Ocupação Gregório Bezerra: uma experiência de assessoria técnica na luta pelo direito à moradia

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA E URBANISMO TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO

OCUPAÇÃO GREGÓRIO BEZERRA Uma experiência de assessoria técnica na luta pelo direito à moradia.

LUCAS GOLIGNAC LESSA Prof. Dr. Luis Renato Bezerra Pequeno


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará Biblioteca do Curso de Arquitetura

G584o Golignac Lessa, Lucas. Ocupação Gregório Bezerra: Uma experiência de assessoria técnica na luta pelo direito à moradia / Lucas Golignac Lessa. - 2017. 95 f. : il. color. Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) - Universidade Federal do Ceará, Centro de Tecnologia, Curso de Arquitetura e Urbanismo, Fortaleza, 2017. Orientação: Prof. Dr. Luis Renato Bezerra Pequeno. 1. Habitação de Interesse Social. 2. Assessoria Técnica. 3. Direito à moradia - I. Título. CDD 720


LUCAS GOLIGNAC LESSA

OCUPAÇÃO GREGÓRIO BEZERRA Uma experiência de assessoria técnica na luta pelo direito à moradia.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________ Prof. Dr. Luis Renato Bezerra Pequeno (orientador) Universidade Federal do Ceará _________________________________________________________ Prof.ª Drª.Clarissa Figueiredo Sampaio Freitas Universidade Federal do Ceará _________________________________________________________ Prof.Es. Davi Ramalho Rodrigues de Andrade Faculdade Católica Rainha do Sertão

Fortaleza, 25 de julho de 2017.


LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Estoque de material. Ocupação Eliana Silva, 2013.

18

Figura 2 - Solução de ventilação natural em alvenaria, Ocupação Eliana Silva, 2014.

18

Figura 3 - Exemplo de habitação construído por cooperativas no Uruguai.

25

Figura 4 - Exemplo de habitação construído por cooperativas no Uruguai.

25

Figura 5 - Linha do tempo com políticas habitacionais de autoconstrução estudadas no trabalho.

39

Figura 6 - Comunidade Raízes da Praia, na Praia do Futuro.

49

Figura 8 - Núcleo LGBT da Ocupação Povo sem Medo.

51

Figura 7 - Visita à Ocupação Povo sem Medo no dia 30/09/2016.

51

Figura 9 - Visita à Ocupação Povo sem Medo.

51

Figura 10 - Visita à Ocupação Manuel Lisboa em 21/09/2016.

53

Figura 11 - Visita à Ocupação Manuel Lisboa em 21/09/2016.

53

Figura 12 - Barracão da Ocupação Gregório Bezerra.

55

Figura 13 - Prédio ocupado pela Gregório Bezerra.

55

Figura 14 - Espaço público mais bem adequado, estrutura com quadra, bancos e calçamento.

66

Figura 15 - Área livre que deveria ser destinada ao lazer mas conta apenas com iluminação pública.

66

Figura 16 - Conjunto Pauilo Freire, São Paulo.

69

Figura 18 - Quinta Monroy, Iquique, Chile.

69

Figura 17 - Conjunto Paulo Freire, São Paulo..

69

Figura 19 - Quinta Monroy pós-ocupação, Iquique,Chile.

69

Figura 20 - Momento inicial com a apresentação da oficina.

71

Figura 21 - Elaboração do projeto do grupo de mulheres.

71

Figura 22 - Resultados do levantamento social.

71

Figura 23 - Divisão dos grupos.

71

Figura 25 - Morador apresentando projeto do grupo de homens.

71

Figura 24 - Momento de elaboração da tipologia.

71

Figura 26 - Apresentação dos projetos.

71

Figura 27 - Diagrama com a ocupação dos moradores da OGB.

73

Figura 28 - Tipo (A) elaborado por grupo misto 1.

75

Figura 30 - Tipo (C) elaborado pelo grupo de mulheres.

75

Figura 29 - Tipo (B) elaborado por grupo misto 2.

75

Figura 31 - Tipo (D) elaborado pelo grupo de homens.

75

Figura 32 - Tipologias elaboradas na oficina. Escala 1/150.

83

Figura 33 - Tipologias modificadas.

83

Figura 34 - Tipologias modificadas com possibilidade de expansão. Escala 1/150

85

Figura 35 - Fachadas das tipologias. Sem Escala.

86

Figura 36 - Planta baixa Centro Comunitário.Escala 1/100.

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Figura 37 - Cortes.Escala 1/250.

89

Figura 38 - Vista geral da implantação do conjunto.

90

Figura 39 - Vista da rua seiscentos e dois.

90

Figura 40 - Vista do Centro Comunitário no centro do conjunto.

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LISTA DE MAPAS Mapa 1 - Ocupações Urbanas lideradas por movimentos sociais em Fortaleza.

47

Mapa 2 - Atuação e conquistas do Movimento dos Conselhos Populares (MCP) em Fortaleza.

49

Mapa 3 - Atuação e conquistas do Movimentos dos Trabalhadores sem Teto (MTST) em Fortaleza.

51

Mapa 4 - Atuação e consquitas do Movimento de Luta no Bairros, Vilas e Favelas (MLB) em Fortaleza.

53

Mapa 5 - Atuação e consquitas da Unidade Classista em Fortaleza.

55

Mapa 6 - Atuação e conquistas das ocupações urbanas lideradas por movimentos sociais em Fortaleza.

57

Mapa 7 - Zoneamento de Fortaleza segundo o Plano Diretor Participativo de 2009..

61

Mapa 8 - Déficit Habitacional por área de ponderação delimitada pelo IBGE.

61

Mapa 9 - Mapas de Saneamento, Energia Elétrica e Coleta de Lixo por bairro de Fortaleza.

62

Mapa 10 - Mapas de População, Renda Média e Alfabetização por bairro de Fortaleza.

63

Mapa 11 - Origem dos moradores da Ocupação Gregório Bezerra.

73

Mapa 12 - Fluxos e orientação para escolha do terreno.

78

Mapa 13 - Implantação do loteamento proposto.

79

Mapa 14 - Bens patrimonais da PMF.

80

Mapa 15 - Topografia, direção do vento e iretrizes de implantação dos lotes.

81

Mapa 16 - Simulação de Implantação do conjunto habitacional.

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LISTA DE SIGLAS ABRAMAT - Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção APSM - Ação de Apoio a Produção Social da Moradia ArqPET - Programa de Ensino Tutorial do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC ATME - Assistência Técnica para Moradia Econômica BNH - Banco Nacional de Habitação CACAU - Centro Acadêmico do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC CAU/BR - Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil CEB - Comunidades Eclesiais de Base CEF - Caixa Econômica Federal CEJA - Centro de Educação para Jovens e Adultos CLAS - Cuestiones Actuales Del Socialismo CMP - Central do Movimentos Populares COHAB - Companhia de Habitação CONAM - Confederação Nacional das Associações de Moradores CRAS - Centro de Referência de Assistência Social CREA - Conselho Regional de Engenharia e Agronomia CTAH - Centro de Trabalhos para o Ambiente Habitado EMAU - Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo EO - Entidade Organizadora FDS - Fundo de Desenvolvimento Social FICAM - Programa de Financiamento da Construção, Conclusão e Ampliação ou Melhoria de Habitação de Interesse Social FNHIS - Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social FNRU - Forum Nacional de Reforma Urbana FPSM - Frente Povo sem Medo FUNAPS - Fundo de Atendimento à População Moradora em Habitação Subnormal INOCOOP - Instituto de Orientação às Cooperativas Habitacionais LEHAB - Laboratório de Estudos da Habitação MCP - Movimentos dos Conselhos Populares MLB - Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas MNLM - Movimento Nacional de Luta pela Moradia MOM - Morar de Outras Maneiras MST - Movimento sem Terra MTST - Movimentos dos Trabalhadores sem Teto OGB - Ocupação Gregório Bezerra ONG - Organização Não Governamental PCS - Programa Crédito Solidário PMCMV - Programa Minha Casa Minha Vida PNMH - Programa Nacional de Mutirões Habitacionais PROAFA - Programa de Assistências as Favelas de Fortaleza PROFILURB - Programa de Financiamento do Lote Urbanizado PROMORAR - Programa de Erradicação da Sub-Habitação RMF - Região Metropolitana de Fortaleza SCH - Sociedade Comunitária de Habitação


SDU - Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente SEAC - Secretaria Especial de Ação Comunitária UC - Unidade Classista UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais UNMP - União Nacional por Moradia Popular ZEIS - Zona Especial de Interesse Social


AGRADECIMENTOS Talvez aqui não caibam todas as pessoas às quais tenho que agradecer por este trabalho, já que foi feito de forma tão coletiva e fruto de muitas experiências, mas tentarei citar aqui algumas pessoas que foram essenciais para sua realização. Em primeiro lugar agradeço à minha família, em especial meus pais, Laís e Ítalo, que apesar de discordarem de mim em diversos aspectos sempre me apoiaram quando se tratava da minha educação. A todas e todos que compõem a Unidade Classista e a Ocupação Gregório Bezerra, que tanto me ensinaram e por terem gentilmente aberto suas portas e suas vidas para que pudéssemos juntos construir este trabalho. Ao MTST, MCP, MLB e à Frente de Luta por Moradia, por terem igualmente me ensinado tanto e permitido que eu estivesse em seus espaços e ocupações. Obrigado a todos que compõe o DAU-UFC, estudantes, servidores e professores, que de uma maneira ou de outra contribuíram para minha formação como arquiteto urbanista. A quem compôs ou compõe os grupos por onde passei, como o Canto, onde tive meu primeiro contato com uma atuação profissional política. Desde de seus criadores, Camila, Cibele, Felippe, Luciana, Luna, Rebeca e Nággila até as pessoas que mantém o escritório vivo hoje em dia, como Leo, Mari, Duda, Renan, Bia, Carol, entre outros. Ao arqPET, onde aprendi a pesquisar sobre a cidade e à Clarissa que orienta tão bem esse grupo e nos faz nos interessarmos pelo tema. Ao CACAU, onde formei meu posicionamento político, à chapa CRUJ e em especial à Quintal. A todos que passaram pelo LEHAB. A Aline, Breno, Sara, Rafinha e Valéria, que de vez em quando eu perturbava por causa desse trabalho e que sempre me ajudaram com o maior prazer. Ao Renato, que além de coordenar o grupo, é meu orientador, amigo e assim como todos os outros do Laboratório me inspira todos os dias a acreditar na construção de uma cidade mais igualitária através da educação e da coletividade. Ao Breno, Gabi, Nati e Samuel, que me ajudaram e foram essenciais para a realização da oficina que para mim foi o momento mais importante do trabalho. À Emília, Gabi, Matheus e Nati que me ajudaram demais durante a reta final. Ao Txai pelas belas fotos da Ocupação Gregório Bezerra que deram vida às capas desse trabalho. A todas as amigues, seja da época do colégio, da faculdade, das vida, dos tempos de Nantes, que também sempre me ensinam e fazem parte de quem eu sou. A todas e todos defensores dos direitos humanos que lutam todos os dias para garantir questões que deveriam ser básicas a qualquer pessoa e que muito me inspiram na busca de um mundo melhor.


“É nunca fazer nada que o mestre mandar sempre desobedecer, nunca reverenciar.” (Belchior <3)


SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO

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1.1 justificativa

13

1.2 objetivo geral

14

1.3 objetivos específicos

14

1.4 divisão do trabalho

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2. REFERENCIAL TEÓRICO

16

17

2.1 a produção social da moradia

autoconstrução

17

mutirão

18

autogestão

22

2.2 políticas públicas de autogestão

23

a ley de viviendas do uruguai

24

o cooperativismo no brasil

26

as politícas de autoconstrução do bnh

26

a experiência de são paulo e o funaps comunitário

29

o programa nacional de mutirões habitacionais

31

crédito solidário

33

ação de apoio à produção social da moradia

35

programa minha casa minha vida entidades

36

breve síntese sobre as políticas estudadas

38

2.3 a responsabilidade social do arquiteto

a lei de assistência técnica

um olhar crítico sobre a atuação profissional

39 40 41


3. DIÁLOGO EM MOVIMENTO

45

3.1 trajetória do autor

46

3.2 visita às ocupações

48

ocupação raízes da praia

- mcp

48

ocupação povo sem medo

- mtst

50

ocupação manoel lisboa

- mlb

52

ocupação gregório bezerra

- unidade classista

54

3.3 breve análise dos movimentos em fortaleza

56

3.4 escolha do caso

58

4. DIGNÓSTICO

59

4.1 ocupação gregório bezerra em fortaleza

60

4.2 ocupação gregório bezerra no conjunto ceará

65

o conjunto ceará

65

ocupação gregório bezerra no polo de lazer

67

4.3 oficina de levantamento social e participação popular

68

reconhecendo o público alvo

72

tipologias habitacionais

74

5. PROJETO 5.1 programa

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5.2 definição do terreno

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5.3 diretrizes de implantação

80

5.4 compondo uma tipologia

81

5.5 infraestrutura e construção

84

5.6 um horizonte possível

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS 7. BIBLIOGRAFIA

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92 93


INTRODUÇÃO


Neste trabalho pretendo apresentar os estudos que desenvolvi para meu trabalho final de graduação que sintetizam aspectos importantes que apreendi durante minha formação. Neste capítulo introdutório apresento a justificativa que me direcionou, os objetivos geral e específicos do trabalho e detalho sua divisão. Além da Introdução essa pesquisa conta ainda com outras 4 partes: Referencial Teórico, Diálogo em movimento, Diagnóstico e o Projeto.

1.1 jutificativa Desde que entrei na faculdade a desigualdade social e os conflitos urbanos me inquietaram cada vez mais. Por conta disso, sempre tentei associar meus estudos à esta inquietação, o que se tornou minha militância política, na qual sempre tenho buscado entender o papel do arquiteto na luta por uma sociedade mais igualitária. Durante minha formação, passei por diversos grupos como o Canto - EMAU, o CACAU e o ArqPET que me capacitaram sobre diferentes questões que tratam de direitos humanos e em especial do direito à cidade. Em 2015 passei a integrar o LEHAB, e com isso passei a acompanhar mais de perto diferentes processos do planejamento urbano, principalmente aqueles que envolvem a habitação social. Esse tema é cada vez mais importante, já que nos últimos cinquenta anos as cidades brasileiras passaram por intensas transformações que afetaram, em especial, as condições de moradia da população mais pobre. Durante esse tempo o Estado vem procurando - sem pleno êxito, mas com relativo avanço - promover políticas urbanas e habitacionais a fim de atenuar problemas acumulados ao longo do tempo. O Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), apesar das críticas, exercia um importante papel na garantia de recursos para a construção de habitação de interesse social subsidiando os mais pobres com renda abaixo de 1.600,00 reais. Porém, com a atual crise política e econômica, os financiamentos para empreendimentos da faixa 1 foram bastante reduzidos, levando a que as ações locais, amplamente apoiadas no PMCMV, viessem a acabar. Frente a esse quadro, é possível observar em Fortaleza um aumento nas ocupações urbanas reivindicando, principalmente, o direito à moradia. Todavia, os governos municipal e estadual têm se esquivado à grande demanda se apoiando na inexistência de recursos ou na ausência de políticas habitacionais alternativas. Enquanto isso, aumenta o número de parcerias publico-privadas na gestão da cidade e as denúncias de remoções forçadas se acumulam. Ao acompanhar esses movimentos de ocupação em Fortaleza percebe-se que, assim como em outros momentos históricos, a crise econômica e a falta de uma política habitacional os levaram a (re)discutir temas como a autoconstrução, o mutirão e a autogestão a fim buscar alternativas que possam atender a necessidade por moradia e garantir a autonomia de comunidades organizadas.

Introdução | 13


Neste sentido, ganha destaque a Lei de Assistência Técnica, que garante serviços de arquitetura, engenharia e urbanismo gratuitamente para população de baixa renda como mecanismo que contribui com a garantia do direito à moradia digna. Ao longo da história, além dos movimentos, diversos profissionais também lutaram para a criação dessa lei, mas apesar de ter sido promulgada em 2008, ela ainda é pouco aplicada. Portanto esse trabalho se justifica na urgência em atender à demanda por assessoria técnica na luta pelo direito à moradia, assim como na necessidade de fomentar o debate sobre outras formas de produção da habitação que possam contribuir para a formulação de políticas públicas emancipatórias.

1.2 Objetivo geral Contribuir com a discussão do problema da moradia vinculado às práticas de autoconstrução, mutirão e autogestão resultando no desenvolvimento de um projeto urbanístico e arquitetônico e participativo atendendo a uma demanda real dos movimentos que atuam na cidade.

1.3 Objetivos específicos Estudar os impactos da autoconstrução e do mutirão na formação do espaço urbano e nas organizações sociais; Compreender a relação entre o Estado e os movimentos populares em políticas publicas de habitação baseadas na autoconstrução ao longo da história recente do Brasil; Fazer uma leitura crítica sobre o papel social do arquiteto e sua atuação com a população de baixa renda; Atuar ativamente em processos de reivindicação popular pelo direito à cidade; Aproximar movimentos sociais e estudantes/profissionais de arquitetura com a questão da assessoria técnica; Entender a dinâmica dos movimentos sociais urbanos em Fortaleza; Elaborar uma metodologia de projeto participativo. Elaboração de um protejo arquitetônico e urbanístico para construção de um conjunto com 100 unidades de habitação de interesse social.

1.4 Divisão do Trabalho O referencia teórico é dividido em três pontos complementares que se entrelaçam durante todo o capitulo e que foram apreendidos a partir da leitura de artigos, livros, vídeos, além de experiências próprias com assessoria ao longo de minha formação.

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Primeiramente, foram estudados e delimitados os conceitos de autoconstrução, mutirão e autogestão a fim de diferenciar essas formas de produção de moradia dos meios tradicionais, como o mercado imobiliário ou da produção estatal. Buscou-se também entender a dimensão da autoconstrução, suas vantagens e desvantagens assim como de sua forma associativa, o mutirão, e compreender a importância da autogestão nesses processos. Em seguida, foi feita uma avaliação de políticas publicas ao longo da historia recente que se basearam na autoconstrução e na autogestão considerando a presença de serviços de assessoria técnica e o potencial da autonomia adquirida pelas comunidades na sua relação com o poder público e com outros agentes. Finalmente, para encerrar o referencial teórico, foi dissertado sobre a atuação de arquitetos urbanistas frente à problemática habitacional. Neste sentido, a Lei de Assistência Técnica (Lei nº 11.888/2008) é levantada como importante avanço para a democratização da profissão, buscou-se ainda analisar criticamente o exercício profissional quanto ao trabalho com populações marginalizadas. No segundo capítulo, Diálogo em movimento, foi apresentada a trajetória percorrida durante a concepção deste trabalho para definição do caso de intervenção. Foram realizadas visitas a 4 ocupações urbanas lideradas por movimentos sociais em Fortaleza, avaliando questões como: onde os movimentos atuam na cidade, como eles se organizam, como tem sido sua relação com o poder publico e quais suas conquistas. Ainda foi feita uma rápida análise da atuação dos movimentos sociais estudados em Fortaleza. Finalmente é escolhida a Ocupação Gregório Bezerra da Unidade Classista. O Diagnóstico corresponde ao terceiro capítulo. Primeiramente foi estudada a localização da ocupação em relação à Fortaleza. Posteriormente, foi analisada a estruturação do Conjunto Ceará e de seu Polo de lazer onde a Gregório Bezerra se insere. Essas informações foram representadas em cartografias produzidas por tecnologia de sistema de informação georreferenciada. Merecem ser destacadas, como parte integrante do diagnóstico as informações obtidas mediante oficina onde foram utilizadas metodologias participativas baseadas em processos de Diagnóstico Rápido Urbano Participativo com a finalidade de levantar características do perfil social dos ocupantes, como: tamanho das famílias, de onde veem e com que trabalham. Nessa oficina também foram elaboradas ideias de projeto de unidades habitacionais através de discussões em grupos com os ocupantes. Esses desenhos foram utilizados para entender melhor a demanda dos moradores e quais suas expectativas de moradia. Finalmente no Projeto foi levado em consideração as condições de inserção do terreno em questão e elaborado um projeto arquitetônico e urbanístico que atenda às demandas levantadas na oficina e que se adeque ao bairro existente, levando em conta a idéia de execução através de mutirão autogerido.

Introdução | 15


REFERENCIAL TEÓRICO


2.1. A produção social da moradia A fim de construir um projeto que tenha como preceitos a autoconstrução, o mutirão e a autogestão primeiramente foi preciso entender sobre esses conceitos que pouco são vistos na formação tradicional do arquiteto. É preciso avaliar aqui dentre outras questões: qual a importância e quais as consequências da autoconstrução para o espaço urbano? como ela pode se dar de maneira organizada pela sociedade civil? E como a autogestão poderia ser empregada nessas iniciativas?

Autoconstrução A partir da segunda metade do século XX o Brasil passa por um intenso processo de migração populacional do campo para a cidade. Com a falta de planejamento, as disputas territoriais se acirram, prejudicando o direito à cidade, e sobremaneira, interferindo negativamente no direito à moradia digna. No meio dessa disputa, a população, ao não encontrar solução habitacional viável, vem historicamente autoconstruindo suas casas. “A característica básica [da autoconstrução], porém, é serem edificadas sob gerência direta de seu proprietário e morador: este adquire ou ocupa o terreno; traça, sem apoio técnico, um esquema de construção; viabiliza a obtenção dos materiais; agencia a mão-de-obra, gratuita e/ ou remunerada informalmente; e em seguida ergue a casa.” (BONDUKI, 1998, p. 281).

