivo passou a realizar rituais sagrados na tentativa de apaziguar os efeitos da natureza, harmonizando-se com ela. Os mitos começaram a evoluir, surgem danças miméticas (com-

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postas por mímica e música). Tudo isso compõem o que chamamos de teatro inconsciente. Inconsciente pela informalidade, por fazer teatro sem saber. Porque acreditava-se no uso de danças imitativas como propiciadores de poderes sobrenaturais que controlavam todos os fatos necessários para a sobrevivência (fertilidade da terra, casa, sucesso nas batalhas, etc.), ainda possuindo um caráter de exorcização dos maus espíritos. Por tanto, o teatro em suas origens possuía um caráter ritualístico.

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Curiosidades

Vamos falar sobre máscaras As máscaras, enquanto ritos coletivos, ligam-se costumeiramente a renovação da vida comunitária; não apenas aos laços da comunidade consigo mesmo, mas dela com a natureza e com o universo. Até hoje nas sociedades tradicionais africanas e ameríndias o uso ritualístico das máscaras está relacionado aos ritos agrários, de morte e de iniciação, quanto não diretamente representa a encenação dos mitos de origem do universo. Uma das primeiras funções da máscara é a de apagamento do indivíduo. Na cultura oriental do séc. XIX, traziam nas máscaras uma simbologia através da cores: • • • • • • •

Amarelo – representava o calculista Verde- representava o orgulhoso Branco- significava traição Preto- lealdade e honestidade Prata- representava o Buda ou o sobre natural Vermelho- força e poder Azul- a coragem

Além disso, as máscaras criadas com desenhos de forma simples caracterizavam personagens nobres, entanto as mais incrementadas, representava personagens malvados da história.

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Teatro Grego

Tragédia e comédia Vimos que o teatro teve sua origem no que chamamos de teatro inconsciente ou primitivo, e por assim ser, não é considerado como registro formal pela origem do teatro. Entretanto, a Grécia obteve essa “formalidade”, e, por isso, é tida como a cidade que deu origem à arte teatral. Dentre as suposições sobre esta origem, a mais provável é a que denota o culto ao deus Dioniso. O teatro foi, sem dúvida, uma das maiores realizações da Grécia Antiga. Foi nesta época, na Grécia, que foram criados os termos “tragédia” e “comédia”. Ambos nasceram por ocasião das festas em louvor ao deus Dioniso, deus do vinho, da uva, da embriaguez... E também por conta do

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coro que cantava e dançava ao redor do deus: aos poucos, alguns participantes do coro se destacaram, passando a representar, inicialmente, cenas a respeito da vida dos deuses. Depois, passaram a representar episódios relacionados com proezas de heróis. E, por fim, histórias envolvendo pessoas comuns, sentimentos humanos, diminuindo assim a importância dos deuses e, pela cultura da época, sendo proibidas e desprezadas. De acordo com a história, anualmente, era feita uma homenagem ao deus Dioniso por conta da colheita da uva, onde sacrificavam um bode (que em grego se diz tragos, de onde surgiu a palavra “tragédia”), dançavam, juntavam-se aos sátiros (homens que se vestiam e imitavam bodes) e às bacantes (prostitutas). Durante o estado de embriaguez, todos se entregavam totalmente ao espetáculo. Logo após, tem-se uma origem teatral campestre e religiosa. Depois, foram aprimorando mais os rituais e este ressurgiu de forma mais religiosa que profana. Todos que quisessem celebrar ao deus Dionísio se juntavam e cantavam um hino improvisado (Ditirambo) em torno do altar, e foi a partir desse coro que surgiram a tragédia e a comédia. O tempo passou, e o coro passou a agir separadamente de um recitador (corifeu). O Ditirambo era recitado e o coro respondia, unindo o cômico e o trágico. A partir daí, já podemos observar a existência de três artes: o canto, a dança e a atuação... O Ditirambo deixou então de ser uma improvisação, quando o poeta Árion passou a escrevê-lo, o que deu origem ao texto teatral. O corifeu fazia a ligação de tudo isso. Com o tempo, o coro dividiu-se em grupos, o corifeu representando vários papéis e o coro também. Daí constitui-se a tragédia: o ator e o coro correspondem-se cantando, em seguida o ator fala e o coro canta. Essa parte dialogada é o que chamamos de prólogo, que é tudo aquilo que antecede a entrada do coro. Vale ressaltar que também existiam tragédias que não possuíam prólogos... Com o tempo, houve o afastamento do culto em homenagem a Dioniso. Para que não parassem de homenageá-lo foi criado o drama satírico, que possuía mais ou menos a mesma estrutura da tragédia, só que a predominância era dos sátiros. Neste período, havia concursos onde os poetas eram obrigados a apresentar um drama satírico e uma trilogia (três tragédias). Vale lembrar que todas as apresentações eram feitas com másca-

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ras. A estrutura do teatro, na época, era apenas um retângulo elevado e recostado à paredes para facilitar a propagação do som. Destaca-se então o Teatro de Epidauro, com capacidade para 14.000 pessoas. Dentre alguns nomes importantes do teatro grego, temos: Téspis: Considerado o primeiro ator. Inventou as máscaras, o papel do ator em face do coro e a apresentação do drama na cidade. Ésquilo: Fundador da tragédia grega. Escreveu sessenta destas e mais cinco dramas satíricos, sendo vencedor do concurso treze vezes. Criou o segundo ator, diminuiu a importância do coro, deu papel preponderante ao diálogo e reduziu à doze os cinqüenta coristas. A partir daí, nasce a base de toda arte dramática: ação, pois o ator já “não se limitava a referir, ele atuava”. Sua principal obra foi: Prometeu Acorrentado. Sófocles: Escreveu mais ou menos cem peças e venceu vinte vezes em concursos. Criou o terceiro ator. Teve como tema dominante o conflito entre indivíduo e sociedade. Dentre uma das suas principais peças estão: Antígona, Ájax, Édipo Rei, entre outros. Eurípedes: Foi o primeiro escritor a humanizar seus temas, diminuindo o poder dos deuses. Até então, todas as histórias escritas falavam de deuses. Já os seus escritos se preocupavam com os sentimentos da alma e, como os pensamentos da época eram contrários a isso, foi bastante desprezado. Suas peças muitas vezes eram proibidas, pois trocavam os personagens dos deuses por homens. Foi graças a ele que, pela primeira vez, o amor entrou para o teatro e o sentimentalismo se apossou da cena, sem falar que os vários estados da alma começaram a ser explorados, ou seja, o homem não era um ser uniforme. Escreveu sobre a tirania e os ricos, a democracia, temas político-sociais. Dentre suas principais peças estão: Medéia, As Troianas, Helena, Electra, As Bacantes, O Ciclope, entre outros.

Você sabia? Na Grécia antiga, os homens representavam todos os papéis, pois era proibido às mulheres participar das encenações. Nos pés calçavam coturnos, sapatos de saltos altos que aumentavam suas figuras, usavam o chiton, uma túnica longa, colorida e com grandes mangas. Um cinto cingia o peito,

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como que abotoando a túnica. Por cima dela, a chlamyde, manto curto amarrado ao ombro esquerdo, ou então o himateon, mais longo e preso ao ombro direito. Estas roupas eram de cor variável: a púrpura simbolizava os soberanos; os tons escuros, o luto. Os heróis distinguiam-se por suas coroas; os estrangeiros, por algum elemento característico do seu país; e os deuses pelos complementos: o capacete para Minerva, o tridente para Netuno, etc O que mais distinguia os intérpretes eram as enormes máscaras (PERSONA) com os traços da dor para a tragédia, e do riso para a comédia.

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Teatro na Idade Média (sec. V a sec. XV)

Representação do Teatro Medieval A arte medieval também era essencialmente religiosa. Esta era voltada à construção de catedrais, igrejas, templos, mosteiros e palácios. Vê-se que a relação entre início do teatro na Grécia e a Idade Média está na cultura religiosa, derivada do rito (missa cristã) do mesmo modo que na

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antiguidade (tragédia grega). Surge então a liturgia, a leitura e dramatização de textos bíblicos, lidos durante o ofício divino. No teatro medieval, os atores utilizavam máscaras para encenar as moralidades, os autos e os mistérios. As temáticas eram sempre centradas nas passagens da bíblia e o temor ao céu e o inferno, o que dava origem a cenários bem desenhados e efeitos especiais de fumaça e fogo. Neste universo, as máscaras representavam anjos ou demônios estilizados por seres aterrorizantes com nariz de porco, chifre de boi, etc. Como, no período medieval, não havia formas de divertimento, a vida das pessoas resumia-se a trabalhar e descansar. O teatro, durante toda a história clássica romana, seria a única forma de divertimento. Mas, infelizmente, neste período, havia sido extinto pelas autoridades religiosas que acusavam os autores romanos de profanos e libertinos. Claro, também por conta das paixões humanas, visto que a igreja mantinha uma visão bastante rígida com relação a amores terrenos. Com base nisso, o surgimento de novos teatrólogos foi impedido.

A ausência do teatro leva os fiéis à Igreja Com a ausência dos espetáculos de teatro no primeiro período da Idade Média, a missa passou a ser de grande importância para a vida social, pois além da significação religiosa, também exibia uma forma de representação. Dessa forma, foi-se criando uma situação original, onde as pessoas não podendo assistir um teatro verdadeiro, acabaram por ver na missa uma espécie de espetáculo cênico. A igreja, ao perceber o que acontecia e aproveitando a situação, acrescentou ao seu ritual um diálogo bem maior, a fim de comunicar fatos da doutrina de forma mais complexa e atraente. Os fiéis se maravilharam com a inovação e a igreja cada vez mais trazia novidades como trajes novos, símbolos e objetos que facilitassem o reconhecimento da linguagem bíblica, passando a transformar-se em “personagens”. Porém, apesar de todas essas modificações, os rituais deixavam a desejar. Não eram como os espetáculos. Logo, as pessoas começaram a perceber que não era bem isso que elas queriam, elas queriam diversão. Os personagens apresentados na missa não eram suficientes e as cenas não

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exploravam os efeitos de cenários e figurinos, devido o espaço do altar. O “público” tornou-se exigente e as “encenações” já não cativavam como antes. Então, para ganhar novamente o interesse dos fiéis, as representações litúrgicas desceram do altar, aproximando-se dos fiéis. Mas isso não foi suficiente, e, depois de algum tempo, o centro da ação foi transferido para a frente da igreja. Entretanto, com o aumento do número de “personagens” o espaço teve que se tornar maior, e foi a partir daí que as representações saíram às ruas. Surgem então as primeiras manifestações verdadeiramente teatrais na Idade Média.

O Latim sai de cena O latim era, até então, língua oficial da época, mas como em várias partes da Europa a população utilizava línguas regionais (ou, como chama, “línguas vulgares”), estas passaram a diminuir a utilização do latim. As representações na praça deixaram de ser rituais litúrgicos, transformando-se em verdadeiros espetáculos e, a igreja vendo que estava perdendo seus fiéis, transformou o ritual para uma linguagem vulgar, pois seu público já não entendia mais o latim. Assim, a igreja permaneceu com seus temas religiosos, tendo como tema principal a vida de Cristo. Os homens da Idade Média, desde que o assunto fosse piedoso e construtivo, não eram impedidos de levá-los à cena. No momento em que a representação sacra saiu à rua, seu caráter litúrgico foi transformado na introdução gradual de elementos da vida cotidiana. Misturando-se aos enredos dramáticos, começaram a surgir os traços satíricos e os espetáculos passaram a ironizar os personagens da vida local e as figuras da política. E o diabo, que aparecia como figura terrível e ameaçadora, começou a aparecer como uma beleza de diabo, simpático e quase sempre ridículo, e sempre no final levava a pior, sendo punido pelos seus atos. Foi devido a esse processo de humanização do diabo que ocorreu a decadência do teatro medieval no fim do século XV. Porém, na Idade Moderna, o teatro pôde se refazer e concentrar seu interesse em temas que outrora foram rejeitados, como o amor, as paixões e a eterna luta do homem.

