A diversidade das lutas sociais
Universidade Federal da Bahia João Carlos Salles Pires da Silva vice reitor Paulo Cesar Miguez de Oliveira assessor do reitor Paulo Costa Lima editora da Universidade Federal da Bahia diretora Flávia Goullart Mota Garcia Rosa conselho editorial Alberto Brum Novaes Angelo Szaniecki Perret Serpa Caiuby Alves da Costa Charbel Ninõ El-Hani Cleise Furtado Mendes Dante Eustachio Lucchesi Ramacciotti Evelina de Carvalho Sá Hoisel José Teixeira Cavalcante Filho Maria Vidal de Negreiros Camargo
A2015EDUFBASalvador,diversidade das lutas sociais Severo Salles coordenação
Editora filiada à: A diversidade das lutas sociais / Severo Salles, coordenação. – Salvador : EDUFBA, 2015. 148 ISBN:p. 978-85-232-1427-2 1. Movimentos sociais – América Latina. 2. Conflito social. 3. Antropologia social. I. Salles, Severo. CDD 303.484098 - 23. ed. 2015, DireitosAutores.paraesta edição cedidos à Editora da Universidade Federal da Bahia. Feito o depósito legal. Grafia atualizada conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil desde 2009. capa, projeto gráFico e editoração Lúcia Valeska Sokolowicz normalização Sônia Chagas Vieira CRB-5 / 313 revisão Bernardo de Mendonça Machado SIBI/UFBA/Faculdade de Educação – Biblioteca Anísio Teixeira editora da Universidade Federal da Bahia Rua Barão de Jeremoabo s/n Campus de Ondina – 40.170-115 Salvador – Bahia – Brasil Telefax: 0055 (71) 3283-6160/6164 edufba@ufba.br – www.edufba.ufba.br
Dedicamos este livro a Ana Alice Alcantara Costa
Sumário 9 Introdução Severo Salles e Diego Zendejas 15 Internacionalização do capital, diversidade dos movimentos populares e democracia Severo Salles 33 Reflexões sobre as tendências do capital na agricultura e os desafios do movimento camponês da América Latina João Pedro Stédile 53 A participação das mulheres no Movimento dos Trabalhadores Sem Teto em Salvador Renato Macedo Filho e Ana Alice Alcântara Costa 75 Associativismo e produção espacial em Salvador (BA): a produção espacial por “novos” personagens urbanos Margarete Rodrigues Neves Oliveira 95 O racismo, a desigualdade e a exclusão: o caso do Brasil Mónica Velasco Molina 109 Da agenda de outubro ao Tipnis: os pontos de ruptura entre as organizações sociais e o governo do MAS Paola Martínez 127 Autonomia: a resistência indígena à colonialidade do poder – NOTAS PARA UMA DISCUSSÃO POLÍTICA Diego Zendejas 147 Sobre os Autores
Algunsobtê-la!dosnossos
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As relações sociais capitalistas, além da opressão e exploração que lhes é inerente – a de caráter classista que é sua razão de existir e lhe dá vida –, com o individualismo cruel a que dão lugar, estimulam, multiplicam, requerem e/ou se beneficiam de certas outras formas de opressão e de destruição. Nem por isto as cria (salvo exceções); tampouco a superação do capitalismo, por si mesma, teria porque fazê-las desaparecer. Assim, a luta pela plena liberdade haverá de sobreviver ao capitalismo!
Pensamos que a obra em seu conjunto demonstra que tanto as for mas de opressão, como as lutas por emancipação têm especificidades próprias, não sendo cada uma passível de ser absorvida ou solucionada por, ou contida em outra delas. Ou seja, a observação e a análise nos leva a considerar que a supressão de determinada forma de opressão, por si mesma, não suprime a outra das demais formas; poderá em certos casos contribuir, é certo. Assim, como amamos a liberdade, que haja múltiplas lutas para
Este livro analisa, com a bem-vinda pluralidade existente entre seus coautores, distintas formas de opressão, diferentes aspirações, modos de se manifestar, de resistir e de lutar dos oprimidos e dos explorados. Como, também, se refere às batalhas pela preservação da humanidade, de outras formas de vida e do mundo.
capítulos os supõem, outros os explicitam, dois aspectos mais, igualmente importantes que o já assinalado, que tocam às relações entre os movimentos libertários e ao marco social capitalista em que ocorrem a opressão e a luta na América Latina.