É preciso entender que a autoconstrução tem um amplo papel na produção do espaço urbano, sendo responsável por grande parte da moradia dos brasileiros, como mostra a professora Denise Morado, “Estudo realizado pela Booz Allen Hamilton, e encomendado pela Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção, revela que 84% dos materiais de construção são vendidos para pessoas físicas que constroem e reformam suas casas de maneira autogerida (ABRAMAT, 2005). O mesmo estudo apresenta a estimativa de que do total das unidades habitacionais produzidas, ampliadas ou reformadas no Brasil, sejam formais ou informais, 77%, em média, são em regime de autoconstrução; isto é, sem a participação de profissionais especializados.” (MORADO NASCIMENTO, 20011, p. 218).

A grande dimensão dessa informalidade é eventualmente acusada de contribuir para uma série de problemas urbanos como: o espraiamento acelerado das cidades, a ocupação de áreas de risco e de preservação ambiental, e o adensamento de áreas onde há pouco suporte de infraestrutura e serviços urbanos básicos. A falta de apoio técnico também facilita para que os espaços produzidos tenham uma baixa qualidade urbanística, sem falar na qualidade arquitetônica das habitações, que muitas vezes apresentam problemas de ventilação, iluminação e má distribuição dos espaços.

Referencial Teórico | 17


Todavia, existem também outros aspectos importantes à serem analisados na autoconstrução. O estudo sobre espaços autoconstruídos desenvolvidos pelo grupo PRAXIS da UFMG indica alguns aspectos interessantes sobre a temática: mesmo com a ausência de um técnico, há planejamento à medida em que as pessoas constroem estabelecendo prioridades entre os ambientes; trata-se de um processo gradativo, onde a obra acontece de acordo com as condições financeiras, por isso é comum encontrar nesses lugares ferragens expostas e materiais de construção empilhados (fig. 1), esperando para a próxima ampliação, e algumas vezes nesse meio entre improviso e emergência surgem soluções engenhosas (fig.2).(LOPES, 2015.) É importante ainda destacar que, pela definição de autoconstrução aqui adotada, ela não é exclusividade de uma única classe social, já que ela não é só fruto da exclusão, e da falta de alternativas, ela pode ser uma opção consciente frente ao endividamento perante o Estado e/ou o mercado ou diante da ineficiência de políticas públicas. Contudo, é nítido que a população de baixa renda, compreendida pelas famílias de renda mensal entre 0 e 3 salários mínimos, é mais dependente dessa prática, já que dificilmente tem acesso ao mercado formal. Vale realçar que este setor representa cerca de 83,9% das 5,315 milhões de unidades que compõem o deficit habitacional urbano no Brasil.1

Figura 1 - Estoque de material. Ocupação Eliana Silva, 2013.

Figura 2 - Solução de ventilação natural em alvenaria, Ocupação Eliana Silva, 2014.

Fonte: LOPES, 2015.

Fonte: LOPES, 2015.

Mutirão A partir dos processos de autoconstrução, algumas entidades, como movimentos sociais, universidades, organizações sem fins lucrativos, núcleos religiosos e mesmo o próprio poder público, contribuíram para um método de construção colaborativa conhecido como mutirão. 1 Dado do relatório sobre o Déficit habitacional no Brasil em 2013-2014 realizado pela Fundação João Pinheiro.

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“Deve ser ressaltado, que a principal diferença entre a autoconstrução individual e a ajuda mútua ou mutirões é o tipo de organização. No primeiro, a família se mobiliza individualmente para a construção de sua moradia, com seus próprios recursos e mão-de-obra. Já no regime de mutirão, a comunidade se organiza como um todo com o mesmo propósito;” (VIDAL, 2008, p. 69).

Esse recurso se tornou muito usual no Brasil principalmente entre as décadas de 1970 e 1980, quando o rápido crescimento das cidades esbarrou numa forte crise econômica, com altas taxas de desemprego, e as iniciativas individuais não eram mais suficientes, forçando a população a organizar-se coletivamente. “No período 1980-1985, sobretudo nas médias e grandes cidades brasileiras, as invasões de terras (públicas e privadas) se multiplicaram. Pouco a pouco, centenas de famílias que viviam em casas alugadas foram perdendo a capacidade de pagar tal renda, somando-se a isto o processo de crescimento vegetativo e migratório de uma população que sofria uma escala de pauperização provocada, sobretudo, pela crise econômica em processo. Diante do aumento das necessidades, as instancias publicas se mostravam incapazes de enfrentar a questão da moradia popular utilizando os mecanismos de mercado.”(BRAGA, 1995, p.103).

Assim, os movimentos sociais e entidades de luta pelo direito à moradia ganharam força, mostrando resistência nas disputas pelo território. Nesse momento, o mutirão teve um importante papel como uma alternativa real para obtenção da moradia. Apesar disso, é preciso ter um visão crítica desse método, já que sua principal vantagem, a redução dos custos, advém de um esforço extra por parte dos mutirantes, que além de trabalhar para se sustentar, tem que empreender esforços para a construção da casa própria. O sociólogo Francisco de Oliveira tem uma forte crítica a visão da autoconstrução como base de um modelo ideal de produção habitacional. “Ora, a habitação, bem resultante dessa operação, se produz por trabalho não-pago, isto é, supertrabalho. Embora aparentemente esse bem não seja desapropriado pelo setor privado da produção, ele contribui para aumentar a taxa de exploração da força de trabalho, pois o seu resultado — a casa — reflete-se numa baixa aparente do custo de reprodução da força de trabalho — de que os gastos com habitação são um componente importante — e para deprimir os salários reais pagos pelas empresas. Assim, uma operação que é, na aparência, uma sobrevivência de práticas de “economia natural” dentro das cidades, casa-se admiravelmente bem com um processo de expansão capitalista, que tem uma de suas bases e seu dinamismo na intensa exploração da força de trabalho.”(OLIVEIRA, apud MARICATO, 1982, p. 76).

Em sua crítica Oliveira argumenta que a partir do momento que a autoconstrução - e o mutirão consequente - é usada simplesmente para baixar o custo da obra, ela contribui para reforçar a acumulação de capital, já que acaba eximindo os empresários de embutir no salário real dos trabalhadores o valor referente a sua habitação. Mas deve-se lembrar que os meios de produção habitacional tradicionais também geram acumulação, não sendo exclusividade do mutirão. Referencial Teórico | 19


Abiko e Cardoso realizaram estudos para a avaliar os custos desse método e acabaram verificando que a redução de seus custos não é resultado apenas da mão-de-obra não paga, “(…) os custos totais de construção do mutirão são aproximadamente 30% inferiores aos do processo convencional. (…) A grande diferença observada entre o custo incidente do processo convencional e o custo incidente do mutirão explica-se não somente pela nãoincidência de parte da mão-de-obra no mutirão, mas pela maior magnitude dos custos indiretos no processo convencional, particularmente em itens que não existem no mutirão (encargos financeiros e bonificação), ou existem mas são muito inferiores (alimentação, transporte, despesas de escritório central e canteiro). A compra criteriosa dos materiais de construção, quando feita pelas comunidades, contribui também para a redução de custos e para a garantia de qualidade das edificações.” (ABIKO e CARDOSO apud ABIKO e COELHO, 2006, p. 16).

Com essa afirmação pode-se pensar que, se o mutirão contribui para que os empresários gastem menos com o salário dos trabalhadores, ao mesmo tempo ele reduz a acumulação de lucro das empreiteiras, já que esse lucro geralmente é calculado em cima dos gastos totais do empreendimento. Em resposta ao sociólogo Francisco de Oliveira, Sergio Ferro levanta ainda a hipótese de que se o salário do trabalhador compreendesse adequadamente o valor necessário para que ele comprasse sua moradia no mercado formal, nada garantiria que o lucro que o empresário teria dessa venda não fosse igual, ou até maior, que esse próprio valor acrescido na remuneração de seus empregados. (FERRO, 2006) Outra questão negativa comumente verificada nos mutirões, são os longos períodos de construção, que muitas vezes acabam desmobilizando a ação e criando atritos dentro do movimento. Todavia, os empreendimentos baseados no mutirão evoluíram ao longo do tempo, “Um dos exemplos desta evolução é a participação de mãode-obra contratada, que vem se somar à mão-de-obra dos mutirantes; esta possibilidade de contratação de mãode-obra, permite aumentar a produtividade nos canteiros pois a mesma se encarrega de serviços especializados ou prepara durante a semana o serviço que será executado pelos mutirantes nos sábados e domingos. “(ABIKO, 1995, p. 75)

As experiências ao longo do tempo foram muito importantes para o amadurecimento da forma de gestão dos mutirões. De início eles foram usados pelo poder público como meio “mais fácil” de dar resposta à crescente demanda habitacional, sendo este o principal responsável pela gerência do empreendimento, elaboração do projeto, formação da equipe técnica e a administração da obra. Tudo isso reflete na perda de autonomia da comunidade, beneficiando apenas o aspecto individual da obtenção da casa própria.

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Percebe-se então, que as principais virtudes desse processo estão ligadas à gestão comunitária do empreedimento já que no mutirão autogerido, o trabalhador é ao mesmo tempo autor, produtor e futuro usuário, estabelecendo uma nova relação com o produto, não alienada. “Num canteiro tradicional, haveria uma hierarquia e remunerações diferenciadas, enquanto no mutirão todos os trabalhos valem o mesmo. Isso não significa que as diferenças não sejam percebidas, mas passam a ser entendidas não segundo hierarquias mas segundo uma cadeia de ações coletivas onde todas são vistas como necessárias e meritórias.” (ARANTES, 2002, p. 192).

A diferença entre os canteiros também reflete na qualidade das obras. Nos meios tradicionais de produção as técnicas usadas não visam a qualidade, mas sim o aumento da quantidade de unidades e do lucro das empresas. Já no canteiro do mutirão, pela ausência de um lucro direto, a experimentação e o desenvolvimento até mesmo de novas técnicas de construção é possível. Nas obras autogestionadas, a comunidade pode interferir inclusive na concepção do projeto, o que facilita o reconhecimento das demandas, e a elaboração de uma solução mais adequada, apresentando uma qualidade arquitetônica e urbanística geralmente superior à dos empreendimentos habitacionais de interesse social administrados pelo mercado ou pelo Estado. A valorização da coletividade desse sistema também ajuda a criar o sentimento comunitário, que depende de cada caso, pode continuar ou não após a finalização das obras. Mas com a dissolução das hierarquias é possível trazer à tona a desconstrução de padrões de poder ainda vigentes na sociedade, como as relações patrão-empregado, arquiteto-cliente, rico-pobre, branconegro, homem-mulher, cis-trans, hetero-homo. “No meu entendimento, não tem nada que eu não consiga fazer, e não tem nada que marmanjo nenhum, nem com papel da faculdade, vai conseguir me inibir.”2

A divisão de responsabilidades e a horizontalidade traz a sensação de capacidade e empoderamento para pessoas antes oprimidas por esses padrões. A questão de gênero, principalmente, é muito presente nos mutirões, já que a grande maioria dos mutirantes são mulheres, assim o supertrabalho acaba ficando por conta delas. Mas muitas vezes esse processo autogestionário acaba fazendo com que elas ganhem autonomia e se sintam mais confiantes. “Uma situação muito comum de mulheres, que sofriam violência domestica, em termos físicos ou em termos de dominação econômica e psicológica, de não trabalhar fora, de não ter autonomia, e aí a gente acompanhou a mudança de várias delas, eu me lembro de cara, de umas 5, que mudaram totalmente a trajetória de vida no período do mutirão, e conquistaram sua autonomia, se separaram, foram elas sozinhas morar lá na Paulo Freire depois de pronta a obra.”3

2 Relato da mutirante Gilmara de Oliveira para do documentário “Arquitetura como prática política - 25 anos de experiência da Usina.” 22:07. Disponível em <tinyurl.com/ybpac2dm>. Acesso em 08/02/2017. 3 Relato da arquiteta Beatriz Tone para do documentário “Arquitetura como prática política - 25 anos de experiência da Usina.” 24:12. Disponível em <tinyurl.com/ybpac2dm>. Acesso em 08/02/2017.

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Autogestão O uso da palavra autogestão é recente, data da década de 60. Porém o seu conceito é muito anterior e está relacionado aos movimentos operários que em diversos momentos críticos na história, notadamente a partir do começo do século XIX, vem formulando outras maneiras de gerir suas produções através de organizações cooperativas que os emancipam de seus patrões. “A autogestão é, antes de tudo, uma relação socioeconômica entre os homens que se funda no principio da distribuição segundo o trabalho e não sobre a base do capital, dos meios de produção. A autogestão é, de um modo eloqüente, uma categoria socialista. A mesma só pode desenvolverse no campo da propriedade social, isto é, em relações de propriedade em que os meios de produção e o capital social não são propriedade privada do capitalista nem de grupos de trabalhadores de determinadas empresas, nem objeto de gestão monopólica do aparato burocrático ou tecnocrático do Estado”. (CLAS, 1980 apud NASCIMENTO, 2008, p. 28).

A população operária tem uma relação histórica entre o local de trabalho e sua habitação, a exemplo das vilas operárias. No Brasil isso também pode ser percebido na década de 1940 quando os sindicatos realizavam mutirões para a construção de habitação com recursos dos Institutos de Assistência e Previdência criados no Período de Getulio Vargas, conforme Bonduki(1998) apresenta em seus trabalhos. No Brasil, outros agentes também foram fundamentais para o fortalecimento dessa discussão, como as igrejas de ideologias libertárias e profissionais militantes, que se inspiraram em ideais como as de John Turner,4 e na experiência das cooperativas uruguaias, que será estudada no próximo tópico. A autogestão aplicada ao mutirão pode ser percebida quando a entidade de moradores é a responsável pela administração geral do empreendimento. Bem como pela gerência de todos os recursos. Dentre as atribuições podem se mencionadas: a apropriação do terreno, seja com ocupação ou não, geralmente com doação ou compra pelo estado, a elaboração do projeto, a escolha dos mutirantes e a administração e execução da obra. Nas experiências brasileiras de mutirão, mais do que a autogestão completa do empreedimento, existiram muitos exemplos de gestão partilhada entre a comunidade e o poder público, onde o governo cede ou divide algumas etapas da administração do empreendimento, deixando sempre a mão-deobra às custas dos mutirantes. Portanto, é necessário se questionar aqui, “(…) até que ponto práticas ditas autogestionárias não deslizam para o campo de uma espécie de anomia institucional resultante de uma lógica de terceirização precária, com a transferência linear das funções originalmente atribuídos ao Estado? Daí, pergunta-se o que difere, em essência, autonomia democrática e popular na gestão de fundos 4 John Turner foi um arquiteto inglês que viveu grande parte de sua vida na América Latina e escreveu livros como “Housing by People: Towards Autonomy in Building Environments” sobre os processos de autoconstrução organizado por comunidades que acompanhou.

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públicos da heteronomia em face dos processos de esvaziamento do Estado de privatização das históricas dimensões do público”(LOPES e RIZEK, 2006, p. 49).

Outra questão é que essas políticas sociais ditas participativas que visam garantir direitos básicos à população marginalizada muitas vezes são vistas também como práticas assistencialistas e podem gerar clientelismo e desmobilização social. O que, por vezes, acontece nessas iniciativas é que o Estado brasileiro, que é historicamente atrelado a uma burguesia política, estabelece mecanismos para não perder totalmente seu controle tecnocrático. Um exemplo disso são os conselhos gestores criados onde a maioria é reservada a membros do poder público. Entretanto, por mais que sejam poucos os exemplos de autogestão total de mutirões, os grupos com iniciativas autogestionarias resistem as tentativas de domínio do Estado e essa resistência expande o debate. Lopes e Rizek realizaram um estudo de mutirões em diferentes contextos e ao analisar a questão da gestão compartilhada eles verificaram que nesse processo, pode-se conduzir Estado a rememorar e reelaborar seu papel original de prover moradia como um direito e não como simples mercadoria. “Assim, se o objetivo do grupo é produzir moradia para seus associados - moradia de qualidade a um custo socialmente justo - e se também é objetivo do Estado mediar condições para que a provisão de moradia de boa qualidade e preço justo se realize como um de seus papeis, então, coadunando objetivos, estabelece-se um padrão de relação entre grupo e Estado diferente daquele estabelecido entre Capital e Estado: ora, o objetivo de uma empresa concessionária é o lucro, e o Estado lhe concede - a um custo muitas vezes socialmente injusto - o direito de explorar comercialmente uma atividade originariamente estabelecida sob sua custodia. Portanto, a gestão partilhada não pode ser confundida com a “terceirização”, e a administração autônoma dos recursos investidos na produção das moradias persegue, pressupõe e propõe princípios autogestionários de administração de benefícios sociais para consecução de objetivos atinentes aqueles originariamente atribuídos ao Estado.” (LOPES e RIZEK, 2006, p.68).

2.2. As Políticas Públicas de Autogestão Depois de apresentar e discutir importantes conceitos deste trabalho, essa próxima parte do capítulo é destinada à avaliação de algumas das políticas públicas habitacionais que se tornaram referência por terem se baseado na autoconstrução e na autogestão. Busca-se aqui melhor compreendê-las a partir de análises críticas já estabelecidas por pesquisadores desta área de conhecimento.

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A Ley de Viviendas do Uruguay No início dos anos 1960 o Uruguai enfrenta uma forte crise econômica, com altas taxas de inflação, que atingia principalmente a população assalariada. Ao ter seu poder aquisitivo limitado, os trabalhadores se organizaram por meio de cooperativas de consumo para a construção de suas próprias casas. Essas experiências tiveram grande repercussão social e foram importantes para que a construção de moradias por cooperativas habitacionais de ajuda mútua fosse regulamentada pela Ley de Viviendas em 17 de dezembro de 1968. “As cooperativas habitacionais são “aquelas sociedades que, regidas pelos princípios do cooperativismo, têm como objetivo principal prover alojamento adequado e estável a seus associados, mediante a construção de moradias por esforço próprio, ajuda mútua, administração direta, e proporcionar serviços complementares a moradia”5(SILVA, 2009, p.45)

Essas entidades são divididas ainda em dois níveis: Unidades Cooperativas de Vivienda e Cooperativas Matrices de Vivienda. Cada novo empreendimentos representa uma nova Unidade Cooperativa, elas devem ser formadas por mínimo 10 e no máximo 200 sócios, e essa organização é a proprietária do terreno, cada membro tem a concessão do uso da unidade para fins de moradia e com direito à herança do uso, mas a propriedade do empreedimento é coletiva. Essas Unidades Cooperativas não se encerram com o fim da construção, sendo responsáveis pela articulação da comunidade e pelo atendimento de suas demandas. (SILVA, 2009) Já as Cooperativas Matrices são formadas por representantes de diferentes unidades de viviendas. Elas auxiliam na criação e manutenção de novas unidades cooperativas, e nos processos burocráticos dos empreendimentos, como obtenção do financiamento, do terreno, na escolha de assessoria técnica, que pode ser própria ou de parceiros, além de auxiliar na execução das obras. As cooperativas de ajuda mútua, que se assemelham ao mutirão autogerido no Brasil, “(…) são geridas democraticamente, seja por sua base social ou por meio dos órgãos de direção e controle que a própria cooperativa constitui e designa, e adotam procedimentos técnicos e gerenciais que valorizam as experiências práticas da autoconstrução individual e da mobilização das “organizações populares (...), particularmente as dos sindicatos de trabalhadores.” (NAHOUM, 2008, apud SILVA, 2009, p. 45).

Mas vale ressaltar que, na época, a aprovação da Ley de Viviendas era uma demanda das empresas da construção civil, já que a lei trata dos modos de provisão habitacional tradicionais, seja por promoção privada ou pelo sistema público que financia construtoras mediante licitação. Dentro dessa lógica, o sistema cooperativo aparecia como um capítulo marginal, integrado ao projeto apenas para viabilizar seu tramite parlamentar e garantir sua aprovação. (SILVA,2009). 5

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Definição de cooperativas habitacionais segundo o art. 130 da Ley de Viviendas (13.728/68).


O que não se esperava é que já no início da década de 70 a produção das cooperativas fosse responsável por 40% de todo o recurso nacional destinado à habitação. Por esse resultado o regime ditatorial que governava o Uruguai tentou desmobilizar o movimento através de diversas ações ao longo do tempo, como o aumento de juros para financiamento das cooperativas, e a formulação de lei em 1983 que tinha o objetivo de extinguir a figura jurídica da propriedade coletiva, determinando que nos empreendimentos que já existiam seria dado a cada usuário a propriedade individual. “Os cooperados iniciam um movimento nacional contra o fim da propriedade coletiva, que consegue recolher mais de 300 mil assinaturas pela causa e culmina na realização de um referendum popular, anulando a lei e a transformação das propriedades coletivas em propriedades individuais.” (SILVA, 2009, p. 47).

O movimento cooperativista uruguaio ainda travaria uma série de lutas mesmo com a redemocratização do país, mas o fato é que até hoje as cooperativas de construção por ajuda mútua funcionam no país, tendo produzido centenas de empreendimentos tanto no interior como na capital.