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Comédia Dell’Arte

Comedia Dell’art Também conhecida como de máscaras, a Commedia Dell`arte foi um movimento de grande importância, pois foi onde o ator passou a ser visto como profissional. Ela trouxe de volta um pouco do ridículo, da vulgaridade que algumas tragédias gregas mostravam. Porém, a diferença estava nos trajes carnavalescos (que passou a ter bastante cor por conta da imensidão dos teatros gregos e romanos, onde o ator ficava muito reduzido e usava de exagero de cores no figurino para chamar a atenção), nos temas abordados, na alegria e na euforia que dominavam os palcos desta nova época. A busca pela sobrevivência levou os atores a construírem as primeiras companhias de teatro profissional, o que deu origem ao que chamamos de Commedia Dell`arte. A Commedia Dell`arte nasceu na Itália na metade do século XV com berço no feudalismo, onde havia reinos e súditos, enquanto do lado de fora o

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poder era concentrado nas mãos dos senhores feudais. Nesta época, os artistas, de certa forma, existiam com os escravos e servos, mas existiam sempre aqueles que se destacavam dos demais. Estes “destaques” buscavam aprender cada vez mais sobre a arte de atuar através do circo, da dança e da expressão. Nascem, então, os comediantes. Estes artistas tinham o objetivo de fazer rir, sem textos, mas com improvisos e sátiras. A partir daí, surgiu também a tradição do chapéu para coletar seu “cachê” ao final das apresentações. Por terem mais direitos que obrigações, a corte tratou de resolver esta situação e começou a criar festivais, onde os atores receberiam por suas atuações, e os ganhadores trabalhariam para o rei como “bobos da corte”. Nesta época, as mulheres, pela primeira vez, subiram ao palco, visto que, antes, eram proibidas de atuar; os homens é que faziam os papéis femininos, muitas vezes a cena se tornava até mais engraçada para o público por conta disto, até que, neste período, elas puderam atuar. Começaram a surgir os grupos de teatro e os atores ficavam famosos por um estilo único de personagem, ou seja, as encenações poderiam ser diferentes, mas o personagem era sempre o mesmo. O teatro veneziano trazia sempre os mesmos tipos de personagens em suas comédias: Arlequim: Mais antigo e mais popular, devido ao seu caráter inteiramente cômico. Representa o bufão e tinha a função de divertir o público nos intervalos. Em sua fantasia, aparecem losangos coloridos. Ele caracteriza o cínico, o fanfarrão e amante da Colombina; Esmeraldina Colombina: Principal personagem feminino da Commedia Dell`arte; namora o Arlequim e o Pierrô. Ela personifica a mulher bela, esperta e sedutora. Usava vestido ou saia de seda, ou cetim branco e bonezinho; Pierrô: Singelo, ingênuo e sentimental, esse personagem trajava calça e casaco grandes, com pompons, babado ou grande gola franzida, pintura do rosto (ou máscara) em preto e branco e olhar triste, caracterizando o palhaço romântico; Briguela: De todos os personagens é a mais inquietante, e sua máscara esverdeada tem expressão cínica e adocicada, com olhos oblíquos, nariz grosso e lábios sensuais; Doutor: Representa o lado intelectual da sociedade. Em algumas peças é médico, em outras advogado, mudando até de nome (como Doutor

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Balanção ou Doutor Lombardi), mas mantendo a tradição. Seu traje é sempre preto, com finalidade de sublinhar a austeridade e dignidade tradicional de que se reverte o personagem; Pantaleão: Representa a burguesia e todas as manobras desta classe. Sua máscara é caracterizada pelo velho ridículo. Seu personagem traz o velho apaixonado por mocinhas, mercador avarento do teatro clássico. Seu traje é preto com vermelho, que provém diretamente da roupa do tentador das farsas medievais. Além desses personagens, havia também outros personagens secundários como o Criado, o Capitão, a Noiva, a Ama, o Herói, etc. Os roteiros da Commedia Dell`arte normalmente tratavam de contar história de dois namorados que lutavam contra a proibição dos pais, enfrentando uma série de problemas para se casarem. Foi na Commedia Dell`arte que William Shakespeare buscou inspiração para seus espetáculos teatrais, pois, apesar do sucesso das comédias, os dramaturgos queriam algo além, escrevendo textos com temas mais profundos, com uma linguagem melhor formulada e menos vulgar. Um bom exemplo desses textos é Romeu e Julieta, onde aborda guerra entre famílias e um amor impossível. Por conta da beleza poética e da concepção tocante, sua obra agradou a majestade e causou um forte impacto na época por ser um drama.

O fim da Comédia Dell’Arte A decadência da Commedia Dell`arte começou na primeira metade do século XVII, quando perdeu efeito popular e tornou-se elitizada, quando a ousadia não mais existia (pois não enfrentavam os assuntos da atualidade, deixando-os para os atores novos e medíocres) e quando dedicavam-se apenas a papéis cômicos, esquecendo as partes sérias. Esse desequilíbrio é notório nas repetidas cenas de amor, sempre fixas. Outro fator que contribuiu para o declínio foi à invasão da pornografia, que tirou a ingenuidade de espetáculo pobre e inteligente. Em suma, a Commedia Dell`arte passou a ser apenas uma comédia escrita e ruim, pois tinha enredo convencional, perdendo assim, a espontaneidade popular.

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O Teatro Brasileiro

Padre Manoel de Nóbrega As primeiras manifestações cênicas no Brasil se deram por volta do século XVI, quando os europeus trouxeram os hábitos cênicos e os jesuítas utilizaram o teatro como forma de catequese. Porém, o padre Manuel da Nóbrega ao trazer esta arte para o Brasil, não a ajustou aos preceitos religiosos, incumbindo esta tarefa para José Anchieta que deveria encenar um auto. Este evangelizador tinha enorme admiração pela cristianização, além de base literária diversa e de se destacar na gramática e na poesia. Sua instituição, assim como na Grécia, tinha finalidade religiosa, de for-

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mar, nutrir e educar almas. Podemos dizer então que a inspiração do nosso teatro veio do padre Manuel da Nóbrega, enquanto Anchieta foi nosso primeiro autor literário e teatral. Em 1575 foi apresentado em Pernambuco o drama “O Rico Avarento e o Lázaro Pobre”. O impacto causado pela peça foi tão forte que muitos nobres e pessoas de boas condições financeiras no local, que nunca haviam dado esmolas aos pobres e eram muito controlados com relação aos seus bens, passaram a praticar a caridade cristã, tornando-se liberais e “repartindo o pão”, digamos assim. O teatro passa, então, a exercer uma das suas principais funções social: instigar questionamentos sobre o caráter e personalidade do povo.

Catequese X Colonização Com a construção de fortes e a formação de fazendas por parte dos colonos portugueses, tornava-se cada vez mais difícil estabelecer a sociabilidade catequética, pois a realidade social de índios e colonos eram bem diferentes. Então, os missionários começaram a manter os índios em aldeias, afastados do perigo de voltarem a ser pagãos e de serem desejados pelos colonos. Nessas aldeias, os índios tinham uma vida rígida, onde o tempo era dividido em trabalho e oração. Mas isso não impedia que nos tempos livres se cantasse, dançasse, fizessem mímicas, oratórias, tudo que fazia parte de seus costumes. Utilizavam máscaras e limagens para enriquecer a produção teatral, mas sempre com a finalidade de catequese. Obedientes aos preceitos da Companhia de Jesus, que impõe aos padres aprenderem a língua da terra em que mantenham missões, os jesuítas se dedicaram ao estudo da língua dos índios. Logo, o Padre Anchieta escreveu um dicionário da língua Tupi, que se tornou fundamental para o trabalho de catequese. Entretanto, no século XVII, o Brasil entrou num período de muitas guerras: contra os franceses, no Maranhão; contra os holandeses, na Bahia e em Pernambuco; entre colonos e jesuítas em São Paulo. Além disso, houve a Revolta de Beckman, que em 1686 expulsou os jesuítas do Maranhão. Estes acontecimentos contribuíram para a decadência da vida

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cultural e o teatro esmorece, não tendo assim, forças para renovar sua inspiração. Neste século, o teatro confunde-se então com festas públicas, fazendo surgir as primeiras manifestações de representações profanas. Com o resultado dessas guerras e das novas manifestações teatrais, as encenações não passaram de teatro sem referências.

A chegada da Família Real Com a chegada da Família Real, o Rio de Janeiro ganha um teatro, e com a Independência e o Romantismo, surge finalmente o teatro brasileiro. Surge então um ator e dois autores que fundaram a tragédia e comédia nacional: João Caetano dos Santos: Foi considerado ator genial pelos seus contemporâneos e recebendo elogios jamais recebidos por outro ator brasileiro; Domingos José Gonçalves de Magalhães: Seus personagens eram graves, patrióticos e bem intencionados. Os discursos eram em tom acadêmico, substituindo os sentimentos por bons sentimentos, as imagens eram abstratas e sua análise era persuasiva. Suas obras: Olgiato e José ou O Poeta e a Inquisição; Luiz Carlos Martins Pena: Era comediante de costumes. Como o costume era de roça, não perdia a ocasião de descrever os “figurinos” dos personagens, as comidas, a maneira de comer, os hábitos sociais, as deformações lingüísticas. Infelizmente, não pode dedicar dez anos de sua vida ao teatro, pois foi acometido pela tuberculose. Suas obras: O Juiz de Paz na Roça e A Família e a Festa na Roça. O século XIX foi bastante intenso para o teatro brasileiro. Com o surgimento de textos que traçavam o painel da época, escritos com simplicidade, como é o caso de Joaquim Manoel de Macedo, com uma visão social bem definida; José de Alencar, buscando a nacionalidade; Machado de Assis, que escrevia textos com leves brincadeiras; França Júnior, que escrevia comédia mais ágil; e Arthur Azevedo, que escrevia burletas e revista musical, além de grande articulador teatral. Nesse período cultural, o teatro nacional efervescia e surgiam novas tendências voltadas para a cultura européia. Era um momento de mistura e indefinição quanto ao próprio rumo a se tomar, a identidade da literatura teatral estava ainda indefinida e abalada.

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Entretanto, só pudemos ter a nossa “independência” aos preceitos europeus em 1920, quando as dificuldades criadas pela Primeira Guerra propiciam a formação de grupos nacionais. Neste período o teatro brasileiro destaca-se através do trabalho de três grandes atores: Apolônia Pinto, Procópio Ferreira e Leopoldo Fróes. Na dramaturgia surgiram Gastão Tojeiro, Viriato Correia, Armando Gonzaga e Oduvaldo Viana. Com a Semana de Arte Moderna, surgiram novos nomes de expressão estética, como Mário de Andrade, Vila Lobos, Oswald de Andrade (criou O Homem e o Cavalo, A Morta e O Rei da Vela) e outros artistas que se sensibilizaram com a arte do criar. Porém, todas essas intenções foram frustradas, pois nem o público e nem o teatro estavam prontos para recebê-los. O que houve de relevante mesmo foi a estréia de Deus lhe Pague (1933), de Joraci Camargo. A peça constituía uma moderna literatura dramática e tinha à frente Procópio Ferreira. Foi apresentada no Teatro Cassino e, em seu enredo, mostrava a figura de um mendigo que, quando não pedia esmolas, vivia em grande estilo, com diálogos profundos e filosóficos, sem análise. Depois da Segunda Grande Guerra, o país cresceu economicamente e culturalmente, abrigando assim novos atores que buscavam o Brasil como sua pátria. Assim chega Zbignew Zienbinski, revelando em rápidas passagens o simbolismo e o expressionismo. Os cenários são sintéticos, dando importância ao som e a luz, movimentos não coreografados, estilização de gestos, tudo numa visão artística. O primeiro passo dado com o novo padrão foi com Os Comediantes, do Rio de Janeiro, e com a peça teatral Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues. É o início da encenação moderna no país. Em 1938, Paschoal Carlos Magno fundou o Teatro do Estudante Brasil, seguindo os passos dos “Comediantes”. O grupo “Os Comediantes” entrou numa profissionalização, mas logo, por problemas financeiros, fechou suas portas. Após esse pontapé inicial, outras pessoas tomaram força e resolveram criar seus grupos. Entre eles estão: Teatro de Amadores de Pernambuco, Teatro Experimental (São Paulo), Grupo Universitário de Teatro, Teatro do Estudante, Teatro de Equipe. Essa fase marcou a fundação do Teatro Brasileiro da Comédia, em 1947, em São Paulo. Neste teatro passaram Sérgio Cardoso, Paulo Autran, Jardel Filho, Walmon Chagas, Tônia Carrero e Fernanda Montenegro. Neste período, o teatro brasileiro

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seguia novamente os moldes do teatro europeu. O Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) era por vezes criticado como sendo um teatro de burguesia e com estrutura totalmente importada. Porém, era a única empresa teatral instalada em São Paulo. Mantinha um tipo de repertório que agradava os mais variados tipos de público, isso era, inclusive, uma maneira de manter as finanças. Sempre montava autores como Goldoni, Oscar Wilde, Sófocles, etc. Mas, pela ausência financeira, acabou por fechar suas portas. Antes disso acontecer, surgia o Teatro de Arena, que estreou com uma peça de Gianfrancesco Guarnieri. Nele, montavam autores novos e consagrados, Depois surge o Teatro Popular de Arte, e novos autores e atores foram surgindo. O Arena veio como resposta à sede de uma nova dramaturgia. Os autores Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri ultrapassam as reivindicações revolucionárias. O primeiro partiu da farsa épica e o segundo, da peça de fundo social, para trabalharem juntos uma nova forma de dramaturgia. Na dramaturgia paulista surgiu o texto O Pagador de Promessas, de Dias Gomes. Porém, Nelson Rodrigues foi e ainda é, o mais poderoso na sua vocação dramatúrgica. Suas vertentes trabalham realidade e psiquè. Em seus textos encontram-se o escândalo, os sentimentos humanos que queimam dentro de cada um, mas que se tornam vulgar perante a sociedade. São desejos de amor e ódio, adultério, avareza, assassinato por amor, etc. Algumas de suas peças são Anjo Negro; Senhora dos Afogados; Álbum de Família; Bonitinha, mas Ordinária; Vestido de Noiva e Dorotéia. Em 1971, o grupo Arena pára após a prisão de Augusto Boal, que foi exilado no Chile, no Peru e outros países da América Latina. Neste período, iniciam-se as atividades com as comunidades proletariadas, índios, analfabetos e grupos de marginalidade. Com a implantação da ditadura, Boal exila-se definitivamente na Europa, onde desenvolve o qualificativo teatral Teatro do Oprimido (teatro Foro e Teatro Invisível).

