Onda Diferente: a maconha na música pop brasileira

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO CENTRO DE ESTUDOS LATINO-AMERICANOS SOBRE CULTURA E COMUNICAÇÃO

LUCAS RODRIGUES

Onda diferente: a maconha na música pop brasileira

RESUMO

Desde 2018, a música pop brasileira falou mais sobre maconha. Ao todo, cinco canções com fortes campanhas de marketing tomaram as plataformas e geraram discussões na mídia online. Um ponto em comum entre todas é a ausência do discurso antiproibicionista de décadas atrás. A fim de compreender o movimento, esta pesquisa buscou traçar um panorama histórico acerca da proibição da maconha no Brasil juntamente com movimentos musicais semelhantes. O texto apresenta um comparativo entre os sentidos produzidos pelas músicas de Iza, Anitta, Ludmilla, Luisa Sonza, Vitão e Glória Groove em paralelo às consequências da atual Lei de Drogas de 2006 e o projeto de legalização para fins medicinais e industriais proposto em 2020.

Palavras-chave: Música pop, Cannabis, Lei de Drogas

1.

Maconha e música em meio a um paradigma Não é exclusivo do nosso tempo, nem mesmo do Brasil, que a ​cannabis

sativa ronda o imaginário popular. São centenas os conflitos e movimentos sociais ocasionados por conta da substância ilegal mais usada no mundo. E não é por


acaso. Rowan Robinson1 (1996, apud BRANDÃO, 2017) mostra que a relação entre homem e maconha existe há mais de 8 mil anos, seja para fins terapêuticos ou medicinais, espirituais e, até mesmo, como chamamos hoje, uso recreativo. Como diz o neurocientista Sidarta Ribeiro (Santa Cannabis, 2019, 1 min 17), é possível afirmar que a planta é como o cachorro: uma invenção dos seres humanos para satisfazer necessidades humanas. São diversas as hipóteses que levaram a maconha a se firmar como um objeto de interesse em nossa sociedade, seja positivamente ou negativamente. É certo afirmar, porém, que as manifestações culturais favoreceram a construção de sentidos em torno da erva. E um formato específico dessas manifestações desempenha um grande papel até os dias de hoje: a música. É objetivo desta pesquisa apontar os caminhos trilhados por nossa sociedade até uma possível legalização da maconha no Brasil a partir da análise de canções do gênero musical pop, levando em conta fatores sociais que acarretaram no debate o qual fazemos hoje. No Brasil do séc XX, ao passo que governos, em sua maioria, autoritários impuseram regimes de repressão a fim de impedir a produção e uso da erva, artistas passaram a produzir cada vez mais canções com referências à planta. Algumas, especificamente as mais antigas, foram compostas durante a ditadura militar (1964-1985). Costa Junior (2014) descreve que, nesse período, canções como estas faziam uso de figuras de linguagem e metáforas para que não fossem caracterizadas como apologia ao tráfico. Desta forma, os artistas corriam menos riscos de terem suas canções proibidas, bem como receber represálias das autoridades. A ditadura militar durou 21 anos, e foi um período de estado de exceção, com fortes campanhas e movimentos institucionais voltados à repressão do livre pensamento. É natural que canções como “É proibido fumar” (1964), de Roberto Carlos, apresentasse um discurso irônico acerca da ação punitivista do estado.

BRANDÃO, Marcílio. Em Marcha: maconha e a reversão de um estigma. ​in: P ​ ERIÓDICOS UFPE. [Recife], 2017. DIsponível em: ​https://periodicos.ufpe.br/revistas/praca/article/viewFile/25200/25436​. Acesso em: ​DATA 1

ROBINSON, Rowan. 1996. The great book of hemp. South Paris: Park Street Press.


Entretanto, as punições chegariam em dado momento. Como é o caso de Gilberto Gil, em 1976, que foi preso e condenado à internação em um hospital psiquiátrico por portar maconha, de acordo com Brandão (2017). Quanto mais próximo do fim chegava a ditadura militar no Brasil, as referências à maconha na música ganhavam forma, a ponto de apresentar uma mudança de discurso que seria crucial para o debate da descriminalização das drogas nas décadas seguintes: a ambiguidade e ironia das canções deu lugar para um discurso abertamente favorável ao uso da droga, em detrimento ao tráfico. A ditadura marcou um período de alto desemprego, desigualdade social e violência, principalmente nas favelas, logo, a redemocratização do Brasil, sobretudo após a Constituição de 1988, possibilitou o surgimento de figuras artísticas que antes não tinham tanta visibilidade. É o caso do sambista Bezerra da Silva que, de acordo com Wacqcant2 (2001 apud CONCEIÇÃO, 2018), pôs o "dedo na ferida" e problematizou, dentre outras questões, a criminalização da pobreza em suas canções. Outro fato que influenciou a escolha de Bezerra da Silva como exemplo é a adoção desse discurso que acusa as contradições do governo da época por meio da indústria cultural. Essa prática seria exercida novamente, anos depois, e com maior amplitude, com o surgimento do grupo de rock e rap Planet Hemp, liderado por Marcelo D2. Conceição (2018, pág 3) aponta algumas semelhanças entre a trajetória de D2 e Bezerra da Silva: “ambos surgiram na periferia, seus discursos capitalizaram públicos numa dinâmica de ‘baixo para cima’ e posteriormente foram abraçados pelo mainstream.” Especificamente o Planet Hemp, toda a sua discografia foi dedicada a discussão de uma política de drogas que não tratasse o usuário com o mesmo peso daquele que vende. Assim como apontou por diversas vezes as consequências deixadas na população mais pobre por conta da ação repressiva da polícia.