Figura 3 - Exemplo de habitação construído por cooperativas no Uruguai. Fonte: Site do CAEESU - Centro de Asesoramiento y Estudios, Educativos, Sociales y Urbanos. Acessado em 20/06/2017 <tinyurl.com/y73684s7>

Figura 4 - Exemplo de habitação construído por cooperativas no Uruguai. Fonte: Site do CAEESU - Centro de Asesoramiento y Estudios, Educativos, Sociales y Urbanos. Acessado em 20/06/2017 <tinyurl.com/y73684s7>

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O cooperativismo no Brasil O movimento cooperativista no Brasil é muito antigo e regulamentado desde a primeira década do século passado. Porém, durante o governo de Getulio Vargas o Estado autoritário e ditatorial ganhou grande poder de intervenção nas cooperativas de trabalhadores. A produção habitacional cooperativista ganha também destaque no começo da ditadura militar, quando é feito o Plano de Financiamento de Cooperativas Operárias através do BNH. Mas o controle estatal incide ainda mais fortemente sobre essas organizações, anulando suas liberdades de atuação e submetendo seu funcionamento ao banco. “Ao BNH foi atribuída, ainda, a função de prestar assistência às cooperativas habitacionais por meio dos Institutos de Orientação às Cooperativas Habitacionais (INOCOOPs), implantados nos estados como entidades da sociedade civil sem fins lucrativos, com o objetivo principal de prestar assessoria técnica e política às cooperativas habitacionais na produção ou aquisição de moradias.” (SILVA, 2009, p. 52).

No início a produção do BNH dizia priorizar às famílias com renda familiar entre 0 a 3 salários mínimos. Nesse contexto, as cooperativas eram destinadas ao público com renda entre 3 e 5 salários. Porém com o decorrer da ditadura, para promover o crescimento da construção civil, o BNH deixa de dirigir suas políticas a população mais pobre e muda os critérios da política cooperativista para tentar incluir a faixa de baixa renda. Entretanto, pela forte regulamentação estatal, a produção cooperativista pouco se diversifica. Com a queda do regime ditatorial e a formulação da Constituição de 1988 as cooperativas retomam sua independência do Estado típica de sua conceituação original. Contudo, dada a forte influência do mercado nas cooperativas durante anos da ditadura militar, mesmo com sua liberdade readquirida, grande parte delas continuou sendo compostas pela classe média, se formando apenas no período de construção das obras e se extinguindo ao fim dele. “Tais cooperativas têm, de um modo geral, características de cooperativa de consumo e pouca relação com iniciativas coletivas autogestionárias. Objetivando a redução de custos, os cooperados se unem apenas para a compra de materiais ou para a contratação de uma construtora que assume a execução das obras.” (SILVA, 2009, p.54)

As políticas de autoconstrução do BNH Durante a década de 1970 o “milagre econômico”, pelo qual o Brasil passava, começa a ser afetado pela crise mundial levando a uma diminuição dos investimentos públicos. Com o objetivo de atender à demanda habitacional da população de baixa, mesmo com a redução de gastos, o BNH cria novos programas habitacionais, alguns deles baseados na autoconstrução. O primeiro foi o PROFILURB, em 1975. Era um programa destinado à produção 26


de lotes urbanizados, basicamente para produzir loteamentos dotados de infra-estrutura básica, que às vezes, contavam também a construção de uma casa embrião. (VIDAL, 2008.) O programa não vingou sendo extinto em 1980. Entre os motivos apontados: o alto preço da terra urbana que encarecia o programa e a insegurança sobre a capacidade de pagamento das famílias de baixa renda em meio a uma crise econômica. O programa também foi criticado por urbanizar terrenos periféricos, dando surgimento a novas favelas. Em Fortaleza a ação do PROFILURB casaria perfeitamente com as iniciativas governamentais que visavam a remoção de favelas nas áreas centrais da cidade, deslocando a população de baixa renda para a periferia. (BRAGA, 1995) Em 1977 foi criado o FICAM – Programa de Financiamento da Construção, Conclusão e Ampliação ou Melhoria de Habitação de Interesse Social – financiava habitação para famílias inscritas na COHABs e poderia ser utilizado em conjunto com o PROFILURB. (VIDAL, 2008.) No final da década de 70, o número de favelas nas grandes cidades tornase cada vez mais alarmante. Desamparadas pelo poder público, essas comunidades começam processos de organização pela conquista de suas terras, com ocupações urbanas organizadas e mutirões autogeridos, que além de garantir o direito à moradia, questionavam também a ausência de cidadania. Nesse contexto o governo federal acaba com outros programas e lança, em 1979, o PROMORAR. Considerado como um programa de erradicação da sub-habitação, este pretendia incluir a participação dos moradores para promover a urbanização de favelas sem causar remoções, construindo moradias próximo ao local de intervenção. “Cabe ressaltar que o PROMORAR havia sido habilmente pensado e planejado nos escritórios dos tecnocratas, articulando diferentes estratégias para imprimir-lhe um impacto social. Tal “impacto” era propalado do ponto de vista de seu conteúdo, quando se propunha a atuar com famílias que dispunham de renda mensal entre 0 e 3 salários mínimos; não transferir as famílias residentes nas favelas para a periferia da cidade, pelo contrario, respeitar a infraestrutura e os serviços de consumo coletivos considerados como prioritários; criar oportunidades de emprego, através dos equipamentos comunitários instalados nas aéreas urbanizadas (creches, escolas, centros de saúde, oficinas de artesanato, centros desportivos, etc.); e do ponto de vista de sua metodologia consistia num apelo à participação popular, através de reuniões, debates, e discussão de planos que seriam capazes de produzir um espaço de relacionamento entre o governo e a população.” (BRAGA, 1995, p. 97)

Por isso, para o governo, o PROMORAR representava um meio de ganhar apoio durante a fase de transição democrática. Mas o programa produziu casas muito pequenas, chegando a medir 23m², e também não conseguiu atender de modo satisfatório as demandas da população de baixa renda, tendo uma produção bastante reduzida depois do terceiro ano de funcionamento, devido a grave crise política e econômica. (BONDUKI, 1992) Referencial Teórico | 27


Em paralelo, é lançado ainda, em 1983, o Projeto João-do-barro. O objetivo era financiar o material de construção e ofertar assessoria técnica de arquitetos e engenheiros para a regularização fundiária e autoconstrução de moradias. Porém, o programa também não conseguiu ter uma produção significativa realizando apenas 9.760 moradias em todo o país até o fim do BNH em 1986. (BRAGA, 1995) Vale ressaltar a atuação do PROMORAR em Fortaleza, onde o programa teve a possibilidade de acumular boa quantidade de recursos devido a relação de amizade e apoio político entre o ex-gorvenador Virgílio Távora e o então ministro do Interior Mario Andreazza. O discurso nacional de participação e de requalificação ao invés de remoção das favelas serviria perfeitamente para que o governador conseguisse apoio popular. Por isso ele acaba fazendo da moradia o seu carro chefe, criando a PROAFA, uma fundação que deveria administrar o PROMORAR em Fortaleza, diferentemente de outros lugares onde essa responsabilidade era encarregada às COHABs. Mas a atuação da PROAFA não se diferenciava do que era feito no resto do país, era dentro desta fundação que eram estabelecidas quais favelas seriam alvo de intervenção. Seguindo critérios próprios, os projetos eram elaborados a portas fechadas. Este mesmo órgão se encarregava de convencer os moradores a adotá-los, além de tentar estabelecer mecanismos de articulação e capacitação, como a construção de centros comunitários, representando uma forte intervenção do Estado nas ações das comunidades. “Assim, pois, o intento de introduzir no PROMORAR uma “metodologia participativa”, a partir da concepção do desenvolvimento comunitário, constitui uma forma encoberta de controle da população frente as mudanças de reanimação da sociedade civil. O conceito de participação proposto pelo Estado se reduzia a constituição de um canal, através do qual os técnicos apresentavam aos moradores informes sobre o programa, buscando gerar um espaço de adesão e/ou participação tutelada”. (BRAGA, 1995, p. 180)

Para uma primeira fase de implantação foram escolhidas cinco favelas: Morro de Santa Terezinha, Santa Cecília, Lagamar, Pirambu e Antonio Bezerra. Era planejada a construção de 11.000 casas somente nos primeiros quatros anos, mas por motivos que iam desde a resistência em algumas comunidades, dependendo do seu nível de organização, até a própria baixa de recursos que o programa teve em 83, coincidindo com a saída de Virgílio Távora, foram construídas apenas 5.626 unidades, o que representava pouco mais de 50% da meta, assim como apenas 7,85% do total de famílias faveladas em Fortaleza em 1985. Importante ressaltar o caráter clientelista que o programa teve, aspecto já presente nos programas sociais de governo em um Estado marcado pelo coronelismo, presente na atuação do governador, e principalmente, pela representação da primeira dama, Luíza Távora, que acompanhava os processos do PROMORAR em Fortaleza e fazia até falsas promessas, dizendo que o governador estaria pagando o financiamento que moradores deviam após a entrega das casas. (BRAGA, 1995)

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A farsa do processo participativo também fica clara na situação pós ocupação dos conjuntos, onde ocorreu um intenso processo de venda das chaves, não simplesmente pelo falso senso comunitário forjado pelo Estado, mas principalmente pelo posicionamento do programa de não se atentar à faixa de renda que se propunha a atender. Com o passar do tempo e com o avanço da crise econômica, o poder de compra dos mutuários foi reduzido. Assim, tornou-se impossível de se manter um conjunto onde teriam que pagar o financiamento, no prazo de 25 a 30 anos, e contas de água e luz, se vendo assim obrigadas a vender a chave da casa e retornar para as favelas. As falhas desses programas desvelam o objetivo real do BNH, que era dinamizar o mercado econômico da construção civil e não responder às demandas populares por moradia. Mesmo assim é importante reconhecer que ele trouxe alguns avanços em relação à política habitacional, como a preocupação em urbanizar sem promover remoções, e acabaram despertando debates quanto aos aspectos participativos das políticas públicas dentro dos movimentos sociais urbanos.

A experiência de São Paulo e o FUNAPS Comunitário São Paulo até hoje é referência no Brasil quando se fala de processos de construção autogestinários e assessorias técnicas de arquitetura e urbanismo. Esse processo ganha notoriedade a partir da década de 80 e para melhor entendê-lo é preciso conhecer alguns fatores. Do ponto de vista da militância profissional, naquela época alguns arquitetos e engenheiros já atuavam em comunidades de baixa renda, mas em 1982 é criado o Laboratório de Habitação no curso de Arquitetura da Faculdade de Belas Artes de São Paulo. Esta seria a primeira entidade oficial da cidade que tinha a proposta de fornecer assessoria técnica à parcela da população que não tem acesso os serviços profissionais do arquiteto. Essa experiência foi muito importante para a construção de uma formação profissional crítica dentro das universidades, já que o fechamento forçado do laboratório em 1986, fez com que muitos grupos surgissem em outras universidades, além das próprias assessorias independentes, que mais do que técnico desenvolviam um trabalho politico junto às lutas urbanas. (BONDUKI, 1992) As experiências de construção por ajuda mútua no Uruguai tiveram grande influência na ações em São Paulo, muito disso se deve ao engenheiro Guilherme Coelho que após retornar para a cidade também em 1982, apresentou em diversas faculdades, além do trabalho nas comunidades, filmes gravados em uma câmera super 8 sobre os resultados alcançados através da construção autogestionária feito pelas cooperativas habitacionais no Uruguai, onde passou um tempo de sua vida. (RONCONI, 1995) Quanto aos movimentos sociais urbanos, a década de 80 apresentou um contexto de alta capacidade de organização popular através das associações de bairro e das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Nessa época surgem as ocupações urbanas pelo direito à moradia, como a ocupação da Fazenda Referencial Teórico | 29


Itupu, que contou com cerca de 3.000 famílias, e pondo em questão o direito de propriedade, repercute nacionalmente, abrindo espaços para outras ocupações. (BONDUKI, 1992) Outro fator importante, foram os Encontros dos Movimentos de Moradia, na sua primeira edição em 1984, que teve como tema “por um cooperativismo de ajuda mútua e autogestão”, foram convidados representantes do cooperativismo uruguaio que puderam compartilhar suas experiências de construção por ajuda mutua. Já em 1985, realiza-se ainda um segundo encontro. Nesse foram discutidos os próprios mutirões de São Paulo, onde foram expostos o problema do supertrabalho, da manutenção de hierarquias, do machismo no canteiro de obras, podendo assim, avançar em aspectos organizativo do processo de autogestão. Nesse contexto, Luiza Erundina assume a prefeitura de São Paulo em 1989 com um programa de governo que se propunha a destinar recursos para enfrentar os problemas sociais. Para administrar os órgãos municipais de habitação a prefeita escolhe profissionais com histórico na luta dos mutirões autogeridos.6 “Em fins de 1989 a administração municipal de São Paulo, levando em conta toda essa trajetória dos movimentos por moradia e utilizando um fundo já existente, cria uma linha de financiamento municipal voltada para a construção de habitações realizadas em regime de mutirão.” (RONCONI, 1995, p. 11)

O Fundo de Atendimento à População Moradora em Habitação Subnormal - FUNAPS, foi criado pelo prefeito Olavo Egydio Setúbal em 1979, mas até então tinha sido utilizando em ações dispersas, como compra de material de construção, deslocamento de volta à origem, locação, melhorias em favelas e em algumas raras experiências pilotos de mutirão, como a urbanização da Favela Recanto da Alegria. (RONCONI, 1995) A nova gestão passa a utilizar esse fundo como FUNAPS Comunitário o qual visava atender às associações de bairro. Para receberam o investimento as entidades deveriam se organizar como sujeitos jurídicos compostos por no mínimo 20 e no máximo 200 famílias. O financiamento estimava valor máximo por família e por m², além de uma área mínima de 60 m² para garantir a qualidade das habitações. O valor incluía também: pagamento de assessoria técnica7, contratada pela própria população, compra de ferramentas, locação de equipamentos, organização do canteiro de obras e pagamento de mão de obra especializada. (RONCONI, 1995) “Todo o gerenciamento da mão-de-obra era feito pela população: o controle de gastos, a prestação de contas, registro contábil, a compra de materiais, o pagamento de mão-de-obra, enfim, todo o universo que compõe a realização de um empreedimento.” (RONCONI, 1995, p. 17). 6 Ermínia Maricato assume a Secretaria Municipal de Habitação e Desenvolvimento Urbano e Nabil Bondunki a Superintendência de habitação popular. 7 As assessorias deveriam se constituir quanto entidades sem fins lucrativos e prestar os serviços técnico, jurídico, contábil, administrativo e social. o orçamento para assessorias correspondia a 4% do total do financiamento, com um acréscimo máximo de 1% nos casos de projeto de infraestrutura complexa.

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O preço do terreno e da infraestrutura urbana estavam fora do financiamento para cada associação, sendo também uma atribuição do FUNAPS. Os recursos vinham do orçamento municipal, de financiamentos obtidos juntos à CEF e principalmente das operações interligadas realizadas pela Prefeitura de São Paulo, criadas desde a gestão anterior pelo Prefeito Jânio Quadros. É interessante fazer algumas considerações quanto ao FUNAPS Comunitário. “Esse financiamento não substituiu outras formas de organizar a produção de habitações, como empreiteiras, licitações e outras mais; ao contrario, somou-se ao leque de possibilidades, como um instrumento a mais. E assim como todo instrumento, como toda ferramenta, presta-se a um uso especifico. Destina-se as associações de mutirantes, legalmente constituídas.” (ROCONI, 1995, p. 16)

Ao assumir os órgãos municipais de habitação, as novas equipes encontraram vários projetos e contratos em andamento com muitas pendências, o que tomou tempo de trabalho, para poder por as atividades do FUNAPS em ordem. O sistema só conseguiu funcionar plenamente durante dois anos, sendo desmontado com o fim da gestão a partir de 1993. Durante seu tempo de vigência, foram assinados convênios para a construção de mais de 12.000 unidades somente na cidade de São Paulo e em maio do mesmo ano, 41,97% dessa unidades já estavam construídas, representando um bom rendimento em comparação a outras políticas habitacionais, surtindo influência na formulação de iniciativas semelhantes em diversas outras cidades.

O Programa Nacional de Mutirões Habitacionais Com o fim da ditadura militar, José Sarney assume a presidência após a morte de Tancredo Neves. Com o slogan “tudo pelo social” o novo governo dizia reconhecer à divida do Brasil com a população mais carente e tinha como meta combater a pobreza. Em 1986 o BNH é extinto e Sarney encarrega a Secretaria Especial de Ação Comunitária (SEAC) de desenvolver programas sociais de moradia especificamente para a população de baixa renda. Soma-se a isso a intenção de agregar as praticas que ja vinham sendo feitas em governos locais, sobretudo de governos progressistas e de esquerda, de aproximação entre movimentos populares e administração pública. Assim nasce o Programa Nacional de Mutirões Habitacionais. De acordo com seu plano de ação o projeto tinha como objetivo, “(…)a construção de casas para a população de baixa renda, com integração das prefeituras e das comunidades nas obras de infra-estrutura essencial(…) Pelo sistema de mobilização comunitária utilizada pela SEAC, os recursos ajustados pelo governo representam cerca de 37% do total do custo final das moradias construídas, cabendo as comunidades o favorecimento da mão-de-obra, que representa 40%, e às prefeituras o fornecimento de terrenos, obras de infra-estrutura e outros serviços que perfazem 23% do custo.” (Republica Federativa do Brasil, 1987:94 apud BRAGA, 1995, p. 107)

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Assim o programa tinha responsabilidades divididas entre o governo federal e os governos estaduais e locais. Além disso, deveria contar com o apoio comunitário. Porém é preciso ressaltar suas contradições em relação à participação social. Para receber os recursos, era obrigatório que as comunidades se organizassem como uma Sociedade Comunitária de Habitação (SCH). Só que na verdade essa nova entidade deveria seguir um estatuto que foi elaborado dentro dos escritórios tecnocráticos da SEAC. Elza Braga traz alguns trechos desse estatuto que explicitam as contradições de sua proposta: “Constituem-se órgãos deliberativos e executivos da Sociedade o Conselho Comunitário e a Assembleia Geral dos Associados. O Conselho Comunitário é composto por cinco membros, sendo dois deles indicados pelo Poder Público Conveniado onde se encontra estabelecida a sede da Sociedade, dois outros indicados pela Assembleia Geral dos Associados e um indicado pela SEAC.” (Cap. V, art. 13 apud BRAGA, 1995, p. 109) “O presente estatuto entrará em vigor na data de sua aprovação pela Assembleia Geral dos Associados, não podendo ser alterado no todo ou em partes sob pena da extinção da Sociedade.” (Cap. VI, art. 23 apud BRAGA, 1995, p. 109)

Outro problema das SCHs, foi que a obrigação de sua existência para realização do projeto acabava desmobilizando as associações e movimentos comunitários pré-existentes no território, além de dar abertura ao surgimento de pseudo-lideres em meio a emergência habitacional. Obviamente essas imposições autoritárias geraram pressão popular que culminaram em algumas mudanças e apesar de não conseguir extingui-las, a composição das SCHs foi alterada, sendo formadas por 2 membros do poder público e 3 da comunidade. (BRAGA, 1995) Além disso, antes havia também uma obrigatoriedade de que as famílias pagassem um valor referente a 10% do salário mínimo para a composição de um Fundo da Sociedade Comunitária, que deveria ser usado tanto na construção das casas como para melhoria do espaço. As reivindicações fizeram com que a quantia destinada a esse Fundo pudesse ser debatida e alterada de acordo com as assembleias. Em Fortaleza o desenvolvimento do Programa de Mutirões ficou responsável pela SDU/COHAB por parte do Governo do Estado e pela Fundação de Serviço Social de Fortaleza à nível Municipal. Importante destacar as diferenças entre os dois níveis. Segundo Braga, o plano de governo de Tasso Jereissati, tinha no seu discurso o combate ao empreguismo no setor público e ao coronelismo vigente no Estado, apostando na participação popular como mecanismo de transparência estatal. Já o governo municipal liderado por Maria Luiza, política com raízes ligadas ao Partido Revolucionário Operário, teve posicionamento bem mais crítico quanto a questão da participação da população. Elza Braga identifica algumas questões as quais o poder municipal se opunha, como: a exigência da criação das SCHs, a mão-de-obra não remunerada aplicada pelas famílias, 32


o pagamento referente a 10% do salário mínimo, o tamanho das casas, que chegavam a 25, 30 m², entre outras questões. “Além dos dilemas de natureza política, a Prefeitura de Fortaleza estava imersa em uma crise financeira, que limitava sua participação frente as exigências do programa, tais como desapropriação da área e construção de infraestrutura urbana.” (BRAGA, 1995, p. 212)

Por esses e outros motivos o governo estadual conseguiu produzir muito mais unidades em Fortaleza do que o governo municipal. Em dois anos, entre 87-89 o Estado construiu 2.224 casas dentre as 4.121 previstas, enquanto a Prefeitura construiu apenas 298 dentre as 985 previstas, totalizando 2.522 unidades construídas em Fortaleza. Outro ponto em relação ao Programa Nacional é que durante a época de sua aplicação a inflação no Brasil crescia incontrolavelmente. O governo dizia que para evitar que os recursos se tornassem escassos era exigido um tempo de estabelecimento e conclusão dos projetos muito pequeno. O rebaixamento do poder de compra dos recursos muitas vezes acabava implicando na diminuição do número de casas produzidas, consequentemente, na exclusão de algumas famílias (BRAGA, 1995). Essa rapidez no processo escondia também a intenção do governo em minimizar o surgimento de críticas, pressões políticas e constrangimentos causados pela escassez dos valores desatualizados. Além disso os líderes comunitários tinham que dialogar com o tecnicismo do poder publico sem uma capacitação prévia ou assessoria técnica. Diferentemente do PROMORAR, no Programa Mutirão, com as SCHs, as comunidades tinham mais autonomia em relação às decisões e ao controle de gastos, por outro lado esse aumento de autonomia representava na verdade uma ausência do estado, já que as comunidades não tinham suporte técnico para desenvolver os empreendimentos, como acontece com as Cooperativas Matrizes no Uruguai, ou com as assessorias técnicas independentes do FUNAPs Comunitário. Essas situações levam a se questionar até que ponto as intenções participativas do governo eram legítimas e o quanto elas poderiam surtir efeitos negativos no espaço comunitário, levando a população a discutir sobre a autonomia na relação entre movimentos sociais e Estado (BRAGA, 1995).