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O Teatro Cearense

O Brasil já construía suas referências teatrais. A corte do Rio de Janeiro se divertia com as companhias francesas, italianas e portuguesas. Recife teria um movimento cultural respeitável, e São Luís do Maranhão foi conhecida como Atenas brasileira. Mas, e o Ceará? Em 1830, dá-se a notícia do surgimento da primeira “Casa da Ópera (conhecida como Teatrinho Concórdia). Porém, as “diversões” eram meramente literárias e o espaço era, normalmente, utilizado para reuniões do Governador Sampaio. As peças que se apresentavam eram acomodadas, curtas, com palhaçadas inocentes e longe dos gostos dos “velhos de barba”. Diz-se que, em 1842, o Teatrinho Concórdia mudou de endereço e, na ocasião, mudou também de nome: Teatro Taliense. Mas, para não fugir dos preceitos de fracasso acometidos desde a inauguração da Casa da Ópera, teve como marco a apresentação de O Gênio do Brasil. Era um dia de festa nacional. No teatrinho, o Gênio do Brasil vinha vestido de anjo, descendo das alturas, envolto em nuvens para falar ao respeitável público. Quando o apito deu sinal para iniciar o espetáculo, o Gênio do Brasil desceu do teto todo escarranchado em sua nuvem e sua voz aguda deu início a apresentação. Todos olharam admirados ao evento, mas o final deveria ser no palco... Quando o Gênio quis pular no tablado, tentando um salto, não conseguiu se desembaraçar das nuvens e ficou pendurado nelas. No esforço para se desembaraçar, seu calção que era de meia, muito colado às pernas, partiu-se. O apito troou para descer o pano de boca (cortinas), mas, para piorar a situação, este também emperrou e deixou em exposição toda a falha técnica da apresentação. O teatro caiu em gargalhadas e o Gênio até que puseram uma escada e o Gênio pode descer. Por causa desse desastre, recebeu o apelido de anjo penca.

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Teatro Ribeiras dos Icós, Icó/CE Continuando a história do teatro cearense, sem fugir aos desastres que nos eram marca registrada, por volta de 1842, surge então o primeiro teatro construído no Ceará: O teatro de Icó. Mas este não chegou a ser inaugurado, o que causava muitas piadas das cidades rivais. A arquitetura da obra trazia linhas clássicas, obra do engenheiro Theberge. Para aquela época e região, o edifício tinha certa classe e real valor. Preparou-se um grande baile para inaugurá-lo, mas as famílias matutas, cada qual com o receio de ser o primeiro a chegar e de se expor sozinha a curiosidade maliciosa do terreno, vestiram-se, prepararam-se e puseram-se em alerta em casa, mandando apenas mucamas ou moleques para espionar o teatro com ordem de comunicar quando entrassem os primeiros convidados. Nesta espera, a noite foi passando e, ninguém querendo ser o primeiro a entrar, acabou que não houve o baile inaugural por ausência completa dos convidados. Em 1872, o Teatro Taliense fecha as portas. Por volta de 1864, em Fortaleza, o Governador José Bento Figueiredo Júnior, lança a pedra fundamental do Teatro Santa Tereza, em homena-

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gem a imperatriz, na Praça do patrocínio (hoje, Praça José de Alencar), mas o teatro não foi construído. Um projeto da Assembléia Legislativa autorizou gastar cem contos na construção de um novo teatro, mas se passaram três anos e nada se concretizou. O ano era 1875. Em Sobral, dava-se o lançamento da pedra fundamental do Teatro São João, por iniciativa da União Sobralense. Considerado o segundo teatro a ser construído no Ceará, o teatro foi planejado por João José da Veiga, que usou a planta do Teatro de Santa Isabel (em Recife) como base de seu trabalho. As obras correram com lentidão, até que, pela verba doada para socorros públicos na seca de 1877, elas tomaram um maior impulso. De sorte, a construção foi concluída já na república. Surge no ano de 1876, em Fortaleza, o Teatro São José na antiga Rua Amélia (hoje, Senador Pompeu). A iniciativa foi da Sociedade Dramática, de Antônio Joaquim de Siqueira, que levava a peça A Cruz do Juramento. No mesmo ano, apresentou-se o grupo local Recreio Familiar, que levou à cena O Cego e o Corcunda, drama de Annicet Bourgeios. No repertório do Teatro São José estavam peças do cearense Frederico Severo: De Baturité à Lua, Madame Angot na Manguba, Sinos de Corneviel em Arroches. Seguindo a tradição desastrosa, sem mencionar incidentes hilariantes, segue o que aconteceu na apresentação do Teatro São José. Certa vez, como não conseguiram piano emprestado para a apresentação, resolveram pintá-lo em um dos reposteiros em que a artista cantaria, fingindo que tocava. Qual não foi a decepção quando viram que o piano foi pintado fechado! Como não havia mais tempo para abri-lo, resolveram levar a cena assim mesmo. Chegado o momento, a artista tomou posição, fingindo dedilhar o piano ao mesmo tempo em que, nos bastidores, uma flauta fininha e muito triste respondia, fazendo o som do piano. Por pouco o teatro não desabou diante do estrondo da gargalhada geral. Foi inaugurado em 1877 o Teatro de Variedades. Dirigido pelo empresário João do Carmo, o teatro era sem teto e os espectadores que quisessem sentar tinham que levar suas próprias cadeiras de casa. No decorrer de 1880, é fundado o Teatro São Luís, no mesmo local do Variedades, por iniciativa do tabelião Joaquim Feijó. Apresentou-se no São Luís a companhia Lírico-Cômica italiana, de Milane e Stroni. Não

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levavam damas às apresentações, pois, nesta companhia, havia a cantora Nagel, que, ao se apresentar, dançava mostrando pedacinhos da perna, para delírio da platéia. Em 1896, o São Luís é fechado. Fundada em 1891, a companhia Cearina tinha como objetivo criar um teatro oficial na cidade, na Praça do Patrocínio (José de Alencar). A Câmara Municipal cedeu o terreno. Passaram-se cinco anos e nada de se iniciar a construção. Em 1896, o Governador Bezerril Fontenele lança a pedra fundamental no centro da praça. A construção não passou dos alicerces, que depois foram arrancadas a dinamite. Papi Júnior, em 1897, criou o Clube de Diversões Artísticas. O grupo era formado por um corpo cênico e orquestracional. No começo, os homens representavam papéis femininos: Horácio Viana era especialista em velhas e Castro Ramos, em jovens ingênuas. Depois, contrataram as atrizes Isabel Santos, Consuelo Hull e Maria Castro. Em 1898, foi fundado o Grêmio Taliense de Amadores que se opôs ao Clube de Diversões Artísticas. Tinha também seu grupo orquestracional e editaram um periódico chamado “O Theatro”. Viveram gloriosamente até 1906. Ainda houve outros teatros e companhias teatrais como o Recreio Dramático Familiar (1903) e Teatro São Caetano (1904) que tiveram suas histórias, seus marcos e suas falências. Porém, em 1908, finalmente dáse início a construção do primeiro teatro oficial em Fortaleza: Theatro José de Alencar. Com a inauguração deste, em 1910, termina a primeira fase do teatro cearense. Enfim, José de Alencar sob o mandato do presidente da província Pinto Nogueira Acioli, foi dado início a construção do teatro. Foi encomendada uma armadura de aço e ferro à firma escocesa Max Farlane L.C. Sarracem Foudry, de Glasgom. O teatro teria estilo Corinto com suas colunas no corpo central e entalhamento decorado segundo os preceitos do mesmo estilo, tendo a parte superior (o Foyer) destinado a concertos, conferências e seções literárias. O painel do forro foi pintado por Jacinto Matos, Rodolfo Amoedo, Antônio Rodrigues e Ramos Cotoco. A cenografia teve como responsável o pintor e arquiteto Herculano Ramos. Na noite de 17 de junho de 1910, inaugurou-se o cartão postal da cidade, Theatro José de Alencar. Com apresentações da banda sinfônica do

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batalhão de segurança, naquela noite reuniram-se grandes personalidades da vida cearense. O primeiro espetáculo apresentado foi da Companhia Dramática Lucília Perez – O Dote – de Artur Azevedo. O público de Fortaleza lotou o teatro, porém deram mostras da grande má educação em sua maioria. Estes perturbavam as apresentações com insultos, piadas de mal gosto, jogavam papéis e o público da torrinha cuspiam sobre as pessoas que estavam abaixo. Durante os anos que seguem até 1919, muitas companhias se apresentaram, destacando-se a atriz Maria Castro, bastante conhecida e admirada por seus dotes artísticos na época, além da simpatia e talento.

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A Ascensão do Teatro Cearense (1919 - 1939)

Carlos Câmera Carlos Câmara apresenta no Theatro José de Alencar uma peça de sua autoria intitulada A Bailarina. Com a obra, Carlos Câmara revelou-se grande teatrólogo humorista cearense. Suas peças passaram a ter grande sucesso, entre elas, O Casamento de Peraldiana, Calu, Pecados da Mocidade, etc. O grupo (Grêmio Dramático Familiar) se reunia em uma sede modesta, com palco montado sobre barricadas de bacalhau e coberto por palhas de coqueiro, o piso era de terra batida. A informação que se tem

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é que Carlos Câmara começou a escrever para teatro devido a falta de textos. Foi o Grêmio Dramático Familiar que dinamizou e valorizou o movimento teatral em Fortaleza, daí sua grande importância. Em 1923, o Theatro José de Alencar foi palco da estréia de uma importante atriz cearense chamada Gasparina Germano, que, ainda criança, fez uma apresentação em prol da sala de Raio-X da Santa Casa de Misericórdia. Ao lado da irmã, receberam calorosos aplausos sob a apresentação de O Camponês Apaixonado. A Cia. Brasileira de Operetas Vitória Soares, com Vicente Celestino, em 1924 ocupa o Theatro José de Alencar. A temporada foi marcada por um incidente com a imprensa, que taxou as peças como imorais. A Cia. adiou os espetáculos alegando que Fortaleza era muito atrasada em seus conceitos sobre arte e que suas apresentações deveriam ser em centros mais adiantados. Em 1924, a atriz cearense Maria Castro é considerada uma das mais famosas atrizes do Brasil. A “lua-de-mel” do teatro cearense acaba quando o cinema ganha voz. O teatro musicado já não tinha o mesmo apelo. E, com a morte de Carlos Câmara em 1939, dá-se o fim de uma época. Da Guerra aos Anos Dourados (1940 - 1950) Na década de 40, com a guerra, a atenção das pessoas voltou-se para suas tensões e fez surgir um tipo de espetáculo que documentava o momento histórico (Por exemplo, A Valsa Proibida, de Silviano Serra e Paurílio Barroso). No final da década o teatro começa a se modificar. Waldemar Garcia inicia essa transformação através da criação de um grupo de universitários. Entre eles estavam Haroldo Serra, Flávio Phebo e Geraldo Markan. Em 1949, funda o primeiro teatro universitário. Com os alunos da Faculdade de Direito, treina e melhora os níveis dos espetáculos. * Ricardo Guilherme, embora muitos não saibam, é responsável pela criação de um novo qualificativo teatral: O Teatro Radical. Expandido nacional e internacionalmente, este qualificativo adota a idéia de apenas dois movimentos contrários durante toda uma apresentação (conforme será apresentado no módulo de Métodos Interpretativos e Tipificação Teatral); ** De acordo com informações recentes, faleceu ao final de fevereiro de 2006.

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Na década de 50, Fortaleza encontra-se dividida entre um teatro burguês de fins de semana e um teatro suburbano e sem nível. Os primeiros grupos a se destacarem foram o Teatro Escola do Ceará (do qual faziam parte Nadir Sabóia, Waldemar Garcia, Eduardo Campos, entre outros) e o Teatro Experimental de Arte (do qual faziam parte B. de Paiva, Marcus Miranda, Hugo Bianchi, Haroldo Serra, entre outros). Os grupos locais preocupavam-se em preparar atores capazes de enfrentar as responsabilidades cênicas que o grupo se propunha a realizar. Em 1955, o teatro cearense começa a participar de festivais. Em Natal (RN) no I Festival Nordestino de Teatro Amador, o Teatro Escola representou o Ceará com o espetáculo Os Deserdados, de Eduardo Campos, numa montagem autenticamente cearense. No ano de 1958, no mesmo festival (só que desta vez em Maceió), o Ceará traz o prêmio de melhor atriz para Fernanda Quinderé e melhor atriz coadjuvante para Nadir Sabóia, com a peça Nós, As Testemunhas, de Eduardo Campos, sob direção de Nadir Sabóia. O Teatro Experimental de Arte montou espetáculos de grande sucesso, entre eles O Lampião, de Rachel de Queiroz, que foi tido como espetáculo de maior repercussão nas apresentações cearenses da época. No Auge de sua existência, o Teatro Experimental de Arte produzia uma peça por mês. Em 1956, Marcus Miranda ganha uma bolsa para estudar no Rio de Janeiro, onde já estavam Hugo Biachi e B. de Paiva. Com sua viagem, acaba um dos principais grupos de teatro cearense. Em 1957, surge a Comédia Cearense, de Haroldo Serra com a ajuda de sua esposa Hiramisa Serra e logo depois com B. de Paiva, que acabava de chegar do Rio de Janeiro. Firmaram convênio com o Governador Parsival Barroso, tomando assim a direção e manutenção do Theatro José de Alencar. O primeiro grande sucesso da Comédia Cearense foi O Pagador de Promessas, de Dias Gomes.