Introdução
Severo Salles e Diego Zendejas
Ao mesmo tempo, e em que pese o relativo distanciamento que se ob servou, com certa frequência, entre distintos movimentos emancipado res, não detectamos contradições de fundo que necessariamente os opusessem. Pelo contrário. Em particular, se nos remitimos às contradições de classe, à luta especificamente anticapitalista – mas também em relação às lutas pela liberdade em geral (três capítulos o explicitam) –, pensamos que só é possível proceder à superação do capitalismo mediante a forma ção de um arco-íris de todas as forças sociais emancipadoras. Que todas estas e cada uma delas, centradas em seus objetivos específicos, possam ter presente que o status quo limita, com frequência e drasticamente, seu alcance. Considerar que pudessem fusionar-se, ou mesmo unir-se, seria impossível além de indesejável; o crucial é que se estabeleçam as solida riedades necessárias. É a convicção de vários de nós aqui, senão de todos, que numerosas lutas específicas ou de identidades, na medida em que avancem em suas conquistas, tão só com isto, projetarão sua dimensão anticapitalista. É o que se constatou em diversos capítulos. Ademais, se sonhamos acordados com utopias (coisa indispensável), se revelará irrealizável – a história do século XX o demonstrou – e impen sável porque absurdo, uma sociedade de mulheres e homens livres que, ao mesmo tempo, sejam opressores e/ou oprimidos: a própria ruptura com o capital não pode ser consumada conservando qualquer forma de opressão social (no seu sentido de opressão coletiva, que muitas vezes é também interpessoal). Inclusive porque – sem nos encerrarmos num mundo dos perfeitos, e sabendo que os “homens e mulheres novos” só surgem num marco social propício – parece falso e insustentável que um grupo social ou um indivíduo possa, em certos aspectos (por mais im portantes que estes sejam), ser portador de uma cultura libertária clara e consequente, ao mesmo tempo em que, em outros terrenos seja um opressor ativo ou Simultaneamente,condescendente.édeesperarque
as mulheres e os homens, que são objeto de exploração e/ou de exclusão irremediáveis pelo capital (nesta condição e tomados enquanto sujeitos coletivos), serão, num horizon te histórico, os mais susceptíveis de sentir a necessidade de superar este sistema social e de agir em consequência. Nem por isso, sempre e neces
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Só nessas condições se fará possível instalar-se o controle social do tra balhador coletivo sobre a Formação Social (FS). Então, ou o trabalhador coletivo exerce tal poder – a história é feita por ele –, ou não é sujeito de superação alguma de sistema social, por mais que tenha vocação para tal. Seguirá, talvez, até outro sistema social opressivo e espoliador (foi o caso do Leste europeu: talvez um capitalismo de Estado ou despótico; com certeza, saqueador dos trabalhadores), mas extinção das classes e tudo o que lhes diz respeito, não. Nenhum outro grupo social lhe pode fazer o favor de substituir ao trabalhador coletivo nesta tremenda faena.
13INTRODUÇÃO • sariamente, os mais atingidos são os mais sensíveis e aguerridos antica pitalistas. Em verdade, o capital e sua titular, a burguesia, vulnera a todas as demais classes; umas, em parte, outras, frontal e irremediavelmente.
E para concluir o argumento: os aspectos ressaltados constituem, no fundo, a questão do sujeito histórico; são bem mais importantes que o tema de quem, a priori, haverá de ser o sujeito da mudança de era: o tema da missão histórica (coisa que tampouco é irrelevante). Aliás, esta é uma extraordinária iguaria, ao gosto tanto do preconceito anti como do dog matismoAlgunsmarxista.textosproblematizam
Aos que fazemos esta introdução, nos parece que o aspecto mais im portante da debatida questão do sujeito histórico da superação do capita lismo e construção de uma sociedade sem exploração de classe (sem clas ses) é o de que só quando a propriedade econômica por parte do mundo do trabalho em seu conjunto for exercida sobre o conjunto dos meios de produção, é que desaparece a relação do capital, sua exploração, o cará ter de mercadoria aderido aos produtos, o mercado e as classes sociais.
sobre as características e os efeitos da Internacionalização do Capital (IC) – a mundialização – em termos da
Claro que as políticas sociais dos últimos anos no Brasil, para os traba lhadores e excluídos e, mais ainda, a “cidadanização” e organização social controlada promovida na Venezuela para o povo do país e, a um nível su perior, as importantes transformações sociais introduzidas pelo governo cubano para a gente de lá, tudo isso é muito bom. Mesmo assim, no caso de Cuba, inclusive altas autoridades do partido (ao participar de certas reuniões) reconhecem que o sistema não é socialista (nem poderia ser, de acordo à reflexão que acabamos de fazer).
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luta de classes, da soberania popular e da soberania nacional, a constru ção da hegemonia e as transformações do modo de produção capitalista, assim como seu particular efeito sobre o crescente monopólio da produção e da comercialização de mercadorias (dentre estas, os alimentos).
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Por sua vez, isto implica a necessidade imperiosa de pensar o modo de vincular a via extraparlamentar com a luta dentro dos aparelhos do Estado. Ou seja, repensar a(s) estratégia(s) da esquerda. A experiência do último século e a dos dias atuais parece nos indicar que a busca da trans formação não pode centrar-se só em uma delas, excluindo a outra. Alguns coautores do livro observam que vários movimentos populares contem porâneos na América Latina privilegiam as formas extraparlamentares.
O conjunto dos artigos nos mostram as conquistas e os problemas que diferentes movimentos sociais e suas estratégias têm de enfrentar no contexto da globalização neoliberal e, devido a isto, a necessidade de uma ampla discussão sobre as classes, os movimentos, as identidades e os grupos sociais, suas lutas em suas diferentes formas, sobre o Estado,
No contexto da IC devem repensar-se as possibilidades e os limites do “nacional” como projeto econômico e político. Tomar em conta a notável perda de soberania e o relativo estreitamento das margens de ação dos estados nacionais da América Latina. Entretanto, posto que estes conser vam sua qualidade de espaços de condensação das relações de poder nas formações sociais, cabe aos movimentos emancipadores lutar por ocupar este espaço, ao tempo em que travam batalhas no marco global. Com o avanço da IC, não existe a possibilidade da plena resolução da generalida de das formas de domínio em uma FS isolada, por exemplo, a soberania popular. Por sua parte, o imperialismo tem requerido a multiplicidade de estados nacionais como instrumentos de exploração e de domínio sobre “aqueles de baixo”. Ao mesmo tempo, isto implica uma exigência necessária, a de reco nhecer a marca social do Estado: no fundo, mais que os outros, quem é que manda no Estado? Reconhecer, também, sua potencialidade rela tivamente limitada como agente de transformação. O caso, examinado aqui, do governo de Evo Morales e do Movimento para o Socialismo (MAS) na Bolívia, evidenciam quão problemático e insatisfatório para os movimentos populares é um projeto oriundo da política estatal.
