UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS – UFT CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE PALMAS PROGRAMA DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL
LÚCIO MILHOMEM CAVALCANTE PINTO
LUZIMANGUES: PROCESSOS SOCIAIS E POLÍTICA URBANA NA GÊNESE DE UMA “NOVA CIDADE”
Palmas – TO 2012
UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS – UFT CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE PALMAS PROGRAMA DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL
LÚCIO MILHOMEM CAVALCANTE PINTO
LUZIMANGUES: PROCESSOS SOCIAIS E POLÍTICA URBANA NA GÊNESE DE UMA “NOVA CIDADE”
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade Federal do Tocantins como requisito parcial para obtenção do título de mestre em Desenvolvimento Regional. Orientador: Prof. Dr. Antônio José Pedroso Neto
Palmas – TO 2012
Luzimangues: Processos Sociais e Política Urbana na Gênese de uma “Nova Cidade” / Lúcio Milhomem Cavalcante Pinto. - Palmas, 2012. 188 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional, 2012. Orientador: Prof. Dr. Antônio José Pedroso Neto
do
Tocantins,
1. Desenvolvimento Regional. 2. Cidades e processos sociais 3. Política Urbana. I. Título.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Biblioteca da Universidade Federal do Tocantins Campus Universitário de Palmas P659l
Pinto, Lúcio Milhomem Cavalcante Luzimangues: Processos Sociais e Política Urbana na Gênese de uma “Nova Cidade” / Lúcio Milhomem Cavalcante Pinto. - Palmas, 2012. 188f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Tocantins, Programa Mestrado em Desenvolvimento Regional, 2012. Linha de pesquisa: Políticas Públicas e Desenvolvimento Orientador: Prof. Dr. Antônio José Pedroso Neto. . 1. Desenvolvimento Regional. 2. Cidades e processos sociais. 3. Política Urbana. I. Pedroso Neto, Antônio José. II. Universidade Federal do Tocantins. III. Título. CDD 307.76
Bibliotecária: Emanuele Santos CRB-2 / 1309 TODOS OS DIREITOS RESERVADOS – A reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio deste documento é autorizado desde que citada a fonte. A violação dos direitos do autor (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS – UFT CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE PALMAS PROGRAMA DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL
LÚCIO MILHOMEM CAVALCANTE PINTO
LUZIMANGUES: PROCESSOS SOCIAIS E POLÍTICA URBANA NA GÊNESE DE UMA “NOVA CIDADE”
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade Federal do Tocantins como requisito parcial para obtenção do título de mestre em Desenvolvimento Regional. Orientador: Prof. Dr. Antônio José Pedroso Neto
Aprovado em 17/08/2012 BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________ Prof. Dr. Elizeu Ribeiro Lira (UFT)
_____________________________________________________ Prof. Dr. Alex Pizzio da Silva (UFT-PGDR)
_____________________________________________________ Prof. Dr. Antônio José Pedroso Neto (Orientador / UFT-PGDR)
DEDICATÓRIA
Este trabalho é dedicado à memoria do Prof. Dr. Claudemiro Godoy, responsável por mexer com as cabeças dos seus interlocutores e despertar o senso critico em seus alunos.
AGRADECIMENTOS
Aos professores, colegas e colaboradores do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional (PGDR) da Universidade Federal do Tocantins (UFT). Ao Prof. Waldecy Rodrigues, Coordenador do PGDR. Ao Prof. Elizeu Lira, que ajudou a determinar os caminhos iniciais desta pesquisa... assumida posteriormente com afinco pelo Prof. Antônio Pedroso Neto, que através de muitas discussões delineou novos campos e novas visões, incentivando com maestria a sempre “ir fundo” em cada ponto levantado. Aos entrevistados e interlocutores, que se dispuseram a compartilhar suas informações e visões de mundo, sempre muito solícitos e dispostos a discutir as questões propostas. A Luísa Sponholz, que dedicou muitas horas para ajudar a transcrever as entrevistas utilizadas nesta pesquisa. Aos colegas da secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação de Palmas (SEDUH), e em especial ao incentivo do então secretário Eduardo Manzano Filho e ao Arq. Elias Martins. À minha família, Pai, mãe e irmãos, sempre dando apoio. Diléia, Bruna e Isabela, que abriram mão do convívio diário para permitir alcançar esse objetivo na vida acadêmica.
“Em vez das cidades do futuro serem feitas de aço e vidro como fora previsto pelas gerações anteriores de urbanistas, serão construídas em grande parte de tijolo aparente, palha, plástico reciclado, blocos de cimento e restos de moradia. Em vez das cidades de luz arrojando-se aos céus, boa parte do mundo urbano do século XXI instala-se na miséria, cercada de poluição, excrementos e deterioração.” (DAVIS, 2006:28)
RESUMO Essa dissertação tem como tema geral a construção da política urbana local com uma ótica na dinâmica dos agentes e nas suas tomadas de posição no campo da luta política, fazendo valer interesses específicos e utilizando de diferentes trunfos para a hegemonia da sua posição. Especificamente abordamos a construção dos mecanismos institucionais da política urbana do município de Porto Nacional (Leis do Plano Diretor, Macrozoneamento e Parcelamento do Solo) que permitiram a tomada de um território até então rural, cobiçado pelo mercado imobiliário, provocando na prática o surgimento de uma “nova” cidade que é Luzimangues, distrito que vem passando por um rápido processo de urbanização. Tomamos como perguntas de partida os seguintes questionamentos: Como se deu esse processo? Quais os agentes (forças sociais) envolvidos e como atuaram no campo da luta política? Quais interesses defendiam para justificar suas tomadas de posição? Quais trunfos detinham para fazer valer sua posição? A partir da pesquisa para explicar os papéis dos diferentes agentes tomamos o momento de discussão/definição do Plano Diretor como um campo de disputa do espaço social, lócus onde ocorrem os conflitos e alianças entre os mesmos. Partindo da estrutura desse campo social e das tomadas de posições dos agentes tivemos como objetivo da pesquisa a tentativa de abrir a “caixa-preta” e explicar o processo que reflete na transformação e ocupação do território. A hipótese que procuramos testar foi que no processo de embate da construção dos instrumentos da política urbana local do município de Porto Nacional os diversos agentes envolvidos com os interesses do mercado de terras assumiram uma nova posição na estrutura do campo social, com a institucionalização das áreas urbanas de Luzimangues. Palavras chave: Desenvolvimento Regional; Cidades e processos sociais; Política Urbana.
ABSTRACT This dissertation has, as a general theme, the construction of the local urban politics with a view in the dynamics of the agents and their positions on the political game, valuing specific interests and using different assets in order to maintain the hegemony of their position. It is specifically addressed the construction of the institutional mechanisms of the urban policy of the county of Porto Nacional (Municipal Master Plan Laws, Macrozoning and Subdivisions of the Soil) that allowed the taking of a territory that had only been rural so far, wanted by the real state office, creating a “new� city that is Luzimangues, district in which a quick urbanization process has been occurring. The starting questions are: How that process happened? Which are the agents (social forces) involved, and how did they act on the political game? What interests were defended in order to justify their positions? What assets did they have to make their position valid? From the research to explain the roles of the different agents, we take the moment of discussion and definition of the Municipal Master Plan as a dispute of the social space, where the conflicts and alliances between them happen. Starting from the structure of this social field and the positions taken by the agents, we will have as a research goal to try and open the "black-box" and explain the process that will reflect in the transformation and occupation of the territory. The hypothesis we seeked was that in which the process of construction of the political instruments of the local urban policy in the county of Porto Nacional, the various agents involved with real state interests assumed a new position in the social field structure, with the institutionalization of urban areas of Luzimangues. Key words: Regional Development, Cities and social processes, Urban Policy.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Localização geral da área de estudo.....................................................................17 Figura 2: As quatro áreas para a instalação da capital.........................................................88 Figura 3: APA Lago de Palmas e APA Serra do Lajeado..................................................105 Figura 4: Demarcação dos setores censitários em Luzimangues.......................................110 Figura 5: A escala do perímetro urbana de Luzimangues e de Palmas..............................119 Figura 6: Definição do Macrozoneamento.........................................................................122 Figura 7: Definição do Macroparcelamento.......................................................................123 Figura 8: Mapeamento dos loteamentos urbanos até 2006................................................129 Figura 9: Loteamento Laguna I..........................................................................................137 Figura 10: Loteamento Laguna II.......................................................................................138 Figura 11: Loteamento Jardim do Porto.............................................................................138 Figura 12: Loteamento Jardim Europa...............................................................................139 Figura 13: Loteamento Laguna III.....................................................................................139 Figura 14: Mapa geral de Palmas com a demarcação da Discriminatória.........................145
LISTA DE QUADROS E TABELAS
Quadro 1 - Distribuição dos agentes no campo....................................................................23 Quadro 2 - Desenvolvimento Urbano e Política de Habitação no Brasil 1850/2012...........62 Quadro 3 - Resumo da evolução urbana de Luzimangues.................................................186
Tabela 1 - Empreendimentos imobiliários em Luzimangues 1995/2012...........................132
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
AEIS – Áreas Especiais de Interesse Social APA – Área de Proteção Ambiental APP - Área de Preservação Permanente BNH - Banco Nacional de Habitação CAIXA ou CEF – Caixa Econômica Federal CEB - Companhia Energética de Brasília CELTINS - Companhia de Energia Elétrica do Estado do Tocantins CNDU – Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano CODETINS - Companhia de Desenvolvimento do Estado do Tocantins COHAB - Companhia de Habitação COMSAÚDE - Comunidade de Saúde, Desenvolvimento e Educação CPEE - Companhia Paulista de Energia Elétrica CRI – Cartório de Registros de Imóveis EDP - Eletricidade de Portugal S.A. EEVP - Empresa de Eletricidade Vale Paranapanema S.A. FCP - Fundação da Casa Própria FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviço FIETO - Federação das Indústrias do Estado do Tocantins FNHIS - Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social HBB – Habitar Brasil BID IAPs - Institutos de Aposentadorias e Pensões IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária MCIDADES – Ministério das Cidades OGU - Orçamento Geral da União ONG - Organização Não-Governamental PAC – Programa de Aceleração do Crescimento PDDS – Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável PDPP – Plano Diretor Participativo de Palmas
PLANHAB – Plano Nacional de Habitação PMCMV ou MCMV – Programa Minha Casa Minha Vida PMP – Prefeitura Municipal de Palmas PMPN – Prefeitura Municipal de Porto Nacional PNDU - Plano Nacional de Desenvolvimento Urbano SEDUH – Secretaria Municipal de Habitação e Desenvolvimento Urbano SERFHAU – Serviço Federal de Habitação e Urbanismo SNH - Sistema Nacional de Habitação SNPU – Secretaria Nacional de Programas Urbanos TO – Tocantins ZEIS – Zonas Especiais de Interesse Social ZOI - Zona de Ocupação Industrial ZOP - Zona de Ocupação Prioritária