O Teatro nos Anos Rebeldes (1960 - 1970) Em 1960, foi inaugurado, a nível experimental, o Curso de Arte Dramática da Universidade Federal do Ceará (CAD), dirigido por B. de Paiva. Sua atuação daria ao Ceará uma nova geração de atores, com cultura

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teatral de nível e apreciável. Era o primeiro curso profissionalizante do Ceará (atualmente, existe o curso de nível superior em Artes Cênicas, no CEFET). Alguns artistas da época ainda se encontram em plena atividade, como Haroldo Serra, Walden Luiz, Jane Azeredo, Emiliano Queiroz, Marcelo Costa, Erotilde Honório, entre outros. Muitos eram os grupos teatrais, mas um se destacou pela ousadia e qualidade artística. Marcus Miranda, Aderbal Júnior e Maria Luiza Moreira, criaram em 1965 o grupo Teatro Novo. Em 1973, teve início o Plano Atual de Divulgação Artística (PADA), que reuniu, em um só espetáculo, música, ballet e teatro. O PADA, coordenado por Haroldo Serra, contava com o apoio do Jornal O Povo, secretaria de cultura, secretaria municipal de educação e Universidade Federal do Ceará. Na verdade, funcionou muito mais como meio de popularização dos órgãos que o promoviam. Surge, em 1974, o Teatro Móvel, contando com o apoio do Ministério de Educação e da prefeitura de Fortaleza. O objetivo era percorrer os bairros da cidade e permanecer lá por um determinado tempo, despertando assim o interesse público. O projeto foi traído na sua origem por conta da falta de segurança na cidade e ficou só no papel. Em 1976, o Grupo Balaio, sob o comando de Marcelo Costa e com o apoio do IBEU, monta o espetáculo Cesário, O Imperador do Mundo, de Geraldo Markan e Corações Guerreiros, em 1979, de Marcelo Costa. Outros grupos atuantes na trajetória do teatro cearense (entre anos 70 e 80) foram: o grupo de pesquisa, de Ricardo Guilherme*; o Grupo Vanguarda, de Guaracy Rodrigues; o Raça, de Artur Guedes**, e o GRITA (Grupo Independente de Teatro), composto por Oswald Barroso, Graça Freitas, Chico Alves e outros.

Atualidades do Teatro Cearense A ascensão de governos populistas-esquerdistas no Brasil trouxe, de certa maneira, melhorias para os grupos e coletivos de teatro. As políticas de editais, financiamentos e outros mecanismos, hoje potencializaram as mais diversas linguagens artísticas.

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As entidades de caráter político-sindical de teatro, infelizmente, nos últimos anos de redemocratização perderam seu poder de mobilização e combate. Alguns ensaios de luta coletiva são protagonizados por uma vanguarda pró-cooperativa de teatro cearense. Os artistas, novamente, estão percebendo que para se conseguir algo têm que lutar coletivamente, ainda se faz necessária a superação do corporativismo da categoria. No cenário teatral atual alguns grupos se destacam com suas linhas de pesquisas específicas.

Grupo Bagaceira de Teatro

Grupo Bagaceira de Teatro Surgiu em Fortaleza nos anos 90 e hoje tem projeção nacional;

Grupo Garajal Com sede em Maracanaú vem fazendo no município um trabalho de integração junto à comunidade, em 2014 ganhou projeção nacional;

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Cia. Palmas Produções Artísticas Seus trabalhos se baseiam no teatrólogo Garcia Lorca, já ganharam vários prêmios, sua sede fica em Fortaleza;

Expressões Humanas

Grupo Expressões Humanas Busca sua estética no teatro-ritual em 2015 completou 24 anos de existência.

Grupo Oficarte Um dos mais antigos grupos do interior cearense, completou 24 anos em 2015, sua sede é em Russas;

Coletivo Cambada Com os cursos de formação em artes cênicas, novos grupos estão surgindo na cena teatral da cidade. Essa nova geração está vindo com tudo, an-

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siosos para por em prática tudo o que aprenderam e iniciar suas pesquisas em grupo. Um ótimo exemplo dessa nova geração de talentos é o coletivo Cambada, formado por ex-alunos do curso de artes cênicas do CEFET-CE.

Cia. Lua De Fortaleza, vem conquistando todo o Brasil com seus trabalhos, trazendo sempre uma linguagem que envolve a platéia, além de um trabalho de produção impecável;

Mimo O Mimo surgiu como subgrupo do Poéticas do Corpo, grupo de pesquisa e experimentação criado em 2003, vinculado ao Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Ceará- IFCE (Antigo CEFET-CE) Sua principal pesquisa consiste na consciência corporal na formação do ator.

Teatro Máquina O Teatro Máquina (antiga Ba-guá Cia de Teatro) é um grupo de teatro de Fortaleza-CE, em atividade desde 2003. A dramaturgia épica, já por si mesma fragmentada e cheia de rupturas radicais, tem sido o principal foco de interesse, através dos textos do próprio Brecht e de autores importantes para seu teatro, além de inspirar roteiros e esquetes do próprio grupo.

Grupo Pavilhão da Magnólia Tem foco no teatro infantil e rua. Sua sede é em Fortaleza. Relaiza também um trabalho reconhecido em relação a produção cultural.

Grupo as Travestida Têm a frente o diretor Silvero Pereira, com pesquisa voltada ao universo do travesti.

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Inquietas Cia. de Teatro Antigo grupo 3x4, desenvolveu em 2014 o projeto de formação teatral Habitates de atores.

Cia Teatral Acontece

Cia Teatral Acontece O grupo vem desenvolvendo pesquisa em dramaturgias autorais e desdobramentos de cenas a partir de visualidades. Além de formação, integração com a classe artística e experimentações com jovens que estão descobrindo seu talento. São inúmeros grupos que existem no nosso Ceará que vem ganhando espaço através da pesquisa, formação e principalmente se percebendo que não se pode andar sozinho, bem mas agora é sua vez de pesquisar quais outros grupos existem em sua cidade que vem desenvolvendo um trabalho que merece destaque, mãos a massa e descubra o prazer de conhecer mais e mais.

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Conclusão

Como vimos no decorrer do trabalho, o teatro nunca teve uma vida tão fácil. Principalmente o teatro cearense, que teve em sua história vários incidentes. Daí a importância de estudar bastante e conquistar diferencial. Fazer o que qualquer pessoa faz (ou fizeram) em nada evolui o processo. É importante valorizar o que já foi conquistado, e batalhar para que o teatro seja cada vez mais um desejo de seu público. Devemos sim, apreciar trabalhos artísticos “de fora”, mas não devemos menosprezar um trabalho que é nosso e nem sair de um espetáculo fazendo comentários destrutivos. Ao invés de reclamar, devemos começar a fazer. E fazer bem feito! Não só como mais um. Não de forma desagradável e sem estudo. Pois é conquistando esse diferencial que poderemos arrastar platéias e sermos reconhecidos como verdadeiros atores, autores, diretores, iluminadores, sonoplastas... É tempo de avaliar o que deu errado e consertar. Não vale mais a pena apresentar por gostar, tem que mostrar a que veio. Apenas para informar, você sabia que a média de público de teatro cearense é de apenas trinta pessoas por espetáculos? Apenas trinta! Trinta pessoas vão ao teatro ver um trabalho que normalmente é construído há meses e que, muitas vezes, traz prejuízo. Temos que começar a analisar o que deu errado e resgatar o nosso público. Como? Fazendo um trabalho bem feito, com sangue, suor, lágrimas e muito estudo! Precisamos ter consciência. Está em nossas mãos. Nós! A nova geração teatral do nosso Estado, do nosso País e do Mundo...

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A figura do teatro

Certa vez, você passeava tranqüilamente pelas avenidas da vida. De repente, resolveu entrar num teatro. Ficou fascinado com sua beleza e arquitetura. O público, pouco a pouco, o lotou. Todos estavam ansiosos para ver a peça. Você também, mas não sabia quem a escrevera, qual era o seu conteúdo e nem quem eram os atores. Não imaginava que algo excepcional o aguardava. Você iria assistir à peça mais importante da sua vida. Seus olhos ficariam vidrados. Sua inteligência, perplexa. Nunca um teatro tinha escondido tantos segredos! De repente, as cortinas se abriram, seu coração palpitou. Os atores eram de primeiro time. A peça logo de início o cativou. O ator principal representava a biografia de um personagem magnífico. Era inteligentes, sutis, finos, corajosos. Você se encantou com o personagem e com o desempenho do ator principal. A peça continuou. O personagem tornou-se mais atraente. Mostrava gentileza com as crianças, amabilidade com os idosos e sensibilidade com os amigos. Contemplava flores, tinha tempo para pequenas coisas. Elogiava as pessoas, brincava com todos, sorria até das próprias tolices. O público delirava com o personagem, você suspirava, identifica-se com ele. Queria aplaudi-lo, mas se continha. Aos poucos, áreas mais profundas da biografia dele eram reveladas, perdoava as pessoas, as encorajava e lhes dava sempre novas oportunidades. Mas ainda. Era capaz de se colocar no lugar dos outros e perceber seus sentimentos e necessidades ocultos. Os amigos amavam estar na sua presença, os parentes gostavam de colocá-lo no centro das atenções. Ao mesmo tempo em que era afetivo e sensível, vivia a vida com aventura, era ousado, tinha grandes metas e grandes sonhos. Esse personagem era tudo que você sempre quis ser. Você se apaixonou por ele. Por isso, num golpe de coragem, ficou de pé e o aplaudiu calorosamente. Todos o acompanharam. O teatro vibrou. O ator principal ficou deslumbrado.

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De repente, uma surpresa. Enquanto os aplausos cessavam, duas pessoas entraram no palco interrompendo subitamente a peça. Desenrolaram uma faixa em frente aos atores. Você ficou pasmado!! A faixa revelava o nome do personagem cuja biografia estava sendo encenada. Talvez estivessem homenageando uma pessoa importante do passado, você refletiu. Mas se surpreendeu... Ao desenrolarem a faixa você quase desmaiou na cadeira. Na faixa constava seu nome! Assombrado, esfregou os olhos e beliscou os braços para verificar se não estava sonhando. Não é possível, você dizia. Nesse momento, o publico inteiro se levantou, o focalizou e o aplaudiu prolongadamente. No palco os atores também ovacionaram. Você não sabia o que fazer. Sua emoção estava arrebatada, não conseguia reagir a tanta alegria. Então descobriu que quando se apaixonara pelo personagem, você se apaixonara por si mesmo. Não sabia que tinha uma auto – estima tão borbulhante. Você chorou... Você não tinha consciência de que era uma pessoa tão atraente, animada, cativante, segura, singela, serena, dócil e interiormente bonita. Ao ver a peça, descobriu características belíssimas de sua personalidade. Você ficava tão bem no palco. Parecia um grande artista. Passado o êxtase, você ficou de pé, deu largos sorrisos para a platéia e distribuiu muitos acenos. De repente, outra grande surpresa. Ao percorrer a platéia com os olhos, descobre que ela é constituída por pessoas que passaram pela sua vida. Você não sabia se ria ou se chorava. Jamais pensou que viveria uma emoção tão grande. Lá estavam seus amigos de infância. Que saudades! Quantas brincadeiras. Como a vida era suave e bela. Você marcou a vida deles, por isso eles estavam lá o prestigiando e torcendo por você. Mas infelizmente você raramente os visitou ou deu um telefonema para eles. Na platéia também estavam os queridos professores. Alguns ensinaram você a pegar no lápis, outros a entender os números e ainda outros a não temer a vida. Seus colegas de trabalho mais íntimos também estavam lá. E você pensava que eles não se importavam com você. Por isso, não entrava no mundo deles e desconhecia suas dificuldades. Os amigos recentes também estavam presentes. Sentiam orgulho de você. Para eles, você reluzia no palco e de fato merecia ser aplaudido. Lá se

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Módulo I - Introdução à Arte Teatral: Teatro para quem nunca fez teatro

encontravam ainda todos os membros de sua família, dos mais íntimos aos mais distantes. Todos acreditavam em você, o amavam profundamente. Você nunca imaginou que era tão especial e querido. Sentiu-se a pessoa mais realizada e importante do mudo. Sentiu que era valorizado como ser humano, e não por seu dinheiro ou sucesso. Então, você abaixou a cabeça e agradeceu a todos. O palco era seu. O teatro se tornou sua casa. Neste momento, alguém lhe passou um microfone. Todos silenciaram. Esperavam suas palavras. Emocionado e sincero, você disse que não entendia o que estava acontecendo, tudo parecia um sonho maravilhoso. Agradeceu a homenagem e disse humildemente que não merecia tanto carinho. Mais aplausos, mais lágrimas. Você agradeceu aos atores. Fixou os olhos no ator principal, sentiu que tinha algo em comum com ele. Disse-lhe: “Muito obrigado, você é demais!” E falou para a platéia: “Construí amigos, enfrentei derrotas, venci obstáculos, bati na porta da vida e disse-lhe: não tenho medo de vivê-la!” As pessoas admiraram suas palavras. Você finalizou seu breve discurso com uma bela poesia: “Aprendi o caminho da singeleza, encontrei a morada da segurança, escalei os penhascos de coragem e procurei beber da fonte onde jorra a sensibilidade.”

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Módulo II Poéticas do palhaço: A Habilidade para inabilidade



Módulo II - Poéticas do palhaço: A habilidade para inabilidade

Onde há gente há palhaço

Palhaço Teotônio (Ricardo Puccetti), Grupo Lume, Campinas/SP Quando pensamos na palavra “palhaço”* imediatamente nos vem à cabeça um homem com sapatos grandes, roupas largas e coloridas, peruca e nariz vermelho. Contudo, a trajetória das civilizações evidencia que o palhaço é um tipo diverso dentro do conjunto das tipologias cômicas existentes nos tecidos social e histórico. Desde os tempos mais remotos da humanidade que essas tipologias cômicas nos acompanham. *A palavra “palhaço” vem do Italiano paglia, “palha” em Português. Em suas origens, a roupa da maioria dos palhaços era feita do mesmo tecido grosso e listrado que revestiam os colchões. A associação se deu pelo fato de a roupa dos primeiros palhaços ser forrada em algumas partes, para proteger o corpo nos tombos. Com isso, os palhaços ficavam parecendo verdadeiros colchões. Como, naquela época, o recheio dos colchões era feito de palha, quem “recheava” aquela roupa era chamado assim, de palhaço.