15INTRODUÇÃO • a sociedade civil, a hegemonia, sobre as diversas formas de opressão e o desejado arco-íris, etc. É necessário reconhecer a situação histórico-es trutural e as correlações de forças para tratar de compreender e explicar a realidade das formas de protesto estudadas, superando, ademais, dico tomias sem fundamento. Cabe debater sobre essas categorias à luz destas experiências com o propósito de colocar novas alternativas.
2 Ver terceiro capítulo.
Internacionalização do capital, diversidade dos movimentos populares e democracia
3 Uma excelente crítica do positivismo em: Löwy (2009, p. 229 e ss).
1 Desenvolvo estes temas em outros textos (SALLES, 2003, 2005), e, em um próximo livro, ora em edição. No presente trabalho, os conceituo brevemente e ressalto suas interseções.
Severo Salles
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Vou abordar as relações recíprocas entre alguns aspectos da totalidade social, realmente presentes ou enquanto uma possibilidade ou um pro jeto, tais como: as relações sociais capitalistas, sua Internacionalização do Capital (IC), a democracia, a diversidade e a autonomia relativa dos movimentos de emancipação, especialmente os de corte popular. 1 Estes aspectos se condicionam notavelmente uns aos outros, tanto diretamen te, como através da totalidade de que fazem parte, na forma de uma so bredeterminação. (ALTHUSSER, 1966)2 Assim, este texto é de índole teórica. Minha referência histórica prin cipal, embora implícita, é a América Latina, em particular o Brasil. Para situar meu ponto de partida, início com algumas indicações me todológicas e com breves referências a conceitos gerais. Gostaria de lembrar que uma análise científica visando elucidar uma totalidade histórica, ou expor um instrumento conceitual necessário à sua análise (o que agora me interessa), se sustenta por fios quase invi síveis (para o desgosto dos positivistas).3 Isto é devido à multiplicidade de fatores que intervêm, à diversidade de suas intervenções – sempre cambiantes e com frequência de acesso difícil ao conhecimento – ou em virtude da natureza fortuita das mesmas, devido ao papel do indivíduo
Dado que na produção mercantil o trabalho realizado de modo inde pendente não é reconhecido, imediatamente, como trabalho socialmen te útil, para tal, os produtos-mercadoria terão que passar pela esfera do mercado, para que o trabalho contido neles possa, talvez, ser reconhecido como parte do trabalho requerido pela sociedade.
5 Marx (1950, v. 8, p. 172, livro III; 1963, p. 13; 1973, p. 5; 1978, p. 202).
6 Em particular as seções primeira do Livro I e quinta do Livro III.
A uma sociedade organizada em base, produtores privados e indepen dentes correspondem ao marco social mercantil. Este está dotado de uma opacidade especial (MARX, 1950), 6 a qual transfigura a realidade. Aí, produz-se com o objetivo de obter benefícios privados − para si mesmo – e sem obedecer a um plano estabelecido socialmente. No capitalismo, a produção mercantil foi desenvolvida ao ponto em que a força de traba lho se tornou uma mercadoria. Então, enquanto a sociedade se organize de tal modo para produzir, existirá o mercado, o capitalismo e as classes sociais antagônicas que lhe são próprias.
Estes processos estão marcados por “múltiplas determinações”, as quais não são perceptíveis sem o auxílio da ciência e da práxis. É importante dizer que a análise das formações sociais não está orientada a desvendar integralmente a realidade social. Ao igual que a práxis não a requere. (CASTORIADIS, 1975) É suficiente o conhecimento de suas nervuras, de suas contradições e de suas tendências fortes.
4 A categoria de Formação Social tem como âmbito sociedades concretas e datadas. Eu me per mito, entretanto, aludir com FS, também a modalidades abstratas de sociedades segundo seu modo de organizar-se para produzir: FS capitalistas ou em transição. Diferindo nisto de Pou lantzas (1968), que relaciona este conceito tão só a realidades concretas, históricas. Além do mais, descarto a visão desse autor de combinatórias de modos de produção: uma complicação/ confusão “teórica” distante do mundo. No mais, sou seu devedor.