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CONCEIÇÃO, Evandro Luiz da. Por que esta erva é proibida? Legalização e descriminalização do uso da maconha no samba de Bezerra da Silva e no rap de Marcelo D2”. ​in: I​ NTERCOM. [Joinville], 2018. Disponível em: ​https://portalintercom.org.br/anais/nacional2018/resumos/R13-0925-1.pdf​. Acesso em: DATA WACQUANT, Loic. As prisões da miséria. Tradução de André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.


E mesmo em um estado livre da ditadura militar, com uma nova constituição, o grupo enfrentou os mesmos problemas com a justiça em razão de seus posicionamentos. Em uma entrevista dada à Folha de S. Paulo, publicada em 7 de julho de 1997 no caderno Ilustrada, D2 explicou: "A gente só gosta de fumar, mas a gente é contra o tráfico de drogas. Foi tanto problema que a gente resolveu lançar um disco em homenagem a essa situação". Quatro meses depois, em 9 de novembro, após um show da turnê de divulgação do disco “A invasão do sagaz homem fumaça” em Brasília, os membros do grupo foram presos e o processo todo chamou atenção tanto na época quanto anos depois, visto que o juiz responsável por dar voz de prisão foi afastado após ser acusado de receber propina de traficantes. Apesar das críticas e boicotes sofridos pela mídia na época, é possível afirmar que esta visibilidade dada ao caso do Planet Hemp proporcionou um debate ainda maior acerca do tema. Hershmann e Freire3 (2005 apud CONCEIÇÃO, 2018) descreve que a espetacularização e a alta visibilidade, muitas vezes negativa, só vale por um período, e que após a sua suspensão, esse mesmo tema é provavelmente analisado pelas gerações futuras. Paralelamente às questões envolvendo a maconha, é importante destacar que o Brasil passava por mudanças que mais tarde seriam cruciais para definir e entender o país: começamos os anos 90 com heranças econômicas - e negativas deixadas pela ditadura militar, passando por um processo de impeachment contra o ex-presidente Fernando Collor de Mello, para então finalizar o séc XX com Fernando Henrique Cardoso, que apesar de privatizar grandes estatais, tal como a Vale do Rio Doce, aplicou o Plano Real que deu sustentação à nossa moeda. De modo geral, esta iniciativa somada aos projetos de economia liberal, mas com foco na população mais pobre, resultou em uma ascensão econômica, principalmente da periferia, nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva. Em um artigo

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CONCEIÇÃO, Evandro Luiz da. Por que esta erva é proibida? Legalização e descriminalização do uso da maconha no samba de Bezerra da Silva e no rap de Marcelo D2”. ​in: I​ NTERCOM. [Joinville], 2018. Disponível em: ​https://portalintercom.org.br/anais/nacional2018/resumos/R13-0925-1.pdf​. Acesso em: DATA ___________________. Espetacularização e alta visibilidade. In: FREIRE FILHO, J. HERSCHMANN, M. (orgs). Comunicação, Cultura e Consumo. Rio de Janeiro, Ed. E-Papers, 2005.


publicado em 2014 no Observatório da Imprensa, o especialista em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Francisco Fernandes Ladeira, cita o cientista social Jessé Souza: “a discussão acerca da chamada ‘nova classe média’ é o debate social, econômico e político mais importante do Brasil contemporâneo”. Em seguida, Fernandes reforça esse pensamento fazendo alusão a um dos gêneros musicais mais significativos que surgiram neste século no país: o funk ostentação. O funk possui diversas vertentes e entre todos é fácil identificar características em comum: a crítica à desigualdade social, violência policial, sexo e drogas, para citar alguns. A “ostentação”, neste caso, funciona como uma alegoria as mudanças sofridas pelos artistas conforme a economia da comunidade melhorava. Estas condições somadas ao surgimento de novas tecnologias de informação que permitiram a produção e divulgação de seus trabalhos na internet tornou a propagação dos sentidos presentes na síntese do funk algo próximo ao que o Planet Hemp vivenciou há duas décadas. E em meio a uma variedade infinita de artistas produzindo suas canções e, inclusive, disponibilizando-as de forma independente na rede, surge um movimento liderado por artistas contratados por grandes gravadoras que coloca a maconha na linha de frente. Só nos últimos três anos, cinco canções de artistas de alta visibilidade e exposição na mídia foram lançadas: “Onda Diferente” (2019), de Anitta, Ludmilla, Snoop Dogg e Papatinho; “Verdinha” (2019), de Ludmilla, Topo La Maskara e Walshy Fire; “Bateu” (2018), de Iza e Ruxell; “Flores” (2019), de Luisa Sonza e Vitão; e “Sedanapo” (2019), de Gloria Groove. Ao passo que a maconha volta a ter protagonismo na produção musical brasileira, ela continua despertando os mesmos sentidos, sobretudo na população conservadora. Fecho este capítulo com um breve resumo e uma provocação: após o lançamento da canção “Verdinha”, que possui em seu videoclipe a imagem da artista fumando em meio a uma plantação de alfaces, o ministro da cidadania, Osmar Terra, afirmou em sua conta no ​Twitter “temos que frear o Lobby da maconha”; enquanto o deputado federal Cabo Junio Amaral (PSL-MG) registrou uma notícia-crime contra a artista na Polícia Federal solicitando investigação por conta de apologia às drogas.