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Módulo II - Poéticas do palhaço: A habilidade para inabilidade

No Antigo Egito, havia a figura dos Dancas: espécie de palhaço “primitivo” que recrutado entre etnias pigmeus africanas tinha a função social de entreter o Faraó e a nobreza egípcia. Vestiam uma pele de leopardo e imitavam Bes, o deus anão protetor da família. Na China Antiga também existiam os bufões**, andarilhos que passeavam por feiras e áreas livres interagindo com as pessoas. Na corte, a aristocracia feudal chinesa se divertia com seus próprios bufões. Tal tipologia tinha a licença de aconselhar o imperador em suas decisões de chefe de estado. Da China para Grécia Antiga identificamos os “parasitas”. Vagantes que entravam em festas sem serem convidados, imitando as pessoas e despertando gargalhadas nos convidados. Tudo era feito em troca de comidas e bebidas. Além dos bufões sempre houve, e ainda há, no mundo todo, muitas outras tipologias cômicas ligadas aos mais diversos agrupamentos humanos.

** Em grande parte das culturas e sociedades há registro da existência de bufões. Ao contrário do palhaço, que evoca o riso quando está em cena, os bufões eram bufões o tempo todo, ou seja, eram bufões na vida, e não só na arte. Bêbados, mendigos, pessoas com deficiência mental, anões; esses eram os bufões, por serem julgados como “anormais” e fonte para riso, chacota e zombaria.

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Módulo II - Poéticas do palhaço: A habilidade para inabilidade

Palhaços são como pés de batatas

Encontro Internacional de Palhaços - Anjos do Picadeiro, Rio de Janeiro/RJ Rizoma é um tipo de caule subterrâneo característico de plantas como os pés de batatas, que se ramificam em qualquer ponto. Assim, nunca se sabe onde começam e terminam as “estruturas hierárquicas” da planta. Igual aos pés de batata, deparamos com múltiplas e rizomáticas manifestações de tipos cômicos: palhaço-clown, saltimbancos, charlatões, prestidigitadores, falastrões, ciganos, humoristas, stand up comedy, drag queen, hotxuá, heyoka etc. Portanto, como as pessoas são diferentes, os palhaços também existem das mais diferentes maneiras. Sim, existem palhaços de varias formas! O que os une? Algo que é muito presente em todos os palhaços: a forma de aceitar o fracasso e de sempre se encontrar no seu estado brincante. Os pa-

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Módulo II - Poéticas do palhaço: A habilidade para inabilidade

lhaços, ao longo da história da humanidade, vêm aparecendo e evoluindo de formas variadas e múltiplas. Os mais conhecidos entre a diversidade de tipologias cômicas são:

Bufão

Bufas Ventania (Simoni de Dordi) e Celói (Aline Marques), Porto Alegre/RS. Foto: Andréa Rêgo Barros/PCR É o ancestral do palhaço. Desde as origens da sociedade o identificamos em pessoas que, por conta de suas dificuldades psicológicas e físicas (anões, corcundas, pessoas com deficiência mental etc.), foram motivo de chacota e de piada. Por levarem uma vida “desgraçada” comparada às pessoas ditas “normais”, os bufões também chacoteavam todo e qualquer tipo de pessoa, desde a mais simples às mais nobres. Em decorrência de sua forma espontânea e grotesca de se expressar, muitos deles chegaram a conviver em palácios e serem pessoas destacadas, no período aristocrático. Será que os bufões existem atualmente? Obviamente que sim! Quem nunca encontrou pessoas que levam o tempo a fazer rir por conta das

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Módulo II - Poéticas do palhaço: A habilidade para inabilidade

verdades que dizem na nossa cara? Será que os bufões não nos fazem lembrar algo que é bem corriqueiro no meio artístico, por exemplo, um show de humor? Podemos, evidentemente, perceber que alguns humoristas têm características muito parecidas com as dos bufões. Muito deles fazem piadas sobre si mesmos, por conta da aparência que carregam. Ainda fazem piadas com vários tipos de pessoas; ricas, pobres, baixas, altas, gordas, magras etc. Os bufões existem e sempre existiram, pois este modo de levar a vida sem medir as palavras é praticamente da natureza humana.

Palhaço Branco

Footit e Chocolat, França, 1880 Tipo de palhaço pleno de características humanas. O branco é um tipo de palhaço que carrega particularidades muito fortes: autoritário, sempre certo das coisas, mesmo quando está errado, carrancudo, mal humorado, de tal forma que chega a ser engraçado. É também muito estrategista,

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Módulo II - Poéticas do palhaço: A habilidade para inabilidade

demonstra espírito de liderança, mas contém algo que é inerentemente ligado ao palhaço que é o erro, assim por diversas vezes fracassa. Sua forma autoritária, na grande maioria, é evidenciada no trabalho em dupla com o palhaço Augusto, sendo este a contraposição do outro.

Palhaço Augusto Tonto, atrapalhado, desengonçado, acha que está sempre bem aparentado, mas não está. Dança ridiculamente enquanto, em sua cabeça, imagina estar dançando um tango de modo perfeito, por exemplo. Por mais que tenha características abobalhadas, ele não é bobo, muito pelo contrario, é estrategista. Quando o Branco tenta enganá-lo, no final das contas ele quem acaba enganando-o. Figuras como Tom e Jerry, Dedé e Didi ou Gordo e Magro são exemplos de empréstimos da indústria cultural que ressaltam como o palhaço Branco e Augusto são figuras presentes e corriqueiras nos meios social e artístico.

Palhaços Rueiros

Palhaços Durval (João Victor) e Raimundo Novato (David Santos), As 10Graças, Fortaleza/CE.

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Palhaços que, geralmente, trabalham com números ou reprises circenses. Encontramos esses tipos de palhaços nas praças publicas, no sinal de trânsito, muitos trabalham números que prendem o espectador através do risco: malabares, quebrar coco, cuspir fogo, andar com perna de pau e outros. Trabalham com base em uma história e seguem certo roteiro, porém, muitas vezes, isso é rompido, assim o texto passa a ser o pré-texto. O palhaço tem que estar presente para que os artifícios instauradores do fenômeno “Palhacesco” possam acontecer.

Palhaço: Circo X Teatro Palhaço é palhaço, independente de onde vá surgir. Muitos querem diferenciar que palhaço é do circo e clown é do teatro, contudo uma máxima entre os palhaços é a de que “palhaço e clown é tudo tonto igual”. A palavra Clown nada mais é do que palhaço em inglês. O que vai diferenciar estas tipologias de palhaços? São as escolas e suas metodologias para a criação do eu-palhaço. Enquanto o palhaço em teatro passa por cursos e questões teóricas para entender e descobrir seu palhaço e, assim, experimentá-lo pragmaticamente, o palhaço no circo entra no universo do palhaço empiricamente. Muitos deles sobem nos picadeiros “desarmados”, para substituir o palhaço antigo que faleceu, por exemplo. Existem até casos em que o pipoqueiro do circo substituiu o palhaço antigo. Essa transferência de conhecimento no circo passa também por ensinamentos entre gerações, de pai pra filho. Os palhaços de circos utilizam pequenos números ou “gags”. Os números de palhaços são “dramaturgias abertas” que sempre estão ligadas à improvisação.

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Módulo II - Poéticas do palhaço: A habilidade para inabilidade

Eu-palhaço

Slava Polunin, Rússia. Quem somos? Por que agimos de forma tal e não de outra? Por que somos chatos, atrapalhados? Por que, às vezes, escondemos nossas falhas? O que tenho e ninguém mais têm? Várias perguntas surgem quando nos interrogamos quem somos. E agora você deve estar se perguntando: o que isso tem a ver com o palhaço? Tudo! Pois o desbravamento para a descoberta do Eu-Palhaço esta ligado à personalidade de cada um. O palhaço nada mais é do que a sua extensão, da forma mais visceral e clara, é um desvelar das máscaras que colocamos todos os dias para esconder nossas fraquezas, é praticamente um retorno a um estado de criança, sem medo de se expor. Quando ligamos as nossas práticas palhacescas com nossas personalidades e potencializamo-las, ligando ao cômico, risível – que são elementos que fazem parte do respirar do palhaço – criamos, assim, possibilidades múltiplas para o desenvolvimento e construção do eu-palhaço. Palhaço é um ator que representa um personagem? Por mais elásticos que sejam, atualmente, os conceitos de personagem e ator e, ainda, as contextualizações sobre a representação no desenvolvimento da linguagem

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Módulo II - Poéticas do palhaço: A habilidade para inabilidade

do teatral, o conceito do trabalho do ator ligado à personagem se diversifica na contemporaneidade. Conforme Pavis “O ator, desempenhando um papel ou encarnando uma personagem, situa-se no próprio cerne do acontecimento teatral”. Desse modo, podemos verificar que o ator e o palhaço têm seus distanciamentos, o palhaço não se prende a uma representação de algo e nem encarna outro ser. O palhaço nada mais é cada indivíduo em seu potencial de inabilidade cômica. Como cita Ricardo Puccetti “Quando se coloca uma lupa sobre você o palhaço aparece”. O encontro do meu EU-PALHAÇO fundamenta-se em muita dedicação, análise e prática para que possamos descobrir o palhaço e ele nos descobrir.

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Módulo II - Poéticas do palhaço: A habilidade para inabilidade

Encontrei meu eu-palhaço. Para onde vou com ele?

Titico (Neto Sier), Pepeca (Raíssa Menezes) e Fifis (Felício da Silva), Cia Teatral Acontece, Fortaleza/CE. A formação do palhaço é ininterrupta: quanto mais praticamos mais descobrimos coisas e quanto mais coisas descobrimos mais praticamos. Essas descobertas nada mais são do que fatos da vida, acontecimentos fora de ordem e que fogem da lógica, sendo a “não-lógica” a lógica do palhaço. Onde podemos encontrar um celeiro de possibilidades de criação através da participação e observação da “não-lógica”? Na rua! A rua é um grande parque de diversões do palhaço. Nela encontramos pessoas de diversas formas e manias, com riquezas múltiplas, que podem servir como repertório para o jogo do palhaço com o público. As práticas de corpo são outro combustível do palhaço. Um simples correr em uma pista já é um bom começo. Outra demanda é sempre exercitar o jogo do olhar com o público, pois o olhar do palhaço é a forma mais singela

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Módulo II - Poéticas do palhaço: A habilidade para inabilidade

e pura de se encontrar com o outro. Nessa prática de olhar é que verdadeiramente a alma de cada um se evidencia em seu estado “palhacesco”. Os grandes palhaços não precisam de grandes coisas ou habilidades, o olhar sincero já fala tudo.

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M贸dulo III Consci锚ncia Corporal



Módulo III - Consciência corporal

Corpo e consciência corporal

O corpo como centro da criação das poéticas de cena. Espetáculo Tempest : Without a Body do coreógrafo samoano Lemi Ponifasio. Consciência corporal é um termo auto-explicativo que significa tomar consciência do corpo, reconhecer e identificar os processos e movimentos corporais, internos e externos. Comunicamo-nos com o mundo externo através dos cinco sentidos (visão, audição, olfato, paladar e tato) recebendo estímulos e processando-os na mente. A comunicação com o mundo interno não é muito diferente, também recebemos estímulos que são feitos através das terminações nervosas presentes em músculos, articulações e órgãos. Assim, pequenos problemas podem ir se acumulando até nos sentirmos fadigados, sem energia para realizar mesmo as mais simples tarefas. Daí a importância de termos consciência corporal que pode trazer mais energia e saúde para nossas vidas, conseqüentemente, mais qualidade de vida.

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Módulo III - Consciência corporal

A partir do momento que existe corpo, este está sujeito a mudanças. Os corpos no espaço cênico retratam a magia do imprevisível de viver o novo. É a disponibilidade dos corpos para descobrir o outro e, ao mesmo tempo, descobrir-se no movimento. Cada corpo, ao teatrar, precisa saber de seu espaço e seu tempo, como também do espaço e tempo do outro. Os corpos mostram a necessidade de experimentar, improvisar e ousar. Nesse instante, temos uma fusão de mundos vividos. Cada um ocupa um espaço numa plasticidade peculiar e utiliza um tempo de acordo com a intencionalidade de seu gesto. As pessoas que trabalham com o teatro deparam-se, diariamente, com o trabalho da expressão da corporeidade, do ritmo, da consciência corporal, do preparo físico, da percepção de tempo e espaço, porque esses são elementos fundamentais para um bom desempenho. Portanto, nesse módulo iremos trabalhar algumas técnicas de consciência corporal nas quais preparará o corpo para as suas infinitas possibilidades dentro do teatro. Aspectos dos movimentos Os movimentos que o corpo executa têm objetivos bem definidos. Se tomarmos consciência e nos concentrarmos nestes movimentos, eles se tornam mais corretos, ou seja, é como se nós fizéssemos o corpo chegar mais rápido aos seus objetivos sem desperdiçar energia. • Peso firme: ação rigorosa. • Suave: sensação de leveza ou ausência de peso. • Fluência livre: ação contínua, que não se interrompe facilmente como saltos, giros e rolamentos. • Controlada: que permite que o movimento seja interrompido ou contido. • Com tempo súbito: com duração menor e velocidade maior. • Sustentado: com duração maior e velocidade menor.

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Módulo III - Consciência corporal

Ocupação do espaço

O corpo ativado instaura o espaço de cena. Liz Roche Company, Irlanda. Qualquer espaço, desde que autorizado e seguro, pode transformar-se em palco, ou seja, o espaço cênico visível ao público, a área de cena utilizada para a apresentação artística. Devemos desconstruir a idéia de que somente o palco é local cênico. Praça, calçadas, escadas, janelas também podem se tornar local cênico.