• A DIVERSIDADE DAS LUTAS SOCIAIS18 na história, ou ainda à intervenção do imaginário. Entretanto, não exis tem motivos para duvidar da possibilidade do conhecimento. (SALLES, 2005, p. Assumimos19) que o espaço das relações de produção exerce a determi nação em última instância e a principal sobredeterminação numa totali dade constituída por uma Formação Social (FS). 4 (POULANTZAS, 1968) Não necessariamente, sempre consiste no espaço dominante. (MARX apud SALLES, 2003, p. 10)5
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Em ausência do mencionado controle social por parte do mundo do trabalho enquanto totalidade, não poderá haver o poder político de todos os trabalhadores sobre uma FS. E, enquanto não se estabelece esse poder político social, o proletariado, mesmo que protagonista de uma infinidade de iniciativas de autogestão, estará dividido e frente às suas diversas frações, econômica e politicamente. E, submetido a um poder que é estranho e oposto aos interesses do conjunto dos trabalhadores: à sua totalidade. (BETTELHEIM, 1972) É necessário retomar brevemente neste contexto, alguns aspectos relativos ao lugar das lutas de classes na história. (SALLES, 2003, p. 42)
19INTERNACIONALIZAÇÃO DO CAPITAL, DIVERSIDADE DOS MOVIMENTOS POPULARES E DEMOCRACIA • Assim, enquanto exista propriedade privada dos meios de produção – mesmo que sejam propriedades de uma infinidade de cooperativas de trabalhadores, um enxame de iniciativas comunitárias autônomas –, existirá o mercado. Por sua vez, o controle estatal não significa necessa riamente o estabelecimento da propriedade social a que me referi: a pro priedade econômica de todo o mundo do trabalho sobre todos os meios de produção. Quando, então, o trabalho é diretamente social, prescin dindo do mercado, do valor e dos preços.
O objetivo é indicar a centralidade destes confrontos, assim como esbo çar suas relações com a democracia,com a autonomia relativa e a diver sidade dos movimentos sociais. As classes só atingem a plena existência quando elas estão em luta –elas adquirem o seu mais notável significado em face da história. Esta colocação, pedra angular do marxismo, é o resultado de uma imensa pes quisa. Tese que, em consequência, nos remete a considerar que analisar um todo social significa, mais que tudo, elucidar seu conteúdo classista; particularmente, delinear as contradições e lutas de classe que permitem entender as linhas gerais da sua história. Todo um conjunto variável de mediações (institucionais, materiais e outras) está ligado a isso. Desse ponto de vista, as lutas de classes cons tituem o impulso principal da história de uma formação social como totalidade. É claro que a explicação classista da realidade não evidência todos os processos e eventos que nela se produzem. Além de não expli car nenhum deles, se não considerarmos a intervenção de mediações. As contradições e luta de classes se situam e agem sobre as relações in
A mundialização do capital surgiu com o florescimento do capitalismo no século XVII. As fases sucederam-se, em especial o imperialismo que se instalou no curso do último terço do século XIX. (LENIN, 1960) Na déca da de 1960 desvaneceram-se os “25 anos de ouro” do pós-guerra e deu-se o auge das multinacionais que resultou da intensificação da IC. (PALLOIX, 1973) Então, a crise aberta com o esgotamento do fordismo, a ofensiva do
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O conceito de classe social é útil, principalmente se incorporado de fato ao nosso trabalho profissional e político a possibilidade de que possa surgir outro mundo além do capitalismo, e que o supere. Pelo contrário, para todos os que podem passar anos sem integrar de modo consequente essa possível revolução à sua reflexão e à sua prática, estes não têm neces sariamente que levar em conta o conceito de classe ou de luta de classes, dado que uma superação do capitalismo está fora do seu horizonte.
ternas de uma realidade social histórica; por isso, na maior parte das vezes, elas não são imediatamente visíveis. Aliás, fossem elas imediata mente perceptíveis, a ciência seria inútil (Marx). É bom acrescentar que por mais que possa estar esfacelada a base eco nômica da classe trabalhadora – em boa medida devido às peculiaridades dos processos de produção atuais –, por mais que o interesse dessa clas se, em suprimir a exploração de que o objeto se encontre soterrado em seu imaginário, ainda que o proletariado não leve adiante com amplitude uma luta de classes (portanto, não possa definir-se plenamente como tal), negar a existência das classes nas FS capitalistas atuais implica (mesmo inconscientemente) no suposto de que o capitalismo acabou. Tratar-se-ia de outro tipo de sociedade, com outra modalidade de exploração, outras contradições, talvez sem perspectivas sérias de que deste novo tipo pos sa se expurgar a opressão, superando-a. Este entendimento pode não ser outra coisa que o celebrado “fim da história”. O drama ocorrendo em um espaço além da eficácia própria ao marxismo.
A modalidade que o capitalismo projeta no curso das últimas cinco décadas, no bojo de sua fase superior – o imperialismo –, é a internacio nalização da relação social do capital: mais conhecida como globalização ou mundialização. Nos últimos 30 anos, ascendem tanto formas domi nantes quanto a mundialização financeira e o neoliberalismo. O desca labro social se multiplica. A crise de ambos vem de mais de uma década.
O capital se reforça na sua correlação de forças com o trabalho, em meio a sucessivas crises. O Estado capitalista potencializa a coerção. Isto é observado no alcance mundial das grandes firmas, na flexibilidade de seus deslocamentos, no seu controle sobre as instituições internacio nais em especial, o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Banco Mundial –, na financiarização e domínio internacional da especulação instrumentada por diversas modalidades de capital fictício e nas múltiplas intervenções militares e guerras devastadoras provocadas em países do terceiro mundo. Sua internacionalização encontra-se muito mais adiantada que as das forças populares. Inclusive, a primeira luta por impedir ou cooptar a trajetória da segunda.Épreciso assinalar que os poderes alcançados pelo capital e pelas instituições que levam sua marca não os fazem todo poderosos ou in vencíveis. Do mesmo modo que a perda de terreno da maioria da hu manidade conformada pelo mundo do trabalho não é definitiva nem irrecuperável. Desconheço argumentos sérios que comprovem uma ou outra coisa. A história, sempre aberta, segue caminhando.