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................................15 Estratégias metodológicas adotadas.....................................................................................20 CAPÍTULO I - AS ESTRUTURAS SOCIAIS DA ECONOMIA..................................30 Entendimentos iniciais sobre a importância dos agentes no campo urbanístico..................30 O Campo, os Capitais e o Habitus........................................................................................41 CAPÍTULO II - A CIDADE, CAMPO DA LUTA SOCIAL E A POLÍTICA URBANA NO BRASIL......................................................................................................52 O processo brasileiro de urbanização...................................................................................52 Impasses da política urbana no Brasil..................................................................................65 CAPÍTULO III - CENÁRIO DE GRANDES MUDANÇAS..........................................75 Tocantins: processo de ocupação do território e urbanização..............................................75 Palmas: cidade nova, modelo velho.....................................................................................84 Especulação imobiliária e periferização de Palmas....................................................91 Porto Nacional: periferia da capital Palmas?.......................................................................93 CAPÍTULO IV - A GÊNESE DE UMA “NOVA CIDADE” NA PERIFERIA DE PALMAS...........................................................................................................................100 Antecedentes: área rural e o Reassentamento de Luzimangues.........................................100 Legislação e as consequências das ações dos agentes........................................................112 A urbanização e o crescimento de Luzimangues...............................................................126 Regularização e ordenamento dos loteamentos........................................................126 A legislação e a facilidade para aprovar...................................................................140 O encarecimento do solo em Palmas........................................................................142 Preço menor, pequena entrada e pequena parcela....................................................148 Especulação imobiliária e o processo de ocupação de Luzimangues................................156
Luzimangues: transformações e incertezas........................................................................167 CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................172 REFERÊNCIAS...............................................................................................................177 ANEXOS...........................................................................................................................185 Anexo I - Modelo do Roteiro de Entrevistas......................................................................185 Anexo II – Resumo da evolução urbana de Luzimangues.................................................186
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INTRODUÇÃO
O cenário do antigo norte de Goiás vem se alterando sobremaneira nas últimas duas décadas. Desde a criação do Estado do Tocantins, com a Constituição Federal (BRASIL, 1988), a região passou por um novo surto desenvolvimentista, atraindo investimentos econômicos e população atrás de um novo “El Dorado”. No campo essas transformações são bem sentidas com o desaparecimento de formas tradicionais de produção e sua substituição pelo agronegócio, que busca sempre novas fronteiras para sua expansão. Nas cidades a face dessas transformações aparece no crescimento desordenado, sem planejamento e nem políticas públicas que atendam a parcela mais pobre da população, aliado com o modelo de especulação imobiliária e de apropriação da valorização decorrentes de investimentos públicos. A capital Palmas situada às margens do reservatório da Usina Hidrelétrica de Lajeado (UHE Lajeado) no Rio Tocantins, é um exemplo dessas grandes mudanças advindas e que, apesar do projeto moderno (LIRA, 1995 e VELASQUES, 2009), convive com a sina das desigualdades sociais e urbanas (XAVIER, 2007), a segregação social (SILVA, 2009), a privatização de terras públicas, a especulação imobiliária (AMARAL, 2009), a ex-
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pansão e ocupação desordenada (CORIOLANO, 2011), irregularidades fundiárias (BAZZOLI, 2011), impactos e problemas ambientais (FIGHERA, 2005 e MOLFI, 2009), elevado déficit habitacional (MELO JUNIOR, 2008), os vazios urbanos e uma infraestrutura cara e deficiente (BAZZOLI, 2007). Entendendo a cidade como uma construção social, onde o que está erigido é também carregado de valores simbólicos, essa realidade empírica é fruto de uma série de decisões tomadas pelos diferentes agentes envolvidos no processo de implantação da cidade, em especial das decisões do poder público — nem sempre em consonância com os interesses coletivos, mas ao contrário, advogando em causa de interesses particulares. Mesmo com todo o arcabouço projetual e jurídico que propicia a construção de Palmas temos a repetição de um modelo de cidade excludente do Brasil. O poder público é incapaz de captar e resguardar parte da valorização das terras para a coletividade (SANTORO, 2004), ficando o “ônus” desse processo de urbanização na conta da sociedade, e propiciando, nas palavras de Campos Filho (2001:52), “um governo urbano cada vez mais pobre e que enfrenta cidades cada vez mais caras”. Na mesma medida é a fala de Maricato (2008), que chama atenção ao laissez faire, o “deixai fazer” da política liberal que predomina na falta de planejamento e de gestão nas cidades do Brasil. “… a maior parte das moradias, assim como boa parte das cidades construídas no país nos últimos vinte anos, foram feitas sem financiamento, sem conhecimento técnico e fora da lei (Instituto Cidadania, 2000). Isto significa que os arquitetos e engenheiros não tem participado dessa grande construção. Significa também a ausência do Estado regulador e planejador nessas áreas. E isto não ocorre apenas no final do século XX, sob a inspiração do neoliberalismo, mas é uma característica que acompanha o processo de desenvolvimento urbano, a partir da emergência do trabalhador livre, para ficarmos restritos ao período mais significativo da urbanização brasileira. O laissez faire predominou no uso e na ocupação do solo, na maciça maioria das cidades, décadas após décadas, independentemente do prestigio ou desprestigio do planeja-
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mento urbano e do Estado interventor ou liberal.” (MARICATO, 2008:133) Com essa visão do cenário da região começamos a descobrir e delinear nosso objeto de pesquisa. O que nos chamou atenção de início foi o processo de urbanização recente de Luzimangues, distrito do município de Porto Nacional com uma proximidade muito grande com a capital Palmas, apenas 8 km, correspondendo à travessia da Ponte da Amizade (Figura 1). A sede do município de Porto Nacional encontra-se a 70 km de distancia do distrito e na outra margem do Rio Tocantins. A localidade vem passando por um rápido processo de transformação rural/urbano e a ocupação por empreendimentos imobiliários, em desconformidade aos preceitos e diretrizes atuais da política de desenvolvimento urbano consolidados na Constituição Federal (BRASIL, 1988) e no Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001). O processo é capitaneado pela iniciativa privada, que busca o lucro utilizando a terra como reserva de valor a ser explorada.
Figura 1: Localização geral da área de estudo
Fonte: Imagem organizada pelo autor, sobre imagens de Andrade, 2012; SEDUH, 2011; e Google, 2012.
Num passado recente o território de Luzimangues é tratado como área de reserva para expansão da capital Palmas, com vinculação expressa na Constituição Estadual (TOCANTINS, 1989), porém a divisão do município de Porto Nacional nunca foi efetiva-
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da. Passa posteriormente por redefinições de uso devido principalmente à proximidade com a capital Palmas e ao enchimento do reservatório da UHE Lajeado no Rio Tocantins (2001). É tratada como área de interesse ambiental, instituída a Área de Preservação Ambiental (APA) do Lago de Palmas, através da Lei n° 1.008/1999; passa por desapropriações e realocações de comunidades ribeirinhas, é desta época o surgimento da pequena comunidade do Reassentamento Luzimangues; construção da ponte que liga Palmas ao município de Porto Nacional, a Ponte da Amizade, dando acesso ao município de Paraíso do Tocantins e ligação à BR-153 (a Rodovia Belém/Brasília). Todos esses fatores somados às expectativas da instalação de um polo industrial intermodal com a chegada da Ferrovia Norte/Sul (FNS) fez crescer os interesses dos proprietários privados e o surgimento efetivo dos primeiros loteamentos urbanos. Essa dissertação toma como tema a construção da política urbana local com uma ótica na dinâmica dos agentes e nas suas tomadas de posição no campo da luta política, fazendo valer interesses específicos e utilizando de diferentes trunfos para a hegemonia da sua posição. Como tema específico abordamos a construção dos mecanismos institucionais da política urbana do município de Porto Nacional (Leis do Plano Diretor, Macrozoneamento e Parcelamento do Solo) que permitem a tomada de um território até então rural, cobiçado pelo mercado imobiliário, provocando na prática o surgimento de uma “nova” cidade que é Luzimangues. Esse novo espaço urbano tem como objetivo principal sua exploração pelo capital particular do mercado de terras. O processo de discussão da legislação é realizado pela prefeitura de Porto Nacional, com o auxilio do Governo do Estado através da Secretaria de Planejamento (SEPLAN) e de uma empresa de consultoria, com o foco nos problemas da sede do município. Em paralelo a prefeitura de Porto Nacional, juntamente com o Governo do Estado através
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da Agência de Habitação e Desenvolvimento Urbano (AHDU), a Empresa ORLA S/A e a Federação das Indústrias do Estado do Tocantins (FIETO), contrata um outro estudo tratando especificamente da região de Luzimangues, vislumbrando as capacidades da região para o desenvolvimento industrial, decorrente da construção da FNS e do seu Pátio Intermodal — sem excluir os interesses do setor imobiliário. Para balizar e dar um direcionamento à pesquisa suscitamos algumas dúvidas quanto ao processo da produção do espaço urbano do distrito e tomamos como “perguntas de partida” (QUIVY e CAMPENHOUDT, 1992) os seguintes questionamentos: Como se deu esse processo? Quais os agentes (forças sociais) envolvidos e como atuaram no campo da luta política? Quais interesses defendiam para justificar suas tomadas de posição? Quais trunfos detinham para fazer valer sua posição? O momento de discussão/definição do Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável (PDDS) de Porto Nacional é tomado como um campo de disputa do espaço social, lócus onde ocorrem os conflitos e alianças entre os diferentes agentes. Partindo da estrutura desse campo social e das tomadas de posições dos agentes (BOURDIEU, 2001) tivemos como objetivo da pesquisa a tentativa de abrir a “caixa-preta” e explicar o processo que refletirá na tomada e transformação do território do Distrito de Luzimangues, descrevendo como esses processos foram desdobrados. A hipótese que procuramos testar foi que no processo de embate da construção dos instrumentos da política urbana local do município de Porto Nacional os diversos agentes envolvidos com os interesses do mercado de terras assumiram uma nova posição na estrutura do campo social, com a institucionalização das áreas urbanas de Luzimangues.