Fatores integrantes do espaço Níveis: alto, médio e baixo. A mudança dos níveis podem ser baseadas no movimento do corpo ou de parte dele. Direções: caminho traçado pelo executante. Pode ser para frente para trás, para as laterais direita e esquerda e para as quatro diagonais. A movimentação também pode ser aleatória, porém definida.

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Módulo III - Consciência corporal

Recursos coreográficos São seqüências de movimentos iguais ou distintos que permitem a ampliação do repertório gestual do executante, nas diversas combinações possíveis dos fatores integrantes do espaço. São eles: Uníssono: todos os integrantes fazem o mesmo movimento, no mesmo tempo. Pode ser feito com os executantes colocados em diversas direções. Contraste simultâneo: são movimentos, ou seqüência de movimentos diferentes, realizados ao mesmo tempo ou um após o outro. Cânon: é seqüencial, tendo o efeito de onda. Imagine uma torcida no estádio fazendo a “ola”. Esta é a idéia que nos leva a compreender melhor esse recurso. Antífona / Responsorial: traz a idéia de pergunta-resposta. A diferença é que na antífona um indivíduo realiza uma seqüência de movimentos, sendo respondido por um grupo de indivíduos que realiza a mesma seqüência. Rondo: para entender melhor este recurso pense em oito movimentos seqüenciais sendo executados por oito pessoas. Só que a primeira pessoa executará a partir do primeiro movimento, a segunda pessoa fará a partir do segundo movimento e assim sucessivamente. É um recurso que requer muita atenção, mas que surte um efeito impressionante quando bem executado.

Figuras coreográficas É a disposição geométrica ou aleatória em que os participantes posicionam-se no palco. A partir do momento que pudermos desenhar uma figura que tenha um traçado lógico no chão, podemos caracterizar uma figura coreográfica. Para compreender melhor basta imaginarmos o espaço sendo visto de cima para baixo.

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Módulo III - Consciência corporal

Ritmo Observar as várias possibilidades que a música oferece aumenta imensamente o repertório. Por exemplo, pode-se interpretar exatamente o que a letra da música diz. Se um trecho da música cita o rufar de tambores, não há qualquer problema em realizar um gesto técnico que lembre isto. O problema é quando toda a coreografia é montada a partir desta idéia, diminuindo outras criações pelo grupo. O importante é saber dosar. Procure identificar pontos fortes da música, algum clímax. A inclusão de momentos estáticos em pausas da música pode compor parte da coreografia se a música permitir. Atentar para os elementos presentes no ritmo e na música pode ser um exercício complicado, no início, mas valoriza o processo criativo da turma, dando subsídios para enriquecer a apresentação do tema eleito pelo grupo.

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Módulo III - Consciência corporal

Corpo Feliz É importante, principalmente, que você esteja feliz com seu corpo, pois a experiência do corpo é um fenômeno complexo, e o corpo não pode ser reduzido a perspectiva de mero objeto regido pelas leis de mecânica clássica, exatas e invariáveis, pois ele revela um modo de existência profundamente significativo – quer se trate do corpo do outro como seu próprio corpo –, e não temos outro meio de conhecer o corpo humano, senão vivê-lo. O corpo assim compreendido revelará o sujeito que percebe, assim como o mundo percebido. Lara e Oliveira, 1996, dizem que “é preciso que a educação como um todo entenda e necessidade de “ser corpo” e não apenas um instrumento a ser manipulado, pensado e direcionado por outros cérebros”. Eles ainda afirmam que “não existe corpos melhores ou piores, mas sim corpos que se expressam de diferentes formas, conforme a história de cada povo e cada região”. Diante dessas definições, é necessário que tomemos consciência da nossa corporeidade, para que através dela, possamos expressar as características do teatro. Criemos então, uma historia de vida onde é permeada pela busca de uma expressividade pessoal, livre de condicionamentos dos estilos que nos é imposto.

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Módulo III - Consciência corporal

Alongamento

O corpo do ator é seu instrumento de trabalho e com tal precisa-se de cuidados e atenção Alongamentos são exercícios voltados para o aumento da flexibilidade muscular, que promovem o estiramento das fibras musculares, fazendo com que elas aumentem o seu comprimento. O principal efeito dos alongamentos é o aumento da flexibilidade, que é a maior amplitude de movimento possível de uma determinada articulação. Quanto mais alongado um músculo, maior será a movimentação da articulação comandada por aquele músculo e, portanto, maior sua flexibilidade. O alongamento é uma prática fundamental para o bom funcionamento do corpo, proporcionando maior agilidade e elasticidade, além de prevenir lesões. Os alongamentos conseguem esse resultado por aumentarem a temperatura da musculatura e por produzirem pequenas distensões na camada de tecido conjuntivo que revestem os músculos. Por que o alongamento é importante para o teatro? Com a prática regular de alongamentos os músculos passam a suportar melhor as tensões diárias e dos exercícios teatrais, prevenindo o desenvolvimen-

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Módulo III - Consciência corporal

to de lesões musculares e ajudando no sustento de uma partitura corporal.

Benefícios • • • • • • •

Reduz as tensões musculares e induz o corpo ao relaxamento. Previne lesões (distensões musculares, entorses); Melhora a postura e o esquema corporal; Ativa a circulação; Reduz a ansiedade, estresse e a fadiga; Melhora a atenção; Previne dores.

Atenção Prestar atenção ao funcionamento e ao comportamento do próprio corpo é a idéia básica da consciência corporal. É uma espécie de autoconhecimento, ou seja, entender o que o corpo é capaz de fazer, bem como suas limitações. Conhecer e respeitar os limites de seu corpo pode, não apenas evitar doenças, como também mostrar que talvez a modalidade de exercícios físicos escolhida por você, não seja a melhor opção para o seu organismo.

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Módulo III - Consciência corporal

Ao nos concentrarmos exclusivamente no corpo e em seus processos, somos capazes de perceber as conexões entre mente e físico. Portanto, ter consciência corporal pode ser uma arma poderosa para deixar vir à tona inimigos como tensões, preocupações e estresse, que estejam causando silenciosamente, mal a nosso corpo e assim, tomar medidas de relaxamento para evitar doenças, além de ser um ferramenta importantíssima para o trabalho com teatro. Então, tomemos consciência de nosso corpo.

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Módulo III - Consciência corporal

Sistema Sensorial

A pele é o maior órgão do corpo humano e extremante sensorial Num sistema sensorial, um receptor sensorial é a estrutura que reconhece um estímulo no ambiente interno ou externo de um organismo. Os receptores sensoriais localizam-se nos órgãos dos sentidos e são terminais nervosos com a capacidade de receber um determinado estímulo e transformá-lo em impulso nervoso. Esses receptores são classificados de acordo com a natureza do estímulo para os quais são sensíveis: • Quimioceptores, sensíveis à presença ou concentração de determinadas substâncias, como os responsáveis pelopaladar e olfato, • Fotoceptores, sensíveis à luz, como os cones e bastonetes dos olhos, • Termoceptores, sensíveis às mudanças da temperatura, • Mecanoceptores, responsáveis pelas sensações tácteis e auditivas.

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Módulo III - Consciência corporal

Numa classificação mais geral, podem considerar-se três tipos principais de receptores sensoriais: • Exteroceptores, que recebem estímulos do exterior do animal, • Visceroceptores, que recebem estímulos dos órgãos internos, e • Proprioceptores, localizados principalmente nas articulações, músculos e tendões, dão ao sistema nervoso centralinformações sobre a posição do corpo ou sobre a força que é necessário aplicar.

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M贸dulo IV Jogos interpretativos



Módulo IV - Jogos interpretativos

Jogos interpretativos

Conceituar a “ciência” Teatro é um tanto complicado, principalmente, se o que se quer conceituar não é palpável, portanto tentarei identificar e referenciar situações, fatos e argumentos que lhe deem sustento contextual para que assim você o conceitue por meio de sua própria análise.

O que é teatro? Independente da sua resposta saiba que todos nós temos algo a dizer sobre algo, mesmo que inicialmente haja o bloqueio normal imposto por nossa mediocridade mental herdada de nosso convívio social, onde por causa deste, temos a errada certeza de que sempre o que falarmos será errado; assim, tente mais uma vez conceituar: O que é Teatro? Tudo bem, se para você teatro é isso... Quem eu sou para criticar? Pois teatro é arte, é vida, é amor, é a manifestação social, é o cotidiano, o indesejável, a liberdade, o puro, a própria arte, é ferida que arde na mente de quem assiste, é o ator interpretando um ser que se manifesta através de experimentos tirados da vivência individual dele e até mesmo, pode-se dizer, é a arte de representar... Assim vê-se que felizmente o Teatro é uma das poucas manifestações artísticas em que a pessoa pode, não só participar, mas também integrarse perfeitamente sem que para tanto precise de anos de aprendizado, pois é uma arte “intimizada”, na qual seus sentimentos e sensações agem diretamente na vivência da personagem; embora, a experiência seja fator primordial, insubstituível e insuperável para o completo desempenho da “espiritualização” da personagem e, porque não dizer, da eterna plenitu-

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Módulo IV - Jogos interpretativos

de da conquista da cumplicidade com a plateia. Precisamos saber que não podemos falar de Teatro somente no contexto praticado no ato da encenação (ato de interpretar), é importante saber que Teatro (em termos formais) também se refere à estrutura cênica como um todo, assim, podemos dizer que o termo Teatro também é usado para denominar a estrutura propriamente dita, pois se sabe que a palavra Teatro significa Miradouro, “local onde se vê”, no entanto tal conceito não é por si completo, pois assim como na vida tudo tem sua estória o Teatro estrutura, bem como a arte propriamente dita, também a tem, tendo assim que ambos serem referenciados e estudados, portanto estudemos inicialmente a estória e evolução estrutural dessa arte...

Qualificativos Quando falamos em Qualificativos, pensamos em qualquer coisa menos em abstrairmos uma adjetivação, assim, para melhor entendermos cabe lembrar que precisamos tratar qualificativos como um adjetivo que se dá a uma maneira de se fazer alguma coisa, como, por exemplo, as diferentes maneiras de se apresentar o fazer teatral; assim qualificativo, como vimos anteriormente, trata-se de características que se associam a essas maneiras; contudo precisamos lembrar que qualificativo não é um método interpretativo, pois método é a maneira formal, a definição de passos, ou conceitos logicamente encadeados que visam atingir alguma coisa. Os métodos interpretativos serão vistos mais detalhadamente em capítulos posteriores. Comecemos a falar de qualificativos pelo início, ou seja, do porquê de terem surgido diferentes qualificativos; já que sabemos seu conceito mais geral. Pois bem, podemos dizer que os diferentes qualificativos teatrais nasceram da necessidade do homem de especificar as coisas, pois com a evolução da ciência e, porque não dizer, da humanidade, o homem não se contentava mais com o abstrato, ou seja, arte por arte era muito vago, precisava-se tipificá-la, detalhar mais sua estética, qualificar para que se pudesse chegar ao completo entendimento. Assim com o decorrer do tempo essas classificações, decorrentes de especificações de conceitos gerais, foram surgindo quase que naturalmente,

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Módulo IV - Jogos interpretativos

pegando-se, a princípio, a obviedade da própria manifestação, nem que mais tarde viessem a rever tais conceitos. Foi assim com muitos desses qualificativos, como, por exemplo, o social, o político, o boulevard, o happening, enfim. Mais tarde, estudos mais apurados qualificaram, segundo a estética, como no caso do expressionismo, do absurdo, do realismo, do naturalismo, dentre outros; até que a abstração de tais conceitos deteve-se à forma, ao como fazer, surgindo, assim, o teatro do pobre, o do oprimido, o radical, o da crueldade e muitos outros. Vejamos, então, em que se fundamentam, como se conceituam, quais os principais nomes e algumas curiosidades de alguns desses qualificativos teatrais.

O teatro boulevard

Georges Feydeau A principal característica desse qualificativo é a predominância de seu principal objetivo, o de divertir. Isso mesmo, o boulevard não tem pretensões

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Módulo IV - Jogos interpretativos

maiores quanto ao conteúdo, trata-se da comédia referenciada, muitas vezes, como “digestiva”, pois não precisa se pensar muito para se chegar ao entendimento, pois tudo já vem digerido, tudo já vem entregue na própria cena. Por vezes chega-se a dizer que se trata de uma de forma de fazer teatro puramente comercial, pois apesar de ser um tanto difícil fazer rir, o riso é extremamente bem vindo, sendo assim um produto muito vendável, principalmente por se tratar de temas um tanto corriqueiros como o triângulo amoroso, traições, e muitos outros que acabam por conquistar o público pela própria identificação desse com o que se mostra em cena. Tal manifestação tem como principais representantes os autores Feydeau e Labiche. Contudo, não devemos esquecer do superobjetivo teatral, que será abordado a seguir, a transformação; ou seja, da utilização consciente do teatro como agente de transformação, sem, é claro, desprezar tal qualificativo, que tem sua importância estampada no sucesso do próprio gênero ao longo de nossa história.