Basta ouvir a música para saber do que Ludmilla está falando. Ainda assim, outras canções lançadas no mesmo período não receberam a mesma resposta que a intérprete de “Verdinha”. Para desvendar essa questão, proponho uma nova “viagem no tempo” a fim de estreitar os laços presentes entre a escravidão e a criminalização da maconha no Brasil, para que, assim, possamos discutir os meios de efetivar uma possível legalização da cannabis no país.

2.

A proibição e suas raízes escravocratas Conforme dito anteriormente, a relação entre homem e maconha é mais

antiga, inclusive, que a era cristã. Benet4 (1975, apud BRANDÃO, 2017) conta que inicialmente o interesse na planta era em razão da fibra que se produzia a partir dela, as propriedades nutritivas encontradas nas sementes, bem como o potencial terapêutico. Robinson5 (1999, apud BARROS e PERES, 2011) diz, inclusive, que só na embarcação comandada por Cristóvão Colombo, em 1496, havia 80 toneladas de cânhamo. Ele conta também sobre o Decreto do rei D. João V de Portugal, de 1656, que formalizou a produção de maconha para estes fins. A chegada da planta no Brasil por sua vez já é incerta, porém todas as versões possuem pontos em comum. O historiador Cláudio Moreira Bento6 (1992, apud BRANDÃO, 2017), por exemplo, conta que a coroa portuguesa incentivou a produção de cannabis nas regiões onde hoje são os estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Pará. Já Miranda Neto7 (2010, apud BRANDÃO, 2017) atribui esse incentivo aos jesuítas como parte do projeto evangelizador do Novo Mundo por meio da produção de roupas para as comunidades indígenas. Há também a hipótese defendida por Carlini8 (2006, apud LIMA, 2010), de que a planta difundiu-se no Brasil após a chegada dos povos africanos, sendo amplamente

​BENET, S. 1975. Early diffusion and folk uses of hemp. In: RUBIN, V. Cannabis and culture. The Hague, Paris: Mouton Publishers. 5 Robinson, Rowan. O Grande Livro da Cannabis. Guia completo de seu uso industrial, medicinal e ambiental. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. 6 BENTO, C. M. 1992. Real Feitoria do Linho Cânhamo do Rincão do Canguçu, 1783-89. Canguçu: Prefeitura Municipal 7 MIRANDA NETO. 2010. A utopia possível: uma experiência de desenvolvimento regional, séculos XVII e XVIII. Revista do IHGB, a. 171, n. 447, p. 95-143 8 CARLINI, E. A. A história da maconha no Brasil. Jornal Brasileiro de Psiquiatria. Vol. 55 (4), p 314-317, 2006. Disponível em: < http://www.ipub.ufrj.br/documentos/JBP_55_4_%28314-317%29.pdf> 4


consumida e cultivada nas regiões norte e nordeste por meio de índios e escravos, principalmente, para fins espirituais. Ao que parece, esta finalidade incomodava as elites brasileiras da época, ainda que elas usassem o cânhamo para uso pessoal. Barros e Peres (2011), inclusive, apontam uma ambiguidade na criação da Guarda Real de Polícia, em 1809, no Rio de Janeiro, então capital de Portugal: sua função era “manter a tranquilidade da ordem pública e o patrulhamento da cidade”, porém notou-se que a sua atuação era voltada à “repressão de festas com cachaça, música afro-brasileira e, evidentemente, maconha”. Posteriormente, o Brasil viria a ser o primeiro país do mundo a editar uma lei contra a maconha, na época denominada “pito de pango”, conforme descrevem Henman e Pessoa Jr9 (1986, apud BARROS e PERES, 2011). A julgar pelos fatos, é impossível não atrelar a criminalização da maconha com o surgimento da escravidão no Brasil, mesmo com o fim da prática em 1888. Em contrapartida, Carlini (2006, apud LIMA, 2010) aponta para um consumo amplo da planta para fins medicinais até o século XX. Há registros, inclusive, de remédios feitos à base de maconha anunciados em anuários médicos. Foi no período entre a Proclamação da República (1889) e o governo de Getúlio Vargas (1930), que tornou-se um senso comum atribuir o uso da planta, para qualquer finalidade, como desvio de conduta ou moral da população afrodescendente. Vale destacar o episódio protagonizado pelo governo brasileiro na II Conferência Internacional do Ópio, em Genebra, no ano de 1925. Barros e Peres (2011) contam que, na ocasião, o delegado Dr. Pernambuco foi na contramão da pauta e afirmou: “a maconha é mais perigosa que o ópio”. Tal afirmação acarretou em um movimento internacional de legislações contra a maconha. Começando pelo ano de 1932, quando entra em vigor o decreto 2.930, que visava penalizar o usuário da planta. Em 1938, o decreto 891 estabeleceu a toxicomania como doença compulsória tratável com internação civil e interdição dos toxicômanos. Mais tarde, em 1940, a Umbanda abriu mão do uso da maconha em suas práticas a fim de ser reconhecida como religião e evitar ataques da polícia. No mesmo ano, a maconha é citada no artigo 281 do novo Código Penal como substância ilegal.