Crédito Solidário Durante o mandato de Fernando Henrique Cardoso o Brasil passa por um período sem grandes programas nacionais voltados para habitação de interesse social. O movimento popular estava desgastado com as falhas das experiências anteriores, que ao mesmo tempo serviram para criar um debate a cerca de uma política habitacional que levasse a autoconstrução como bandeira. Com a chegada de Lula ao poder em 2003, surge a esperança de que as pautas dos movimentos sociais urbanos venham a ser finalmente atendidas, Referencial Teórico | 33


mas vale ressaltar que apesar do presidente pertencer ao Partido dos Trabalhadores ainda era difícil que as demandas fossem assumidas já que “a organização institucional do Estado torna possível à burguesia permutar o papel dominante de um aparelho por outro e, mesmo no interior de cada aparelho, permutar os núcleos de poder.” (FERREIRA, 2014, p. 116) “Mesmo assim alguns avanços foram alcançados, como a criação do Ministério das Cidades em 2003, e a respeito da demanda habitacional, em 2004 Lula cria o Programa Crédito Solidário (PCS) que tinha como objetivo financiar empreendimentos habitacionais para famílias de baixa renda organizadas em associações, cooperativas, sindicatos ou entidades da sociedade civil organizada. (FERREIRA, 2014, p. 118)

Os recursos são oriundos do Fundo de Desenvolvimento Social, esse fundo foi criado em 93 e deveria ser destinado ao financiamento de projetos na área de habitação popular, mas seus recursos estavam ociosos até que em 2002 o Tribunal de Contas da União exigiu sua aplicação o que disponibilizou para o PCS um montante da ordem de 700 milhões de reais. (FERREIRA, 2014) O Programa determina o número máximo de unidades de acordo com o tamanho do município do empreedimento, são 200 unidades para cidades com mais de 300.000 habitantes, 100 para as que tem população entre 50.001 e 300.000 e 50 unidades para aquelas com até 50 mil habitantes. Também foi estipulado um valor máximo de cada unidade de acordo com o tamanho da cidade, R$30.000,00, para aquelas com mais de 100 mil habitantes; R$25.000,00, para municípios com população de até 100 mil; e R$ 20.000,00, para área rural e municípios com menos de 20.000 habitantes. (FERREIRA, 2014) “Participam do programa, aqueles com renda familiar de até R$1.125,00.8 A taxa de juros é zero e o prazo para pagamento é de até 240 (duzentos e quarenta) meses. O prazo de carência é o previsto para execução das obras, limitado a no mínimo 6 (seis) meses e no máximo de 24 (vinte e quatro) meses, podendo ser prorrogado até o máximo de 32 (trinta e dois) meses.” (FERREIRA, 2014, p. 120) “Entre as modalidades financiáveis, estão previstas: (i) a aquisição de terreno e construção; (ii) a construção em terreno próprio; (iii) a construção em terrenos de terceiros; (iv) a conclusão, ampliação ou reforma de unidade habitacional; (v) a aquisição de unidade construída; (vi) e a aquisição de imóveis para reabilitação urbana com fins habitacionais. Quanto ao regime de construção, o programa prevê que a construção das unidades pode ser feita: (i) por autoconstrução, (ii) pelo sistema de autoajuda ou mutirão, (iii) por administração direta e autogestão pelas cooperativas, associações e demais entidades da sociedade civil (com contratação de profissionais ou empresas para execução parcial dos serviços necessários à conclusão do empreendimento), (iv) ou por empreitada global (com contratação de empresas especializadas para 8 Famílias com renda até R$1.900,00 também podem participar, desde que limitadas a 10% (dez por cento) da composição do grupo associativo ou 35% (trinta e cinco por cento) de composição do grupo.

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execução total dos serviços necessários à conclusão do empreendimento).” (FERREIRA, 2014, p. 120)

Entre 2004 e 2011 foram assinados contratos para a construção de 341 empreendimentos em 21 estados da federação, totalizando 21.695 unidades habitacionais e 387 milhões de reais investidos. Os estados com maior número de operações são respectivamente são Rio Grande do Sul, com 104, Santa Catarina, 45, Goiás, 42 e São Paulo 22. Essa concentração pode ser explicada pelo histórico de alguns estados, como a forte presença de cooperativas rurais no Rio Grande do Sul, um histórico de políticas habitacionais de autoconstrução em Goiás e a já conhecida trajetória de organização por habitação no Estado de São Paulo. No Ceará foram realizados apenas 6 conjuntos e vale ressaltar que nenhum deles tinha ligação com os grandes movimentos nacionais de moradia. (FERREIRA, 2014) Importante ressaltar também alguns dados levantados por uma pesquisa de avaliação do Programa Crédito Solidário, “Quanto ao acesso a terra, a pesquisa concluiu que: (i) prevalece a negociação com proprietários privados; (ii) os empreendimentos em área central são exceção absoluta; (iii) a negociação com os órgãos públicos era fundamental pois os recursos eram insuficientes; (iv) os instrumentos urbanísticos (ZEIS, entre outros) não eram utilizados na viabilização da terra; (v) as áreas utilizadas consolidavam os espaços do entorno dos conjuntos existentes. Quanto aos aspectos produtivos, identificou diferentes tipologias habitacionais: conjuntos horizontais, casas assobradadas, solução verticalizada e reforma de prédio e identificou que, em termos de processo construtivo, o mutirão aparecia em casos isolados. Quanto ao processo de ocupação, a pesquisa identificou, entre outros aspectos: (i) a substituição da mão-de-obra ao longo da obra; (ii) a presença de equipamentos públicos no entorno e a previsão para novos, a partir da articulação das entidades e movimentos; (iii) o mutirão como mote para a mobilização e convivência das famílias.” (FERREIRA, 2014, p. 136)

Ação de Apoio à Produção Social da Moradia Apesar do Crédito Solidário representar grandes avanços nas demandas dos movimentos sociais, pode-se dizer que ele foi apenas uma das conquistas na trajetória dos movimentos nacionais de moradia, como MCP, MNLM, UNMP, CONAM e do FNRU que lutam por autonomia na produção de moradia desde de a década de 80 e conquistaram espaços com a criação Ministério das Cidades, da Conferência e do Conselho das Cidades. Mas a principal conquista desses movimentos ainda era aguarda desde 1991, quando foi realizada uma marcha nacional rumo a Brasilia para reivindicar a aprovação de um projeto de lei de iniciativa que popular que seria sancionado apenas em 2005, dando origem ao Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social e ao Fundo Nacional para Habitação de Interessa Social.

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A criação desse Fundo específico foi fruto de intensa discussão por parte dos movimentos para que existissem recursos permanentes garantidos por lei para que se pudesse executar plenamente a proposta de produção de moradia através de empreendimentos autogeridos mas, “(…) na hora “h”, retirou-se do texto da lei aprovada (Lei no 11.124/2005) a possibilidade das associações e cooperativas produzirem diretamente as moradias. A regulamentação da Lei do Sistema de Habitação concretizou-se em 2006, após a Marcha Nacional de Reforma Urbana de 2005. Mas, a alteração da Lei 11.124/2005, viabilizando o acesso aos fundos públicos para cooperativas e associações e a criação da Ação de Produção Social da Moradia (que não se viabilizou) ocorreram somente em 2007, logo após a Jornada de Lutas pela Reforma Urbana e Direito à Cidade.” (FERREIRA, 2014, p. 116)

Essa ação tinha objetivos e regras similares ao Crédito Solidário, porém os recursos deveriam vir do FNHIS, e como esses recursos eram oriundos apenas do Orçamento Geral da União a sistemática de repasses às entidades teria que seguir, conforme justificativa do governo, as mesmas exigências feitas para o repasse a estados e municípios. (FERREIRA, 2014) “As entidades, que já haviam se organizado com o PCS, se depararam com uma lógica completamente distinta e que se referia muito mais a estados e municípios do que a entidades sem fins lucrativos. Além disso, o Siconv (Sistema de Convênios) ainda estava sendo ajustado e carecia de diversos aperfeiçoamentos. Como todo o processo é baseado na Lei de Licitações, induzia à contratação por empreitada global, pois, no caso da autogestão, cada compra, ou contratação de mão de obra, deveria ser antecedida de um processo licitatório, o que, na prática, o inviabilizaria. Por fim, o FNHIS não poderia antecipar parcelas de recursos para obras, o que é fundamental para a atuação das entidades que não possuem capital de giro.” (RODRIGUES, 2013, p.71 apus FERREIRA, 2014, p. 141).

Já em março de 2009 é lançado o Programa Minha Casa Minha Vida, que traria condições de financiamento muito melhores para as unidades habitacionais e regras mais flexíveis. Sendo assim a co-existência desses 3 programas nacionais de habitação, frente as dificuldades de acesso ao financiamento pelo APSM, fazem com que esse projeto tenha uma baixíssima adesão e se torne praticamente inexistente.

Programa Minha Casa Minha Vida Entidades Diante da crise econômica internacional, o Programa Minha Casa Minha Vida é lançado pelo governo Lula para dinamizar o mercado da construção civil. Em sua primeira fase, era previsto o investimento de “34 bilhões de reais para a construção de 1 milhão de moradias. Destes 34 bilhões, 16 bilhões (400 mil unidades habitacionais) eram destinadas às famílias com renda de até 3 salários mínimos: 15 bilhões para serem acessados diretamente pelas construtoras e empreiteiras junto à

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Caixa Econômica Federal; e 1 bilhão, por associações e cooperativas, para construção em áreas urbanas e rurais. Para a construção em área urbana através das associações e cooperativas foram previstos apenas 500 milhões de reais na primeira fase do Programa.” (FERREIRA, 2014, p.143)

Posteriormente ainda foram lançados o PMCMV 2, com a meta de construir 2 milhões de unidades que trouxe algumas mudanças importantes, como definição de que 60% das unidades deveriam ser produzidas para famílias de baixa renda e mais recentemente o PMCMV 3, que acontece no atual contexto de crise econômica e política onde se tem poucas definições, mas que acabou priorizando as faixa de renda média e alta do programa. Para atender à demanda das associações e cooperativas habitacionais autogestionárias, ainda em 2011, foi criada uma modalidade específica dentro do PMCMV: o Programa Minha Casa Minha Vida Entidades, mas que representa menos 1% do valor investido no total. Nessa modalidade as Entidades Organizadoras (EO) que recebem o financiamento podem se constituir como uma cooperativa habitacional ou mista, uma associação ou uma entidade privada sem fins lucrativos.9 A numero máximo de unidades que pode ser executadas pela mesma Entidade varia de acordo com o tamanho do município, chegando ao limite de 1000 unidades. Os recursos específicos para a modalidade Entidades vem do FDS e os valores máximos por unidade dependem da região em que estão situados e da população do município, variando de R$49.000,00 a R$76.000,00. Para Fortaleza e Região Metropolitana de acordo com tabela da Caixa o valor é de R$63,000.00.10 O Programa tem em suas modalidades: “(i) aquisição de terreno e construção; (ii) construção em terreno próprio ou de terceiros; (iii) aquisição de imóvel novo ou para requalificação; (iv) contratação direta com a Entidade Organizadora em terreno de sua propriedade para construção, como substituta temporária dos beneficiários, vinculada à contratação futura com os beneficiários finais; e (v) contratação direta com a Entidade Organizadora para aquisição de terreno, pagamento de assistência técnica e despesas com legalização, como substituta temporária dos beneficiários, vinculado à contratação futura para a produção das unidades habitacionais. A construção das unidades pode ser feita: (i) através da autoconstrução pelos próprios beneficiários; (ii) por mutirão ou auto-ajuda; (iii) por autogestão; (iv) por administração direta; e (v) por empreitada global.” (FERREIRA, 2014, p.145)

Nos casos que envolvem autoconstrução e mutirão é obrigatória a contratação de uma assessoria técnica à escolha da EO e nos casos onde há verticalização, caso a entidade ou a assessoria não comprove experiência de obras, é 9 A Entidade Organizadora deverá estar habilitada conforme Portaria nº 747, do Ministério das Cidades, de 1º de dezembro de 2014, e suas alterações posteriores, no âmbito dos programas de habitação de interesse social geridos pelo Ministério das Cidades com recursos do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – FNHIS e do Fundo de Desenvolvimento Social – FDS. 10 Manual do Programa Minha Casa Minha Vida Entidades acessado através do link: <tinyurl.com/z9wp3hb>

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obrigatória a empreitada global, ou seja, a contratação uma construtora para assumir as obras. Vale ressaltar aqui que caso o empreedimento não seja por empreitada global é descontado um valor de 8% no total do financiamento, revelando a intenção do governo em induzir a construção por empresas privadas em detrimento de praticas autogestionárias. Desde o lançamento do programa, em março de 2009, até abril de 2015 foram assinados 350 contratos pela modalidade Entidades, o que representa 54.375 unidades habitacionais, tendo 19.813 sido concluídas até a data do levantamento. A soma do financiamento desses empreendimentos é de quase 1,2 bilhão de reais.11 Os Estados com o maior número de contratos são respectivamente, Rio Grande do Sul (70), Goiás (62) e São Paulo (61), o que segue a teoria sobre suas tradições em processos de autoconstrução e autogestão levantadas na avaliação do PCS. No Ceará há apenas 1 empreendimento, que foi dividido em 5 contratos, pela modalidade Entidades. O conjunto Luiz Gonzaga foi uma iniciativa do CEARAH Periferia em parceria com a ONG Habitat pela Humanidade e a Federação de Bairros e Favelas que reune diversas associações de bairro. O conjunto está em construção desde de março de 2016, contará com 1760 unidades, teve um investimento de R$ 130 milhões e é o maior conjunto dessa modalidade no país12. O empreedimento foi feito por empreitada Global e a Fujita é a construtora responsável pelas obras. O PMCMV Entidades foi importante dentro de sua política maior de habitação, porém, a formulação do programa acaba gerando uma indução da realização de empreendimentos com grandes construtoras privadas, o que simboliza um retrocesso na discussão sobre formas de produção de moradia que valorizem a organização popular.

Breve síntese sobre as políticas estudadas Com base nas políticas públicas aqui estudadas foi elaborado um gráfico a partir de uma análise preliminar sobre como o potencial de autonomia que essas políticas proporcionaram à comunidades organizadas se desenvolveu ao longo do tempo. Para a elaboração do mesmo foram levadas em conta, ainda supondo que elas tenham um mesmo peso, as seguintes variáveis: acesso à terra urbanizada (A); financiamento de material de construção (B); presença de assessoria técnica (C); capacidade de gestão do empreendimento (D); e a expressividade dessa política no enfrentamento do problema habitacional (E). Apesar de não serem leis nacionais, a Ley de Viviendas do Uruguai e o FUNAPS Comunitário também foram inclusas na linha do tempo pela sua importância como marcos referenciais para a legislação brasileira, assim como a extinção do BNH em 1986 e a criação do Ministério das Cidades em 2003, pois delimitam rupturas na história recente da produção habitacional. Percebe-se que o BNH passa a elaborar políticas de autoconstrução apenas no fim de sua atuação, em tempos de crise econômica e política, o que pode denunciar 11

Dados obtidos junto à CEF, acervo LEHAB.

12 Fonte em matérias acessada no dia 20/02/2017. Links: <tinyurl.com/yctjzxwh>/<tinyurl. com/y7bpobop>

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Figura 5 - Linha do tempo com políticas habitacionais de autoconstrução estudadas no trabalho. Fonte: Elaborado pelo autor.

o mal planejamento dessas políticas e o seu caráter populista. Essa mesma característica pode ser atribuída ao PNMH, que acontece durante o período de redemocratização. Percebe-se um esvaziamento de alternativas durante os anos 90 e com a chegada do governo Lula, aparecem políticas que tem a autogestão como bandeira, mas como foi estudado, estabelecem processos burocráticos que as tornam de difícil acesso, valorizando as alternativas por empreitada global, com contratação de construtoras.

2.3. A responsabilidade social do Arquiteto Para finalizar o capítulo será discutida a atuação profissional dos arquitetos urbanistas e a importância de, além de ampliar seus serviços a população marginalizada, (re)pensar criticamente sobre a reprodução de arranjos sociais convencionais que mantém hierarquias e privilégios na sociedade capitalista. Historicamente o acesso à arquitetura e ao urbanismo se restringe as classe dominantes. Para entender melhor o cenário brasileiro atual o CAU/BR realizou uma pesquisa onde foram entrevistadas mais de 2000 pessoas por todo o Brasil. Dentre os entrevistados, 54% já teriam construído ou reformado algum imóvel, A pesquisa indica que destes, menos de 15% utilizaram os serviços de um arquiteto ou engenheiro na obra.13 Cabe destacar que 51% eram imóveis residenciais e apenas 3% imóveis comerciais. A pesquisa aponta que a questão financeira é o principal motivo pela não contratação de arquitetos. No total, apenas 7% dos entrevistados já contrataram serviços desses profissionais, mas quando se analisam os entrevistados das classes AB e também dos que possuem ensino superior esse número cresce para 16% em ambos os casos. 13 Pesquisa realizada em aprceria com o DataFolha acessada em 03/02/2017. Link: <https://tinyurl.com/y8xln326>.

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Além dos números, as periferia das cidades brasileiras também refletem a dificuldade no acesso à serviços de arquitetos. Essa situação preocupou diversos profissionais que se mobilizaram ao longo da história para para tentar democratizar a arquitetura e o urbanismo, o que contribui com avanços nas políticas públicas, como pode ser visto na parte anterior, e tem como uma outra grande conquista o estabelecimento da Lei de Assistência Técnica em 2008 (Lei 11.888/2008).

A Lei de Assistência Técnica Para entender como se chegou na promulgação dessa lei, vale ressaltar aqui alguns momentos históricos importantes. “Uma das primeiras experiências nesse sentido foi o programa Assistência Técnica para Moradia Econômica (ATME), que teve inicio em 1976, na cidade de Porto Alegre. O programa foi promovido pelo Sindicato dos arquitetos em parceria com Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia de Porto Alegre (CREA), e teve como objetivo prestar assistência técnica para população de baixa renda na construção de suas habitações.” (GASPAR e XIMENES, 2013, p. 21)

Como visto anteriormente, na década de 80, houve um contexto de forte mobilização social onde diversos profissionais se engajaram na assessoria aos movimentos sociais, tanto para construção de projetos como para o acompanhamento técnico em processos burocráticos. Já na década de 1990, o debate em torno deste Direito ampliou-se e ganhou escala nacional, apoiando-se nos avanços obtidos pelos movimentos de Reforma Urbana na Constituição de 1988. (GASPAR e XIMENES, 2013). Durante essa década ainda surgem diversas propostas de governos municipais, como em São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte que tinham o objetivo de garantir serviços públicos em arquitetura para população de baixa renda. Vale destacar também o papel das Universidades, que frente a inércia do Estado, tem sido um espaço onde é possível realizar parcerias entre técnicos e comunidades, a exemplo do Laboratório de Habitação da Faculdade de Belas Artes de São Paulo de 1982, da criação dos Escritórios Modelo de Arquitetura e Urbanismo(EMAU) promovidos pela Federação Nacional dos Estudantes desde a década de 90, até os diversos grupos que hoje trabalham com a perspectiva da Extensão Universitária. Em 2001, com o Estatuto das Cidades a assistência técnica passa a ser formalizada como um instrumento da política urbana que deve ser oferecido gratuitamente na perspectiva da efetivação do Direito à moradia que agora também é reconhecido constitucionalmente. Apesar desse avanço, fazia-se ainda necessária a aprovação de uma Política Nacional e de uma legislação especifica. Esta demanda levou, finalmente, à aprovação da lei 11.888 de 24 de dezembro de 2008.(GASPAR e XIMENES, 2013) “Esta Lei assegura o direito das famílias de baixa renda à assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social, como parte

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integrante do direito social à moradia previsto no art. 6o da Constituição Federal (…).” (Lei nº 11.888/2008)

A lei determina que assistência técnica deve ser gratuita para famílias com renda mensal de até 3 salários mínimos, tanto em áreas urbanas como rurais. Esse direito “abrange todos os trabalhos de projeto, acompanhamento e execução da obra a cargo dos profissionais das áreas de arquitetura, urbanismo e engenharia necessários para a edificação, reforma, ampliação ou regularização fundiária da habitação.” (Lei nº 11.888/2008)

A prestação de serviço pode se dar por: servidores públicos; organizações não-governamentais sem fins lucrativos; profissionais inscritos em programas de residência acadêmica em arquitetura, urbanismo ou engenharia ou em programas de extensão universitária; por meio de escritórios-modelos ou escritórios públicos com atuação na área ou profissionais autônomos ou de equipes jurídicas selecionados e contratados pelo o Estado, assim como entidades de profissionais. A lei sinaliza ainda que os serviços de assistência técnica devem priorizar a implantação de iniciativas com regime de mutirão e projetos para áreas habitacionais declaradas por lei como de interesse social. Outro objetivo dessa legislação é “capacitar os profissionais e a comunidade usuária para a prestação dos serviços de assistência técnica previstos por esta Lei, podendo ser firmados convênios ou termos de parceria entre o ente público responsável e as entidades promotoras de programas de capacitação profissional, residência ou extensão universitária nas áreas de arquitetura, urbanismo ou engenharia.” (Lei n º11.888/2008)

e que essas parcerias devem “prever a busca de inovação tecnológica, a formulação de metodologias de caráter participativo e a democratização do conhecimento.” (Lei n º11.888/2008); Quanto ao financiamento, os serviços de assistência técnica devem ser custeados por: recursos de fundos federais direcionados à habitação de interesse social; por recursos públicos orçamentários ou por recursos privados. Por essa lei é acrescido ainda um parágrafo na legislação que trata do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) assegurando que todos os projetos de habitação social beneficiados por esse fundo devem envolver assistência técnica gratuita.