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Estratégias metodológicas adotadas
Com essa breve contextualização e explanação dos tópicos iniciais da pesquisa, procuramos estabelecer um ferramental metodológico capaz de analisar e dar respostas aos desafios colocados. Iniciamos esse caminho com alguns posicionamentos balizadores da conduta de pesquisa, procurando pautar por uma visão crítica sobre as informações e dados levantados ou produzidos. Conforme Quivy e Campenhoudt (1992), estudiosos da metodologia da pesquisa cientifica no campo social, devemos fazer esforços para uma “procura sincera da verdade”. “Não a verdade absoluta, estabelecida de uma vez por todas pelos dogmas, mas aquela que se repõe sempre em questão e se aprofunda incessantemente devido ao desejo de compreender com mais justeza o real em que vivemos e para cuja produção contribuímos.” (QUIVY e CAMPENHOUDT, 1992:22) Tomamos o momento de discussão/definição do Plano Diretor de Porto Nacional como um campo de disputas, lócus onde ocorrem os conflitos e alianças entre os diferentes agentes (forças sociais). Esse momento da definição dos instrumentos jurídicos e urbanísticos é de vital importância ao processo de ocupação do território do Distrito de Luzimangues, formalizando as demandas já então existentes (implantação da FNS, instalação do Polo Intermodal e consolidação de loteamentos irregulares) e pavimentando o caminho para o grande número de novos loteamentos que aparecerão e serão comercializados posteriormente. Para essa finalidade fizemos uso do levantamento e análise de diferentes fontes de dados:
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• revisão teórica geral para, primeiramente, situar a discussão da utilização dos agentes no campo urbanístico, principalmente através de Bourdieu (2011); e em seguida buscando contextualizar o objeto de estudo com a produção das cidades no Brasil, por meio da obra de Maricato (2008 e 2011), Campos Filho (2001), Bonduki (1992 e 1998) e outros; • a revisão dos instrumentos jurídicos da política urbana de Porto Nacional, principalmente do PDDS e suas leis complementares (2006), observando o documento técnico que condensou os estudos das questões urbanísticas do município (PORTO NACIONAL, 2006), passando também pelo levantamento e análise das principais leis estaduais com interferência na região; • o material referente ao Macrozoneamento e ao Macroparcelamento da região de Luzimangues, que não possui o mesmo aprofundamento na sua sistematização e nas suas justificativas, sendo ainda pouco conhecido; diz respeito às apresentações (slides) que eram mostradas em diferentes momentos e os relatos dos próprios projetistas; • uma breve análise da ocupação espacial do distrito com base no mapeamento existente, fornecido pela prefeitura de Porto Nacional, pelos projetistas e através de folders e sites dos empreendimentos imobiliários; • o resgate de estudos sobre a região, em Danaga (2004), Oliveira (2009), Adão Oliveira (2009) e Sêne (2009); relatos de moradores da região, complementados pela observação empírica da localidade, com visitas de campo, intencionando a maior aproximação do objeto de estudo; • e entrevistas (com registro) com agentes envolvidos na gênese e na dinâmica do processo estudado. As entrevistas foram necessárias para complementar as informações da pesquisa empírica e documental, e se mostraram essenciais para reunir os
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relatos do que não estava escrito ou registrado em outros meios, podendo fornecer à pesquisa uma série de dados que possibilitaram as análises do processo da urbanização do distrito. Antes da etapa das entrevistas propriamente dita, foram realizadas “entrevistas exploratórias” (sem registro) com pessoas que exerceram o papel de “informantes úteis” (QUIVY e CAMPENHOUDT, 1992). Tratavam-se de entrevistas pouco aprofundadas, com a intenção de levantar dados e apontar alguns caminhos a serem explorados durante o andamento da pesquisa. Foram procurados estudiosos e técnicos da questão urbana, técnicos da prefeitura de Porto Nacional e corretores imobiliários. Já na etapa seguinte, para a seleção dos entrevistados, seguimos o que é demonstrado por Quivy e Campenhoudt (1992:69), procurando agentes que “pela sua posição, pela sua ação ou pelas suas responsabilidades”, têm um bom conhecimento e vivencia do problema, são “testemunhas privilegiadas”. “Essas testemunhas podem pertencer ao público sobre que incide o estudo ou ser-lhes exteriores, mas muito relacionadas com esse público.” (QUIVY e CAMPENHOUDT, 1992:69) Também Bourdieu (2001:125) nos forneceu critérios para determinar a lista dos agentes, “apalpando o terreno, fazendo intervir, além dos critérios de 'reputação' apurados pela análise das conversas e das experiências publicadas, critérios institucionais, como a ocupação de posições de poder reconhecidas”. Outra questão metodológica a ser destacada é quanto ao tamanho do universo de entrevistas que foram realizadas. A abordagem utilizada não foi quantitativa, onde é exigido um número mínimo de amostras para chegarmos em análises percentuais ou absolutas, neste caso nossa abordagem foi qualitativa, tentando obter o máximo de informações úteis dos agentes entrevistados. Segundo Thiollent (1982:199), numa pesquisa desse tipo,
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só um pequeno número de pessoas é interrogado, e são escolhidas em função de critérios que nada têm de probabilistas e nem de representação no sentido estatístico. Desta maneira buscamos fazer uma relação dos agentes que seriam entrevistados e uma estruturação do campo de estudo (Quadro 1), distribuindo-os conforme os interesses e os capitais (ou trunfos) detidos. Para Bourdieu (2001:125) essa abordagem ajuda a explicar as estratégias adotadas nas lutas sociais, de maneira a refletir sua posição e sua tomada de posição.
Quadro 1 - Distribuição dos agentes no campo Agente do poder político local:
Agentes do poder público estadual:
• Paulo Mourão (ex-Prefeito de Porto Nacional)
• Aleandro Lacerda Gonçalves (ex-Secretário de habitação do Estado) • Eli Ramos (arquiteto e ex-Diretor da Secretaria de Habitação do Estado) • Marcos Antônio Gaipo de Andrade (arquiteto contratado pelo Estado/ORLA S/A)
Agentes do mercado imobiliário:
Agente da academia:
• José Ricardo de Sousa (Carajás Empreendimentos) • Elizeu Ribeiro Lira (geografo e professor universi• Miquéias Siqueira da Silva (Village Morena e Rivi- tário) era do Lago) • José Ricardo Faria (União do Lago) • Adriano Fernandes Lacerda (Buriti)
Fonte: Quadro organizado pelo autor.
Agente do poder político local: Paulo Mourão, político da região de Porto Nacional que era o prefeito do município no período de 2005 a 2008, quando foi discutido e aprovado o Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável de Porto Nacional (PDDS) e também os projetos de Macrozoneamento e Macroparcelamento de Luzimangues. Entrevista realizada em 21/04/2012.
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Agentes do poder público estadual: Aleandro Lacerda Gonçalves, advogado pela Universidade Católica de Goiás (UCG), natural de Goiânia – GO, nascido em 1973, residente em Palmas desde 1997. Foi presidente da Agência Estadual de Habitação e Desenvolvimento Urbano (AHDU) e Secretário Estadual de Habitação no período que foram formulados os projetos de Macrozoneamento e Macroparcelamento de Luzimangues. Anteriormente, desenvolveu atividades profissionais junto ao “Consórcio Lajeado / INVESTCO”, na negociação e regularização de áreas de reassentamentos durante a construção da UHE Lajeado — entre elas a do Reassentamento de Luzimangues. Entrevista realizada em 16/04/2012. Eli Ramos, arquiteto e urbanista pela Universidade Federal do Tocantins (UFT) desde 2001, nascido em Londrina – PR, no ano de 1972, mora em Palmas desde 1992. Atuando junto ao Governo do Estado como Diretor da Secretaria Estadual de Habitação foi o técnico responsável pelos projetos de Macrozoneamento e Macroparcelamento de Luzimangues. Entrevista realizada em 04/04/2012. Marcos Antônio Gaipo de Andrade, arquiteto e urbanista pela Universidade Federal do Tocantins (UFT) desde 2003, Pós-graduado em Infraestrutura Urbana e Planejamento Urbano também pela UFT, voltado ao estudo da pavimentação do sistema viário. Mantém o escritório “Studio – Arquitetura e Construção”, responsável pelos projetos de Macrozoneamento e Macroparcelamento de Luzimangues, contratado inicialmente pela prefeitura de Porto Nacional e posteriormente pela ORLA S/A. Entrevista realizada em 22/03/2012.
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Agentes do mercado imobiliário: José Ricardo de Sousa, sócio da empresa “Carajás Empreendimentos”, empresa do ramo imobiliário com projetos de loteamentos em Luzimangues, no sul do Pará e em Palmas. Entrevista realizada em 16/05/2012. Miquéias Siqueira da Silva, nascido em 1982, natural de Santa Isabel no Pará, mora em Palmas desde 1999 e no Luzimangues desde 2001. É hoje o responsável pelos loteamentos “Village Morena” e “Riviera do Lago”, os primeiros loteamentos no local, e pelo “Orla Oeste”, ainda a ser lançado. As áreas são de propriedade do seu sogro, Dr. Lucas, advindo da cidade de Anápolis – GO, para exercer o cargo de promotor do Estado, foi também vereador na cidade de Paraíso do Tocantins. Entrevista realizada em 16/05/2012. José Ricardo Faria, nascido em 1980 e natural de Araraquara – SP, morando no Tocantins desde 2000, exerce o cargo de Gerente do Departamento Comercial da empresa “União do Lago Empreendimentos Imobiliários”. A empresa “União do Lago” vem promovendo loteamentos em Luzimangues e expandindo sua atuação para outras cidades do Estado, é formada por dois sócios diretores, Darci Garcia da Rocha e José Eduardo Sampaio, que têm origem na cidade de Barretos, interior de São Paulo. Entrevista realizada em 22/05/2012. Adriano Fernandes Lacerda, nascido em 1976 e natural da cidade de Crixás – GO, mora no Tocantins desde 1990 e em Palmas a 14 anos, é o responsável regional pela empresa “Buriti Empreendimentos Imobiliários”. A empresa foi criada na cidade de Redenção – PA, e já está presente em 24 cidades espalhadas pelos estados do Pará, Tocantins, Goias, Bahia, Alagoas, Mato Grosso, Rondônia e Acre. Entrevista realizada em 24/05/2012.
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Agente da academia: Elizeu Ribeiro Lira, geografo pelo Centro Universitário de Brasília (CEUB) desde 1987, com mestrado (1995) e doutorado (2004) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), professor do Curso de Geografia (UFT) em Porto Nacional, e coordenador do Núcleo de Estudos Urbanos Regionais Agrários (NURBA), ligado ao curso. Acompanhou as discussões relacionadas à cidade, dentre elas a elaboração do PDDS de Porto Nacional. Entrevista realizada em 19/04/2012.