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Henmam, Anthony. Pessoa Jr, Osvaldo. Diamba Sarabamba. Coletânea de textos brasileiros sobre a maconha. São Paulo: Ground, 1986.


Com o advento da 2ª Guerra Mundial, esse movimento proibicionista ganhou ainda mais força. Cavalcanti10 (1998, apud BRANDÃO, 2017) explica que a “Guerra às Drogas”, liderada pelos Estados Unidos, somado ao governo brasileiro, que tinha o jargão “o que é bom para os Estados Unidos, é bom para o Brasil”, foi responsável por intensificar a repressão que continua presente até os dias de hoje. Atribui-se também tal responsabilidade à comunidade médica, que se absteve dos argumentos científicos acerca dos benefícios da planta, e à imprensa que, segundo o autor, reproduziu largamente as ideias de que a maconha impulsiona o crime. Desta forma, a maconha perdeu completamente a sua posição no desenvolvimento industrial e terapêutico para ocupar o lugar de associação ao tráfico e, consequentemente, ao povo negro (BRANDÃO, 2017). Após o golpe que originou a ditadura militar no Brasil, em 1968, o Decreto-Lei 385 alterou o artigo 281 do Código Penal e equiparou o usuário ao traficante, aplicando-os penas idênticas. Já em 1971, a lei 5.726 foi editada a fim de possibilitar a denúncia de um usuário e/ou traficante mesmo sem existência de prova material. Entre as décadas de 60, 70 e 80, ao passo que crescia o uso de maconha no Ocidente, governos militares da América Latina, patrocinados pelos Estados Unidos, repreendiam fortemente o uso de drogas em geral. Ao mesmo tempo, Lima (2010) descreve que nascia um narcotráfico na região especializado em atender esta demanda. Em 1976, ainda sob regime militar, o Brasil aplicou a lei 6.368, que previa uma detenção de seis meses a dois anos para o usuário, além de pagamento de multa. Enquanto que na Holanda, em 1984, o comércio e consumo de maconha é reconhecido pelo governo local, de acordo com o Núcleo Einstein de Álcool e Drogas11 (2009, apud LIMA, 2010). A partir do fim da ditadura, vozes importantes no meio jurídico, comunicacional e artístico, começam a discutir uma mudança na então “guerra às drogas” no Brasil e no mundo. Neste quesito, Brandão (2017) exemplifica a criação do movimento internacional “Agentes da Lei contra a Proibição”, a LEAP (do inglês

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CAVALCANTI, B. C. 1998. Dançadas e bandeiras: um estudo do maconhismo popular no nordeste do Brasil. Dissertação (Mestrado Antropologia). Recife: UFPE. 11 NEAD. Núcleo Einstein de Álcool e Drogas. História da Maconha: aspectos históricos, São Paulo, 2009. Disponível em: < http://apps.einstein.br/alcooledrogas/novosite/drogas_historia_maconha.htm>


Law Enforcement Against Prohibition), em 2002, nos Estados Unidos. A carta de princípios do movimento no Brasil, assinada pela presidente Maria Lucia Karam12 (2013, apud BRANDÃO, 2017) defende que “o uso de drogas por parte de adultos, ainda que perigoso, é algo que diz respeito à liberdade individual até onde não afetar a liberdade ou a segurança de terceiros”. Em 23 de agosto de 2006, o então governo Lula sanciona a Lei 11.343, que altera a Lei 6.368 de 1976. O objetivo é diferenciar o traficante do usuário, prevendo advertência e medidas educativas como punição, conforme o artigo 28. Já para o crime de tráfico, presente no artigo 33, as penas foram endurecidas, aumentando de três para cinco anos o período mínimo de reclusão. Entretanto, a Lei tem descrições em comum para ambas os artigos, é o caso de “ter a droga em depósito” e “trazer consigo”, bem como a diferença entre as duas condições também não está clara. Tanto o Supremo Tribunal Federal (STF) quanto a Defensoria Pública do Estado de São Paulo discutem, desde de 2015, a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei por ferir o direito à vida privada. Esse movimento resultou em um estudo da Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ) com dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo de 2012 a 2017. A pesquisa mostrou que as descrições de crime em comum nos dois artigos possibilitaram a consideração de critérios próprios de delegados e demais agentes de segurança para diferenciar o que é tráfico e uso pessoal. O estudo da ABJ apontou que é comum entre os agentes de segurança pública considerarem até duas gramas de maconha como porte para uso pessoal, enquanto que 32 gramas costuma ser tipificado como crime de tráfico. Em entrevista para o jornal O Estado de S. Paulo, o diretor técnico da associação, Fernando Corrêa, disse que as quantidades médias tipificadas como tráfico aumentam de acordo com a escolaridade dos suspeitos, sendo de 32 gramas para os analfabetos e 50 para aqueles com ensino superior. No entanto esse dado não reflete nas decisões judiciais. Em 2006, o professor da Universidade Federal da Grande Dourados (MS) e pesquisador de pós-doutorado do Instituto de Estudos