O teatro social

Eugene Ionesco

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Módulo IV - Jogos interpretativos

Ao contrário do boulevard, esse qualificativo visa prioritariamente despertar a atenção do público para sua própria existência social, ou seja, não consiste em passar a esse o que ele deva fazer, mas, sim, mostrar a realidade dos fatos sociais para que, por meio da exposição dos fatos, o público desperte a atenção para sua própria realidade e, com isso, por meio de sua análise pessoal, buscar uma solução, um entendimento, algo que transforme essa sociedade em que ele está inserido e que, muitas vezes, não enxerga o que há ao seu redor pelo simples fato de se ver cego pela superexposição do problema, que cria ao seu redor uma “névoa” que impede a sensibilização. Vejamos na frase a seguir a consequência da prática desse qualificativo, que vem estampada como o marco do resgate da real função teatral, do superobjetivo citado anteriormente: Quando se diz que o teatro deve ser unicamente social, não se trata, em realidade, de um teatro político e, por certo, em tal direção ou tal outra. Ser social é uma coisa; ser ‘socialista’ ou ‘marxista’ ou ‘fascista’ é outra coisa – é a expressão de uma tomada de consciência insuficiente. (Ionesco) Ionesco foi um dos articuladores desse fazer teatral (não em termos de linguagem), pois queria por si modificar ao menos uma realidade, nem que fosse ao menos a sua própria. Vê-se, portanto, a manifestação crítica, contundente de uma realidade exposta artisticamente; ridicularizada, muitas vezes, não pelo riso, mas sim por seu próprio contexto que a envolvia, que chegava a ser cômico de tão trágico.

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Módulo IV - Jogos interpretativos

O teatro político

Bertholt Brecht Outra forma de manifestação crítica de um contexto não muito distante do social é o teatro político, que visa dentre outras coisas a mesma crítica do social, contudo voltada ao lado “sujo”, mostrada pelo prisma de quem faz ou permite as mazelas sociais. Tal manifestação pretende acima de tudo impactar pelo “apelo” de seu conteúdo a uma sociedade que muitas vezes se vê inútil diante de tanta mesquinhez, de tanta falcatrua; ou seja, vêm para fazer arder as feridas políticas que ardem no social, mostrando a realidade dura, mas, acima de tudo apelativa, pois seu próprio mostrar clama por mudança. Historicamente, o encenador alemão Erwin Piscator, foi o criador dessa arte que era baseada em trabalhos de teóricos soviéticos; a autoria foilhe atribuída após a publicação de seu livro Teatro Político, que tratava apenas de relatos de sua vivência na década de vinte. Segundo Erwin, o teatro deveria ser um veículo para lutas de classes, no entanto outro nome forte e bastante atual é o de Bertholt Brecht, que

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ficou conhecido por fazer do palco um perfeito veículo de conscientização política.

O teatro da crueldade

Antonin Artaud O termo teatro da crueldade é um tanto forte quando não o conhecemos, pensamos inicialmente tratar-se de forma bastante cruel de fazer teatro, algo que se assemelhe a uma tortura cênica ao próprio público, no entanto ao desbravarmos seu universo verificamos que o nome trata de uma abstração do teatro como agente transformador. O nome crueldade revela-se como metáfora de um objetivo nobre, o de transformar. Antonin Artaud, seu criador, costumava falar que o teatro deve ser encarado como uma peste, um câncer, que ao ser exposto é transmitido e o público, ao ser contaminado, inconscientemente deixa envolver-se por este mal que o domina com o tempo, fazendo com que a transmissão seja irremediavelmente realizada, assim sem perceber a transformação ocorre ao menos pela crueldade da morte do contami-

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nado. Parece um modo um tanto excêntrico de definição, mas em toda loucura temos uma lógica; a de Artaud estava na transformação inerente à exposição, pois, segundo ele, se o público fosse sensibilizado sob todos os aspectos, em especial o sensorial, este fatalmente transformar-se-ia. Vemos, contudo que tal qualificativo visa o contato sensorial do público com o espetáculo, não que este contato seja realizado na prática, mas, sobretudo vivenciado sem fulga, pois se a pele, o tato, a visão, a audição, enfim, os sentidos percebem, o homem também sente, pois compartilhou o momento; podemos dizer que se trata de um teatro orgânico. Ao contrário do político que “apela” ao contexto, o da crueldade “apela” ao organismo vivo desse público, com tudo que se puder utilizar para impactar e, é claro, contaminar esse público.

O teatro expressionista

Strinberg Talvez o mais simbolista dos qualificativos, o expressionista herdou da arte expressionista o sentido máximo de abstração, pois se baseia, principalmente, na ausência de elementos e na figuração, mesmo que às vezes inexistentes, de símbolos que os represente.

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No entanto é importante dizer que a simples ausência e a sua consequente referência não diz da realização expressionista, pois seu conceito vai além, procura criar uma abstração criativa em cena, na qual vários elementos, por mais diferentes que sejam, possuem a mesma simbologia, ou ao contrário, a semelhança faz a diferença; nada está à toa, tudo tem sua razão de ser. Como principal nome nós temos o de Strinberg, embora muitos outros tenham contribuído para seu contínuo desenvolvimento. No entanto o expressionismo difere do simbolismo, pois transforma o contexto e seus elementos em unidades simbólicas com significação e não apenas se conforma em simbolizar elementos como simples representação.

O teatro do absurdo Essa prática teatral procura, principalmente, externalizar o interior de cada personagem, mostrar conflitos interiores muitas vezes antagônicos ou despretensiosos, costuma-se dizer que não há lógica em suas linguagem, no entanto, ela está à mostra em toda concepção desse fazer teatral, que recebe por essa causa o nome absurdo de teatro do absurdo. Precisamos entender, antes de tudo, que essa modalidade teatral, assim como o expressionismo, foi um contraponto com a tendência realista da época. Assim se entende porque seus precursores defendiam arduamente uma linguagem e uma estética extremamente não cotidiana, que mostrasse algo mais do que estava sendo visto, ou seja, mostrasse de fora o conteúdo muitas vezes inexistente nos espetáculos realistas. Um de seus precursores foi Eugene Ionesco, conhecido por sua teoria insólita do Antiteatro, segundo ele em uma de suas peças foi em busca do sentimento mais fútil e profundo de uma de suas personagens que acabou por encontrar tal estética; contudo, não podemos esquecer o gênio François Rabelais, que, em termos gerais, acabou por formalizar a estética do absurdo.

O teatro naturalista A exemplo do realista, o naturalista também se fundamenta na realidade, no entanto, difere principalmente no como essa realidade é trans-

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mitida, pois busca reproduzi-la principalmente pela estética, ou seja, pelo aparente visto. Por mais que não haja coloquialidade, ou o cotidiano sendo encenado, tem de haver coerência entre o que é apresentado e o que se usa para tal apresentação, pois se deve ater aos detalhes estéticos do espetáculo, para que não haja contradições. O principal nome do teatro naturalista foi Emile Zola. Note que há extrema semelhança entre o realista e o próprio naturalista, tanto da fonte de sua fundamentação, quanto da miscelânea do conteúdo; pois ambos se baseiam na realidade e, como falamos, todo qualificativo apesar de predominante tem alguns traços dos demais, pois se trata da especificação de uma generalização única, a da própria arte.

O teatro realista

Henrik Ibsen

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O teatro realista como o próprio nome sugere, rebate o romantismo, a saga do herói, o teocentrismo herança barroca, pois visa, antes de qualquer coisa, a trazer a realidade aos palcos, tocando o público, em seu cotidiano, através de seu próprio coloquialismo. Podemos dizer que o realismo transporta a realidade para arte por meio de sua forma, ou seja, reproduz a realidade por meio do conteúdo apresentado, no entanto, deve-se dizer que não é a vida por ela mesma, pois se assim fosse não haveria o essencial mágico, o fator primordial para a transposição da própria realidade, ou porque não dizer para a manifestação artística; o realismo concretizado busca, dentre outras coisas, a criticidade da própria realidade. Para o realismo o mais importante está nos detalhes, na concepção do homem como ser comum, como parte da própria natureza. Henrik Ibsen é considerado o fundamentador de tal qualificativo, seguido do grande Nicolai Gogol e Machado de Assis, representante maior do realismo no Brasil. “O teatro é para o povo o que o coro era para o povo do antigo teatro grego, uma iniciativa de moral e civilização” (Machado de Assis).

O teatro happening Esse qualificativo trata de um extremo teatral, pois visa, prioritariamente, mostrar os fatos como eles realmente são em sua totalidade, ou seja, é a tentativa de fazer um teatro total, onde todos os elementos da cena estejam presentes para que assim a manifestação teatral seja realizada em sua plenitude. Happening nada mais é que o teatro dos acontecimentos, não dos fatos. Parece besteira essa afirmação, mas é extremamente pertinente, pois fatos são realizações que têm sua complexidade em si, no entanto todo fato está inserido em algum acontecimento, que visto dessa forma torna-se maior e mais completo, pois engloba todos os elementos possíveis para sua realização. Assim esse qualificativo visa a trazer para o palco todos os acontecimentos de cada cena, pois os conflitos destas são os fatos, mas tais fatos inserem-se em algo muito maior que não se restringe apenas ao espetáculo e sim aos acontecimentos de cada cena propriamente dita.

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Como principal representante temos Jean-Jacques Lebel que dizia existir outros parâmetros para se chegar à mágica da realização teatral, um deles é a experiência “alucinatória”, capaz de romper as barreiras da realidade vivida, referindo--se ao fato de que, para o público transcender sua realidade, era preciso ser inserido em outra, com toda a sua complexidade.

O teatro pobre

Jerzy Grotovski Como foi citado ao falarmos do happening, este é um extremo teatral; agora acabamos de entrar em outro, o teatro pobre. Esse qualificativo pode ser encarado como extremo, se compararmos com o anteriormente citado, pois se o happening visa à representação em toda sua complexidade, o pobre visa, por consequência do nome recebido, a toda a sua simplicidade. O nome pobre, na maioria das vezes, passa uma ideia deturpada desse modo de fazer teatro, passa certa desvalorização, descaso, que não lhe cabe sob nenhum parâmetro; ao contrário, a simplicidade desse fazer é, na maioria das vezes, sublime por si.

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O teatro pobre, criado e defendido arduamente por Jerzy Grotovski, nada mais é que a defesa da desnecessária utilização de tudo que não é específico para a manifestação teatral, ou seja, tudo que não pertencer à tríade essencial (ator, personagem e plateia) é fatalmente desnecessário; no entanto devemos deixar claro que ele não vem ignorar todos os outros elementos participantes dessa arte, nem poderia, apenas diz que para a realização do fenômeno teatral, basta a simplicidade da especificidade dessa manifestação artística. Costuma-se dizer que o teatro pobre é o ator pelo ator, prefiro dizer que tal afirmativa está perfeita, no entanto deveria ser corrigida no fim, ou seja, o teatro pobre é o ator pelo público.

O teatro do oprimido

Augusto Boal Por que o termo oprimido? Esta é a pergunta principal sob a qual nos deparamos constantemente, apesar de parecer óbvia sua utilização. Vamos analisar para chegar a sua resposta; comecemos pela própria significação do vocábulo: aflito, comprimido, tiranizado.

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Quem está sob o julgo de tal vocábulo hoje em nossa sociedade tão desigual e injusta? O povo; assim afirmar que o teatro do oprimido é o teatro do povo não é errado, no entanto, devemos entender como se dá tal processo. O teatro do oprimido, ou teatro do povo, como queiram, baseia-se em fazer com que esse oprimido, pelo menos em algum momento, saia de sua situação inerte e reflita ativamente sob sua real condição, ou seja, trata-se de fazer com que o público reflita sobre dada situação, sendo que tal reflexão é “inconsciente”, ou seja, ele reflete conscientemente sob sua realidade, mas sem a consciência de vivenciar uma manifestação teatral. Portanto a base do teatro do oprimido é, em primeiro lugar, ir onde o povo está, depois fazer com que esse povo reflita ativamente sobre sua realidade, por meio da manifestação teatral, sem estar consciente de tal manifestação. No entanto, cabe dizer que, ao fim, torna-se necessário deixar claro a todos que se trata de uma representação, caso contrário, não há teatro, pois a totalidade da não consciência não gera a arte teatral. O principal representante desse fazer teatral é Augusto Boal; seus fundamentos serviram de fonte inspiradora para alguns desenvolvedores e estudiosos teatrais, como Ricardo Guilherme, ícone do Teatro Radical Brasileiro, o qual trataremos a seguir.

O teatro radical

Ricardo Guilherme

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Muitos pensam que o termo radical está intimamente ligado à adrenalina, ou que essa modalidade teatral referencia um teatro acrobático, ou ainda fora dos padrões; no entanto, o termo radical é utilizado para remeter sua prática à raiz, isso mesmo, o teatro radical é um qualificativo teatral que visa, em termos gerais, a expressar o movimento por meio de sua essencialidade, ou seja, analisa-se o contexto da personagem, obtém sua essência e converte--se essa essência em verbo, em ação; a partir daí essa ação passa a ser a representação essencial da movimentação dessa personagem. Contudo é importante dizer que o radical não visa simplesmente a podar movimentação, mas sim essencializá-la, buscar na raiz um movimento representativo maior, o que mais traduza o que se precisa dizer ou mostrar. Como já foi dito, o principal representante dessa forma de fazer teatro é Ricardo Guilherme, que buscou, dentre outros qualificativos, como por exemplo, o teatro do oprimido, a essência de sua construção.

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Princípios de interpretação

Talvez não haja assunto tão difícil de abordar quanto este, pois, para tal, devemos inteira oblação pelo nível de aprofundamento e abstração que devemos ter para falar, entender e realizar o ato de interpretar a personagem... Não basta ser bom, é preciso sempre ser melhor para alcançar a plenitude.