Um olhar crítico sobre a atuação profissional Sem dúvidas a Lei de Assistência Técnica traz um importante avanço para a garantia do direito à moradia. Porém na perspectiva de quebrar relações de poder para a construção de uma cidade mais democrática, é necessário (re)pensar a atuação profissional convencional tendo em vista a diminuição das hierarquias entre técnicos e comunidades.

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Afim de trazer elementos para tecer um posicionamento crítico sobre o exercício profissional, é interessante observar uma análise feita pelo grupo Morar de Outras Maneiras (MOM) sobre a atuação dos arquitetos nas favelas que “têm por critério fundamental o grau de abertura que as práticas dos arquitetos oferecem a decisões e ações das comunidades. Consideramos negativos processos que criam novas dependências para os (ditos) beneficiários, e avaliamos positivamente a ampliação do seu poder políticoespacial.” (KAPP et ali, 2012, p. 3)

Assim, o grupo conceitua três tipos de atuação, a tecnocrática, a missionária e a artística. É evidente que a idéia não é enquadrar inteiramente os profissionais nesses rótulos, mas dificilmente qualquer arquiteto que trabalhe com população de baixa renda não identifique suas prática em alguma dessas atuações. A chamada atuação artística talvez seja a menos pertinente para esse trabalho já que não tem o objetivo direto de resolver o problema da moradia. Ela se funda no raciocínio de que mudar a percepção das favelas, por seus moradores e a partir de fora, provocará outras transformações. (KAPP et ali, 2012) Para exemplificar essa ação o grupo examina dois projetos de arquitetos estrangeiros nas favelas do Rio de Janeiro14. De maneiras diferentes os dois projetos acabam se apropriando do espaço de maneira em que provavelmente não seria aceita em um bairro de classe média ou alta, sendo que a participação dos moradores algumas vezes se reduz ao trabalho braçal ou de “inspiração artística” enquanto essas obras acabam trazendo um reconhecimento muito maior para os artistas do que retorno para a comunidade. Essas iniciativas podem ser comparadas ainda a grandes projetos em favelas que tem o caráter de embelezamento e monumentalidade. Isso nos traz a um outro conceito importante para esse trabalho, a atuação tecnocrática, que “(…) caracteriza a situação em que os profissionais trabalham na cidade informal assumindo o papel de agentes da formalidade, isto é, como contratados ou funcionários do Estado. Sua atuação segue as diretrizes das políticas públicas que estão encarregados de implementar, de modo que se dedicarão a melhorias emergenciais ou grandes projetos, atendimento individual ou global, processos participativos ou impositivos, conforme ditam tais diretrizes.” (KAPP et ali, 2012, p. 3)

Nesse caso há pouco ou nenhum espaço para decisões tomadas, seja pelos profissionais que aplicam as regras, seja pelas comunidades, já que o principal objetivo é obedecer aos protocolos de racionalidade pré-estabelecidos, e mesmo que esses incluam a participação popular, o fazem apenas para cumprir a formalidade e mediar interesses contraditórios e não para discutir os problemas e transformar as soluções ao longo do tempo.

14 O projeto Favela Painting, dos artistas holandeses Dre Urhahn e Jeroen Koolhaas; e o projeto Faces of Favelas do artista francês JR.

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E o último conceito trazido aqui é da atuação missionária, que “(…) abrange o atendimento técnico direto a famílias ou grupos, seja de forma independente ou com vínculo a uma entidade mais ampla (ONG, instituição de ajuda humanitária, Estado estrangeiro etc.). Importa que, assim como o missionário prega sua cultura religiosa em lugares onde não é praticada, o arquiteto assume a tarefa de transferir a cultura ou o conhecimento do seu campo para um público que nunca teve acesso a ele, e tampouco dependeu dele para produzir seu espaço.” (KAPP et ali, 2012, p. 4)

A diferença para a atuação tecnocrática é que as imposições que acontecem aqui são mais sutis. Mesmo se abstendo das formalidades, a ação dos arquitetos missionários ainda está sujeita a reprodução de uma serie de costumes, posturas e convicções típicos de ambientes acadêmicos e de formação profissional que se baseiam na gênese histórica dos serviços convencionais de arquitetura a clientes de classe alta, onde ocorre uma lógica simples de solução de problemas na qual arquitetos continuam dominando a sabedoria do campo arquitetônico e criando dependências. Consciente ou inconscientemente, essas atuações tem o objetivo de melhorar a vida de pessoas segundo parâmetros pré-estabelecidos e não necessariamente de as fazer pensar criticamente sobre seus problemas, desenvolver suas próprias soluções e finalmente se emancipar dessas estruturas. Por isso essas ações sempre terão uma linha muito tênue com o assistencialismo, se distanciando dela a medida em que a autonomia dos sujeitos é aumentada. A partir do ponto desse serviço “missionário” as arquitetas Silke Kapp e Ana Paula Baltazar dissertam sobre a diferença do que seria a assistência técnica, que dá nome à lei 11.888 já que ela se inspirou no Sistema Único de Saúde e em outros ramos da assistência social, e a assessoria técnica, como é comumente referenciada a atuação de técnicos de diversas áreas que trabalham com os movimentos sociais urbanos. Para isso elas usam como referencia o filósofo Ivan Illich que tecia críticas sobre as numerosas missões de ajuda humanitária que começaram entre as década de 60, 70. Nesse período, grandes poderes econômicos internacionais, como Banco Mundial e os Estados Unidos, organizavam essas missões e propagavam uma “guerra à pobreza”, estabelecendo quais eram as necessidades dos países subdesenvolvidos (nomeados assim por eles), transformando populações inteiras em novos consumidores dessas novas necessidades. “tais agentes nada mais são do que propagadores de um modo de vida que torna as populações tidas por subdesenvolvidas dependentes de instituições (mercado, indústria, assalariamento, educação escolar etc.) das quais até então não precisavam e nas quais sempre ocuparão posições inferiores.” (ILLICH, 1968 apud BALTAZAR e KAPP, 2016, p. 4).

Assim elas comparam essa atuação missionaria com a atuação de arquitetos urbanistas que impõem seu ideal de necessidade a espaços que sempre foram construídos sem a intervenção profissional.

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“Seu pressuposto é que tais itens satisfariam necessidades universais, enquanto as cidades e moradias que a população produz por conta própria seriam apenas substitutos precários ou subnormais desses mesmos itens. Tal postura preconiza a imposição da cultura do arquiteto sobre a dos supostos clientes e usuários.” (BALTAZAR e KAPP, 2016, p. 4).

As pesquisadoras apresentam ainda alguns trabalhos que foram desenvolvidos que diferentemente do assistencialismo, teriam características de assessoria, que apontam para uma relação sem dominação, mesmo ainda sendo assimétrica. Para isso os arquitetos que trabalharam nessas ações procuraram criar interfaces que pudessem promover pensamento crítico e estimulasse ações autônomas dos assessorados. Um dos exemplos é a reforma de casas feita por mulheres da Ocupação Dandara. Em sua dissertação de mestrado, a arquiteta Carina Guedes propôs oficinas para que algumas ocupantes pudessem fazer o levantamento de suas próprias casas, para isso ela lhes deu uma pasta com uma serie de instrumentos: prancheta, trena, câmera fotográfica, etc. Com algum tempo as mulheres voltaram com os desenhos realizados e puderam pensar elas mesmas em quais eram suas demandas de reforma. Posteriormente Carina contratou ainda uma mestra de obras que conduziu uma oficina de construção para que elas pudessem realizar as modificações. “Ficou claro que, com a ajuda de interfaces, uma discreta mediação técnica inicial e a possibilidade de contarem umas com as outras, elas são perfeitamente capazes de planejar os espaços de suas casas e conduzir a execução de reformas. Os depoimentos explicitam esse ganho de autonomia individual e coletiva e a ruptura de relações de dependência: “Nossa, fui eu mesmo que construí. … Aqui em casa a gente colocou a torneira, toda vez que eu passo, ou então que vem alguém aqui, eu mostro…olha minha torneira que eu coloquei... eu sei colocar torneira.” “Eu senti que eu não preciso mais depender dos outros...eu tenho capacidade de fazer.” Finalmente, o processo também parece ter aumentado a confiança das mulheres em ações coletivas mais amplas: “Foi maravilhoso porque uniu nós, agora eu já tô fazendo parte da associação com elas”.” (FIGUEIREDO, 2014 apud BALTAZAR e KAPP, 2016, p. 12).

Assim, em cada novo espaço e cada nova situação, é preciso adotar uma postura na relação entre arquitetos e assessorados que se aproxime cada vez mais das noções de assessoria técnica destacadas aqui. “As características ou diretrizes que atribuímos à assessoria são, fundamentalmente: uma assimetria assumida entre técnicos e assessorados em vez de uma pretensa simetria; a abertura para algum ganho de autonomia, individual e coletiva, em vez da criação de novas dependências; a ampliação do imaginário acerca do espaço e de sua produção em vez da adesão a pressupostos abstratos e soluções técnicas que ainda desqualificam conhecimentos e práticas dos assessorados; e a rearticulação de uma esfera pública, diferente tanto da esfera privada, quanto da esfera social” (ARENDT, 2011 apud BALTAZAR e KAPP, 2016, p. 5)

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DIÁLOGO EM MOVIMENTO


3.1. Trajetória do autor A fim de realizar um trabalho final que pudesse contribuir com alguma comunidade organizada em Fortaleza, foi necessário acompanhar diversos processos e conhecer os diferentes atores na luta por moradia na cidade. Essa aproximação foi facilitada pela minha participação em diversos grupos que trabalham com extensão ao longo de minha formação, como o ArqPET, o Canto, e mais recentemente o LEHAB, laboratório o qual esse trabalho também faz parte. Outro reflexo importante da minha participação nesses grupos foi meu engajamento na Frente de Luta por Moradia, uma articulação que se formou na cidade e que tem origem do Comitê Popular da Copa e de um incipiente Fórum de Ocupações de Fortaleza. Hoje em dia componho essa articulação que é formada por diferentes comunidades, movimentos, assessorias jurídicas e técnicas, coletivos da cidade e ONGs de defesa dos Direitos Humanos que acompanham processos de gestão participativa em Fortaleza e promove formações em planejamento urbano e direito urbanístico. Todas essas atividades me puseram em contato constante com movimentos sociais e suas causas na cidade. Desde o início de 2016 venho procurando uma comunidade na qual pudesse estar trabalhando para formulação do meu projeto final. A primeira tentativa de estabelecer um vínculo com uma demanda específica veio a partir de alguns funcionários da Caixa Econômica Federal que procuraram o LEHAB e o Canto para a elaboração de um projeto piloto que se encaixasse na modalidade Entidades. Os próprios funcionários se sensibilizaram com as falhas que o PMCMV tradicional apresentava e procuraram esses grupos para que pudessem trabalhar com alguma das associações que já estavam cadastradas no banco, mas que não foram atendidas devido à falta dos projetos, os quais são exigidos para a liberação dos recursos. Infelizmente o contato com as entidades nomeadas pela Caixa não se desenvolveu devido a diferentes razões, em especial pela instabilidade política da época, que acabou com a paralização da aprovação dos projetos pela modalidade Entidades, levando as comunidades a desacreditarem nesse processo. Decidiu-se então, procurar ocupações urbanas que fossem lideradas por movimentos sociais em Fortaleza, pelo poder de organização e pressão dessas entidades. Assim, também como parte das atividades desenvolvidas no Observatório das Remoções1, foram realizadas visitas a 4 ocupações urbanas de Fortaleza promovidas por alguns dos movimentos sociais organizados de corte não clientelista, onde foram feitas entrevistas com os líderes dos diferentes movimentos. 1 O Observatório de Remoções é uma pesquisa-ação em rede nacional que é desenvolvida em Fortaleza pelo Laboratório de Estudos em Habitação da UFC que tem como objetivos denunciar os casos de remoção forçada. O Observatório das remoções integra as ações de extensão registradas junto à Pro-reitoria de Extensão da UFC do qual participei como pesquisador da pesquisa inicial para sua criação.

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Mapa 1 - Ocupações Urbanas lideradas por movimentos sociais em Fortaleza. Fonte: Elaborado pelo autor

Vale aqui mencionar que existem diversas ocupações urbanas em Fortaleza, mas não necessariamente organizadas ou lideradas por movimentos, devido à sua influencia na cidade foram escolhidos quatro casos: Ocupação Raízes da Praia do Movimento dos Conselhos Populares (MCP), na Praia do Futuro; Ocupação Manoel Lisboa liderada pelo Movimento de Luta nos Bairros e Favelas (MLB), no Centro; Ocupação Povo sem Medo feita no Grande Bom Jardim pelo Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST) e a Ocupação Gregório Bezerra da Unidades Classista no Conjunto Ceará. Nas visitas foram realizadas entrevistas com o objetivo de entender alguns aspectos, como: a história dos movimentos e como eles surgiram; a distribuição espacial dos movimentos em Fortaleza; suas estratégias de luta; a situação atual das ocupações, suas relações com o poder público e o mapeamento de suas conquistas e vitórias. A seguir apresentarei os resultados dessas visitas.

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3.2 Visitas às ocupações Ocupação Raízes da Praia A Ocupação Raízes da Praia teve início no dia 3 de julho de 2009, conta com 84 famílias e a maioria dessas pessoas tem origem de ocupações irregulares da própria região do entorno, como Moro da Vitória, Serviluz, Caça e Pesca e Lagoa do Coração. Ela foi organizada pelo Movimento dos Conselho Populares, organização que teve como um de seus marcos de criação em Fortaleza a Assembleia Popular da Cidade em abril de 2005. O MCP ainda atua em algumas partes da cidade como, além do Raízes da Praia, o Conjunto Palmeiras e o Pici. O principal objetivo do movimento é fortalecer os moradores na luta pelas demandas específicas de cada comunidade, melhorando as condições de vida em seus próprios territórios. Por isso mesmo a Ocupação Raízes da Praia sempre trabalhou para o fortalecimento e reconhecimento do grupo como comunidade e sempre pautou que as famílias fossem reassentadas no próprio local de ocupação, hoje lutando pela regularização fundiária. A comunidade ocupou um terreno abandonado na Praia do Futuro, que a após uma ordem de reintegração de posse, descobriu-se ser dividido em vários lotes, a comunidade teve que rearranjar algumas estruturas porém continuam ocupando o terreno até hoje. “- Ai a gente trouxe o pessoal dia 3 (…) quando foi 3 horas da tarde da tarde, aí chegou uma milícia por parte do proprietário, né? armada, querendo tirar o pessoal, batendo. -No meio do dia? -No meio do dia, atirando, batendo (…) bateram numas mulheres que tavam grávida aqui e tal, foi um reboliço danado.” (trecho de entrevista realizada na Ocupação Raízes da Praia no dia 07/10/2016)

Felizmente nesse processo a comunidade foi assistida juridicamente pelo Escritório de Direitos Humanos Frei Tito de Alencar. Durante a gestão da então prefeita Luizianne Lins, a Prefeitura ainda tinha alguma abertura ao dialogo com a comunidade e se comprometeu a fornecer energia elétrica e água gratuitamente e efetivar o direito a moradia dos ocupantes. Porém, com o início da gestão Roberto Cláudio o tratamento foi outro e a comunidade chegou a ser responsabilizada pela conta desses serviços básicos que foram cortados durante certo período. Hoje em dia alguns terrenos já estão em processo de usucapião, mas o dialogo com a Prefeitura para a construção das casas praticamente não existe mais. Além do EFTA, a Comunidade Raízes da Praia conta ainda com o apoio da Assessoria Jurídica Popular da Unichristus e desde de 2015 o ArqPET também vem assessorando a comunidade a fim de elaborar um projeto arquitetônico e urbanístico para a regularização fundiria. O grupo vem realizando uma serie de atividades na comunidade a fim de promover a autonomia dos moradores na elaboração de um projeto participativo.

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Mapa 2 - Atuação e conquistas do Movimento dos Conselhos Populares (MCP) em Fortaleza. Fonte: Elaborado pelo autor

Figura 6 - Comunidade Raízes da Praia, na Praia do Futuro. Fonte: Foto cedida por Raquel Leite.

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Ocupação Povo sem Medo A Ocupação Povo sem Medo teve origem no dia 20 de Maio de 2016 quando o MTST ocupou um terreno público vazio na região do Grande Bom Jardim, hoje a ocupação conta com mais de 3.000 famílias. O MTST é um movimento nacional que teve o coletivo estadual fundado no Ceará em 2010. Além das manifestações de rua, sua principal estratégia de luta são as ocupações. Em Fortaleza o movimento começou atuando na parte sudeste de cidade, Grande Messejana, Aerolândia, até a Sapiranga, mas devido há uma forte onda de violência, o grupo acabou se estabelecendo na região Sudoeste onde fica o Bom Jardim, e também em Maracanaú.

O MTST já realizou 5 ocupações na RMF, duas na Grande Messejana, duas Maracanaú e a Povo sem Medo no Grande Bom Jardim. Com essas ocupações foram conquistadas 400 unidades a serem entregues no José Euclides ou no Cidade Jardim 2, e cerca de 600 unidades no conjunto Orgulho do Ceará em Maracanaú. Quanto a escolha escolha do terreno alvo das ocupações, não há preferência entre ser públicos ou privados, mas geralmente são públicos e devem ter uma localização estratégica para realização de manifestações. “Todas as áreas vão ter uma coisa em comum, elas são capazes de parar a circulação de mercadoria, elas impactam na circulação de mercadoria, por exemplo, aqui a gente travou a BR, o anel viário, a gente fez a marcha na Osório, ta próximo do terminal, próximo da regional.” (trecho da entrevista realizada na Ocupação Povo sem Medo em 30/09/2016)

O diálogo com o poder público também não foi fácil, mas depois de algumas manifestações, o movimento conseguiu um acordo com Prefeitura e o Governo do Estado. O contrato prometia a entrega de 400 unidades construídas, divididas entre os conjuntos Alameda das Palmeiras e Cidade Jardim, e mais 3000 unidades a serem construídas em regimes de mutirão. Inicialmente a idéia era que fossem financiadas pelo PMCMV Entidades, mas mesmo com a paralização dessa verba federal, o contrato se comprometia com a construção dessas unidades à longa data. Foi prometido também o terreno ocupado para construção de moradia para a demanda da ocupação. Porém o terreno não suporta todas as 3.000 unidades e ficou acordado que seriam utilizados outros terrenos que o poder publico disponibilizaria que ficassem perto de eixos de transporte e do metro. O movimento entende que essas 3000 unidades seriam um projeto a longo prazo e que poderiam ser dadas inclusive soluções múltiplas, passando por lotes urbanizados, embriões habitacionais até as próprias unidades em si, utilizando a autoconstrução para criar soluções econômicas frente ao quadro atual de crise.

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Mapa 3 - Atuação e conquistas do Movimentos dos Trabalhadores sem Teto (MTST) em Fortaleza. Fonte: Elaborado pelo autor

Figura 8 - Núcleo LGBT da Ocupação Povo sem Medo.

Figura 9 - Visita à Ocupação Povo sem Medo.

Fonte: Acervo pessoal.

Fonte: Acervo pessoal.

Figura 7 - Visita à Ocupação Povo sem Medo no dia 30/09/2016. Fonte: Acervo pessoal.