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KARAM, M. L. 2013. Internação compulsória: liberdade é escravidão? Palestra na Semana da Luta Antimanicomial de Pernambuco, promovida pelo Núcleo Estadual de Luta Antimanicomial – Libertando Subjetividades. Recife, maio/2013. [documento para apresentação oral, não publicado]


Comparados em Administração de Conflitos (InEAC), Marcelo da Silveira Campos, mostrou que as chances de alguém ser incriminado por tráfico de drogas é 3,6 vezes maior quando o acusado é analfabeto ou possui ensino fundamental em relação às pessoas que possuem ensino superior. Na reportagem de O Estadão, Campos descreve que ao atribuir gênero, localidade e escolaridade como determinantes para condenação, a Lei de 2006 mostrou seu viés autoritário. Esses dados convergem com a questão racial dos condenados pelo crime de tráfico. Apenas na cidade de São Paulo, dados do Ministério Público mostram que 71% dos negros julgados em 2017 foram condenados, totalizando 2.043 réus, enquanto que a frequência entre brancos foi de 67%, ou 1.097. Pessoas negras também são mais propícias a serem condenadas com quantidades menores de maconha. As estimativas apontam que entre os réus brancos, a média de maconha apreendida foi de 85 gramas. Já para os réus negros, a média foi de 65 gramas.

2.1.

Consequências da Lei de Drogas

Dado essa aplicação da Lei, o Brasil viu um crescimento expressivo da população carcerária desde o início do século: a população privada de liberdade no país saltou de 361 mil em 2005 para 773 mil em julho de 2019. Deste número, 304 mil são presos por tráfico de drogas. Os dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão ligado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, mostram também que de toda população carcerária do Brasil, 251 mil aguardam julgamento enquanto presos. O ativista Raull Santiago, do coletivo Papo Reto, disse em entrevista à Agência Pública, que a favela foi escolhida para ser o local onde a violência acontece por conta de racismo e desigualdade social. “Quando a gente, por exemplo, descriminaliza o porte, o uso, quem vende continua sendo criminalizado, e quem vende é o pobre e o negro que está na favela.” afirma. A afirmação vai de encontro à entrevista dada pela presidente da ABJ, a juíza Laura Benda, ao O Estado de S. Paulo. A magistrada afirma que "o judiciário ajuda a manter a concepção classista e racista que é iniciada pela polícia nas ruas". Tal condição reforça a precariedade do sistema penitenciário brasileiro ao colocar cada


vez mais pessoas na condição de vulneráveis à facções criminosas, o que, de certa forma, ajuda a entender o crescimento do Primeiro Comando da Capital (PCC). Tais dados servem para dimensionar tamanha a falha da política de segurança pública brasileira. Entretanto, parte do poder público parece já ter se atentado para essas consequências. Barros e Peres (2011) apontam, por exemplo, para uma mudança de postura dos magistrados em relação à drogas, e citam o exemplo do Supremo Tribunal Federal (STF) que, em 2011, decidiu que a criminalização do consumo de drogas tornadas ilícitas é inconstitucional por três motivos: primeiro, porque fere o princípio da igualdade ao criminalizar consumidores de certas substâncias, e outras não; segundo, porque viola o princípio da lesividade quando criminaliza uma conduta que diz respeito apenas ao próprio usuário; e terceiro, pois ataca a racionalidade do discurso iluminista do “Império da Lei”, por desrespeitar as garantias republicanas da intimidade e vida privada. Em agosto de 2015, a discussão quanto a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343 de 2006 voltou ao STF com avanços em passos lentos. Até o momento, três dos 11 ministros votaram a favor de descriminalizar o porte e uso pessoal de maconha com algumas diferenças cada: Gilmar Mendes, o primeiro a se manifestar, votou a favor de descriminalizar todas as drogas ilícitas; Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, consequentemente, foram mais cautelosos, e restringiram a descriminalização apenas para a maconha. Especificamente Barroso sugeriu um limite a ser enquadrado como uso pessoal, sendo de até 25 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas. Em maio de 2019, a Agência Pública cruzou as sugestões de Barroso com os dados de quantidades apreendidas com os julgados de 2017: ao menos 103 réus poderiam ser enquadrados neste limite; destes, 60% são negros. Quanto às desclassificações das acusações para “porte de uso pessoal”, 15% representam negros, enquanto os brancos são 38%. Já na Câmara dos Deputados, em 2017, a comissão criada pelo presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ) a fim de atualizar a Lei de Drogas propôs penas mais duras para grandes traficantes ligados a organizações criminosas, mas sugeriu a descriminalização do uso pessoal a uma quantidade de até dez gramas. Comparando a proposta da comissão, formada por advogados, professores de


direito e membros do Ministério Público, aos mesmos dados de 2017, a Agência Pública​ c​ onstatou que pelo menos 30 réus estariam nesse limite: desses, metade foram condenados, sendo 68% negros e 18% brancos. Os dados apresentados neste capítulo ilustram uma realidade muito maior. A Lei de Drogas de 2006 veio como uma alternativa de diferenciação do usuário ao traficante, porém, após 14 anos, aumentou a população carcerária do país, proporcionou às organizações criminosas expansão de seus negócios, e tornou a população negra ainda mais vulnerável. Uma saída proposta pelo jornalista João Paulo Cuenca, em entrevista à Agência Pública, se sustenta na naturalização do uso da droga. Para ele, a mudança social necessária na política de drogas ocorrerá quando deixarmos de naturalizar a morte ou encarceramento do povo negro em decorrência das leis vigentes.