Esclarecemos ainda que o campo se mostra muito mais complexo, envolvendo outros agentes — os proprietários das áreas (“terreneiros”), os clientes compradores dos lotes, os vendedores (corretores imobiliários), os moradores do assentamento, as empresas que procuram se instalar do Polo Intermodal, e outros; mas tomamos a decisão de limitar nosso campo nos agentes abordados, de maneira a propiciar a exequibilidade desta pesquisa. Cada grupo de agentes conformado a partir dos aspectos que têm em comum para um determinada posição na luta politica, formam um novo campo, onde haverá também ali disputas e parcerias, “unindo ou opondo, simultaneamente”, e novas posições dos agentes no espaço do campo, conforme a seus capitais e trunfos (BOURDIEU, 2001:62). As entrevistas realizadas foram do tipo “não-diretivas” (THIOLLENT, 1982:79), que permitem uma maior liberdade de conversação e um aprofundamento qualitativo da investigação, e “pouco estruturadas” (QUIVY e CAMPENHOUDT, 1992), utilizando perguntas abertas de acordo com um roteiro geral pré elaborado (Anexo I), possibilitando o surgimento e discussão de novas problemáticas. “Neste caso, trata-se de levar a pessoa interrogada a exprimir-se de forma muito livre acerca dos temas sugeridos por um número restrito de perguntas relativamente amplas, para deixar o campo aberto a respostas diferentes das que o investigador teria podido
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explicitamente prever no seu trabalho de construção.” (QUIVY e CAMPENHOUDT, 1992:185) As contribuições desses agentes foram importantes para a construção da pesquisa e encontram-se citadas em diversas passagens adiante. As entrevistas foram gravadas em áudio (por meio digital), com a autorização dos entrevistados, e posteriormente transcritas, o que rendeu um registro rico e vasto sobre o processo estudado. A pesquisa está organizada em capítulos com a seguinte estrutura: No Capitulo I (As estruturas sociais da economia) abordamos os entendimentos iniciais sobre a importância dos agentes no campo urbanístico utilizando noções da obra de Pierre Bourdieu. O autor desenvolveu conceitos muito úteis na esfera da análise sociológica (campo, capitais e habitus), que faremos o esforço de trazer para a construção e análise do nosso objeto de estudo. Na obra “As Estruturas Sociais da Economia” (BOURDIEU, 2001), ele desenvolve um modelo explicativo das estratégias individuais e coletivas dos agentes no campo, utilizando de diferentes técnicas, como por exemplo a “análise das correspondências múltiplas”, no sentido de conformar um espaço das posições e das tomadas de posição na construção da política habitacional da casa individual na França. “A análise deve dedicar-se a descrever a estrutura do campo de produção e os mecanismos que determinam o seu funcionamento […] e também a estrutura da distribuição das disposições econômicas [...]; sem se esquecer de estabelecer, por meio de uma análise histórica, as condições sociais da produção desse campo particular.” (BOURDIEU, 2001:33) Para Bourdieu (2001:137) a análise desse campo de forças não é um fim e deve servir para revelar todas as suas implicações quando relacionamos as diferentes posições com as tomadas de posição dos seus ocupantes. Essa abordagem da utilização dos agentes
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sociais nos estudos urbanos e na conformação das cidades será tratada ainda por Vasconcelos (2011), e incentivada por Maricato (2011): “Combater o analfabetismo urbanístico significa elucidar a estratégia das forças selvagens que fazem do solo urbano e dos orçamentos públicos pasto para seus interesses. Listar as forças que têm poder sobre a produção das cidades já seria um tema fundamental desse aprendizado.” (MARICATO, 2011:45) No Capitulo II (A cidade, campo da luta social e a Política Urbana no Brasil) buscamos discutir criticamente a partir da leitura e análise da literatura consolidada, temas mais gerais como a produção do espaço urbano, a lógica patrimonialista e a especulação imobiliária, a importância do planejamento e da gestão urbana. Constata-se que muito se fez no campo institucional e na ampliação das políticas habitacionais, porém a terra continua sendo um nó e principal causa do momento de impasse da política urbana no Brasil (MARICATO, 2011). Essas teorias são buscadas nas obras de autores como Santos (2008 e 2009), Maricato (2008 e 2011), Campos Filho (2001), Bonduki (1992 e 1998) e Folz (2003). No Capitulo III (Cenário de grandes mudanças) contextualizamos o objeto de estudo através da revisão da bibliografia específica, permitindo uma gênese histórica e sua inserção na dimensão regional, utilizando autores como Lira (1995), Oliveira (2009), Carvalhêdo e Lira (2009), Molfi (2009) e Aquino (1996). Entendemos que os diferentes agentes estão inseridos em um cenário de grandes e rápidas mudanças, ou seja, o processo de ocupação do território e de urbanização do Estado do Tocantins, com os seus diferentes momentos e eixos de desenvolvimento, o surgimento de novas cidades e a alteração dos papéis de outras na rede urbana que se desenvolve e se transforma. Nesse contexto tem especial interesse a criação e implantação da capital Palmas, trazendo a novidade moderna ao interior do cerrado, mas da forma que se deu sua consolidação, vemos que se trata de
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uma cidade nova e planejada, inserida em um velho modelo de cidade do Brasil. As consequências desse grande empreendimento que é a construção de Palmas fazem sentir-se em todo o Estado, mas em especial na cidade de Porto Nacional, relegada então à periferia da capital e em busca de novas vocações. No Capitulo IV (A gênese de uma “nova cidade” na periferia de Palmas) abordamos o Distrito de Luzimangues em si e a discussão da gênese de uma “nova cidade” na periferia de Palmas. “Nova cidade” por conta da escala da intervenção no território e na repetição do modelo especulativo. Para isso, resgatamos os antecedentes da região ainda como área rural e o Reassentamento de Luzimangues, implantado em decorrência do remanejamento das famílias com o enchimento do Lago de Palmas, o reservatório da UHE Lajeado. Em seguida são tratadas as novas transformações do território com o avanço de loteamentos urbanos na área até então rural, consolidados pelo planejamento urbano e pela ação dos diversos agentes atuantes no campo da luta social, tendo em vista as noções e conceitos de Bourdieu (2001). Nesse momento são demonstradas as mudanças decorrentes do Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável (PDDS) de Porto Nacional e de suas leis complementares, bem como os demais fatores que contribuíram para a tomada do território do distrito pelo capital imobiliário. Nas “Considerações Finais”, trazemos a conclusão do trabalho e sugestões de desdobramentos da temática estudada.
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CAPÍTULO I - AS ESTRUTURAS SOCIAIS DA ECONOMIA
Entendimentos iniciais sobre a importância dos agentes no campo urbanístico
Ao estudar as transformações dos espaços físicos no campo urbanístico, cada vez mais avança a importância do entendimento da ação dos atores e dos agentes sociais. Recorremos inicialmente a Vasconcelos (2011), que faz um breve exame da utilização dos agentes sociais nos estudos urbanos, resgatando os conceitos de vários autores ligados a diferentes campos do conhecimento (sociologia, história e geografia). Ele procura questionar se as grandes categorias utilizadas na geografia urbana são suficientes para compreender a complexidade da atuação dos agentes na transformação das cidades, ainda mais nas cidades dos países periféricos. “Nesses países, os agentes não capitalistas como os proprietários fundiários e, sobretudo, os invasores e ocupantes de terrenos, têm uma participação fundamental na conformação das cidades” (VASCONCELOS, 2011:75). “O uso da noção de agentes sociais parece ser bastante rico para o entendimento das cidades brasileiras, na medida em que 'agentes' não capitalistas podem ser incluídos nas análises, o que permi-
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te, entre outras possibilidades, a sua utilização no presente e no passado.” (VASCONCELOS, 2011:92) O autor faz o esforço de demonstrar as diferenças entre o uso dos termos “agentes” e “atores”, a partir do referencial teórico de Grafmeyer (VASCONCELOS, 2011:75), Burnet, Ferras e Théry (VASCONCELOS, 2011:75), e Lévy (VASCONCELOS, 2011:76) que levanta os seguintes autores que preferem utilizar os agentes, negando o ator individual: “Marx, Bourdieu, Durkheim e Lévi-Strauss, enquanto outros autores dariam mais destaque à autonomia dos indivíduos, como Weber, Simmel, Elias, Giddens, Berger e Luckman” (VASCONCELOS, 2011:76). “Apesar dos limites apontados sobre a noção de agente, prefiro sua utilização à da noção de ator, tendo em vista que esta última remete a papéis de representação, tanto na vida corrente como nas artes (teatro, cinema).” (VASCONCELOS, 2011:76) Lefebvre prefere “a utilização de diferentes tipos de capital (o capital fundiário, o capital comercial, o capital financeiro) ao uso da noção de atores ou agentes” (VASCONCELOS, 2011:77). Touraine, examina o papel do ator social e vê o Estado como “um agente social complexo, cuja ação se estende sobre o campo da historicidade, sobre as instituições e sobre a organização social. Ele não poderia ser reduzido ao papel de agente de uma força social e política” (VASCONCELOS, 2011:77). Topalov analisa a produção capitalista da habitação na França, na atuação dos promotores imobiliários. Nos escritos desse autor inicialmente é utilizado o termo “ator”, mais tarde substituído pelo termo “agente”. “Topalov (1974) define então 'agente', utilizando a linguagem marxista, como 'o suporte de uma articulação de relações sociais, e que estuda suas práticas como efeitos do funcionamento e das transformações dessas relações” (VASCONCELOS, 2011:78). Topalov acrescenta ainda que:
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“O 'mercado fundiário' aparece como o lugar de um processo que compreende três grupos de agentes: (1) os proprietários fundiários (que detêm o solo); (2) o poder público (cuja atividade de planejamento e regulamentação define os usos possíveis do solo); e (3) os promotores (administradores do capital imobiliário de circulação que agem para transformar o solo em mercadoria).” (VASCONCELOS, 2011:79) Para Corrêa (2011:44) a ação dos agentes é que materializam os processos sociais na forma de um ambiente construído, desde a escala da rede urbana até o espaço intraurbano. Para ele a produção e transformação do espaço não é “o resultado da 'mão invisível do mercado', nem de um Estado hegeliano, visto como entidade supraorgânica, ou de um capital abstrato que emerge de fora das relações sociais”. O espaço é produzido como “consequência da ação de agentes sociais concretos, históricos, dotados de interesses, estratégias e práticas espaciais próprias, portadores de contradições e geradores de conflitos entre eles mesmos e com outros segmentos da sociedade” (CORRÊA, 2011:43). Nesse sentido o Estado, na sociedade capitalista, desempenha múltiplos papéis em relação à produção do espaço, decorrentes do fato dele constituir uma arena na qual diferentes interesses e conflitos se enfrentam (CORRÊA, 2011:45). Os tipos de agentes identificados por Corrêa (2011:44) seriam “os proprietários dos meios de produção, os proprietários fundiários, os promotores imobiliários, o Estado e os grupos sociais excluídos”. Já para Santos (1988), os acontecimentos na cidade são comparáveis ao jogo de cartas. O “jogo urbano” será jogado pelos parceiros que se enfrentam segundo os grupos e filiações a que pertençam, o ideal é que esses agentes do desenvolvimento urbano, dominem as regras e se acertem quanto à sua aplicação (SANTOS, 1988:51). “Há os políticos, técnicos e funcionários que representam o GOVERNO. Aqui é preciso distinguir de que nível de governo se trata, pois sobre as cidades intervem agentes federais, estaduais e municipais. Existem as EMPRESAS que agem através de investimentos na industria, no comercio e nos serviços, com especial destaque
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para o capital ligado aos ramos imobiliário e da construção civil, cujas ações têm reflexos diretos no meio urbano. Por fim, entra a POPULAÇÃO, fragmentada nos mais diversos grupos (vizinhança, filiação politica e religiosa, profissão, parentesco, afinidades...).” (SANTOS, 1988:50 e 51) Dentre as diversas bases teóricas e conceituais para a compreensão do urbano (que entendemos complementares entre si), elegemos, com o intuito de tentar contribuir com diferentes pontos de vista, os conceitos do sociólogo francês Pierre Bourdieu, que para Vasconcelos (2011:80) é tido como o autor mais importante que utiliza a noção de “agente” na disciplina sociológica. A produção do seu pensamento e de sua obra são vastos e capazes de ajudar a compreender as diversas relações que compõem as cidades: a cidade como uma construção social, arena de lutas, consequência da ação dos diversos agentes e das suas forças distribuídas no campo, um verdadeiro jogo de poder. Esses conceitos são encontrados na literatura voltada a entender os conflitos da política urbana 1, mas Bourdieu avança e propõe metodologias capazes de identificar e distribuir os diversos agentes no campo. Faz-se importante destacar ainda que os conceitos construídos por Bourdieu são poucos explorados pelos pensadores das questões urbanas no Brasil, situando essa problemática no campo das ciências sociais, porém são dotados também de uma metodologia muito consistente, daí o esforço para nesse primeiro capítulo tratarmos dos principais fundamentos, traçando paralelos com a política urbana. Esses entendimentos do pensamento bourdesiano serão necessários quando voltarmos a tratar da análise das políticas urbanas envolvidas no nosso objeto de estudo.