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Ocupação Manoel Lisboa Cerca de 150 famílias do MLB ocuparam no dia 11 de julho de 2016 um prédio histórico que estava abandonado no Centro da cidade. As famílias tem origem principalmente dos bairros no qual o movimento se articula em Fortaleza: Curió, Henrique Jorge, Conjunto Ceará, Antonio Bezerra e Pan Americano, mas o MLB tem se organizado para expandir essa influência tendo em vista a demanda por moradia na cidade. Segundo entrevista com lideres, o movimento nasceu há cerca de 15 anos em Recife2. O MLB chega ao Ceará entre 2005 e 2006, tendo hoje representação em diversos estados e uma abrangência nacional. A principal estratégia de luta do movimento são as ocupações urbanas. Em Fortaleza, já foram realizadas cerca de 7 ocupações, a maioria em prédios públicos no Centro da Cidade. O grupo enxerga essa estratégia como meio de pressionar o poder público e geralmente não demandam que os locais ocupados sejam utilizados para moradia, porém sua mobilização não tem o intuito apenas de ganhar unidades mas também de gerar debate, conhecimento e discussão política sobre a reforma urbana. “Você mesmo deve saber, que de prédios abandonados já daria pra suprir o deficit habitacional brasileiro, e isso só usando os prédios desocupados, como esse aqui né, só que eles não querem resolver, porque sabem que com a especulação imobiliária eles ganham muito mais dinheiro com isso, né.” (trecho de entrevista realizada na Ocupação Manoel Lisboa em 21/09/2016)

Quanto a relação com o poder público, os entrevistados também citaram que o dialogo durante o governo municipal do PT era bem mais fácil, e que haviam até mapeado alguns terrenos públicos junto à prefeitura para que fossem construídas moradias para uma outra ocupação, porém não firmaram nenhum contrato e essas unidades nunca forma construídas. Já o governo atual é bem mais intolerante e por isso o grupo até responde de maneira mais resistente, a prefeitura chega a oferecer cestas básicas, mas ele resistem dizendo que não querem as cestas, pois o problema é a moradia. O movimento ainda critica o sistema de sorteio da Prefeitura, que acaba anulando as possibilidades de diálogo. Eles ainda conseguem se comunicar com a Secretaria das Cidades, do governo Estadual, que prometeu algumas unidades no Conjunto José Euclides, devido a outra ocupação do grupo. O Prédio que ocupam está bastante degradado e parte dele inclusive corre risco de desabamento, além disso é um prédio com valor histórico que permite poucas alterações e encontraria muita resistência por parte do poder público para ser usado para moradia, enquanto isso o movimento ainda não tem resposta sobre nenhum outro terreno para o reassentamento.

2 Algumas fontes de pesquisa mostram outras informações sobre a criação do movimento, que circunda geralmente entre as cidades de Belo Horizonte e Recife, por isso decidiu-se usar a informação coletada em entrevista com o MLB local.

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Mapa 4 - Atuação e consquitas do Movimento de Luta no Bairros, Vilas e Favelas (MLB) em Fortaleza. Fonte: Elaborado pelo autor

Figura 10 - Visita à Ocupação Manuel Lisboa em 21/09/2016. Fonte: Acervo pessoal. Foto: Gabriela Marques.

Figura 11 - Visita à Ocupação Manuel Lisboa em 21/09/2016. Fonte: Acervo pessoal. Foto: Gabriela Marques.

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Ocupação Gregório Bezerra Em agosto de 2016 cinquenta e duas famílias ocuparam um terreno no Conjunto Ceará, com pouco tempo essa ocupação autônoma foi despejada pela guarda municipal. A Unidade Classista organizou algumas dessas famílias e junto com pessoas de seus núcleos de base ocuparam o mesmo terreno na madrugada do dia 25 de setembro de 2016. Pouco mais de 50 dias depois eles sofreram outro despejo violento, a justificativa da Prefeitura é que a ocupação está dentro de uma área verde destinada ao lazer3. Desde de então, eles estão instalados em um barracão construído no final da rua ao lado do terreno e reivindicam moradia para cerca de 176 famílias que o movimento tem cadastrado até o momento da entrevista. “- Nove e meia da manhã os cara ja vieram com uma pá de trator, (…) foi logo arregaçando tudo, dando 10 minutos pra desocupar tudo. - Tinham alguma ordem judicial? - Não me deram, eu fui atrás, foi um doidim da regional com um papel, pediu. A grande maioria mulher que a gente tava no dia, e a gente preferiu não reagir(…) não ficou nada de pé.” (trecho de entrevista realizada na Ocupação Gregório bezerra dia 09/02/2017)

A Unidade Classista é um movimento nacional de base ligado ao Partido Comunista Brasileiro que se constituiu em 2012. O grupo trabalha questões sindicais, e a moradia é um dos assuntos que passam pelo movimento, a Gregório Bezerra é a primeira experiência de ocupação da Unidade Classista no Brasil. Alguns membros do movimento participaram da Comuna 17 de abril, onde hoje fica o Cidade Jardim, mas enquanto compunham o MCP. O movimento tem núcleos em várias partes da cidade, alguns dos bairros citados foram: João XXIII, Vila Peri, Canindezinho, Parque Araxá, Damas, Bom Jardim, Jardim União, Serviluz, Praia Mansa, Henrique Jorge e Genibaú, de onde vem a maior parte dos ocupantes. A negociação com o poder público não avança, a resposta é sempre ligada ao fato de não haver uma solução de política habitacional vigente. O órgão que ainda mostra alguma abertura para diálogo é a Secretaria das Cidades do Estado do Ceará. Apesar de não estarem ocupando o terreno para dormir, eles o limparam, pois antes estava completamente abandonado, instalaram um banheiro coletivo e fizeram uma pequena praça pública. A ocupação enfrenta ainda o problema de serem pouco aceitos pelas pessoas que moram no entorno, para tentar reverter a visão dos vizinhos, além de limpar o terreno, eles também ocuparam um prédio que seria destinado à uma escola profissionalizante que teve suas obras paralisadas. As duas ocupações ficam a cerca de 200m de distância, eles realizam as reuniões conjuntamente e se identificam unitariamente como Ocupação Gregório Bezerra. Essa última ocupação aconteceu na madrugada do dia 21 de abril, após a realização da entrevista. Eles conseguiram certa visibilidade e com uma matéria 3 Segundo dados do Núcleo de Habitação e Moradia da Defensoria Pública do Estado do Ceará.

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em um jornal local, porém as negociações com o poder público continuam paralisadas. Hoje cerca de 20 famílias moram no barracão originado do primeiro despejo e por volta 65 no prédio da escola.

Mapa 5 - Atuação e consquitas da Unidade Classista em Fortaleza. Fonte: Elaborado pelo autor

Figura 12 - B a r r a c ã o d a Ocupação Gregório Bezerra. Fonte: Acervo pessoal.

Figura 13 - Prédio ocupado pela Gregório Bezerra. Fonte: Acervo pessoal.

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3.3. Breve análise dos movimentos em Fortaleza Importante registrar aqui também algumas observações quanto ao contexto desses movimentos em Fortaleza. Dentre os grupos estudados o MCP é o mais antigo, junto ao MST esse movimento foi responsável pela criação da Comuna 17 de Abril, em 2009, onde hoje está localizado o conjunto Cidade Jardim. Porem devido a algumas discordâncias sobre essa ocupação, alguns membros se desligam do movimento e são esses membros, que se originam do Movimento dos Conselhos Populares, que fundam o coletivo estadual do MTST no Ceará e a Unidade Classista. “Só a título de lembrar, nós estávamos, nós do MCP, era quem ta hoje na Unidade Classista, quem ta no MTST e quem ta na Raízes da Praia, nós todos éramos MCP, todos.” (Fala de líder do MTST em entrevista realizada em 30/09/2016) “O MCP, que é essa galera da Unidade né, boa parte deles, saíram do MCP e passaram a construir, ainda na época do Cidade Jardim. Uma parte ficou no MCP outra parte foi pro PCB e uma parte saiu né, e eles construíram a Unidade.”(Fala de líder da Unidade Classista em entrevista realizada dia 09/02/2017)

Já o MLB em Fortaleza se origina pela força que movimento tem nacionalmente e pela influencia em algumas cidades próximas, principalmente de Recife. Na entrevista um dos líderes do movimentos em Fortaleza afirmou que eles também estão tentando se articular nacionalmente dentro da Central de Movimentos Populares (CMP). O MLB, o MTST e a UC juntos compõem ainda a Frente Povo sem Medo (FPSM) e por isso são aliados diretos e são importantes na cidade por serem capazes de mobilizar grandes manifestações para exercer pressão sobre o poder público. Hoje em dia a atuação do MCP tem se restringido à ocupação Raízes da Praia, aos poucos territórios onde ainda atuam e em algumas articulações com a Frente de Luta por Moradia, como na Comissão de Proposição e Acompanhamento da Regulamentação e Implantação das ZEIS4. A Unidade Classista também contribui com a Frente, mas os outros movimentos de ocupação pouco aparecem nesse espaço ou em outros de discussão ou gestão coletiva da cidade, promovendo seus próprios meios de articulação. Tendo em vista que as lutas as vezes acabam individualizadas, e analisando as estratégias de atuação e ocupação dos movimentos, e principalmente a localização das moradias ofertadas pelo poder público, pode-se dizer que esses grupos ainda tem pouca interferência nas dinâmicas hegemônicas do capital em Fortaleza. As ocupações em terrenos periféricos não quebram os privilégios de grandes grupos imobiliários da cidade, e podem até reforçar essas disparidades espaciais ao promover a densificação de áreas periféricas e a construção de conjuntos que o Estado acaba por realizar junto a grandes empreiteiras nas franjas da cidade. 4 Essa comissão é uma articulação entre representantes das 9 ZEIS prioritárias definidas pela Prefeitura (com a integração posterior da Vila Vicentina como 10ª ZEIS prioritária). membros da sociedade civil que junto com membros do poder público discutem sobre diferentes legislações para a regulamentação das ZEIS em Fortaleza.

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Mapa 6 - Atuação e conquistas das ocupações urbanas lideradas por movimentos sociais em Fortaleza. Fonte: Elaborado pelo autor

Contudo é preciso levar em conta que a ocupação é uma estratégia de luta que enfrenta formas de repressão extremamente violentas, como os despejos. É preciso reconhecer a força dos movimentos sociais urbanos e sua importância na articulação da defesa de uma cidade mais justa. Além do poder de pressão por manifestações, suas lutas envolvem processos de educação política que formam cidadãos críticos e combativos. E sem dúvidas, apesar das observações quanto as conquistas desses movimentos, eles cumprem um papel essencial de garantir moradia à pessoas que não tem onde se abrigar. Cabe ressaltar ainda que três das quatro ocupações visitadas se iniciaram somente no ano passado, mesmo ano em que o país passa por um golpe politico que ameaça os direitos sociais da população. No mesmo ano ainda são paralisadas as aprovações de empreendimentos pelo PMCMV para faixa 1. Pelo dialogo constante com os movimentos é perceptível que a luta deles é principalmente no sentido de exigir uma política alternativa que possa atender às suas demandas. Nesse sentido a FPSM conseguiu no ano passado um canal de diálogo com os poderes locais, promovidos pelo governo estadual a fim de encontrar uma solução para suas reivindicações por uma política habitacional. Pelo o que foi levantado nas entrevistas e reuniões com os movimentos, nesse espaço de diálogo o governo estadual pareceu favorável a elaboração de um projeto de 100 unidades habitacionais que fossem construídas em regime de mutirão que pudessem funcionar como um piloto para uma possível maior intervenção do Estado na questão da moradia. Porém diante da séria crise política que vem acontecendo no país, e com as articulações e demandas nacionais que esses movimentos possuem, esse diálogo com o governo estadual parece ter paralisado. Todavia, é importante tê-lo como mais um indicativo de que um projeto que tenha como conceitos o mutirão e autogestão possa realmente vir a ser implementado e por isso, esse numero de 100 unidades também será levado em conta no projeto. Diálogo em movimento | 57


3.4. Escolha do Caso Quanto a escolha de qual ocupação seria mais apropriada para trabalhar, primeiro foram levados em conta algumas questões básicas. A Comunidade Raízes da Praia já era assessorada pelo ArqPET e já tinha tinha um projeto em construção. Por isso não fazia tanto sentido interferir nesse processo. A Ocupação Manoel Lisboa tinha a dificuldade de ser em um prédio histórico que dificilmente seria transformado em habitação pelo poder público, além de também não ser o interesse do movimento. A incerteza de um terreno alternativo para implantação de moradia também fez com que o trabalho com esse grupo se tornasse inviável devido ao tempo disponível. Inicialmente a Ocupação Povo sem Medo no Bom Jardim seria a comunidade mais adequada para se trabalhar devido à promessa por parte do poder público de utilizar o terreno para a construção de moradia. Todavia, a intensa dinâmica deste movimento em sua agenda de lutas colocou-se como elemento dificultador da condução deste trabalho. Por sua vez, os contatos mantidos com a Comunidade Gregório Bezerra composta por membros da Unidade Classista foi progressivamente sendo facilitada graças aos permanentes encontros nos espaços de reivindicação que juntos frequentamos, como as reuniões da Frente de Luta por Moradia. Com isso, criou-se uma afinidade maior com a Ocupação Gregório Bezerra cujos situação de emergência e porte foram fatores importantes para sua escolha. Todavia, entendendo que este projeto corresponde a um exercício projetual que busca fortalecer as práticas autogestionárias realizadas por mutirões, pensa-se que seus resultados, enquanto processo, possam vir a contribuir não apenas com os movimentos contactados, como também a outros preexistentes ou que venham a se formar. Foram realizadas ainda conjuntamente duas oficinas com líderes do movimentos que compõem a FPSM, a primeira foi sobre Vazios Urbanos e uma segunda sobre políticas habitacionais que se baseavam na autoconstrução e autogestão, a fim fomentar o debate para a construção de alternativas de iniciativa popular. Posteriormente, como encaminhamentos dos Encontros das Resistências Urbanas5, foram realizadas ainda dois momentos de formação na Ocupação Gregório Bezerra, o primeiro, realizado em parceria com o Canto, foi a exibição do documentário sobre a Ocupação Dandara à pedido dos lideres de exemplos que pudessem motivar os ocupantes. O segundo foi uma formação sobre Vazios Urbanos realizada na própria ocupação, essa segunda teve o apoio do LEHAB e do Canto e contou com cerca de 30 participantes. Devido a essa relação estabelecida e a disponibilidade do movimento foi escolhida então a Ocupação Gregório Bezerra para que se pudesse construir de forma participativa uma projeto alternativo de habitação social. 5 Foram dois encontros promovidos pela Frente de Luta por Moradia em março de 2017 que tinham o objetivo de reunir e conectar coletivos que lutam pelo direito à cidade em Fortaleza.

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DIAGNÓSTICO


Neste capítulo será estudada a localização da Ocupação Gregório Bezerra segundo diferentes escalas. Primeiramente em relação a Fortaleza, investigando sobre a legislação urbana e como a região onde a OGB está inserida se estruturou na cidade. Posteriormente é analisada sua relação com o Conjunto Ceará e com o fato dela estar localizada no seu Polo de Lazer, o que acaba gerando mais conflito. Finalmente é dissertado sobre a oficina de metodologias participativas que ajudou no reconhecimento dos moradores da ocupação e na proposição de uma solução habitacional.

4.1. Ocupação Gregório Bezerra em Fortaleza A Ocupação Gregório Bezerra está a cerca de 13km do Centro de Fortaleza, no Bairro legislativo Conjunto Ceará I. De acordo com o zoneamento do PDP de Fortaleza de 2009, essa região não conta com nenhuma Zona Especial de interesse social, e a ocupação não está em conflito com nenhum recurso do macrozoneamento ambiental. Quanto ao macrozoneamento urbano, ela se localiza na Zona de Requalificação Urbana 1, que “caracteriza-se pela insuficiência ou precariedade da infraestrutura e dos serviços urbanos, principalmente de saneamento ambiental, carência de equipamentos e espaços públicos, pela presença de imóveis não utilizados e subutilizados e incidência de núcleos habitacionais de interesse social precários; destinando-se à requalificação urbanística e ambiental, à adequação das condições de habitabilidade, acessibilidade e mobilidade e à intensificação e dinamização do uso e ocupação do solo dos imóveis não utilizados e subutilizados.” (PDPFOR, 2009, pg. 13)

Porém, é importante ressaltar que o Conjunto Ceará, que engloba os bairros homônimos I e II, apresenta uma situação peculiar na estruturação urbana de Fortaleza. Ele surgiu a partir da construção de um conjunto habitacional conduzido pela COHAB-CE no final da década de 70 e começo de 80 e financiado pelo BNH. Foi um empreendimento destinado a famílias com faixa de renda entre 0 e 5 salários mínimos, porém pela maior capacidade de pagamento a grande maioria dos beneficiários estava na faixa entre 3 a 5 salários. Por isso apesar de está dentro da ZRU 1 e na fronteira da cidade ele tem características diferentes das periferias de Fortaleza. “Ao longo das décadas de 1970 e 1980 prevaleceram os grandes conjuntos periféricos, os quais, por ocasião de sua implantação, traziam consigo equipamentos sociais e redes de infra-estrutura, atendendo às demandas cadastradas na COHAB e utilizando recursos do BNH, desde a extinção do Sistema Financeiro de Habitação.” (PEQUENO, 2010, p. 103)

Por isso ao observarmos os mapas de saneamento, acesso à energia elétrica e coleta de lixo é possível perceber que, apesar de ele estar em uma região onde predominam bairros com infraestrutura escassa, o Conjunto Ceará apresenta índices semelhantes a outros bairros bem mais centrais de Fortaleza. Ao analisar o perfil da população do Conjunto é possível verificar essa mesma relação. Segundo os mapas de renda e alfabetização seus moradores tem essas características parecidas outros bairros pericentrais. A quantidade de 60


habitantes também é bem menor do que na maioria dos bairros periféricos que costumam concentram uma grande densidade populacional. Apesar disso é importante destacar que ele está na zona oeste da cidade, uma região muito pobre, onde se concentram os maiores índices de deficit habitacional, sendo a área de ponderação onde está o próprio conjunto uma das mais altas na cidade. As questões aqui expostas, com essa diferença de perfil entre os moradores do bairro e os ocupantes pode ser uma explicação ao fato ocupação causar tanta estranheza e oposição no bairro.

Mapa 7 - Zoneamento de Fortaleza segundo o Plano Diretor Participativo de 2009.. Fonte: SEUMA 2016, elaborado pelo autor

Mapa 8 - Déficit Habitacional por área de ponderação delimitada pelo IBGE. Fonte: LEHAB, 2017, elaborado pelo autor

Diagnóstico | 61


Mapa 9 - Mapas de Saneamento, Energia ElĂŠtrica e Coleta de Lixo por bairro de Fortaleza. Fonte: Fortaleza em Mapas, elaborado pelo autor

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Mapa 10 - Mapas de População, Renda Média e Alfabetização por bairro de Fortaleza. Fonte: Fortaleza em Mapas, elaborado pelo autor

Diagnóstico | 63



4.2. Ocupação Gregório Bezerra no Conjunto Ceará O Conjunto Ceará Como foi dito, desde a construção do Conjunto Ceará foram levados muito equipamentos públicos, o que possibilitou o desenvolvimento da região. Hoje existe uma diversidade ainda maior na oferta de serviços no bairro, tanto públicos como privados. O empreendimento residencial da COHAB / BNH que deu origem aos bairros foi construído em três etapas, o qual foi baseado no conceito de unidades de vizinhança. O bairro possui uma boa distribuição de equipamentos sociais em seu território, assim como áreas de lazer. Da mesma forma sua estrutura viária deixa claro a compartimentação de todo o conjunto fundamentada nesse conceito. Quanto aos equipamentos de educação, entre unidades municipais e estaduais o conjunto possui cerca de 18 centros educacionais públicos, entre escolas de ensino infantil, fundamental, médio, de jovens e adultos e profissionalizante. Destaca-se aqui o Liceu do Conjunto Ceará, o Centro de Ensino para Jovens e Adultos (CEJA), e Escola Estadual de Ensino Profissionalizante Prof. César Campelo. O conjunto também apresenta equipamentos de saúde em diferentes níveis, com o Centro de Saúde da Família Maciel de Brito, a Unidade de Pronto-atendimento do Conjunto Ceará e o Hospital Nossa Senhora da Conceição. Entre outros equipamentos públicos importantes, destacam-se o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), o terminal de ônibus do Conjunto Ceará e um Centro Social Urbano, que apesar de estar parcialmente desativado, ainda oferta aulas de dança e esportes. Ao analisar as áreas habitacionais do conjunto percebe-se que elas condizem com a diferença do poder aquisitivo de seus moradores em relação a outras periferias de Fortaleza. Em geral os lotes seguem o padrão de 11m de frente com 22m de fundo, um padrão bem elevado comparado a outros empreendimentos para habitação de interesse social. Isso fez com que ao passar dos anos, com a ausência de políticas publicas habitacionais, a população acabasse construindo outras casas no mesmo lote, gerando um alto índice de co-habitação, um dos componentes do deficit habitacional. “No caso dos conjuntos, a superfície do lote, especialmente dos conjuntos mais antigos, assim como a tipologia arquitetônica uni-familiar, fazem com que o próprio lote seja alvo de expansão do número de compartimentos da moradia, como nos mostra o caso dos Conjuntos Ceará e Araturi, e das áreas Manoel Sátiro, Jockey Clube e Vila Velha, todas com percentual de co-habitação superior a 97% do déficit.” (PEQUENO, 2010, p. 201).