3.

Pop canábico em pauta A partir de agora proponho a análise de algumas canções que resultaram

nesta pesquisa. É importante atentar-se para a diferença que esse movimento tem em relação aos anteriores. Há duas décadas, quando os integrantes da Planet Hemp foram presos, seu discurso, mesmo que estampando capas de jornais, impactava um público muito específico. Anos depois, com o expansão da internet pelo Brasil, o acesso à produções que falam sobre drogas cresceu. E esse alcance torna-se ainda maior quando a mensagem é passada por um artista de grande relevância para o mercado musical. Em linhas gerais, a maioria das canções analisadas possuem influência do funk e reggae, nem todas fazem alusão ao consumo da planta, porém, todas utilizam de figuras de linguagem que remetem a ela. A exposição dessas canções na mídia também foi notada. Cada uma teve uma narrativa própria, algumas tratadas com leveza, outras provocando debates entre figuras conservadoras do poder público. Outra característica importante na escolha dessas canções foi a ausência de do discurso antiproibicionista. Diferente do repertório da Planet Hemp, por exemplo, as músicas que ganharam destaque nas plataformas não usam mais o espaço para acusar as contradições do Estado sobre uma política de drogas.


A naturalização da maconha, apontada por Cuenca, por exemplo, é um ponto de atenção. Acadêmicos de 2013 já apontavam a relação entre os lançamentos do sertanejo universitário com o aumento no consumo de álcool. Afinal, falar que “fiquei chapado” é fazer apologia ao uso? Isso incentiva as pessoas a fumar maconha? Pensando na frequência desses lançamentos, quais os interesses por trás? Na busca de entender as razões por trás dessa naturalização, selecionei canções de artistas como Iza, Anitta, Ludmilla, Glória Groove e Luisa Sonza, todas presentes no que se entende como pop brasileiro. A análise consiste na observação das letras, produções audiovisuais (quando disponíveis), bem como reportagens e entrevistas sobre a canção.

3.1.

“Bateu”, Iza e Ruxell

Sendo assim, seguindo uma ordem cronológica, começo com o lançamento de Iza, “Bateu”, música que está presente no primeiro disco da cantora, “Dona de Mim”, lançado em 27 de abril de 2018 pela Warner Music Brasil. Apesar de se tratar de uma canção que não foi escolhida como música de trabalho, “Bateu” foi selecionada para a pesquisa, não só pela relação que ela tem com a maconha, mas também por causa do momento vivenciado pela artista na época. Até então, Iza não tinha hits tão populares, mas a sua presença na mídia, principalmente, televisiva era constante, sendo apontada como uma promessa do gênero (e de fato se consolidou). Seu disco contou com participações de Ivete Sangalo, Thiaguinho, Marcelo Falcão, Glória Groove, entre outros. Deixa incendiar / Pra Babilônia incendiar / Um novo dia vai brilhar / Posso ver chegar // Puxou, prendeu, soltou, bateu (​VALENTIM, Iza; GUIMARÃES, Ruan, 2018​) Além das referências à maconha, próximo do que Gabriel, O Pensador dizia em “Cachimbo da Paz” (1997), é evidente a referência à cultura rastafari, não somente na sonoridade reggae, mas também nas expressões usadas, tal como “pra Babilônia incendiar”. A expressão, inclusive, “bateu” aqui se refere ao efeito causado após o consumo da planta. Pouco mais de um ano depois, Iza lançou a música de trabalho “Brisa” (2019), que desta vez ganharia um videoclipe. Nesta, a artista também faz referência a cultura jamaicana, bem como faz uma alusão discreta a maconha na letra:


Sente a vibração que o som chegou / Bota o pé na areia e deixa a onda entrar / 'Tá geral na pilha, então, demorou / Vem que é da boa e tu vai gostar // Eu 'to na brisa / E nada me abala, que delícia / E hoje eu 'to de boa, 'to na brisa (​VALENTIM, Iza; GUIMARÃES, Ruan, BISPO, Pablo; SANTOS, Sérgio, 2019​)

A naturalização da maconha nas duas canções de Iza é evidente. Ambas buscam reforçar um estilo de vida existente junto ao consumo da planta que não parece coexistir com os conflitos sociais causados no Brasil em razão de uma política antidrogas. Além disso, “Brisa” possui questão própria: em entrevista ao jornal Extra, em maio de 2019, Iza contou que a música não se trata de maconha, e sim sobre curtir bons momentos, mas que ainda assim não existe tabu em falar sobre a planta. “Cada um faz o que quer para ficar na brisa. Não preciso falar de legalização neste momento, mas, para bom entendedor, meia palavra basta. É só ouvir minhas músicas”, diz a artista. A fala de Iza tem certa dualidade. Apesar de dizer que a canção não fala sobre maconha, as referências presentes na canção são óbvias. Vale destacar que o lançamento de “Brisa” foi patrocinado pela marca Downy, o que pode explicar o posicionamento da artista.