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VILLAÇA, 2005; CAMPOS FILHO, 2001; RIBEIRO E CARDOSO, 2003; MARICATO, 2008 e 2011; entre outros.
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Bourdieu vai confrontar alguns dos cânones até então vigentes, ou seja, a visão puramente economicista, e avançar no campo científico propondo o que denominou de estruturas sociais da economia. “A ciência que designamos por 'economia' assenta numa abstração originária, que consiste em dissociar uma categoria particular de práticas, ou uma dimensão particular de qualquer prática, da ordem social em que toda a prática humana se encontra imersa.” (BOURDIEU, 2001:13) Assim, os estudos de Bourdieu distinguem-se da economia na sua forma mais comum em duas relações essenciais: (1) “tentam em cada caso mobilizar o conjunto dos saberes disponíveis sobre as diferentes dimensões da ordem social, ou seja, a família, o Estado, a escola, os sindicatos, as associações, etc. - e não apenas a banca, a empresa e o mercado” (BOURDIEU, 2001:13); e (2) “munem-se de um sistema de conceitos que, forjados com vista a dar conta dos dados da observação, poderia apresentar-se como uma teoria alternativa para compreender a ação econômica: … através do habitus; capital cultural; capital social; capital simbólico; e campo” (BOURDIEU, 2001:14). “Uma vez que o mundo social está inteiramente presente em cada ação 'econômica', é preciso dotarmo-nos de instrumentos de conhecimento que, longe de excluir a multidimensionalidade e a multifuncionalidade das práticas, permitam construir modelos históricos capazes de dar razão, com rigor e parcimônia, às ações e instituições econômicas tal como estas se oferecem à observação empírica. Isso, evidentemente, à custa de uma suspensão prévia da adesão às evidencias e às prenoções de senso comum.” (BOURDIEU, 2001:15, grifo nosso) Para o autor os modelos puramente econômicos são em muitas situações insuficientes para apreender a vida social pois os agentes fazem escolhas diferentes daquelas previstas a partir do reducionismo de um modelo econômico (BOURDIEU, 2001:21). Ele envolverá também diferentes dimensões nessa discussão quando trata das “disposições
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econômicas mais fundamentais, necessidades, preferencias, propensões”, afirmando que “não são exógenas, isto é, dependentes de uma natureza humana universal, mas endógenas e dependentes de uma história, que é precisamente a do cosmos econômico, onde são exigidas as recompensas” (BOURDIEU, 2001:22). “Isto equivale a dizer, contra a distinção canônica entre os fins e os meios, que o campo impõe a todos, mas em graus diversos consoante a sua posição e suas capacidades econômicas, não só os meios 'razoáveis', mas os fins, isto é, o enriquecimento individual, da ação econômica.” (BOURDIEU, 2001:22) E ainda construindo essa estrutura de pensamento: “Entre a teoria econômica na sua forma mais pura, isto é, mais formalizada, que nunca é tão neutra quanto crê e quer fazer crer, e as políticas que são implementadas em seu nome ou legitimadas por seu intermédio, interpõem-se agentes e instituições que estão impregnados de todos os pressupostos herdados da imersão num mundo econômico particular, saído de uma história singular.” (BOURDIEU, 2001:24) Para exemplificar essa abordagem o autor fala sobre um “senso comum econômico” (BOURDIEU, 2001:24), tomando como objeto a economia neoliberal que deve um certo número das suas características, pretensamente universais, ao fato de “estar imersa, embedded, numa sociedade particular, isto é, enraizada num sistema de crenças e valores, num ethos e numa visão moral do mundo” (BOURDIEU, 2001:24). Essa interpretação das ações e interposições de agentes e instituições é bem clara quando tratamos também da temática urbana e de todas as interações sociais para a produção e (re)produção do espaço das cidades, envolvendo agentes privados (com diferentes escalas de trunfos ou vantagens), mediados pelo Estado, “que está em condição de exercer uma influência determinante sobre o funcionamento do campo” (BOURDIEU, 2001:26). “O Estado é a culminação e o produto de um lento processo de acumulação e concentração de diferentes tipos de capital: capital
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de força física, policial ou militar (que na definição weberiana evoca ao falar do “monopólio da violência física legitima”); capital econômico, necessário entre outras coisas para assegurar o financiamento da força física, capital cultural ou informacional, acumulado na forma, por exemplo, de estatísticas, mas também de instrumentos de conhecimento dotados de validez universal nos limites da sua incumbência, como os pesos, as medidas, os mapas e os cadastros; por último, capital simbólico.” (BOURDIEU, 2001:26) Esse papel do Estado se aplica particularmente ao campo das políticas urbanas, onde exerce seus poderes desde as interelações dos cidadãos até seus reflexos práticos no território, responsável pelo regramento (fazer as leis), a fiscalização (fazer cumprir as regras), a execução das políticas públicas e do planejamento e decisão dos investimentos em obras e equipamentos públicos — favorecendo uma política em detrimento de outra, ou um determinado grupo de interesse em desfavor de outros. Bourdieu faz uma análise tomando especificamente o mercado da casa individual na França (BOURDIEU, 2001), aplicando os conceitos de capitais, campo e habitus. Procuramos fazer aqui um paralelo com o mercado de terras urbanas analisando toda uma transformação e construção social com as reverberações concretas no território. Para o autor “qualquer mercado (sem dúvida em graus diferentes) é o produto de uma dupla construção social” (BOURDIEU, 2001:32), sendo que o Estado desempenha um papel fundamental pois “contribui numa parte decisiva: construção da procura e construção da oferta” (BOURDIEU, 2001:32). “Através, nomeadamente, de todas as formas de regulamentação e de ajuda financeira destinadas a favorecer esta ou aquela maneira de realizar os gostos em matéria de habitação, ajudas aos construtores ou aos particulares, como os empréstimos, as exonerações, crédito mais barato, etc., o Estado – e aqueles que estão em situação de impor os seus pontos de vista através dele – contribui muito fortemente para produzir o estado do mercado de habitação [e do solo urbano], nomeadamente orientando, direta e indiretamente, os investimentos financeiros – e também afetivos – das diferen-
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tes categorias sociais em matéria de habitação.” (BOURDIEU, 2001:32, grifo nosso) A política de créditos (política do Estado) altera a própria demanda, as pessoas acabam “preferindo”2 a propriedade da casa3 — no caso da França: “Categorias até aí pouco propensas a fazer da aquisição da habitação o principal investimento e que teriam oferecido uma clientela natural a uma política visando favorecer a criação de habitações públicas (casas individuais ou imóveis) destinados ao aluguel entraram, graças ao crédito e às ajudas do governo, na lógica da acumulação de um patrimônio econômico, dando assim lugar, nas suas estratégias de reprodução, à transmissão direta de bens materiais.” (BOURDIEU, 2001:56) Nessa construção do mercado um ponto abordado é quanto ao simbolismo da casa/moradia, e que tem no terreno um insumo essencial para sua existência, o que provoca e exerce influências sobre o mercado de terras e nos agentes da sua cadeia de produção. “A 'casa' é dotada de características particulares, esse produto em que a componente simbólica tem uma carga especialmente forte” (BOURDIEU, 2001:35). A casa é um dos maiores investimentos no ciclo de vida da maior parte das famílias: “Bem de consumo que, em virtude do seu elevado custo, é objeto de uma das decisões econômicas mais difíceis de todo um ciclo de vida doméstica, é também uma poupança financeira e um investimento que sabemos conservar ou aumentar o seu valor ao mesmo tempo que proporciona satisfações imediatas.” (BOURDIEU, 2001:36) O simbolismo da casa avança no imaginário coletivo, desde a criação do mito da casa própria (no caso do Brasil, ver BONDUKI, 1998) e que é alimentado constante2
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“As preferências variam de acordo com diferentes fatores: o capital econômico, o capital cultural, a estrutura do capital tomado no seu conjunto, a trajetória social, a idade, o estatuto matrimonial, o número de filhos, a posição no ciclo de vida familiar, etc.” (BOURDIEU, 2001:44) Política neoliberal – “o direito individual à propriedade de um patrimônio minimo.” ( BOURDIEU, 2001:114)
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mente, como chama atenção Bourdieu, “pelo sucesso da imprensa consagrada à decoração da casa” (BOURDIEU, 2001:36), e faz-se notar também na “retórica publicitária” (BOURDIEU, 2001:38), em torno da venda de casas, apartamentos e loteamentos. “A 'casa' remete, inseparavelmente, para a residencia material e para a família que aí viveu, vive ou viverá, entidade social cuja transcendência em relação às pessoas individuais se afirma, precisamente, no fato de dispor de um patrimônio de bens materiais e simbólicos.” (BOURDIEU, 2001:36). O autor ainda cita uma passagem do estudo de Marc Augé: “O sistema de anúncios, em suma, funciona como se fosse uma armadilha seletiva cujos mecanismos servem para orientar as diferentes categorias de vítimas aos seus locais de cativeiro” (BOURDIEU, 2001:42). Podemos pensar que esse mito é perpetuado mais ainda, e consequentemente seu simbolismo, com as ações midiáticas que são vistas em programas televisivos, no caso brasileiro, de abrangência nacional – por exemplo o quadro “Lar Doce Lar”, do programa “Caldeirão do Huck” da Rede Globo de Televisão, ou o “Sonhar Mais um Sonho”, do “Programa do Gugu” da Rede Record de Televisão; que “realizam os sonhos” de famílias de menor renda, alimentando os sonhos e os desejos de consumo de outras tantas. Os mesmos apelos são evocados no material publicitário da venda de imóveis, mostrando sempre rostos alegres de determinados padrões familiares e ambientes “de novela” ricamente decorados. Ainda sobre a publicidade4, “que tem a função de convencer o cliente que o produto proposto é feito para ele, e que ele é feito para aquele produto” (BOURDIEU, 2001:78), o autor chama atenção para o fato de que “como qualquer ação simbólica, a publicidade nunca tem tanto êxito como quando lisonjeia, excita ou desperta disposições preexistentes que exprime e a que dá, assim, ensejo de se reconhecerem e executarem” 4
“O peso relativo que uma empresa atribui à função comercial é, sem duvida, um dos indicadores mais poderosos e mais significativos da sua posição no campo dos construtores.” (BOURDIEU, 2001:78)
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(BOURDIEU, 2001:79). E demonstra argumentos muito utilizados para a comercialização: “a superioridade da propriedade sobre o aluguel ('comprar é mais barato do que alugar')” (BOURDIEU, 2001:79) ou “os encantos da natureza” (BOURDIEU, 2001:79), “para fazer esquecer o afastamento da residencia proposta relativamente ao centro da cidade ou ao local de trabalho, convidando a fazer da necessidade virtude e a converter a relegação num subúrbio longínquo em regresso de eleição ao campo” (BOURDIEU, 2001:80). Mas além disso não podemos deixar de lado a questão prática que acaba influenciando o crescimento das nossas cidades: “é preciso morar”. Movidos mesmos pelo momento de formação de uma família e da busca de segurança “os proprietários das gerações mais recentes veem no acesso à propriedade um meio de se alojarem e de constituí rem ao mesmo tempo um patrimônio imobiliário” (BOURDIEU, 2001:44). “[…] a questão da compra de uma casa coloca-se como uma força particular em certas etapas desse ciclo [da vida doméstica], em relação com o desejo de 'fundar', como se diz, uma 'família', isto é, no momento do casamento ou nos anos que se seguem, em ligação com o aparecimento dos filhos.” (BOURDIEU, 2001:53) Para se chegar a esse fim as famílias acabam se sujeitando, ao mesmo tempo que são sujeitadas, a fatores diversos observados ao longo da formação das nossas cidades: moradia cada vez mais longe dos centros urbanos com a deslocação para os subúrbios e periferias, loteamentos sem a devida infraestrutura ou irregulares, submoradias em cortiços, barracos de lona, entre tantos outros. “A aparente democratização do acesso à propriedade dissimula diferenças consoante à localização e às características dessa habitação” (BOURDIEU, 2001:58); envolvem “custos reais, em dinheiro e em tempo5 - tempo de tra-
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São as consequências escondidas – aumento dos custos de transporte, a aquisição de uma segunda viatura, etc. (BOURDIEU, 2001:210)