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O capital financeiro tem ganhado espaço frente ao industrial e ao co mercial. Isto, às vezes, no seio de um mesmo grupo econômico original mente dedicado à produção.7
Nem por isso se deteriora a posição das grandes corporações industriais e das comerciais, cada vez mais vigorosas.
capital e a queda do movimento operário e popular deram lugar à redução do Estado de bem-estar e propiciaram a transição para a globalização finan ceira e neoliberal desde os anos 1970 e 1980. Reconfigura-se o imperialismo (ver páginas 20 e ss). As modificações aludidas foram feitas com a intensificação da forma de exceção (AGAMBEM, 2003; ARANTES, 2007; BENJAMIN, 2006; LÖWY, 2001), permanentes por certo, no Estado capitalista. Isso tam bém se apresenta nas relações imperialistas.
7 Ademais da multiplicação do capital fictício, levar também em conta a extensão da compra-ven da do acesso a bens (exemplo: softwares) monopolizados – não necessariamente portadores de valor. O que deu lugar à caracterização da forma produtiva atual como capitalismo de acesso. Trato disto em outro trabalho, no prelo.
11 Ver: sobre o fracasso do neoliberalismo – Johsua (2009); Sader e Gentilli (1994, 1996).
10 Ver o argumento contrário no Hardt e Negri (2001). Recomendo, principalmente, a crítica do império em Borón (2002).
Este processo vem conformando um “novo imperialismo,”8 no qual o Estado de exceção é exacerbado, a violência multiplicada, o domínio territorial (em contraste com a mundialização financeira) é atualizado, como também formas supostamente anacrônicas de exação: a acumula ção primitiva. Ao que se desencadeia com a generalização superior da for ma mercadoria que avança sobre os bens comunais (outra vez!), e sobre os bens públicos (objeto da “privataria” neoliberal); acumulação primi tiva que se nutre também dos despojos de guerra e do estabelecimento de espécies de colônias nos países conquistados, assim como dos frutos da demolição do mal chamado “socialismo real” etc. (ARANTES, 2007) Ao mesmo tempo, parece-nos que o marco de cada formação social na cional, a dimensão nacional da luta social e, em particular, o Estado nacio nal9 prevalecem ainda em vários aspectos dos mais decisivos sobre a inter nacionalização.
Com o domínio da mundialização financeira, recrudesce a instabilidade do sistema. (BRUNHOFF, 1996; WALLERSTEIN, 2006) Relacionado a este formato das relações sociais, abre-se a crise em 2007, no seio das potências centrais (JOHSUA, 2009, p. 23-53); Esta exibiu o fracasso11 do neoliberalismo.
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9 A coerção que este exerce sobre o mundo do trabalho situado na respectiva FS é inestimável para o capital ali instalado, assim como para a burguesia mundial. É difícil crer na sobrevivência do capitalismo em ausência de uma multiplicidade de Estados nacionais, com diferenças nas modalidades de exploração e opressão – logo, o fracionamento – que elas suscitam.
10 Isto, sem esquecer as múltiplas exceções que confirmam essa hipótese – além das transformações dos últimos anos –, como a ten dência que pode ser observada de potenciação do marco global.
13 Ver Souza (2005), Fiori, Medeiros e Serrano (2008) e Aglieta e Lemoine (2010, p. 32-50).
13 Em algo estes ergueram suas vozes, embora ainda sigam pre sa do imperialismo. (CHOMSKY, 2004) 8 Sobre o novo imperialismo, ver Arantes (2007), Harvey (2010) e Woods, 2011.
Desde o início do século se observou um maior crescimento econô mico de parte de alguns países dependentes, comparativamente a todos os demais.
12 Para uma crítica do discurso econômico convencional ver Paulani (2005).
A hegemonia burguesa prejudicada abre espaço às suas caricaturas com traços bonapartistas, messiânicos, populistas e outros, mas não pode evi tar que sua exploração e crueldade se façam mais visíveis. Os aparelhos ideológicos do Estado febrilmente tratam de vender a cultura própria ao mainstream. A cara coercitiva destes mesmos aparelhos se contorce e agi ta, nem sempre com o resultado desejado: o “Estado integral” faz uso de todos seus recursos. Mas há um limite à falsificação.
A via parlamentar ao poder, que do ponto de vista que sustento, é um elemento estratégico coadjuvante, embora necessário, se torna mais es
14 Estes canais de comunicação supuseram a hegemonia da burguesia, um símil ou uma caricatura desta relação. Ou seja, um “consenso” a partir de uma relação de domínio burguês: respaldado pela sua capacidade repressiva; encouraçado de coerção.
15 Um intercâmbio, por sua natureza frágil, sob a forma de uma precária hegemonia. A este propó sito, ver para os tempos do populismo no Brasil: Ferreira (2011). O autor, mesmo com seu lou vável afã em romper com o preconceito em desfavor do personagem biografado, deixa entrever seu “janguismo”.