Outro resultado do desenvolvimento local foi a expansão dos comércios e prestações de serviços. Eles se concentram principalmente em eixos estruturantes da região, como a avenida Central, hoje denominada Av. Ministro Albuquerque Lima, e algumas outras vias coletoras importantes. Diagnóstico | 65


Enquanto elemento ambiental estruturante merece ser destacado o canal do afluente do rio Maranguapinho que passa ao oeste do bairro. Apesar de seu curso natural não está dentro do Conjunto, o Maranguapinho fica a cerca de 1,5km do centro do bairro, revelando que os moradores do local possuem acesso a recursos hídricos com potencial paisagístico. O conjunto apresenta ainda uma boa quantidade de espaços livres e de lazer. Entretanto esses espaços livres possuem diferentes níveis de manutenção. Destes, os destacados no mapa correspondem aos que possuem uma estrutura regular e ordenada com a presença de quadras e bancos (Fig. 10). Porém é possível identificar também alguns espaços vazios que se configuram como terras carentes de infraestrutura apresentando apenas alguns caminhos naturais. (Fig.11).

Figura 14 - Espaço público mais bem adequado, estrutura com quadra, bancos e calçamento. Fonte: Google Street View.

Figura 15 - Área livre que deveria ser destinada ao lazer mas conta apenas com iluminação pública. Fonte: Google Street View.

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Ocupação Gregório Bezerra no Polo de Lazer A OGB está localizada dentro de uma área central do Conjunto Ceará. A região delimitada pela Av. Ministro Albuquerque Lima, Av. Alanis Maria Laurino de Oliveira, Av. F e pela rua Seiscentos e dois, é o Polo de Lazer do conjunto, uma centralidades para os birros. Hoje em dia ela concentra equipamentos públicos (Centro de Saúde, CRAS, Escola) e algumas articulações dos moradores (Conselho Comunitário, ONGs, etc.). Destaca-se também a presença de muitas igrejas e algumas ocupações irregulares privadas. Para além de estar em uma área verde destinada ao lazer, essa localização insere a OGB em outro conflito urbano. No início deste ano a COHAB-CE anunciou o leilão de alguns terrenos dentro do Polo de lazer, entre eles um antigo prédio da Caixa Econômica Federal e o Centro Comercial Patativa do Assaré. O antigo prédio da CEF hoje é ocupado pela sede do Território Criativo, uma ONG que trabalha com economia criativa e agrupa diversos coletivos. O Centro Patativa do Assaré, que inicialmente foi construído para comerciantes e que hoje em dia também abriga serviços públicos, como os Correios e o Dentran-CE, na verdade é reconhecido pelos moradores como Centro Cultural Patativa do Assaré, já que recebe algumas atividades e eventos gerenciados pela própria comunidade, como festas organizadas pelos jovens. Frente ao anúncio dos leilões formou-se uma articulação chamada S.O.S. Conjunto Ceará, composta por diversos grupos, entre eles o Território Criativo, o Conselho Comunitário do Conjunto Ceará e comerciantes do Patativa do Assaré. Essa articulação realizou uma serie de ocupações artísticas no Centro Cultural se opondo aos leilões, que deveriam ocorrer em Maio desse ano, mas que devido as manifestações foram temporariamente suspensos. Em resposta às privatizações, essa articulação vem ainda construindo uma proposta de minuta de lei para transformar toda a região citada no que eles chamam de Polo Criativo. Uma área voltada para o desenvolvimento de formas de economia criativa que estimulem o crescimento econômico endógeno da área e que tenha relação com produções ligadas a arte. Em um primeiro olhar, o S.O.S. Conjunto Ceará parece simpático à OGB, convidando-os para participar das reuniões e solicitando o apoio da ocupação. Porém ao participar de uma dessas reuniões, onde foi apresentada a idéia do polo criativo e o projeto de minuta de lei, fica claro que em nenhum momento essa articulação pensa no problema da moradia levantado pelos ocupantes. Percebe-se inclusive uma tensão entre alguns membros da articulação que reclamam que aqueles terrenos vazios ocupados, são terrenos que pertecem a todos os moradores do conjunto que pagaram por eles no momento da compra da casa e por isso devem ser utilizados para o lazer, assim como as áreas comuns de condomínios fechados. Em relação a esse novo conflito a própria ocupação Gregório Bezerra decidiu que seria melhor construir um projeto alternativo habitacional, sem se envolver, em um primeiro momento, com a articulação pelo Polo Criativo, tendo em vista que em nenhum momento essa proposta engloba a questão da habitação.


4.3. Oficina de levantamento social e participação popular Visando a construção do projeto habitacional, havia ainda a necessidade de conhecer melhor a realidade social dos militantes da OGB. Para isso decidiuse por aplicar metodologias baseadas no processo de Diagnóstico Rápido Urbano Participativo, o qual corresponde a um processo que procura incluir a participação de um determinado grupo para identificar suas características, potencialidades e necessidades. Como foi discutido no Referencial Teórico, outra questão importante nesse trabalho é estabelecer um processo de projeto que potencialize a autonomia dos ocupantes. Para isso procurou-se utilizar uma interface que proporcionase a participação dos moradores na construção das tipologias habitacionais a afim de incluí-los na discussão e também para possibilitar o levantamento de suas demandas através do desenho. Assim, na tarde do dia 12 de maio de 2017, realizou-se uma oficina para buscar de forma participativa traçar o perfil social dos ocupantes assim como formular uma tipologia de unidades habitacionais segundo os anseios dos moradores. No momento inicial estavam presentes cerca de 40 pessoas da Ocupação Gregório Bezerra. Para a aplicação do processo, além do autor do trabalho, estavam presentes também outros 4 estudantes de arquitetura voluntários: Breno Holanda, Gabriela Marques, Natalia Moura e Samuel Gomes. A oficina foi dividida ainda em 5 momentos. A primeira parte foi a apresentação dos técnicos presentes. Para entender o nosso papel, foi importante situar que o processo de produção de moradia o qual os participantes estão construindo ali é diferente dos meios tradicionais. Eles não estão comprando uma casa no mercado imobiliário ou apenas se cadastrando para receber um apartamento do poder público, eles se organizaram como movimento e ocuparam um terreno para cobrar a efetivação do seu direito fundamental à moradia. Foram exibidos alguns exemplos da produção tradicional de programas como o PMCMV a afim de demonstrar a generalidade desses conjuntos habitacionais. Desde o começo, também foi importante deixar claro para os participantes que o objetivo desse trabalho é criar um projeto arquitetônico alternativo que eles possam utilizar como mais uma ferramenta de luta. Isso era importante para evitar falsas expectativas dos moradores em relação a obtenção se suas moradias. No segundo momento os participantes se apresentaram respondendo a perguntas que nos possibilitasse reconhecer o perfil socioeconômico da comunidade, conhecer suas expectativas em relação às condições de moradia. Eles responderam sobre a formação de seu núcleo familiar, com quantas pessoas moram; discorreram também sobre a ocupação principal deles e suas atuais condições no mercado de trabalho, indicando se estão desempregados ou não. Falaram sobre sua trajetória habitacional indicando onde eles moravam antes de ir para a ocupação. Ao final também foi perguntado de forma coletiva o que eles sentiam necessidade em uma boa moradia. Nessa momento, houve poucas falas. Talvez pela timidez dos participantes ou por nunca terem sido consultados sobre o tema. 68


As respostas foram registradas em cartelas pelos voluntários que agruparam em uma folha de papel madeira as respostas de acordo com os temas: família e ocupação. Os locais de origem foram marcados com adesivos em um mapa com os bairros de Fortaleza. As falas quanto a qualidade de moradia foram divididas entre questões individuais e coletivas. O objetivo era que os participantes também pudessem visualizar o resultado e melhor entender as condições de vida no âmbito coletivo, enquanto grupo, considerando os aspectos acima mencionados. O terceiro momento foi baseado em uma ferramenta da Usina chamada “retomando o potencial criativo”, que “tem como objetivo incitar o novo, o criativo, a partir de referências de projetos diversos, em vários lugares do mundo, justamente para tirar do imaginário popular que habitação social tem que ser de péssima qualidade.” (USINA CTAH, 2015, p. 159).

Para isso foram rapidamente apresentados dois projetos. Primeiro, o conjunto Paulo Freire, elaborado por essa mesma assessoria técnica em São Paulo, que além de apresentar uma boa qualidade espacial e um diferencial pela estrutura metálica teve um processo de concepção que é referencia para o trabalho com a Gregório Bezerra. (Fig. 12) Em seguida, foi exposto o projeto Quinta Monroy do escritório chileno Elemental, pela boa qualidade arquitetônica, versatilidade do projeto e pelo destaque que teve como habitação de interesse social. (Fig. 13)

Figura 16 - Conjunto Pauilo Freire, São Paulo.

Figura 17 - Conjunto Paulo Freire, São Paulo..

Fonte: Archidaily Brasil.

Fonte: Archidaily Brasil.

Figura 18 - Quinta Monroy, Iquique, Chile.

Figura 19 - Quinta Monroy pós-ocupação, Iquique,Chile.

Fonte: Archidaily Brasil.

Fonte: Archidaily Brasil.

Diagnóstico | 69


Ao final desse momento houve uma discussão interessante. Uma das participantes perguntou quais as vantagens e se seria possível realizar um mutirão para a construção das casas, pois ela já havia participado de um. Foram expostas questões como o barateamento dos custos e a maior possibilidade de aceitação do governo tendo em vista a crise econômica. Outra participante rebateu os argumentos apontando que o mutirão isenta o poder público do dever de fazer cumprir o seu direito à moradia. Então, foi discutido coletivamente qual seria o modo mais fácil de ser realmente implementado, assim como qual teria maior rapidez e qualidade. Ao final se chegou a conclusão de que o mutirão seria a melhor solução. Em seguida foi a parte mais longa da oficina, onde os participantes divididos em grupos e orientados por um estudante de arquitetura, deveriam produzir suas próprias tipologias habitacionais. A idéia desse momento é entender como cada família se utiliza do espaço doméstico. Foram formados 4 grupos: 1 grupo exclusivamente de homens, outro de mulheres e dois grupos mistos. Essa divisão foi feita de acordo com as experiências de assessoria da Usina, e tem como objetivo explicitar como as diferentes pessoas utilizam o espaço. A idéia inicial era dividir entre: mulheres adultas, homens adultos, idosos e crianças, mas pelas características dos participantes durante o momento a divisão acabou acontecendo desta outra forma. Como interface para produção das tipologias foram impressos 4 jogos de móveis básicos em 2D na escala de 1/10 que deveriam ser dispostos pelos participantes em cima de uma folha A0 com um quadriculado claro de 2,5x2,5cm apenas para guiar os os espaços de circulação. “Pensar a planta da unidade habitacional a partir dos móveis pode parecer uma inversão para os arquitetos já que aprendemos que devemos começar pela cidade, analisando o que acontece no entorno da área onde será projeto, e só depois ir para edificação. No caso do processo compartilhado de projeto, os moveis são, de fato, o tema gerador para a discussão da casa. Cada um sabe o que deve caber na cozinha, na sala ou nos dormitórios.” (USINA CTAH, 2015, p. 161)

A distribuição desses elementos para montagem dos tipos arquitetônicos também seguiu as referências da Usina. “Iniciamos a atividade a partir da forma como cada um desses grupos usa os espaços de moradia, questionando as funções de cada ambiente, ainda sem nome ou definição (a partir de desenhos genéricos, sem definição de “cozinha”, “sala”, mas pelos usos e necessidades.)” (USINA CTAH, 2015, p. 160).

Ao longo da oficina, alguns participantes foram se dispersando, mas a maioria se reuniu ao final para o último momento onde se deu a apresentação das 4 tipologias por participantes de cada equipe. (Figs. 24 e 25).

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Figura 20 - Momento inicial com a apresentação da oficina. Fonte: Acervo pessoal.

Figura 23 - Divisão dos grupos.

Figura 24 - Momento de elaboração da tipologia.

Fonte: Acervo pessoal.

Fonte: Acervo pessoal.

Figura 21 - Elaboração do projeto do grupo de mulheres. Fonte: Acervo pessoal.

Figura 22 - Resultados do levantamento social.

Figura 25 - Morador apresentando projeto do grupo de homens.

Figura 26 - Apresentação dos projetos.

Fonte: Acervo pessoal.

Fonte: Acervo pessoal.

Fonte: Acervo pessoal.


Conhecendo o público alvo Importante aqui pontuar algumas questões que ocorrem por ocasião do reconhecimento do grupo a ser atendido. O número de participantes era muito maior do que o esperado. Assim sendo, o processo teve quer ser acelerado. Percebeu-se ainda que algumas pessoas respondiam algo que não se encaixava exatamente na ideia e não foi possível debater melhor a resposta. Além disso, enquanto aconteciam os depoimentos, outras pessoas ainda chegavam as quais eram chamadas por amigos a todo tempo. Como cada estudante de arquitetura ficou responsável por anotar uma informação diferente, o número de respostas em cada assunto foi variado em termos de resultado. Quanto a formação das famílias, foram levantadas 45 respostas. As respostas variam entre famílias com 1 até 7 componentes. Houve um caso onde foram contadas 13 pessoas. Considerando a hipótese de moradia ideal, relataram a preferência de continuarem a morar juntas. Em sua grande maioria, cerca de 2/3 das respostas, se situam no intervalo entre 3 a 5 membros. Quanto a ocupação dos participantes, foram obtidas respostas bem variadas. Variou de abatedor de frango a veterinário (não especificou se havia gradução), mas o interessante foi perceber que 5 das 34 ocupações levantadas eram trabalhadores da construção civil. Todavia, estes todos atualmente encontram-se desempregados. Essa situação inclusive era o perfil geral dos participantes, os únicos que que não estavam sem trabalho eram: uma estudante, uma aposentada e 5 ambulantes autônomos. Quanto a origem das famílias, foram catalogadas 52 respostas. Percebe-se uma grande relação da ocupação com as favelas do entorno principalmente do Genibaú, bairro de onde vieram 20 das pessoas que responderam a questão. Existem casos também de pessoas oriundas de municípios da RMF, como 3 vindas de Caucaia e 1 de Maracanaú. Houve ainda também pessoas de fora do Ceará, 2 de João Pessoa e 1 de São Paulo. Foram levantadas apenas 14 respostas quanto ao que agrega qualidade à moradia para os participantes. Todavia a maioria tinha relação com questões coletivas, com destaque para a questão do lazer e a presença de quadra de esporte. Interessante que no diagnóstico se percebeu uma boa concentração desses equipamentos no Conjunto Ceará. Numa análise ainda bastante preliminar, isso poderia ser o reflexo da rejeição dos moradores do bairro com a ocupação ou uma carência que essas pessoas tinham no local de onde vieram. Quantos às questões individuais apareceram alguns cômodos da casa que precisariam de maior atenção, como a sala, o quintal e a cozinha. Surge ainda como ponto para reflexão a possibilidade de expansão da casa e o fato de não pagar aluguel.

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Mapa 11 - Origem dos moradores da Ocupação Gregório Bezerra. Fonte: Elaborado pelo autor.

Figura 27 - Diagramas com a ocupação dos moradores da OGB. Fonte: Elaborado pelo autor través do site wordle.net.

Diagnóstico | 73


Tipologias habitacionais Importante ressaltar que como atividade de extensão nem tudo sai como planejado ou mesmo nem sempre aquilo que se buscou atingir vem a ser bem-sucedido. Faz parte do trabalho coletivo e participativo contar com estas incertezas e ao mesmo tempo, garantir certa flexibilidade na sua realização. Buscaremos agora expor algumas questões percebidas ao longo da etapa de montagem das tipologias, assim como uma análise dos resultados. Os participantes pareceram compreender bem os desenhos em planta. Era esperado certa dificuldade, quanto à bidimensionalidade, e por conta disso foi feito um manual relacionando a planta há um desenho esquemático de cada móvel, assim como cada unidade tinha seu nome escrito embaixo. Entretanto, com o número de pessoas maior que o esperado, esse manual acabou não sendo muito utilizado. Constatou-se que alguns participantes tiveram dificuldade, mas em geral as pessoas reconheciam os móveis e tinham curiosidade para descobrir sobre. Em alguns grupos houve dificuldades com o trabalho coletivo. Apenas em um grupo aconteceu uma certa rivalidade entre duas participantes, mas sem grandes desdobramentos ou constrangimentos. Um problema apontado foi a indisposição de algumas pessoas em participar pois julgavam que os estudantes poderiam fazer aquele trabalho melhor que eles. Por isso era sempre preciso falar sobre a importância e as vantagens da construção coletiva daquelas tipologias e dos conhecimentos que eles tinham. As tipologias habitacionais refletem as características das famílias. Todas foram feitas com dois quartos, em nenhum grupo foi sugerido a adição de um outro, o que é compreensível tendo vista que a maioria das famílias são formadas por 3 a 5 pessoas. Entretanto uma questão que apareceu em todos os grupos foi a presença de um segundo banheiro. Os facilitadores puseram em questão que a adição desse cômodo encareceria a obra, já que possui infraestrutura hidráulica e precisaria de uma atenção maior para a construção, Todavia, em um dos grupos, os participantes foram mais persistentes nessa questão e desenharam sua tipologia com dois banheiros. As cozinhas geralmente apresentam um tamanho relativamente grande comparadas às unidades de habitação de interesse social. É possível verificar também a presença de espaços de lazer junto às salas, que para alguns foram identificadas como varandas. Ao analisarmos a disposição destes espaços, percebe-se que algumas unidades foram concebidas se identificando como apartamento; já outras expressam mais características de uma casa térrea. Contudo, não houve uma definição específica em nenhum grupo. Mas o que mais chamou atenção foi o reflexo que a cultura machista teve na produção das tipologias. Na condução da montagem as repostas sobre as importâncias dos cômodos se diferenciavam muito de acordo com o gênero dos participantes. No grupo exclusivo de homens a primeira coisa que aparece é o “espaço para lazer” que toma forma na sala com o sofá e televisão. Enquanto nos outros grupos, onde havia presença feminina, a 74


cozinha e a área de serviço apareceram logo no início. No grupo masculino os últimos espaços a serem pensados foram o quarto dos filho e a área de serviço, que acabou sendo posta de forma despreocupada, fora de casa junto com uma grande área aberta que seria destinada também ao lazer ou para futuras expansões. Ao analisar a sala de estar dos grupos, percebe-se que a casa feita pelas mulheres é a única onde há apenas um sofá, enquanto nos outros grupos onde havia alguma presença masculina, todos usaram dois sofás. Essas observações revelam o reflexo do machismo onde a mulher ainda atribui à sua casa o espaço de trabalho, enquanto o homem atribui ao seu lar, o descanso e o lazer. Todas a informações foram importantes para compreender melhor as necessidades e demandas dos habitantes da OGB, essa tipologia agora dará forma as casas do conjunto habitacional projetado para eles.

Figura 28 - Tipo (A) elaborado por grupo misto 1.

Figura 29 - Tipo (B) elaborado por grupo misto 2.

Fonte: Acervo pessoal.

Fonte: Acervo pessoal.

Figura 30 - Tipo (C) elaborado pelo grupo de mulheres.

Figura 31 - Tipo (D) elaborado pelo grupo de homens.

Fonte: Acervo pessoal.

Fonte: Acervo pessoal.

Diagnóstico | 75


PROJETO


Nesse capítulo o projeto habitacional elaborado para a Ocupação Gregório Bezerra é apresentado em suas diferentes etapas. Apesar da concepção do mesmo ter se dado de forma transversal e não linear, tentou-se aqui organizar sequencialmente alguns pontos para seu melhor entendimento.

5.1. Programa O programa inicial desse trabalho abrange uma tipologia para habitação de interesse social, compreendida aqui como um conjunto de tipos. De acordo com as investigações realizadas ao longo da pesquisa, percebeu-se que nos diálogos entre os movimentos de ocupações e a Secretaria das Cidades do Governo do Estado, chegou a ser cogitada a elaboração de projeto piloto de 100 unidades habitacionais em regime de mutirão. A OGB conta com cerca 85 famílias. Porém cada vez chegam mais famílias à ocupação. De acordo com entrevista feita em fevereiro com os organizadores da ocupação, o cadastro já totalizava 176 famílias. Optou-se aqui por propor o total de 100 unidades, como um número razoável entre a necessidade da ocupação e uma possibilidade de construção financiada pelo governo, acreditando todavia na necessidade de que outros conjuntos venham a ser implementados em outros bairros. De acordo com os resultados da oficina a grande maioria das famílias tem suas demandas atendidas com casas de dois quartos. Apenas 5 das 44 respostas coletadas eram de famílias com 6 ou mais membros. Para que isso pudesse se refletir no projeto, tem-se com objetivo que pelo menos 12% das unidades sejam com três quartos. Há ainda duas famílias com necessidades especiais, uma cadeirante e um deficiente visual, que não foram levantadas na oficina mas apreendidas pelo contato constante com a ocupação.

5.2. Definição do Terreno Para definição do terreno foram levadas em conta várias questões levantadas ao longo dos capítulos anteriores, Diálogo em movimento e Diagnóstico. Importante ressaltar, que para um processo participativo ideal, deveriam ter sido feitas ainda outros momentos com o objetivo estabelecer junto com a comunidade qual terreno seria utilizado para que todos construam essa compreensão coletivamente. Apesar de não ter sido possível estabelecer os meios ideais, as diretrizes aqui estabelecidas decorrem de um constante acompanhamento da ocupação com visitas e reuniões, e pelo próprio diálogo com os líderes do movimento. Apesar do Polo de Lazer, local onde se insere a OGB, apresentar muitos terrenos vazios e/ou subutilizados, é importante ressaltar que aqueles terrenos são altamente disputados, tanto por pequenas forças individuais que também ocupam irregularmente, quanto pela instalação de equipamento pelo poder público, mas principalmente pela articulação dos moradores locais que querem preservar aquele espaço como uma área lazer como deveria ser desde o início. Projeto | 77


Tendo isso em vista, buscou-se escolher o terreno para a implantação das moradias de modo que ele impactasse o mínimo possível no caso de uma futura implantação de espaços públicos no Polo de Lazer. Considerando a presença de terreno livre em importantes vias tanto no eixo norte-sul quanto à oeste do Polo, pensou-se em utilizar a parte à leste dá área livre para deixar livre a conexão entre essas vias.