3.2.

“Onda Diferente”, Anitta, Ludmilla, Snoop Dogg e Papatinho

Também em 2019, Anitta lançou seu quarto disco, “Kisses”, em 5 de abril. O projeto teve ampla notoriedade na mídia nacional, visto que se tratava de um álbum com videoclipes para todas as canções, além de que serviu para consolidar o nome da artista no cenário internacional, contando com músicas em português, inglês e espanhol. O disco veio após uma série de colaborações com artistas da América Latina, bem como a apresentação com Caetano Veloso e Gilberto Gil na cerimônia de abertura das Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016. Neste álbum está “Onda Diferente”, um funk em colaboração com Ludmilla, o DJ Papatinho e o rapper americano Snoop Dogg. As referências à maconha concentram-se a expressão “bateu”, presente no refrão, e em frases soltas de Ludmilla ao longo da canção. No videoclipe da música, há registros das artistas fumando entre passagens de festas. É importante levar em consideração que Snoop


Dogg é uma personalidade mundialmente conhecida por seu entusiasmo com a maconha, o que torna a sua participação na canção muito mais simbólica.

3.3.

“Sedanapo”, Gloria Groove Lançada em um EP chamado “Alegoria” em 12 de novembro de 2019,

“Sedanapo”, da drag queen brasileira Glória Groove, é a canção mais diferente entre as analisadas. Isso se dá por duas razões: ao mesmo tempo em que não existe menção direta ao uso da cannabis, há uma lista de figuras de linguagens que, dentro de um contexto, funcionam perfeitamente. A música fala sobre uma relação em que a artista é deixada de lado. Para isso, há menções a produtos e práticas relacionadas a maconha a fim de criar uma narrativa paralela. Me sentindo sedanapo / Não era bem o que tu queria / Mas até que eu dou pro gasto / Me sentindo sedanapo / Eu tinha tudo pra ser blunt / Mas tu me botou de lado (NAPOLEÃO, Daniel Garcia Felicione; GUIMARÃES, Ruan; BISPO, Pablo; SANTOS, Sérgio, 2019) “Sedanapo” é o nome dado ao cigarro de maconha que, no papel próprio para enrolar, é feito com guardanapo. Desta forma, a canção atinge o seu objetivo ao fazer referência à maconha do início ao fim de forma irônica e criativa, tanto que se o ouvinte não tiver conhecimento prévio por parte desses conceitos, a música pode ser, apenas, sobre um relacionamento que não dá certo. O videoclipe da canção também ajuda a reforçar essas assimilações. A protagonista da história é Mary Jane, que divide a atenção de Lil Haze com Goldie. Haze e Goldie são terminologias usadas para caracterizar variedades da maconha.

3.4.

“Flores”, Luisa Sonza e Vitão Lançada em 12 de junho de 2020, “Flores”, de Luisa Sonza e Vitão,

falam sobre experiências sexuais com o uso de maconha. Nesse contexto, o título da canção sugere exatamente maconha, tendo em vista que a parte da planta que é fumada é a flor. Outro argumento que reforça essa assimilação é a expressão “ficar de três”, que significa transar sob efeito psicoativo.


3.5.

“Verdinha”, Ludmilla, Topo La Maskara e Walshy Fire Após compor e participar da canção “Onda Diferente”, Ludmilla lançou

em 29 de novembro de 2019 a canção “Verdinha”. A música, que conforme explicado no primeiro capítulo desta pesquisa, chamou atenção da imprensa por conta das represálias sofridas pela artista por parte do ministro da cidadania, Osmar Terra, e o deputado federal pelo PSL de Minas Geraisl, Cabo Junio Amaral. Eu fiz um pé lá no meu quintal / 'To vendendo a grama da verdinha a um real (BOAS, Helder Villas; SILVA, Ludmilla Oliveira da; CASTILLO, Juan José Brito, 2019) Diante das acusações de incentivar o tráfico de drogas, algo próximo ao que a Planet Hemp vivenciou há duas décadas, Ludmilla passou a se posicionar fortemente acerca das contradições do estado. Em entrevista para a edição de fevereiro de 2020 da revista Marie Claire, Ludmilla disse que chegou a hora de o Brasil estudar uma maneira correta de legalizar a maconha, e ainda citou os interesses existentes na proibição: “muita gente de paletó vai perder dinheiro”. Conforme vimos no capítulo anterior, a maconha já está completamente difundida no país: seja pelo número excessivo de presos em decorrência da Lei de Drogas, ou pelos sentidos (e desejos) que ela manifesta nas pessoas a partir de produções culturais. E fala de Ludmilla, neste ponto, é muito importante, pois nos direciona para um futuro que tem chances reais de se concretizar.

4.