23INTERNACIONALIZAÇÃO DO CAPITAL, DIVERSIDADE DOS MOVIMENTOS POPULARES E DEMOCRACIA • Como tendência geral, diminuíram os canais de intercâmbio de in teresses entre os grupos sociais opostos. 14 À diferença do que observou no estado de bem-estar e, inclusive, no populismo. 15 As correspondentes conquistas tem sido sempre o fruto de lutas daqueles de baixo, e não assim de concessões. Conquistas que revelaram uma determinada cor relação de forças entre diversos grupos sociais, em especial das classes sociais. Este apogeu das lutas populares e democráticas aconteceu, por exemplo, na Europa, no imediato pós-guerra. Ou no Brasil, na segunda metade da década de 1970, e na primeira dos anos 1980, ou na Bolívia com a virada do século. Mas a globalização financeira e o neoliberalismo são tanto expressões do poderio do grande capital como também se insertam num processo de decadência do sistema na sua forma atual. A grande maioria da hu manidade o padece, ainda que em épocas passadas – mas essa tese não desenvolverei num texto tão breve. Piorada a aludida correlação de forças em detrimento do mundo do trabalho, a burguesia avança sobre o welfarestate estado de bem-estar) e seus símiles, sua hegemonia perdendo, assim, os elementos em que ba sear-se: diminui-se o seu exercício e se reforça a coerção, o que implica em uma maior intolerância e um desgarre social.
Ao mesmo tempo, estreitam-se relativamente as margens de manobra nas decisões políticas dos países dependentes, tomados cada um indivi dualmente, perante os condicionantes econômicos internacionais. Com isso, resulta mais e mais crucial a mobilização do movimento popular, ao efeito de exigir da equipe no poder estatal em tais países a realização de reformas, mesmo quando estas são bem modestas. Pois as reformas, ainda mais que antes, se chocam com a oposição feroz do grande capital internacional, assim como o das burguesias interiores (vide a Bolívia dos últimosDadasanos).ascircunstâncias atuais, é mais difícil dar-se, de modo durá vel, um auge do movimento popular num só país. Ao mesmo tempo, este contexto pode favorecer sua extensão internacional: que o diga o norte da África. Mesmo para aqueles povos vencedores – o, de Cuba, por exem plo – que resistem pese ao relativo isolamento, tais heroísmos são hoje mais difíceis de manter-se que antes. Nem por isso se justifica a enormi dade do recuo atual do governo cubano. Recuo cujos antecedentes re montam a muitas décadas; este não é o momento para estender-me sobre o assunto.Comose sabe, a internacionalização do conjunto das relações sociais implica a internacionalização do Estado, atualiza a luta de classes e os de mais combates emancipatórios e potencia o significado da democracia. Assim, os Estados se internacionalizam (HIRSCH, 1996; POULAN TZAS, 1968) assumindo os interesses do conjunto do capital (atraves sado pela IC) instalado na respectiva FS. Ou seja, assumem interesses do capital imperialista dominante interiorizado na FS dependente em
treita. Enquanto a via extraparlamentar ganha mais importância através da luta por criar uma solidariedade ativa entre os movimentos contra to das formas de opressão, assim como, por construir uma contra-hegemo nia; ganha mais relevo através das iniciativas econômicas e políticas au tonômicas – eixo da guerra de posições –, e também, com a formação de uma vanguarda, e, ainda, por construir um duplo poder dotado de todos os recursos que lhe são necessários à conquista do Estado. Enfim, todos caminhos têm como objetivo central a constituição do poder do trabalha dor coletivo – totalidade do mundo do trabalho – sobre a FS.
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25INTERNACIONALIZAÇÃO DO CAPITAL, DIVERSIDADE DOS MOVIMENTOS POPULARES E DEMOCRACIA • questão. 16 Isto ocorre, particularmente, no seio da burguesia – a qual Poulantzas (1974, p. 68-69) designa de “burguesia interior” a diferença da burguesia nacional, como também para distingui-la de uma classe dominante simplesmente compradora –, em sua relação complexa com o capital dominante no sistema internacional.
modalidades opressivas suscitam uma multiplicida de de identidades – ao menos, em potencial – entre os de baixo (destas modalidades, algumas atravessam, modificando-se, todas as classes).
Ditas formas antissociais – frequentemente têm também uma dimen são interpessoal – entrecruzam-se e reforçam-se mutuamente, podem
16 A bibliografia que o demonstra é vastíssima; além de ser um tema recorrente há décadas. Aqui, me limito a sugerir um clássico: Marini (2000).
17 Jorge Reichmann (1995, p. 57) é preciso ao dizer: “Este projeto (de uma civilização mais hu mana e mais respeitosa da natureza – SAS) não pode renunciar a nenhuma das cores do arco -íris: nem o vermelho do movimento operário anticapitalista e igualitário, nem o violeta das lutas pela libertação da mulher, nem o branco dos movimentos não violentos pela paz, nem o antiautoritarismo negro dos libertários e anarquistas, e ainda menos o verde da luta por uma humanidade justa e livre em um planeta habitável”.
Este processo de IC incide, igualmente, nos projetos e lutas demo cráticas. E mais, será necessário levar em conta a diversidade de formas de opressão e lutas libertárias no mundo todo. E mais complexo ainda: tem-se que apreender os distintos significados econômicos, políticos, culturais, etc. das primeiras e das segundas nas diversas latitudes. E isso, em todas as ações: não menos, na criação artística comprometida. Será ainda necessário compreender os diversos projetos autonômicos.