Mapa 12 - Fluxos e orientação para escolha do terreno. Fonte: Elaborado pelo autor.

Diante disto e partindo do processo que se iniciou com a elaboração da tipologia pelos moradores, tentou-se pensar em diversas possibilidades de implantação, com blocos de apartamento, casas geminadas, etc, Porém, tanto pela melhor inserção da paisagem, quanto pelo melhor aproveitamento do terreno na distribuição das habitações, optou-se por realizar um projeto de parcelamento em lotes, com a implantação em cada lote de uma unidade no térreo e outra sobreposta. Essa distribuição tem o objetivo também de facilitar a aceitação de novas moradias pelos vizinhos do bairro. Neste sentido, buscou-se que a nova quadra tivesse uma morfologia parecida com aquela presente no restante do Conjunto Ceará, visando minimizar a interferência na paisagem. As quadras da região foram construídas com cerca de 20 lotes cada, que eram distribuídos em duas fileiras adjacentes, criando uma quadra estreita onde cada lote tem 11m de frente por 22m de fundo. O loteamento proposto conta então com duas fileiras de lotes com 7m de frente por 16m de fundo, com dimensões que alteram entre eles devido a curva da quadra, mas que são proporcionais ao lote original do Conjunto e que totalizam em média uma área de 112m², sendo mais realista para produção de habitação 78


de interesse social que os mais de 220m² do lotes originais. Ao oeste dos lotes é proposta ainda uma via compartilhada para o acesso de pedestres e que permita o acesso extraordinário de ambulâncias ou de veículos às unidades com frente voltada à oeste. No centro da quadra é feita uma abertura para criar uma pausa na sequência de lotes e nesse espaço central é reservado também um lote para a implantação de um equipamento comunitário.

Mapa 13 - Implantação do loteamento proposto. Fonte: Elaborado pelo autor.

Tendo em vista o perfil dos moradores, onde destaca-se a presença de trabalhadores da construção civil e visando a integração do projeto ao conceito do Polo Criativo, levantado pelo S.O.S. Conjunto Ceará, pretende-se aliar essas questões à construção das unidades por mutirão e promover a formação de uma cooperativa habitacional, demanda que também vem dos membros da Unidade Classista, a qual teria sede no equipamento comunitário proposto. Assim, a cooperativa poderia contribuir para o desenvolvimento da região, proporcionando emprego para os moradores e serviços de construção e reforma de baixo custo. Isto responderia à demanda do Conjunto Ceará, que pela dimensão dos lotes iniciais, ainda apresenta casa em constante transformação. Deve ser feito ainda um procedimento legal para a utilização desse terreno. Segundo resposta da Prefeitura de Fortaleza à Defensoria Pública do Ceará, o terreno em questão é uma área verde destinada ao lazer, o qual para ser utilizado para habitação requer processo de desafetação, que o regulamentaria transformando-o de bem comum de uso do povo em bem dominial, permitindo assim que o poder público dê o uso que julgar necessário ao terreno, e principalmente possa realizar a concessão de direito real de uso aos futuros moradores. Para que esse procedimento seja realizado, é preciso que o poder público transforme um outro terreno de dimensões semelhantes em área verde de lazer. Porém, dentro do Conjunto Ceará os espaços livres parecem estar todos classificados como áreas verdes de lazer (Mapa 14). Por isso aqui é indicado que Projeto | 79


essa área possa ser um terreno próximo ao rio Maranguapinho, para viabilizar mais espaços de lazer e assim conter a ocupação às bordas desse recurso hídrico.

Mapa 14 - Bens patrimonais da PMF. Fonte: Habitafor, 2012, mapa elaborado pelo autor.

5.3. Diretrizes de Implantação O objetivo geral desse projeto é contribuir com a formulação de diretrizes para que a OGB possa construir suas casas de acordo com sua própria organização mas contando com um acompanhamento técnico que se possa aprimorar a qualidade das casas. Por isso o desenho dos lotes foi feito para que eles possam decidir posteriormente sobre a melhor ocupação dentro das alternativas expostas. Contudo, o terreno em questão apresenta algumas adversidades, como uma topografia que é bastante acidentada e uma disposição perpendicular em relação ao vento predominante de Fortaleza, que vem do Sudeste. Além disso, devido ao desenho curvilíneo, alguns lotes apresentam diferenças de áreas e característica diferentes entre eles, por isso aqui são dispostas algumas diretrizes para sua ocupação. Para que a quadra não fique tão extensa e para que seja possível uma ligação da via que passa paralelamente as casas e o interior do terreno vazio que futuramente poderá vir a ser um espaço público de qualidade, foi aberta uma outra pequena rua compartilhada, criando um espaço central no conjunto. Neste sentido, identifica-se uma localização ideal para implantação do Centro Comunitário e da Cooperativa habitacional. Quanto às unidades habitacionais, a maioria dos tipos desenhados tem dois quartos, porém, pela presença de famílias maiores, é necessário que haja um tipo com uma maior quantidade de compartimentos; além disso, para garantir que todos esses cômodos tenham entrada de luz e ventilação adequadas, é

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Mapa 15 - Topografia, direção do vento e iretrizes de implantação dos lotes. Fonte: Elaborado pelo autor.

recomendado que os lotes que ficam nos extremos e que possuem fachadas maiores sejam ocupados por casas com tipologia para famílias maiores. Quanto às diferenças criadas pelo desenho curvilíneo da quadra, dois lotes acabaram ficando com uma área superior aos demais. Pela necessidade de construção de casas adaptadas para cadeirantes que demanda um espaço maior, é fortemente recomendado que esses lotes maiores sejam destinados a receber as unidades adaptadas. Percebeu-se que por conta da topografia do terreno, algumas unidades habitacionais ficariam bem abaixo de outras que estariam justo na direção onde predomina a ventilação. Com isso, para evitar que futuras expansões afetem o potencial de condicionamento ambiental natural dessas unidades, é recomendado que estes lotes de cota mais baixa sejam destinados às famílias menores ou que não necessitem de expansões.

5.4. Compondo uma tipologia O objetivo aqui é trabalhar com os desenhos elaborados pelos moradores da ocupação Gregório Bezerra preservando as características mais marcantes em cada tipo e indicando as questões que levaram a propor modificações. Projeto | 81


Busca-se portanto, estabelecer um processo em que o saber técnico e o conhecimento popular se fundam visando o resultado de um projeto que tenha neste diálogo uma de suas virtudes. Primeiramente foi preciso ajustar a largura das casas ao tamanho do lote o qual foi definido de acordo com os desenhos originais, por isso se chegou a largura de 7m. Do jeito como foram elaborados, os tipos propostos também possuem alguma diferença entre suas áreas. Assim, pensando em estabelecer um módulo inicial de área igualitária para todos os moradores, tentou-se fazer com que as áreas dos novos tipos fossem semelhantes. Quanto às disposições para um melhor condicionamento ambiental, destacase que este aspecto esteve presente desde o início da concepção da tipologia. Durante sua elaboração, os facilitadores trabalharam junto aos moradores explicando a necessidade de aberturas em cada espaço e procurando criar pontos de ventilação cruzada. Para que se alcançasse as 100 unidades habitacionais optou-se por fazer as casas sem recuo lateral. Assim sendo, sua distribuição interna e das esquadrias também foram alteradas visando proporcionar um conforto ambiental em todos os ambientes, criando sistema de ventilação cruzada ao longo da planta. Algumas outras questões gerais para a mudança dos tipos ocorreu devido a questões estruturais e de gerenciamento da obra, como o fato de sempre tentar juntar em um mesmo quadrilátero as áreas molhadas da casa: cozinha, área de serviço e banheiro. Foram propostos 4 tipos: A, B, C e D. Agora são reveladas algumas questões de cada tipo. O tipo (A), elaborado por um dos grupos mistos, tem como principal diferencial a presença de dois banheiros. Algo que apareceu inicialmente em todos os grupos mas que ao longo do debate foi deixado de lado, exceto nesse grupo. Tendo em vista também a necessidade de uma tipologia pensada para famílias maiores, pensou-se em transformar esse tipo, na unidade com 3 quartos, transformando uma varanda ampla em um novo dormitório. O tipo (B), elaborado pelo outro grupos misto, tem como uma característica uma linearidade e entre a sala, cozinha e área de serviço, em paralelo aos quartos. Portanto, buscou-se preservar essa disposição, que possui a desvantagem da postura dianteira de um quarto, que pode comprometer sua privacidade. Por outro lado, se estabeleceu como o único tipo com acesso direto ao quintal a partir de uma parte mais pública da casa, a cozinha, diferente dos demais tipos cujo acesso ao quintal se faz pelos quartos. Os tipos (C) e (D) foram elaborados respectivamente pelo grupo exclusivos de mulheres e de homem. Os dois apresentam uma disposição semelhante, com os locais públicos como sala e cozinha na parte frontal da unidade, enquanto os quartos ficam voltados para o que seriam o fundo da casa. A diferença entre eles seria a importância entre esses espaços frontais da casa. Na unidade (C) elaborada pelas mulheres, a cozinha e a área de serviço tem uma área bem superior à sala, enquanto no tipo (D) feito pelos homens há áreas destinadas ao lazer, ou ao que seria esse estar em comum, o papel da sala. Por isso, as duas tipologias finais são semelhantes entre si, se diferenciando na importância dada a sala ou a cozinha. 82


ORIGINAIS 8

TIPOLOGIA (A)

6

PROPOSTAS

TIPOLOGIA (A)

área útil = 69,57m²

área útil = 57,73m²

9

7

1/ sala: 11,96 m2

1/ varanda: 10,01 m2

7 5

2/ sala: 12,90 m2

4

2/ circulação: 0,51 m2

5 8

6

3/ quarto I: 8,85 m2

3/ quarto I: 11,55 m2 4/ banheiro I: 4,05 m2 2

4/ banheiro I: 3,54 m2

4

2

5/ quarto II: 8,69 m2

5/ circulação: 2,25 m2

3

6/ banheiro II: 1,92 m2

3

6/ quarto II: 7,50 m2

1

7/ área de serviço: 3,25 m2

1

9

7/ banheiro II: 3,38 m2

8/ cozinha: 11,21 m2

8/ área de serviço: 3,53 m2

9/ quarto III: 7,80 m2

9/ cozinha: 14,40 m2

TIPOLOGIA (b)

TIPOLOGIA (b) área útil = 51,88m² 5

área útil = 57,69m²

1

4

4

5

1/ varanda: 5,25 m2 2/ sala: 12,96 m2

6

1/ sala: 15,10 m2 2

2

2/ cozinha: 11,15 m

3

3/ circulação: 2,30 m2

6

4/ cozinha: 10,09 m2

3/ área de serviço: 4,62 m2 2

3

1

5/ área de serviço: 3,37 m2 8

2

4/ quarto I: 10,22 m

7

6/ banheiro: 3,60 m2

5/ banheiro: 3,17 m2

7/ quarto I: 10,87 m2

2

8/ quarto II: 9,25 m2

6/ quarto II: 7,62 m

TIPOLOGIA (c) 2

TIPOLOGIA (c)

área útil = 57,82m²

1

área útil = 54,08m²

1 8

2

1/ sala: 11,25 m2

1/ varanda: 5,88 m2

4

2/ sala: 11,96 m2

2/ varanda: 3,00 m2

3/ circulação: 0,89 m2

3/ cozinha: 11,10 m2 6

3

4/ quarto I: 7,28 m2

4/ área de serviço: 6,56 m2

7

7

5/ banheiro: 2,98 m2

3

5

5/ quarto II: 9,75 m2 6/ banheiro: 3,25 m2

6/ circulação: 2,55 m2 4

8

7/ quarto I: 11,08 m2

5

7/ cozinha: 11,87 m2

6

8/ área de serviço: 3,20 m2

8/ quarto II: 9,30 m2

LESSA A = 64,99

TIPOLOGIA (d)

TIPOLOGIA (d)

área útil = 55,80m²

8

área útil = 65,49m²

6

1/ varanda: 3,73 m2 1

5

7

2/ sala: 18,91 m2

2

1/ área livre/lazer: 26,95 m

6 4 1

5

2/ sala: 12,08 m2

3 2

3/ quarto I: 6,88 m

2

4/ quarto I: 9,88 m2 4

4/ banheiro: 3,37 m2 2

3

3/ circulação: 1,08 m2

5/ quarto II: 9,68 m2 6/ banheiro: 3,60 m2

2

5/ quarto II: 5,95 m

7/ cozinha: 6,00 m2

6/ cozinha: 10,26 m2

8/ área de serviço: 2,92 m2

Figura 32 - Tipologias elaboradas na oficina. Escala 1/150.

Figura 33 - Tipologias modificadas. Escala 1/150.

Fonte: Elaborado pelo autor.

Fonte: Elaborado pelo autor.


5.5. Infraestrutura e construção Ao pensar na técnica construtiva para a nova ocupação, foram levantadas várias referências que escapam da lógica inicial de construção com alvenaria, à exemplo das obras mostradas na oficina, como o Conjunto Paulo Freire feito em estrutura metálica que permite a adaptação das unidades. Porém, algumas questões fizeram com que o sistema escolhido fosse a alvenaria estrutural com lajes treliçadas. Primeiramente, diante do quadro de crise econômica em que o Estado se encontra, mesmo que outros métodos construtivos apresentem um custo semelhante, não haveria tempo hábil para desenvolver um estudo que provasse isso aos gestores públicos, sendo a alvenaria o método conhecido popularmente como mais econômico. Em segundo lugar, o próprio fato da construção ser planejada por mutirão, e os conhecimentos necessários para a construção em alvenaria estrutural são mais difundidos e de mais fácil aproximação para os moradores da OGB. Além das unidades serem apenas de térreo mais um andar, não sendo necessário portanto, tecnologias mais complexas de construção. Como foi comentado, a disposição interna das unidades também foi pensada para facilitar o processo construtivo das casas por mutirão. Levando em conta o que foi discutido no referencial teórico, no que se refere às mudanças que o mutirão teve ao longos dos anos, com uma maior presença de serviços terceirizados com o objetivo de diminuir o “sobretrabalho” do moradores, buscou-se pensar na ordem de construção das unidades. Por isso, as áreas molhadas, foram dispostas em um mesmo bloco para que, havendo a possibilidade de contratação, essa parte pudesse ser feita com apoio de mão-de-obra especializada. Outra questão construtiva importante que também influenciou na nova formação das plantas foi a possibilidade do acréscimo de novo cômodo na casa. Como exemplificado nas plantas dos tipos, ele pode vir a ser tanto um quarto para famílias maiores, quanto um cômodo para comércio ou serviços viabilizando um espaço para o trabalho e geração de renda para as famílias. As expansões foram pensadas de modo que as novas esquadrias possam ser abertas onde já existam vergas de esquadrias originais, assegurando a estrutura das unidades. Em algumas unidades foram incluídas também bandeiras nas aberturas para que quando o novo espaço for criado, as esquadrias mais baixas possam ser fechadas para garantir privacidade ao novo cômodo. Assim a permanência das bandeiras asseguraria o conforto ambiental natural. Pelo preço e pela facilidade, a maioria das janelas são de alumínio e vidro, portas de mdf, e no tipo (C) é utilizada uma vedação em cobogó, na parte da área de serviço, tanto para proporcionar ventilação e iluminação, quanto para compor a fachada da unidade. Tratando-se de alvenaria estrutural, a planta do térreo é sempre repetida no andar de cima. Isso facilitou também o trabalho com as fachadas, onde a pintura de paredes que sacam ou varandas que entra no bloco criam um jogo de volumes agregando valor a fachada.

84

G


GSEducationalVersion

TIPOLOGIA (b) área útil = 64,89m²

1

1/ varanda: 2,00 m2

4

2

5

2/ sala: 12,96 m2 3/ circulação: 2,30 m2

3

4/ cozinha: 10,09 m2

6

9

5/ área de serviço: 3,37 m2 6/ banheiro: 3,60 m2 8

7

7/ quarto I: 10,87 m2 8/ quarto II: 9,25 m2 9/ quarto III: 7,20 m2 [exemplo expansão]

TIPOLOGIA (c) área útil = 61,28m² 1/ varanda: 5,88 m2

1 2

4

2/ sala: 11,96 m2 3/ circulação: 0,89 m2 4/ quarto I: 7,28 m2

3

5/ quarto II: 9,75 m2 5

7

6/ banheiro: 3,25 m2 7/ cozinha: 11,87 m2

9

8

6

8/ área de serviço: 3,20 m2 9/ comércio: 7,20 m2 [exemplo expansão]

TIPOLOGIA (d) área útil = 63,74m² 1/ varanda: 3,73 m2 2/ sala: 18,91 m2 1

3/ circulação: 1,08 m2 4/ quarto I: 9,88 m2 5/ quarto II: 9,68 m2 6/ banheiro: 3,60 m2 7/ cozinha: 6,00 m2

9

8/ área de serviço: 2,92 m2 9/ quarto III: 7,94 m2 [exemplo expansão]

TIPOLOGIA (pne)

área útil = 59,88/70,38m²

6 5 7

1/ sala: 18,43 m2 2/ circulação: 2,07 m2 3

2

3/ banheiro: 5,13 m2

4/ quarto I: 11,40 m2 1 8

4

5/ quarto II: 11,00 m2 6/ área de serviço: 2,53 m2

7/ cozinha: 9,32 m2 8/ comércio: 10,50 m2 [exemplo expansão]

Figura 34 - Tipologias modificadas com possibilidade de expansão. Escala 1/150 Fonte: Elaborado pelo autor.

Projeto | 85


Tipologia (A)

Tipologia (C)

Tipologia (B)

Tipologia (D)

Figura 35 - Fachadas das tipologias. Sem Escala. Fonte: Elaborado pelo autor.

Centro Comunitário O equipamento foi pensado de forma mais versátil possível. Tendo em vista a implantação da cooperativa habitacional foi feito um galpão com um pé direito duplo para que, se necessário, possam ser guardadas máquinas de construção de maior porte. No térreo há ainda uma cozinha coletiva, banheiros e um pequeno armazém. No andar superior foram feitas duas salas que podem ser dadas o uso que a comunidade achar necessário.

86


Centro Comunitário

2

3

1

3

6

4

5

6

7

8

térreo

Figura 36 - Planta baixa Centro Comunitário.Escala 1/100.

1/ galpão: 52,59 m2 2/ cozinha coletiva: 14,15 m2

Fonte: Elaborado pelo autor.

pavimento superior

3/ wc: 7,12 m2 4/ wc pne: 4,23 m2

6/ sala multiuso: 14,15 m2 2

5/ armazém: 4,11 m

7/ sala multiuso: 15,21 m2

6/ circulação: 5,20 m2

8/ mezanino: 29,94 m2

Projeto | 87 GSEducationalVersion


5.6. Um horizonte possível Aqui é feita uma simulação de implantação de acordo com as diretrizes estabelecidas durante o capítulo. Com isso, é possível ter uma idéia melhor da inserção no conjunto no bairro e obter desenhos técnicos como fachadas e cortes.

Mapa 16 - Simulação de Implantação do conjunto habitacional. Fonte: Elaborado pelo autor.

88


corte aa

corte bb

corte cc

corte dd Figura 37 - Cortes.Escala 1/250. Fonte: Elaborado pelo autor.

Projeto | 89


Figura 38 - Vista geral da implantação do conjunto. Figura 39 - Vista da rua seiscentos e dois.


Figura 40 - Vista do Centro Comunitรกrio no centro do conjunto.


CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir da experiência vivida com esse trabalho foi possível aprender que, ao unir o saber popular, a prática dos movimentos sociais e o conhecimento técnico, é possível construir ferramentas que possam desenhar um cidade mais digna para todos e atenta às diferentes realidades que a constituem. O Brasil tem uma vasta história de associação entre esses atores e já possui mesmo meios e políticas em que, havendo interesse político de implementálas, podem ser bem utilizadas para construção de moradia digna a quem precisa. O projeto aqui desenvolvido tentou maximizar a participação popular mesmo com o curto período de tempo definido para a elaboração de um Trabalho Final de Gradução. Porém, há ainda interesse tanto por parte de técnicos quanto dos movimentos sociais de amplificar esses processos participativos para que os projetos se adequem melhor à realidade de suas demandas. Esse trabalho não se encerra aqui e tampouco é algo isolado e individual, ele é apenas mais um exemplo do engajamento político da Universidade e de profissionais de arquitetura e urbanismo na luta pela construção de uma cidade mais democrática. É o começo de uma parceria para garantir o direito à moradia dos moradores da Ocupação Gregório Bezerra. Que, assim como outras tantas iniciativas que existiram e existem, ele se multiplique para cada vez mais transformar a luta popular na garantia efetiva de direitos básicos de todo cidadão.

92


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94


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Bibliografia | 95


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