DESIGN DESEJANTE: a dobra como espaço e(ntr)e

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e ( n t r ) e a c h ave e a fe c h ad u ra

Entre a chave e a fechadura, linhas de fuga escapam e convertem o “duro” em “doce”, onde a intuição guia o método, e a razão é conduzida pela sensação. Assim o som se apresenta também no universo da Bauhaus, ainda que de forma sorrateira, sem fazer alarde sobre a sua onipresença. Alguns dos artistas que ensinaram na Bauhaus, como Johannes Itten e Wassily Kandinsky, tentaram “reintroduzir o espiritual na arte”, enfatizando o uso da intuição e da experiência subjetiva no processo criativo através de aulas sobre teorias da cor, forma, contraste e história da arte. Itten “acreditava que os materiais deviam ser estudados para descobrir as suas qualidades intrínsecas e encorajava os seus alunos a produzir construções inventivas a partir de ‘objets trouvés’” (FIELL, 2001: 84). Dois desses artistas, Paul Klee e Oskar Schlemmer, exploraram, na pintura e na dança, respectivamente, o que podemos assinalar como uma aproximação e(ntr)e música e design. Paul Klee, que ensinou na Bauhaus de 1921-1931, além de pintor, tinha sido músico. A música não era seu objetivo profissional (embora tenha participado eventualmente de alguns concertos inclusive como solista) mas influenciou fundamentalmente seu trabalho como pintor. Para ele os sons e as cores eram igualmente fascinantes, uma forma de se compreender o mistério da vida. Os músicos que mais apreciava eram os clássicos Mozart, Beethoven e Bach, que considerava à frente do seu tempo. Sua identificação com Bach, por exemplo, vinha da necessidade de expressar plasticamente o que Bach expressou na música através de formas de expressão autênticas e modernas que ficaram esquecidas durante o século XIX (REGEL, in KLEE, 2001: 17). Sua obra é recheada de analogias entre a música e as artes plásticas. Não trata-se, entretanto, de representar elementos musicais na pintura, mas de tornar visíveis forças

não visíveis, como o som. “Klee procurava, por assim dizer, um equivalente visual para aquilo que a música era capaz de tornar audível” (Ibid: 19). Para ele, tanto a música quanto a pintura eram artes temporais, pois o espaço da pintura era também um conceito temporal: “Quando um ponto se torna movimento e linha, isso implica tempo. A mesma coisa ocorre quando uma linha se desloca para formar um plano. Igualmente no que diz respeito ao movimento dos planos para formar espaços” (KLEE, 2001: 46).

Klee desenvolveu na pintura alguns conceitos próprios da música como variações de temas, sendo que em algumas obras desenvolveu vários temas simultaneamente enfatizando uns, através de relações claro-escuro, uso das cores e contraste, em detrimento de outros, que permaneciam em segundo plano. O posicionamento de Klee em relação à arte visava o objetivo de “tornar visível a riqueza infinita e a diversidade milagrosa do que é transitório, do devir, percebido em todo o seu mistério” (REGEL, in KLEE, 2001: 20). Assim, tornou visíveis forças sonoras no espaço da pintura o que faz com que não só suas pinturas como também seus desenhos lembrem partituras como as partituras auditivas de György Ligeti. O trabalho do pintor e escultor Oskar Schlemmer, responsável pelo departamento de teatro da Bauhaus, era baseado na figura humana como um modelo determinado por fórmulas matemáticas e geométricas. Numa época que se considerava a vida como produto da mecanização, Schlemmer desenvolveu um impulso insistente em reduzir figura e gesto ao menor número de formas e movimento. Para tanto, destacou três elementos no teatro: homem no espaço, luz em movimento e arquitetura. No início de 1914, iniciou um projeto que denominou Ballet Triádico. A peça, que estreou em 1922 (Stuttgart, Alemanha), reuniu dança, figurino, música, luz e movimento em três sequências distintas. Não se trata de um ballet no sentido convencional, mas de um retorno à

célula germinal da dança, “de origem dionisíaca e forma apolínea”, união da natureza com o espírito. “A dança teatral pode voltar a ser a célula germinal. Ao contrário da ópera e do teatro, presos à palavra, ao som e ao gesto, ela é livre e predestinada a imprimir suavemente a inovação aos nossos sentidos: mascarada e, especialmente, silenciosa. O Ballet Triádico, a dança da tríade, namorisca o humor sem cair no grotesco; roça o convencional sem se atolar na sua degradação, atingindo por fim a desmaterialização do corpo, sem contudo procurar a salvação no oculto.” (SCHLEMMER, in 2008: 200)

Não estava interessado, contudo, em teatro da representação, mas em um teatro da abstração. Schlemmer nomeou a peça Triádico porque foi literalmente composta com múltiplos de três: três atos, três cores, três dançarinos, três formas. A peça foi dividida em três movimentos musicais, e o ballet como um todo refletiu a fusão dos três elementos dança, figurino e música. A coreografia deriva do caráter distinto de cada figurino. Schlemmer analizou e isolou os gestos principais do movimento do corpo humano e reduziu-os a um grupo básico de formas elementares (elipse, linha reta, diagonal e círculo). Os figurinos e os passos da dança foram desenhados baseados nessas formas. Concentrando-se na forma e movimento, Schlemmer explorou a relação espacial do corpo com o ambiente arquitetônico e a relação das formas com o som. Um dos figurinos que mais chamam a atenção é o da espiral cuja coreografia escapa, num certo momento, como num “estado de suspensão”. Temos aqui uma relação músicadesign que explora os sons das formas no espaço da dança.


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