A diversidade se relaciona com o fato de que todos e cada um de nós está situado em um lugar no mundo, vivemos tal situação e vemos o mundo a partir daí. Ademais, esta diversidade requer a solidariedade entre todas elas, em aras de obter resultados de maior profundidade e estáveis. 17Assim, emerge a importância da diversidade dos movimentos contra todas as formas de opressão e o indeclinável respeito a que faz jus. Isto, já seja como um fim em si mesmo, já seja como uma condição para construírem-se as liberdades sociais, as quais estão vinculadas à capa cidade de que a comunidade em sua totalidade conduza o seu destino. Terreno o mais propício para a ampliação e a generalização da liberdade individual.Asmencionadas
3. A oposição aos ajustes econômicos neoliberais e sua devastação ecológica. O florescimento pleno da ecologia é incompatível com o capitalismo. Do mesmo modo que a democracia o é. Por sua parte, esta pode favorecer a diversidade e se beneficia com a mesma.
18 Dois livros do Joachim Hirsch (1996, 2001), quem eu considero o principal herdeiro da teoria critica da Escola de Frankfurt, oferecem elementos muito importantes sobre a via ex traparlamentar.
acumular-se e potenciar-se sobrecarregando os mesmos grupos sociais e indivíduos. Ao mesmo tempo, como sabemos, alguns destes podem ser, de certo ângulo, vítimas e de outro, opressores. Por sua parte, Hirsch aponta que não há espaço para confluência ou unificação de todas as lutas emancipatórias. 18 Concordo que nos fatos não temos tal unificação ou confluência (no sentido próprio: como uma con fluência fluvial em que os rios absorbem aos outros). Ao mesmo tempo, é possível uma aliança, o arco-íris de projetos libertários (necessário à vitó ria sobre a opressão), pois existe uma relativa comunidade de interesses por meio da grande misère. Para ilustrar, me remito a Löwy (2005, p. 103), que se refere a algumas demandas imediatas que podem unir “vermelhos” e “verdes”:
2. Os aspectos ecológicos da defesa da saúde pública.
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1. A promoção dos transportes públicos – os ferroviários, os me trôs, os ônibus e os comboios – baratos ou gratuitos com alcance ecológico.
Uma questão estratégica19 chave será como articular as lutas extrapar lamentares com aquelas que se travam ao interior do Estado no sentido estrito. Como conceber as primeiras, assim como as segundas? Como conceber a prioridade das primeiras? Como enfrentar a sociedade bur guesa como totalidade; além de fazer-lhe frente em espaços mais ou me nos delimitados: a terra, mesmo os incertos espaços “públicos”, os di versos aparelhos ideológicos, até a conquista da máquina do Estado etc.?
Por outra parte, em que condições a fecunda luta pela autonomia relativa
19 Sobre estratégia e a luta anticapitalista e por “um socialismo do século XXI”, ver os excelentes textos de Daniel Bensaïd: Besancenot et Bensaïd (2009) e Bensaïd (2011).
autonomia foram conquistados por tantos movimentos sociais graças a que estes se apresentaram combativos na luta pelos mesmos. 20 Não fosse por isso, se continuaria ainda no meio do pântano das concepções autoritárias e improcedentes relativas à “direção” sobre a lutaNapopular.faltade tal autonomia – a qual a práxis dos principais movimentos populares de AL situa que deve ser relativa (de outro modo, seria um fra cionamento) –, o respeito à diversidade é escasso, as liberdades individuais são raquíticas, a democracia, precária, etc. Não é que estas liberdades individuais ou de grupos sociais correspondam-lhes prevalecer sobre as liberdades coletivas, ou que elas estejam em disputa. Ao contrário: o úni co terreno fértil para a generalização das liberdades reais é o da consoli dação das liberdades coletivas. Não há uma contradição insuperável entre estes dois planos, pelo contrário: eles só podem afiançar-se, real e concretamente, combinados. Ao mesmo tempo, pareceria impossível conceituar de modo completo estas liberdades. Apenas lembro o que Marx colocou em uma ocasião (nos Grundrisse). A modo de uma provocação, fez a si mesmo a pergunta: que vão querer fazer os homens (e as mulhe res – SAS) em uma sociedade em que sejam livres? A que respondeu: só elesMesmosaberão.assim, se alguma vez pensou-se que desaparecido o capital só com isso todos estariam emancipados de qualquer forma de opressão, a história mostrou que não é assim. 20 A luta por autonomia de parte de movimentos populares vem de longas épocas na América Latina. Nas últimas três décadas ganhou notável amplitude. Vale analisá-la, com suas múlti plas distinções, em relação ao Movimento dos Sem Terra (BR); ver com este propósito: Carter (2009). E estudá-la respeito ao EZLN (MX); para tanto, ver: Vázquez Montalban (2001): espe cialmente, as páginas 152, 156 e 178; EJÉRCITO ZAPATISTA DE LIBERACIÓN NACIONAL (2005); Cartas a Luis Villoro sobre la ética y la política. 2011. Disponível em: <http://enlaceza patista.ezln.org.mx/category/comision-sexta/>.