A legalização no Brasil Já existe no Brasil um público consumidor que busca por produções culturais

que conversem com a legalização da maconha. E isso tem despertado a atenção de empresários interessados a fim de enriquecer com esse novo mercado. Um estudo da Câmara dos Deputados (2016) estima que o Brasil deixa de arrecadar anualmente R$ 5,7 bilhões com a criminalização da maconha. Já as estimativas da Plataforma Brasileira de Política de Drogas, de 2016, mostram que essa arrecadação pode chegar a R$ 41 bilhões. A maconha é a substância ilícita mais consumida no Brasil, sendo usada por 7,7% dos brasileiros de 12 a 65 anos, de acordo com o 3º Levantamento Nacional


sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira, divulgado pela Fundação Oswaldo Cruz. Desde agosto de 2020, tramita no Congresso Nacional a proposta de texto substituto ao Projeto de Lei nº 399/2015, que regulamenta o cultivo, processamento, pesquisa, produção e comercialização de produtos à base de cannabis para fins medicinais e industriais. A proposta conta com o apoio de representantes do Sistema Único de Saúde (SUS), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Embrapa, Polícia Federal e parlamentares da Frente do Agronegócio. De acordo com o relator do texto, o deputado federal Luciano Ducci (PSB-PR), o projeto já foi entregue ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e deverá ser votação em regime de urgência. Porém, as fortes repressões do estado parecem acarretar, ainda, em um sentimento de hostilidade do brasileiro com a planta. Dados do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense mostram que 66% dos brasileiros acreditam que a maconha deveria continuar proibida. Desses, os que possuem até o ensino fundamental (74%), os que ganham até dois salários (71%) e os que têm mais de 60 anos (73%), são os que menos apoiam. De acordo com Carlos Savio Gomes Teixeira, chefe do departamento, a população mais pobre é mais exposta às vulnerabilidades proporcionadas pela guerra contra as drogas, convivendo, inclusive, mais perto do tráfico. Em entrevista ao jornal El País, o coordenador da Iniciativa Negra por uma nova Política de Drogas no Brasil, Dudu Ribeiro, explica que uma eventual decisão favorável pela descriminalização das drogas não mudaria nada. Sua observação é de que existe um conjunto de dispositivos que criminalizam, não apenas as pessoas, mas os seus territórios, as suas culturas e suas histórias de vida. Para ele, a mudança “vai se dar a partir do reconhecimento da culpa do Estado brasileiro na guerra às drogas, [...] porque não é possível pensar na mudança necessária da política de drogas sem pensar nos efeitos anteriores à mudança.” É nesse ponto que as produções musicais acerca da maconha ganham mais relevância: quanto mais pessoas forem alcançadas, mais rapidamente será possível propagar um discurso. Fato que a legalização ou regulamentação da planta está nos planos de grande parte dos empresários, inclusive, da indústria fonográfica. No


entanto, não podemos limitar essas produções a apenas vivenciar bons momentos. Diante das condições sociais existentes no Brasil do séc XXI, é preciso que um movimento a favor da legalização fuja da superficialidade e toque na ferida, assim como nos antigos exemplos.

Conclusões Costa Junior (2014) descreve em seu artigo que o aumento do consumo de drogas implica no aumento da produção midiática sobre o assunto, ao passo que a produção acarreta em um aumento de contato das pessoas com essas drogas. Correlações mostram tendências e comportamentos interessantes, mas nem sempre elas são fiéis a realidade. É claro que o contato com músicas que falam de maconha não resulta em um consumo frequente ou abusivo da substância. Por isso, ao falar sobre os efeitos que músicas sobre a maconha causam no público, é necessário um entendimento maior sobre as questões sociais que envolvem a planta. No capítulo anterior, vimos a legalização da maconha no Brasil para fins medicinais, científicos e industriais, conforme o projeto em trânsito no Congresso Nacional. É evidente que ela abrirá mais empregos, bem como proporcionará a melhora na qualidade de vida de muitos brasileiros que necessitam da substância para seus tratamentos. Porém, tal projeto terá pouca ou nenhuma diferença a curto prazo na vida de quem mais sofre com a guerra às drogas. Em entrevista à BBC, o advogado Emílio Figueiredo, do grupo Reforma, afirma que o aumento de decisões favoráveis ao cultivo vai gerar uma onda de judicialização no país dentro de poucos anos, como ocorreu no estado da Califórnia, nos Estados Unidos. Talvez esse seja o caminho para a mudança social que a maconha tem potencial. A descriminalização pode proporcionar uma mudança no entendimento do papel jurídico acerca da segurança pública, mas isso só acontecerá com políticas públicas que busquem reparar os danos causados na população preta e pobre em razão da guerra às drogas. Entendo como “reparação” práticas como apoio psicológico, políticas de distribuição de renda e soltura de pessoas injustamente acusadas e condenadas (além das que cumprem pena aguardando julgamento).


E é nesse contexto de caos social e possível mudança de postura do Estado (ainda que cautelosa) que as canções lançadas nos últimos anos ganham valor. Elas cumprem um papel naturalizador e, de certa forma e em algum nível, educador nesse processo, pois tornam o assunto comum entre as massas. A partir de uma regulamentação, aliada a campanhas educativas e produções culturais que falam abertamente sobre, o conhecimento científico sobre as drogas pode distanciar as pessoas ou gerar um consumo mais consciente (Costa Junior, 2014). Até porque, a história nos mostra que as drogas não desaparecerão. As pessoas continuaram a consumir substâncias psicoativas, mesmo com restrições, por isso nada importará a proibição.

Referências

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