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balho próprio para arranjar a casa, tempo de espera para se tornar proprietário, tempo de trajeto para chegar ao trabalho” (BOURDIEU, 2001:58). “Se as despesas em transportes são particularmente elevadas para os proprietários das frações assalariadas das classes médias e superiores, os custos em tempo de trabalho para acabar a casa ou para prover à sua manutenção por meio de trabalhos diversos são particularmente elevados para os operários... As diferenças incidem igualmente sobre os lucros de utilização e de eventual comercialização. As casas possuídas são, evidentemente, de valor muito desigual, devido à sua qualidade técnica ou estética e sobretudo à sua localização.” (BOURDIEU, 2001:60, grifo nosso) As relações urbanas tão complexas ficam reduzidas a uma transação comercial, procura e demanda, comprador e vendedor, mas que se configura, segundo Bourdieu, num “contrato sob coação” (BOURDIEU, 2001:183) pois: “Não existe interação que dissimule tão bem a sua verdade estrutural como a relação entre o comprador e o vendedor na transação imobiliária. A verdade da interação não está na interação (relação a dois que é sempre de fato uma relação a três, os dois agentes e o espaço social em que estão inseridos). Não passam de atualizações conjunturais da relação objetiva entre o poder financeiro do banco [agente eficiente que detém o poder econômico] e um cliente definido.” (BOURDIEU, 2001:183 e 184) Nessa relação imposta o comprador, em clara desvantagem, irá se agarrar a “tudo o que se pareça com uma garantia pessoal” (BOURDIEU, 2001:204) e acaba desenvolvendo relações de proximidade com o vendedor no intuito de firmar um “contrato de confiança global, capaz de esconjurar a angústia, dando de uma vez por todas as garantias relativas às incertezas da transação” (BOURDIEU, 2001:204). Ainda no âmbito desse campo das questões simbólicas, Bourdieu tece uma crítica contundente ao modelo liberal da propriedade urbana, que promove um modelo cujo custo social coletivo se torna muito elevado.
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“O que sobressai deste discurso comum – e escolhido precisamente pela sua representatividade – é o efeito de uma política que visava oferecer um mercado aos produtores de casas produzindo ao mesmo tempo proprietários apegados à sua propriedade, e que teve êxito, em determinado sentido. Mas aqueles que assim se encontraram constituídos proprietários de casas suburbanas só tiveram acesso a essas satisfações, na maior parte dos casos, arcando com custos tão elevados que, mesmo que a política liberal tenha favorecido a execução de uma transformação profunda, e profundamente conforme aos seus desejos, da ordem social, a verdade é que ela não proporcionou aos seus promotores os benefícios políticos que esperavam dela. Centrada em torno da educação das crianças concebida como via de ascensão individual, a célula familiar é doravante a sede de uma espécie de egoísmo coletivo, que encontra a sua legitimação num culto da vida doméstica permanentemente celebrada por todos aqueles que vivem direta, ou indiretamente, da produção e da circulação dos objetos domésticos.” (BOURDIEU, 2001:229 e 230, grifo nosso) Mais adiante o autor diz que há aqueles que não têm interesse que se estabeleça o elo entre as políticas econômicas e suas reverberações sociais e seus efeitos a curto e a longo prazo (BOURDIEU, 2001:261).
O Campo, os Capitais e o Habitus
Para Bourdieu “a noção de campo permite ter em conta as diferenças entre as empresas (cuja amplitude varia muito, sem dúvida, de acordo com os “ramos”) e também as relações objetivas de complementaridade na rivalidade que os une e os opõe [os agentes] em simultâneo” (BOURDIEU, 2001:62). A empresa para nós terá significados mais amplos, constituindo-se em campos diversos de atuação dos agentes – a política urbana como campo, as esferas do poder público como campo, o campo do mercado de terras, etc. “Assim, compreender a lógica da concorrência de que o campo é o lugar é determinar as propriedades diferenciais que, funcionando como trunfos específicos, definidos na sua própria existência e eficácia em relação ao campo, determinam a posição que cada em-
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presa ocupa no espaço do campo, isto é, na estrutura da distribuição desses trunfos.” (BOURDIEU, 2001:62). Há portanto uma lógica específica desse campo de produção, tomando nesse caso o mercado da casa individual: “(1) As relações objetivas estabelecidas entre os diferentes construtores que concorrem para a conquista de partes desse mercado constituem um campo de forças cuja estrutura num ponto está na raiz das lutas que visam conservá-lo ou transformá-lo; (2) As leis gerais de funcionamento que valem para todos os campos e, mais especificamente, para todos os campos de produção econômica, especificam-se segundo as propriedades características do produto.” (BOURDIEU, 2001:61) A visão estruturalista aplicada à gênese de uma decisão e tomada de posição, desnudará a estrutura das relações de força no campo e define uma outra escala de análise, vendo a empresa como campo, necessitando portanto olhar sua estrutura interna, sua política, bem como a atuação dos “agentes eficientes”. “Os estudos de casos destinados a analisar a gênese de uma decisão continuam praticamente desprovidos de sentido enquanto se limitam às manifestações fenomenais do exercício do poder, isto é, aos discursos ou às interações, ignorando a estrutura das relações de força entre as instituições e os agentes (muitas vezes constituídos de corpo) que estão em luta pelo poder de decidir, isto é, as disposições e os interesses dos diferentes dirigentes e os trunfos de que dispõem para os fazer triunfar.” (BOURDIEU, 2001:96) Nesse sentido complexo de relações, Bourdieu toma o urbano “como um campo de produção simbólica”, onde a coexistência de discursos, interesses, conflitos e consensos serão concretizados nos instrumentos de planejamento e gestão urbana (RODRIGUES, 2009:13). O Estado desempenhará vários papéis, o que deixa claro as suas responsabilidades na situação do impasse da política urbana das nossas cidades (MARICATO, 2011).
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Ele atuará desde a própria construção do mercado através das politicas públicas até a legitimação de práticas já naturalizadas pelo mercado de terras – as pressões diversas por anistias, mudanças de uso, índices e gabaritos nas leis urbanas, entre outras. No caso do mercado da casa individual, como já foi dito, a “procura” é em grande parte produzida pelo Estado (BOURDIEU, 2001:113), o que nos remete à política fundiária urbana brasileira, onde o Estado produz o mercado a partir da sua ação (a cidade formal, onde está presente o mercado formal, os cartórios e os bancos) mas também da sua omissão (a cidade informal, onde igualmente existem agentes agindo no sentido de formar também aí um mercado). “Os construtores, nomeadamente os maiores, e os bancos, podem influenciar as decisões políticas que são de natureza a orientar as preferências dos agentes encorajando ou contrariando, mais ou menos, as disposições iniciais dos potenciais clientes por meio de medidas administrativas que têm como efeito impedir ou favorecer a sua realização [as políticas]. De fato, há sem dúvida poucos mercados que sejam, como o da casa, não só controlados mas verdadeiramente construídos pelo Estado, muito especialmente através da ajuda atribuída aos particulares, que varia no seu volume e nas modalidades da sua atribuição, favorecendo mais ou menos esta ou aquela categoria social e, desse modo, esta ou aquela fração de construtores [ou outros agentes econômicos].” (BOURDIEU, 2001:113 e 114) De acordo com Bourdieu (2001:116) as relações de força entre as empresas de construção (pequenas, médias ou grandes), que coexistem no mesmo mercado, dependem do Estado, “da Política de Habitação e, em particular, dos regulamentos que regem a ajuda pública para a construção e a concessão de créditos”, pois este tem a responsabilidade da arbitragem entre os ocupantes de posições diferentes no campo da produção. O mercado da habitação (e em grande parte o mercado imobiliário) é apoiado e controlado, direta e indiretamente, pelos poderes públicos, fixando as normas de funcionamento “através de toda uma regulamentação específica que vem juntar-se à infraestrutura jurídica (direito de propriedade, direito comercial, direito do trabalho, direito dos contra-
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tos, etc) e à regulamentação geral (bloqueio ou controle dos preços, enquadramento do crédito, etc)” (BOURDIEU, 2001:116). Para adentrar nesse campo e compreender a lógica desse mercado “burocraticamente construído e controlado”, é preciso “descrever a gênese das regras e dos regulamentos que definem o seu funcionamento, isto é, fazer a história social do campo fechado em que se defrontam” (BOURDIEU, 2001:116). “Para compreender a 'política do Estado' em cada um dos domínios que tem a seu cargo, seria preciso saber como se apresentam as diferentes tomadas de posição sobre o problema considerado e as relações de força entre os seus defensores, formadores de opinião e dos grupos de pressão.” (BOURDIEU, 2001:117) Não sem motivo será a luta dos agentes em diversos campos, desde a expressão do seu poder econômico, social ou político, buscando se fazer representar nesses diferentes campos de luta. “É com efeito nas relações de força e de luta entre [diferentes agentes]... que definem, na base de antagonismos ou de alianças de interesses e de afinidades de hábitos, os regulamentos que regem o mundo imobiliário. As lutas para transformar ou conservar as representações legítimas que, uma vez investidas da eficácia simbólica e prática do regulamento oficial, são capazes de ordenar realmente as práticas são uma das dimensões fundamentais das lutas políticas pelo poder sobre instrumentos de poder do Estado, isto é, generalizando a fórmula de Max Weber, pelo monopólio da violência física e simbólica legítima.” (BOURDIEU, 2001:116 e 117, grifo nosso) Os agentes eficientes, já mencionados anteriormente, na ótica de Bourdieu, são aqueles que detêm o capital simbólico para impor sua vontade, tendo uma posição ativa no campo e um peso suficiente para orientar de maneira efetiva as políticas. “Uma vez estabelecida essa estrutura, poderemos então examinar se, às posições que os agentes (ou os corpos) aí ocupam, correspondem, como se pode pensar, as tomadas de posição que são as suas nas lutas para conservar ou transformar a regulamentação em vigor; se, por outras palavras, as diferenças objetivas na distribuição dos interesses e dos trunfos podem explicar as estratégias
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adotadas nas lutas e, mais precisamente, as alianças ou as divisões em campos.” (BOURDIEU, 2001: 125) Nesse sentido o autor coloca um contraponto às sagradas “leis de mercado”, afirmação já esvaziada mas muitas vezes utilizada para tentar justificar ou explicar as práticas de poder imersas nos interesses econômicos, ou seja, “a produção de um bem ou de um serviço tem tantas mais hipóteses de ser controlado pelo Estado quanto mais esse bem ou serviço se impuser como indispensável, e quanto mais fraco o mercado for nessa matéria” (BOURDIEU, 2001:118). Notamos que esse é um passo que a sociedade brasileira ainda não avançou, sendo a cidade ainda vista como mercadoria e expressão dos conflitos de direitos: propriedade privada (e sua exploração) versus função social da propriedade; instâncias de poder político já constituídas (executivo e legislativo) versus a efetivação de novas instâncias de representação e participação popular, através dos conselhos. “Esta tendência para a autoperpetuação das instâncias burocráticas e dos agentes que lhes devem a sua existência e a sua razão de ser burocráticas está na origem da inércia, muitas vezes deplorada, dessas instituições, mas também, quando são o produto de conquistas sociais, da perpetuação de estruturas e de funções independentes das limitações imediatas das relações de força políticas e sociais.” (BOURDIEU, 2001:140) “Uma análise atenta à lógica complexa do campo burocrático permite, pois, constatar e compreender a ambiguidade intrínseca do funcionamento do Estado” (BOURDIEU, 2001:140). A aparente neutralidade burocrática se desmancha no ar, uma vez que se retira o véu dessa visão inocente e reconhece-se que o próprio Estado e as instituições que o compõem, são formados por agentes diversos, e que em determinados momentos estarão em campos diferentes, travando batalhas de poder e assumindo diferentes posições conforme os trunfos disponíveis.