Métodos interpretativos Antes de falar de métodos interpretativos, precisamos primeiro entender o que é um método e o que viria a ser interpretação; pois bem, método é a sequência de passos formalizados que leva quem os seguir a determinada conquista; por exemplo, o método de se fazer um bolo é a receita, a realização progressiva de seus passos leva a sua concretização, do mesmo modo o método interpretativo. Entretanto, temos de entender aonde chegaremos ao seguir um método de interpretação; fatalmente pelo entendimento nominal costuma-se imaginar que esses métodos (passos), após a realização de suas etapas nos levam à interpretação, só que, após analisarmos com cuidado, acabamos por nos decepcionarmos, pois tais métodos não existem para ensinar a interpretar, mesmo porque é um tipo de arte que preza pela essencialização de si, ou melhor, se já não estou predisposto a interpretar, o máximo que conseguirei é a simulação de tal realização, ainda que esta possa ser realizada tão bem que o ator nato, por vezes, seja confundido com um outro previamente “ensinado” para aquilo. O que seria então a interpretação? Quando estamos na aula de língua portuguesa, a professora geralmente nos pede para lermos o texto da aula do dia e, em seguida, resolver uma porção de questões sobre aquele texto:

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Quem era o personagem principal? O que ele fez para alcançar seu objetivo? Qual a relação dele com sua mãe? Enfim, vários questionamentos a fim de se entender melhor o texto, de interpretá-lo. Temos então, um possível conceito para interpretação. Segundo Burnier, fundador do LUME Teatro, grupo teatral de Campinas (SP), o ator quando interpreta um texto dramático ou literário, faz uma tradução da linguagem literária para a linguagem cênica, “ele é um intermediário (...) ele está entre a personagem e o espectador, entre algo, que é a ficção, e alguém real e material” (BURNIER, Luís Otávio. A arte do ator: da técnica a representação. Campinas: Editora da UNICAMP, 2001). Esse conceito de interpretação também sustenta a identificação em termos psíquicos do ator com a personagem. O texto propõe a personagem que é interpretada pelo ator, porém, no ato cênico, a personagem está por vir, ou seja, o ator emite sinais, realiza marcas, dita um texto e cabe ao espectador interpretar essas ações. Logo, a personagem foi um fruto da relação ator - espectador. Assim, podemos chegar a uma conclusão, não é o ator o intérprete do ato, mas o espectador. Cabe ao ator representar, isto é, estar no lugar de algo ou alguém, cabe ao ator encontrar um equivalente. Quando existe uma reunião e o meu chefe não pode ir, outra pessoa vai representá-lo, vai no lugar dele, ele mandou um equivalente. “Assim, quando um ator interpreta a personagem, ele está realizando a tradução de uma linguagem literária para a cênica; quando ele representa, ele está encontrando um equivalente”. (BURNIER, Luís Otávio. A arte do ator: da técnica a representação. Campinas: Editora da UNICAMP, 2001). Assim, para que servem então esses tais métodos de interpretação? Estes servem principalmente para que o ator ao segui-los consiga alcançar a verdade de sua interpretação, ou seja, a interpretação fundamentada. A arte de interpretar é tão variada que atores destreinados conseguem interpretar algo sem nunca terem se fundamentado para isso; no entanto, a fundamentação torna-se essencial, pois não se alcança a plenitude dessa verdade sem essência, é aí onde entram tais métodos, para ajudar o ator a viver o personagem com tal essência que fatalmente chegará à transmissão plena de sua verdade.

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É importante lembrar que método é diferente de qualificativo teatral, pois o primeiro trata de caminhos para a verdade da interpretação e os outros são adjetivações que caracterizam o fazer teatral; outro fato de relevante observação é que não podemos dizer que o paradoxo de Diderot e o teatro da crueldade de Artaud são métodos, pois não traçam um caminho a respeito da interpretação, no entanto o paradoxo é a exaltação da arte de dominar sentimentos e a crueldade se encaixa como qualificativo teatral, maneira pela qual se expressa esse fazer; sendo assim vejamos.

Método de Stanislavski Konstantin Stanislavski nasceu na Rússia, viveu de 1865 a 1938, em sua trajetória tem por principal feito a fundação do Teatro de Arte de Moscou. O método de Stanislavski é também conhecido como método da memória emotiva. Sua principal fundamentação é mostrar no palco não uma simples representação, mas a vida vivida, ou seja, em termos gerais, não podíamos ter a consciência de que ali se estava interpretando algo, mas sim que ali estávamos vendo algo com vontades, carências, verdades próprias. Muitos confundem esse método como sendo simplesmente resgatar um sentimento dado em sua memória, na memória das emoções e reproduzi -lo no palco, fato que se opõe veementemente à verdade. Esse método consiste no seguinte: o ator, ao deparar-se com um dado sentimento, resgatá-lo em sua memória das emoções vividas, após o resgate, não se trata de representá-lo, é necessário revivê-lo, isso mesmo, buscase o sentimento e sente-o novamente com a mesma intensidade de quando foi sentido pela primeira vez, sendo que, obviamente, dentro do contexto da personagem a ser interpretada. A principal característica desse método é o fato de se ter constantemente a busca pelo inconsciente do ator e do consciente da personagem, ou seja, é preciso o ator abstrair-se de tal modo de sua realidade que seus atos não sejam regrados por sua consciência, deixando, dessa forma, o caminho, ou melhor, o corpo, livre para a plena dominação da personagem. Como tudo na vida, há uma forte corrente opositora ao método, pois se costuma dizer que quanto mais distante da realidade o ator estiver,

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mais dificilmente conseguirá dominar suas emoções, mesmo porque toda interpretação é realizada no limite do consciente e do inconsciente e deste último, não temos total domínio. Houve uma época em que se costumava chamar os atores que se detinham a tal método de resmungadores, pois se deixavam dominar, de tal forma, pelas emoções que acabavam perdendo a noção de impostação de voz, inflexão, dentre outras, que torna viável o entendimento da plateia, no entanto, se percebermos certamente teremos de concordar, a verdade da personagem certamente é inevitável, mesmo porque Stanislavski chegou a um nível de detalhamento que dividiu seu método em 45 passos, os quais não trataremos nesse livro. “Deve-se criar vida, sentimento verdadeiro, com a ajuda da técnica, a qual, através da consciência, desperta o subconsciente. Pois o objetivo final da interpretação é a criação, no palco, da vida de nossa alma.” (Stanislávski)

Método de Brecht Bertold Brecht nasceu na Alemanha, viveu de 1898 a 1956, sua principal realização foi a fundação do Berliner Ensemble, sua principal herança deixada à arte foi seu método além da fundamentação do teatro épico. O método de Brecht também é conhecido como método do distanciamento ou efeito-V, como o próprio nome diz, consiste num dado distanciamento entre ator e personagem. O objetivo desta técnica era conferir ao espectador uma atitude analítica e crítica perante o desenrolar dos acontecimentos. É necessário para se produzir o efeito de distanciamento que, em tudo o que o ator mostre ao público, seja nítido o gesto de mostrar. A particular elegância, a força e a graça do gesto provocam efeito de distanciamento. Em cena o ator jamais se metamorfoseia integralmente na personagem representada. Não oculta o que ensaiou; sublinha claramente que o depoimento, a opinião ou a versão do passado que está nos dando são seus, ou seja, de um ator. Visto que não se identifica com a personagem que representa, é possível escolher uma determinada perspectiva em relação a esta, revelar sua opinião a respeito dela, incitar o espectador a criticá-la.

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Detalhadamente falando, Brecht não acreditava que a total entrega de si à personagem era a melhor maneira de se fazer tal realização, mesmo porque, a favor da corrente crítica a Stanislavski, Brecht também acreditava que a perca mínima da consciência pelo ator, representava antes de tudo um risco ao processo e, consequentemente, aos outros atores, daí o distanciamento. Ele acreditava que quanto mais distante estivesse o ator dos sentimentos da personagem, melhor ele o faria, mesmo porque poderia sempre dominá-lo quando quisesse, pois deixava claro que no palco o que teríamos era a pura interpretação de outra vida pelo ator e jamais uma possessão como se via no outro. Sendo assim, a exemplo de Stanislavski seus atores também eram criticados, no entanto com o oposto das colocações, pois para muitos em sua época, os atores que se submetessem a tal metodologia fatalmente expressariam tudo menos a verdade da personagem e ainda teriam características simuladas, tanto corporalmente, quanto psicologicamente falando. Contudo, devemos dedicar a Brecht nosso respeito, pois, assim como Stanislavski, ele também prezou pela profissionalização desse fazer, defendendo arduamente a consciência do ator em cena durante a interpretação. Vemos, portanto a crucial diferença entre este e o anterior, com isso podemos dizer que ambos formam dois extremos, em que por estes passam todos os demais métodos, técnicas, tendências, qualificativos, enfim, ambos tornaram-se referências imbatíveis dessa arte. “Em nenhum momento (o ator) deve entregar-se a uma completa metamorfose. Ele deve contentar-se em mostrar sua personagem, ou mais exatamente, não se contentar em vivê-la; o que não implica que permaneça frio enquanto interpreta”. (Brecht)

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A crueldade e Artaud

Antonin Artaud nasceu na França, viveu de 1896 a 1948, sua principal realização, foram os estudos sobre a crueldade, que foram essenciais para o desenvolvimento da arte propriamente dita e, ainda hoje, servem de referência a artistas de todo o mundo. A crueldade e Artaud sempre andaram juntas tanto em vida, quanto depois dela. Artaud teve uma vida muito desregrada, tendo de consumir drogas para ter controle de si, acabou por ser internado pela própria família em hospitais psiquiátricos para se curar, segundo eles, no entanto, isso só veio a piorar seus dias, pois morreu louco por se ver naquela situação e por ver seus dias e sua obra indo corredores a dentro, encerrando-se em um mero hospital de loucos, mas afinal quem são os loucos? Nós ou os que estão encerrados nos hospitais psiquiátricos ou clínicas de recuperação? Fica a indagação! Artaud em seu teatro e a peste acreditava em um teatro que contaminasse o público de tal forma que este sairia com um desejo, pelo menos inconsciente, de mudança; embora esse simples desejo começasse meio disfarçado, devia tomar forma e contaminar a sociedade. O teatro e a peste trata em termos metafóricos de apresentar o teatro como uma doença altamente contagiosa, que, à mínima exposição contaminaria quem o visse. Tal contaminação não seria sentida em primeiro plano, no entanto, como um câncer, alastrar-se-ia pelo corpo no decorrer dos dias e, ao tomá-lo por inteiro, explodiria, contaminando assim quem estivesse por perto. Costuma-se tratar o teatro da crueldade como um teatro sensorial, pois para Artaud, não bastava interpretar, por melhor que fosse, precisava-se fazer a plateia sentir sensorialmente o que se desejaria expressar, pois se toca muito mais usando os sentidos em sua maioria, que simples-

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mente só a visão e a audição, pois mesmo estes ainda estariam distantes do real sentido do sentir. (...) Sendo assim, compreende-se que pela sua proximidade em relação aos princípios que lhe comunicam poeticamente a sua energia, esta linguagem nua do teatro, linguagem não virtual, mas real, deve permitir, pela utilização do magnetismo nervoso do homem, a transgressão dos limites habituais da arte e da fala, para realizar ativamente, quer dizer, magicamente, em termos verdadeiros, uma espécie de criação total onde nada mais resta ao homem senão retomar o seu lugar entre o sonho e os acontecimentos. (Antonin Artaud)

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A antropologia teatral de Barba

Eugênio Barba A pré-expressividade é um conceito defendido por Eugênio Barba, Diretor italiano fundador do Odin Theatre (1964) e da International School of Theatre Anthropology (1979). Discípulo de Grotowski, ele viajou, inicialmente, para países do Oriente, onde embasou a sua Antropologia Teatral, tornando-se conhecido por esta pesquisa. Em sua Antropologia Teatral, Barba preocupa-se com questões pertinentes no fazer teatral contemporâneo: Como tornar a energia cenicamente viva? Como o ator tornar-se numa energia que atrai o olhar do espectador? Como obter presença cênica? A pré-expressividade é o campo de estudo da Antropologia Teatral. Para ele, é através da pré-expressividade que o ator poderá torna-se cenicamente vivo, ou seja, que, mesmo parado, sem aparentemente mover-se perante o público, ele irá estar presente em cena, vivo e com isso, ser notado pela plateia, sem precisar fazer gestos desnecessários para aparecer em cena.

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O nível pré-expressivo seria a mudança de um estado cotidiano para um estado extracotidiano em busca de um estado de presença em situação de representação organizada e, com isso, o ator geraria uma qualidade de energia que seria potencializada em nível nervo-muscular. Essa energia seria dilatada para assim, o ator alcançar a tão esperada presença cênica: • Energia » dilatação » presença Para isso, Barba desenvolveu o que ele chama de princípios que retornam ou princípios constantes, que consistem em utilizar o corpo sobre bases distintas do uso cotidiano, buscando uma técnica extracotidiana que se fundamenta a partir de um equilíbrio instável e tensões de forças opostas no corpo do ator. São os princípios que Barba observou nas manifestações culturais nos países que percorreu (Indonésia, Japão, China, Bali etc), comuns a todas essas manifestações, modificando-se apenas as suas nomenclaturas. Com esses princípios Barba almeja “solucionar” o problema da energia do ator para que ele possa enfim, possa alcançar a presença cênica.

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Referências Bibliográficas

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REVISTA DA EDUCAÇÃO FÍSICA. A expressão dos corpos pela dança: vivência e reflexão em meio escolar. UEM(1):3-11, 1996 RYNGAERT, Jean-Pierre. Jogar, representar: práticas dramáticas e formação. Tradução: Cássia Raquel da Silveira. 1. ed. São Paulo: Cosac Naify, 2009, 280 p. SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro. Tradução e revisão de Ingrid Dormien Koudela e Eduardo José de Almeida Amos. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2010, 349 p. THEBAS, Cláudio. O Livro do Palhço. São Paulo: Companhihas das Letrinhas, 2005.

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Projeto gráfico por Lucas Comaru, utilizando as fontes: Calisto MT - 10pt (corpo de texto), Century Gothic - 14 e 20pt (títulos). Impresso em papel Offset 75g/m², em Fortaleza, 2015.




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