Baronet, Moya Bayo e Stahler-Sholk (2011). De igual modo, cabe observá-la na bibliografia indicada para o estudo das lutas sociais na Bolívia e na Venezuela – (COLECTIVO KÄTAR UTA, 2011); Lander (2007, 2011). Quatro FS distintas, forças sociais em pugna e correlações de forças distintas, posturas, estratégias e táticas que diferem; permanece a busca da autonomia.
27INTERNACIONALIZAÇÃO DO CAPITAL, DIVERSIDADE DOS MOVIMENTOS POPULARES E DEMOCRACIA • dos movimentos populares pode transfigurar-se em corporativismo e fracionamento?Osespaçosde
É importante salientar que o ser humano próprio da era da mundiali zação financeira e do neoliberalismo, pelo seu imaginário, sua educação e sua alimentação cultural e informativa, pelos seus costumes, os desafios que tem que enfrentar para sua sobrevivência material, etc.; esta sub es pécie humana – caracterizada por um individualismo atroz, diariamente, em dadas situações, fica ante a disjuntiva de estabelecer seu próprio jogo ou ser submetida (por exemplo: ao procurar trabalho, ou, simplesmente ao entrar ou sair do metrô nas horas de maior afluência).
No contexto indicado até aqui, a ideia de democracia no seu sentido original de poder do povo (incompatível com o capitalismo) implica e é o resultado da postura relativa ao poder social na qual a centralidade do po der da base social é decisiva. Fica envolvida, assim, uma postura no que toca ao sujeito do saber e à comunicação deste (nisto, obviamente, o dis tanciamento de tese da “importação” da teoria revolucionaria pelo prole tariado), relativa ao papel do partido e de sua direção, relativa à condução política versus a espontaneidade; diz respeito também a elementos de uma estratégia e a outros aspectos insinuados neste trabalho, e estudados em algumas de minhas pesquisas.
Como o elemento central deste conceito de democracia está constitu ído pelo fato que esta designa o poder do povo (HELLER; FEHER, 1981), segue que o dever de obedecer às leis promulgadas pelos próprios cida dãos procede do direito e do dever de criá-las e de aplicá-las. Em conse quência, o dever de obedecer às leis não anula a possibilidade de recriar outras, que modificam ou substituem as anteriores. Além disso, precisa -se admitir que tal dever está subordinado a tal direito; caso contrário, a própria definição de democracia “poder do povo” seria negada.
É interessante observar que Rosa Luxemburgo, ao reconhecer a impor tância da democracia representativa, não a concebe como um momento transitório enquanto não se obtém coisa melhor, como se fosse um mal menor, como se fosse oposta à democracia real. A autora não considera ao sistema representativo baseado nas eleições universais como uma insti tuição que seja sempre necessária e essencialmente burguês.
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“Sem eleições gerais, liberdade de imprensa e de reunião ilimitada, livre confrontação das diversas opiniões, a vida fica apagada em toda ins
23 “O caráter realmente ‘social’ de sua República (a Comuna de Paris, 1871 – SAS) se reduz sim plesmente ao seguinte: são os operários que dão ordens à Comuna”. (MARX, 1978, p. 202)
29INTERNACIONALIZAÇÃO DO CAPITAL, DIVERSIDADE DOS MOVIMENTOS POPULARES E DEMOCRACIA • tituição política e só triunfa a burocracia”. (LUXEMBURGO, 1979 apud POULANTZAS, 1974, p. 310) Entretanto, significaria um forte esvaziamento da análise, confundir-se a luta de classes com a luta democrática, julgar, parodiando Marx, que a história fosse a história da luta democrática ou que as convicções democráticas fossem iguais à consciência de classe, 21 ou, enfim, prescin dir da análise de classe no estudo da luta pela democracia ou do processo democrático. Isto porque é precisamente a análise de classe, de suas lutas, o que pode nos mostrar o fundamento último dos processos menciona dos. De modo que a luta pela democracia supõe, no capitalismo, a luta de classes. Esta última, por sua vez, do ponto de vista do proletariado, supõe a democracia.Pelocontrário, uma cultura autoritária, que impregna à família as re lações entre gêneros, às gerações, à escola, as relações de trabalho (o que é próprio do capital), o sindicato, a igreja, o partido, as relações interpes soais, constituirá um obstáculo poderoso ao estabelecimento de instituições democráticas. Essa cultura contribuirá muito à fragilidade dessas instituições e impedirá a consolidação delas. Cultura que favorecerá à IC e ao desastre ecológico. Mais ainda, tal cultura abre a porta ao sequestro dos movimentos li bertários pelos que se dizem seus representantes, coordenadores ou sua vanguarda; seja um partido, um sindicato etc. 22 O único caminho para que os instrumentos de libertação ante toda forma de opressão e os de ruptura da exploração de classe sejam autênticos e eficazes é que sejam construídos e conduzidos por suas bases. Sendo estas, mais que tudo uma parte de uma totalidade – o conjunto do mundo do trabalho.
23
21 Contudo, há relações entre os dois termos. O ser humano alienado de seus interesses pró prios, principalmente de seu interesse de classe, pode reverter seu poder democrático contra si mesmo.
22 De acordo com a extraordinária líder da Comuna de Paris: “O poder causa vertigens, ele sempre as causará até o momento em que ele pertença à humanidade em sua totalidade”. (MICHEL, 1997, p. 74 apud BESANCENOT; BENSAÏD, 2009, p. 224)
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