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No âmbito da política urbana terão grande importância os agentes de nível local, uma vez que mesmo com as definições das políticas gerais/nacionais elas serão traduzidas e aplicadas localmente. Apesar da existência de “administrações progressistas” (MARICATO, 2008) e alinhadas às discussões nacionais, capazes de fazer frente aos interesses particulares, ou tentar mitigá-los, as administrações locais “podem ser concebidas como 'resistências' do interesse privado ou do particularismo local ('provincial') a medidas centrais” (BOURDIEU, 2001:158). “Da mesma forma que a 'política de habitação' [e fazendo um paralelo com a política de desenvolvimento urbano] é, ao nível central, o produto de uma longa sequência de interações executadas sob coação estrutural, também as medidas regulamentares que são constitutivas dessa política serão, elas próprias, reinterpretadas e redefinidas através de uma série de interações entre agentes que, em função da sua posição em estruturas objetivas de poder definidas à escala de uma unidade territorial, região ou departamento, prosseguem estratégias diferentes ou antagônicas.” (BOURDIEU, 2001:157) Para Bourdieu (2001:159) trata-se “do jogo com a sua regra, onde o Estado apresenta-se sob a forma do regulamento e dos agentes ou das instâncias que o invocam”, um jogo onde quem detém a capacidade de fixar as regras, ou de ignorá-las, possui especial vantagem. “Na luta pelo monopólio da violência simbólica, o regulamento é a principal arma do funcionário [e do político] juntamente, se for esse o caso, com a sua competência técnica ou cultural” (BOURDIEU, 2001:160). Para ilustrar essa afirmação o autor trás uma passagem de Weber: “Se obedece à regra quando o interesse em obedecer-lhe prevalece sobre o interesse em desobedecer-lhe” (BOURDIEU, 2001:160), havendo ainda como ferramenta para esse exercício de poder as “brechas da lei6” ou a “transgressão legitimada” (BOURDIEU, 2001:165). 6
“O direito não passa sem os subterfúgios que permitem escapar-lhe, a derrogação, a dispensa, a isenção, isto é, sem toda a espécie de autorização especial de transgredir o regulamento que, paradoxalmente, só podem ser concedidas pela autoridade encarregada de o fazer respeitar.” (BOURDIEU, 2001:166)
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“A regra que, como vimos, foi produzida no confronto e na transação entre interesses e visões do mundo social antagônicas, só pode encontrar sua aplicação através da ação dos agentes encarregados de a fazer respeitar que, dispondo de uma liberdade de ação tanto maior quanto mais elevada for a posição que ocupam na hierarquia burocrática, podem trabalhar para a sua execução ou, pelo contrário, pra sua transgressão, consoante tiverem mais lucro material ou simbólico a mostrar-se rigorosos ou condescendentes.” (BOURDIEU, 2001:161) Esse jogo burocrático, “um dos mais regrados de todos os jogos”, possui muita indeterminação e incerteza, o que é da sua própria lógica. Um jogo onde os jogadores estão em posições assimétricas e aquele que detêm determinados trunfos, como o domínio da regra e a liberdade para obedecê-la ou não, está em posição de ganhar sempre (BOURDIEU, 2001:162). Entende-se portanto que as leis não são isentas ou neutras como querem alguns ou, num mundo de aparências, querem fazer parecer, porém estão imersas nos interesses daqueles que as produzem, que as aplicam e fiscalizam, na maior parte das vezes munidos de legitimidade política no campo de lutas. Esses agente políticos aumentam o seu capital simbólico por meio de intervenções e intercessões junto das burocracias (BOURDIEU, 2001:166). “Não entra quem quer no circuito das trocas frutuosas que asseguram o ajustamento das normas às realidades: os notáveis tem simultaneamente o benefício da regra e da transgressão; para o comum dos 'contribuintes' e dos 'administrados', desprovido dos recursos indispensáveis para obter os desvios à regra que se oferecem aos privilegiados, 'o regulamento é o regulamento' e, em mais de um caso, 'a suprema justiça é a suprema injustiça'.” (BOURDIEU, 2001:174) Os diferentes “agentes criam o espaço, isto é, o campo econômico, que só existe por intermédio dos agentes que aí se encontram e deformam o espaço vizinho, conferindo-lhe uma determinada estrutura”, ou seja, “é na relação entre as diferentes 'fontes
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de campo' que se criam o campo e as relações de força que o caracterizam” (BOURDIEU, 2001:237). O espaço social será tomado como um espaço de luta política: “Ele é o lugar, relativamente estável, da coexistência dos pontos de vista, no duplo sentido de posições na estrutura da distribuição do capital (econômico, informacional, social) e dos poderes correspondentes, mas também de reações práticas a esse espaço ou de representações desse espaço, produzidas a partir desses pontos por meio dos habitus estruturados, e duplamente informados, quer pela estrutura do espaço, quer pela estrutura dos esquemas de percepção que lhe são aplicados.” (BOURDIEU, 2001: 223) Esses agentes se utilizam para isso dos trunfos disponíveis, ou seja, dos diferentes capitais que detiverem para influenciar na sua distribuição e localização no campo de jogo. “A força ligada a um agente depende dos seus diferentes trunfos, [...], fatores deferenciais de sucesso (ou de fracasso) que podem assegurar-lhe uma vantagem na concorrência, isto é, mais precisamente, do volume e da estrutura do capital que ele possui, sob as suas diferentes espécies” (BOURDIEU, 2001:238). O autor discorre sobre alguns desses tipos de capitais: • O capital financeiro “é o domínio direto ou indireto (por intermédio do acesso aos bancos) de recursos financeiros que são a principal condição (com o tempo) para a acumulação e conservação de todas as outras espécies de capital” (BOURDIEU, 2001:239). • O capital tecnológico “é a carteira de recursos científicos (potencial de investigação), ou técnicas suscetíveis de ser implementadas na concepção e fabrico dos produtos” (BOURDIEU, 2001:239). • O capital comercial “(força de venda) deve-se ao domínio das redes de distribuição (armazenamento e transporte) e de serviços de marketing e pós-venda” (BOURDIEU, 2001:239).
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• O capital social “é o conjunto dos recursos mobilizados através de uma rede de relações mais ou menos alargada e mobilizável que proporciona uma vantagem competitiva assegurando aos investimentos rendimentos mais elevados” (BOURDIEU, 2001:239). • O capital simbólico “reside no domínio de recursos simbólicos baseados no conhecimento e no reconhecimento; poder que funciona como uma forma de crédito” (BOURDIEU, 2001:239). • O capital burocrático que é a força de determinado funcionário, ou de um corpo de funcionários, dominar ou monopolizar o recurso da informação (BOURDIEU, 2001:144). Nessa teia complexa dos entendimentos das estruturas sociais as ações dos agentes são perpassadas pelo seu habitus econômico, ou seja, num entendimento primeiro, consistindo no conjunto das práticas que dominam seus comportamentos, as tomadas de decisão e sua posição no campo, porém sem tratarmos de determinismos. “O conceito de habitus tem por função principal romper com a filosofia cartesiana da consciência e subtrair-se, ao mesmo tempo, à alternativa ruinosa entre o mecanismo e o finalismo, isto é, entre a determinação por causas e a determinação por razões” (BOURDIEU, 2001:262). Para Bourdieu, o agente social, na medida em que é dotado de um habitus, é um individual coletivo ou um coletivo individualizado por obra da incorporação das estruturas objetivas e produto da história coletiva e individual. “O habitus nada tem de principio mecânico de ação ou, mais exatamente, de reação (à maneira de um arco reflexo). Ele é espontaneidade condicionada e limitada; é esse princípio autônomo que faz com que a ação não seja simplesmente uma reação imediata a uma realidade bruta mas uma resposta 'inteligente' a um aspecto ativamente selecionado do real: ligado a uma historia grávida de um futuro provável, ele é a inércia, vestígio da sua trajetória pessoal, que os agentes opõem às forças imediatas do campo e que faz
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com que as suas estratégias não se possam deduzir diretamente nem da posição nem da situação imediatas.” (BOURDIEU, 2001:263) “O campo de forças é também um campo de lutas, campo de ação socialmente construído em que agentes dotados de recursos diferentes se confrontam para aceder à troca e conservar ou transformar a relação de força em vigor” (BOURDIEU, 2001:247). Nesse campo o aparecimento de um novo agente modifica toda sua estrutura, ou mesmo uma redistribuição dos capitais (uma nova tecnologia, uma maior quota do mercado, etc.) detidos por cada “firma” (BOURDIEU, 2001:251). Tal afirmação aplica-se consonante ao campo do mercado imobiliário onde os agentes interagem competindo, concorrendo mas também agindo em conjunto, em parcerias, de acordo com os interesses envolvidos. “Vêse que, nos campos econômicos como em qualquer outra categoria de campo, as fronteiras do campo são objeto de lutas no seu próprio seio” (BOURDIEU, 2001:252). “Não é raro que os campos sejam dotados de uma existência quase institucionalizada sob a forma de ramos de atividade dotados de organizações profissionais que funcionam, simultaneamente, como clubes de dirigentes da indústria, grupos de defesa das fronteiras em vigor e, logo, como princípios de exclusão que os sustentam, e como instâncias de representação perante os poderes públicos, os sindicatos e as outras instâncias análogas e dotadas de órgãos permanentes de ação e expressão.” (BOURDIEU, 2001:252 e 253) Para o autor, entre todas as trocas com o exterior do campo, as mais importantes são aquelas que se estabelecem com o Estado, uma vez que “nas suas tentativas para modificar a seu favor as 'regras do jogo' em vigor [...] as empresas dominadas podem utilizar o seu capital social para exercer pressões sobre o Estado e conseguir que ele modifique o jogo a seu favor” (BOURDIEU, 2001:253). E em especial o entendimento que “a competição entre as 'empresas' [agentes] assume muitas vezes a forma de uma competição pelo poder sobre o poder do Estado – nomeadamente sobre o poder de regulamenta-
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ção e sobre os direitos de propriedade – e pelas vantagens asseguradas pelas diferentes intervenções estatais” (BOURDIEU, 2001:253). “Aquilo a que chamamos o mercado é o conjunto das relações de troca entre agentes colocados em concorrência, interações diretas que dependem, como diz Simmel, de um 'conflito indireto', isto é, da estrutura socialmente construída das relações de força para a qual os diferentes agentes envolvidos no campo contribuem em diversos graus através das modificações que lhe conseguem impor, usando, nomeadamente, dos poderes estatais que estão em situação de controlar e orientar.” (BOURDIEU, 2001:253) Concluímos esse capitulo com a ideia que nessa discussão o Estado tem especial importância no controle do mercado da habitação, analogamente ao campo do mercado fundiário, mercantilizado e atrás do ganho especulativo, “ele não é apenas o regulador encarregado de manter a ordem e a confiança e o árbitro encarregado de 'controlar' as empresas e as suas interações que normalmente nele vemos” (BOURDIEU, 2001:253). O poder que o Estado detém do monopólio do regramento, e de sua derrogação, e a capacidade de estabelecer e aplicar políticas públicas, definindo a aplicação de grandes somas de recursos, faz dele alvo preferencial para a ação de agentes diversos – externos e internos.
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CAPÍTULO II - A CIDADE, CAMPO DA LUTA SOCIAL E A POLÍTICA URBANA NO BRASIL
O processo brasileiro de urbanização
Não conseguimos apreender nosso objeto de pesquisa sem observar o contexto histórico em que se desenvolve a produção das cidades no nosso país, inserido num modo de produção capitalista e levando em conta uma divisão internacional do trabalho que relega papéis diferenciados aos países centrais e periféricos. Portanto nesse capítulo trataremos de estudar a política urbana brasileira, considerando em especial as estratégias e políticas habitacionais, sob um entendimento que vai além do que se apresenta superficialmente, ou seja, tomamos a cidade como uma construção social, envolvendo agentes e interesses diferenciados e uma complexidade intrínseca a esse processo, revelando-se pois um verdadeiro campo da luta social e política. O processo de urbanização do Brasil tem suas bases numa sociedade colonial que no fim do século XIX e durante o século XX, em especial a partir de 1940, passa por um rápido processo de urbanização. Uma sociedade inicialmente agrária, arraigada de ca-
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racterísticas senhoriais, paternalistas e machistas; vê sua população migrar do campo para a cidade em paralelo com um forte processo de industrialização (SANTOS, 2009). “Raízes coloniais [...] dominação fundada sobre o patrimonialismo e o privilégio [...] A industrialização baseada em baixos salários determinou muito do ambiente a ser construído [...] A cidade ilegal e precária é um subproduto dessa complexidade verificada no mercado de trabalho e da forma como se processou a industrialização.” (MARICATO, 2008:41 e 42) A habitação de interesse social para a classe trabalhadora tem sua gênese atrelada à Revolução Industrial do século XIX e à evolução das cidades, que passam a ser polos de atração econômica e de emprego, causando ao longo dos anos a inversão de papéis entre o campo e a cidade. Segundo Folz (2003:05) “a questão da habitação operária passa a ser debatida no início do século XIX na Europa, e no final deste mesmo século e início do XX no Brasil, onde o crescimento urbano industrial aconteceu mais tarde”. Essa industrialização se faz nos moldes de uma divisão internacional do trabalho, relegando determinadas funções aos países do capitalismo periférico, influenciando e determinando a formação das cidades brasileiras. Para Maricato (2008:16) “trata-se de um gigantesco movimento de construção de cidade, necessário para o assentamento residencial dessa população bem como de suas necessidades de trabalho, abastecimento, transporte, saúde, energia, água, etc”. A escala desse gigantesco crescimento pode ser medida com os números da contagem da população vivendo no campo e nas cidades. Na década de 1960 o Brasil contava com uma população de 31 milhões de habitantes, sendo que 17,05 milhões viviam no campo, correspondendo a 55% da população total, e 13,95 milhões de habitantes se localizavam em áreas urbanas, 45% da população do Brasil. Em 40 anos, já no início do ano 2000, o país contava com 169,5 milhões de habitantes, 81% (137,29 milhões) vivendo nas cidades e 19% (32,20 mi-
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lhões) vivendo no campo (MARICATO, 2008). Esses números atualizados para 2010 (IBGE, 2010) correspondem a 190,7 milhões de habitantes, 84% (160,2 milhões) de população urbana e 16% (30,5 milhões) rural. A população residente no campo diminuiu em termos percentuais, porém em números absolutos quase dobrou. A população urbana aumentou quase onze vezes no período. “Ainda que o rumo tomado pelo crescimento urbano não tenha respondido satisfatoriamente a todas as necessidades, o território foi ocupado e foram construídas as condições para viver nesse espaço.” (MARICATO, 2008:16). É interessante notar que na origem destas mudanças o modelo de planejamento urbano das cidades deixou claro que numa sociedade capitalista além da divisão social de classes deve haver também uma divisão física; nos países do capitalismo periférico, caso do Brasil, o retrato desse modelo é ainda mais injusto. “A pobreza não é apenas o fato do modelo socioeconômico vigente, mas, também, do modelo espacial” (SANTOS, 2009:10). “As reformas urbanas, realizadas em diversas cidades brasileiras entre o final do século XIX e início do século XX, lançaram as bases de um urbanismo moderno 'à moda' da periferia. Realizavam-se obras de saneamento básico para a eliminação das epidemias, ao mesmo tempo em que se promovia o embelezamento paisagístico e eram implantadas as bases legais para um mercado imobiliário de corte capitalista. A população excluída desse processo era expulsa para os morros e franjas da cidade.” (MARICATO, 2008:17) Do final do século XIX até a década de 1930 acontece um grande crescimento das cidades, sendo essas agora os novos polos econômicos, industriais e comerciais, e atraindo grandes contingentes populacionais. Nesse período nota-se a grande preocupação com as questões sanitárias e de higiene, com iniciativas que tentavam evitar as epidemias que devastavam os grandes centros urbanos. Infelizmente o crescimento populacional não foi acompanhado pelo incremento da infraestrutura das cidades e do número adequado de
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habitações. De acordo com Folz (2003:16) “surgiram espontaneamente formas diversas de suprir essa carência, como a ocupação indevida de alguns porões e de algumas construções, formando-se os cortiços”. Para suprir a grande demanda habitacional surgem diversas opções no “mercado rentista” (FOLZ, 2003:17), sendo que como a compra do imóvel não era financiada e nem subsidiada, os trabalhadores viam-se obrigados a serem reféns do aluguel. Para esses empreendedores a lógica era a do lucro fácil, portanto o padrão habitacional utilizado eram os cortiços ou as vilas proletárias. Após a Revolução de 1930, quando Getúlio Vargas sobe ao poder com sua bandeira populista, o Estado deixa de atuar apenas na regulação da moradia popular e passa a atuar na produção em massa de moradias. São criados os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), “esses institutos, organizados por categorias de profissionais, construíam conjuntos e alugavam e financiavam moradia aos associados” (FOLZ, 2003:22). Uma vez que os IAPs atendiam apenas os seus associados foi criada em 1946 a Fundação da Casa Popular, responsável pelas questões habitacionais em todo o território nacional; a partir daí “começam a surgir órgãos municipais e estaduais com as mesmas incumbências” (FOLZ, 2003:22). Mesmo diante desses esforços do Estado, incapaz de fazer frente às grandes mazelas e necessidades da população, começam a surgir nas periferias das cidades as “construções espontâneas” (FOLZ, 2003:23), denominadas de “autoconstrução”, solução feita com os esforços individuais dos próprios operários (FOLZ, 2003:24). A autoconstrução é uma das soluções mais antigas e mais procuradas pelas famílias de baixa renda para suprir as suas necessidades de habitação e, de certa maneira, expõe a grande incapacidade e inoperância do Estado em arcar com o “direito constitucional” (art. 6° da Constituição Federal, 1988) de cada cidadão a uma moradia digna. “Corti-
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ços e casas autoconstruídas são exemplos que vêm do século XIX até os nossos dias, soluções encontradas pela população para suprir sua necessidade de moradia” (FOLZ, 2003:15). “Muitos são os nomes usados para designar essa forma de construção: casas domingueiras, casas de periferia, casas próprias autoconstruídas, casas de mutirão. A característica básica, porém, é serem edificadas sob a gerência direta de seu proprietário e morador: este adquire ou ocupa o terreno; traça, sem apoio técnico, um esquema de construção; viabiliza a obtenção dos materiais; agencia a mão-de-obra, gratuita e/ou remunerada informalmente; e em seguida ergue a casa.” (BONDUKI, 1998:281) Essa promoção individual da moradia responde nos dias de hoje por 70% do que é produzido no Brasil na área de habitação popular (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2004), deixando o mercado formal (produção de empresas, produção com recursos públicos e financiamentos bancários) em uma situação de não conseguir resolver de maneira apropriada o grande déficit habitacional brasileiro, mesmo com a ampliação das fontes de recursos nos últimos anos. A autoconstrução está na maior parte das vezes presente no que se costuma chamar de “cidade ilegal” e também nos loteamentos surgidos nas bordas urbanas, longe e desprovidos da infraestrutura e dos serviços urbanos. “A viabilização do auto-empreendimento da casa própria passava pela construção em etapas. O terreno era comprado a prestações em loteamentos distantes e sem infraestrutura, e a casa era construída aos poucos, conforme a disponibilidade de recursos, permanecendo inacabada e precária. Com o sacrifício das suas condições de vida, o trabalhador se tornava proprietário e, logo, também locador de cômodos e barracos também inacabados que edificava para aumentar sua renda ou abrigar parentes recém-chegados. O lote vira um novo tipo de cortiço.” (BONDUKI, 1998:275) De acordo com Bonduki (1998) esse padrão de urbanização diz respeito ao adotado na periferia na São Paulo da década de 1940, consequência da omissão do poder público, mas torna-se um modelo encontrado em todo o território brasileiro.
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“A enorme oferta de lotes baratos – pois distantes e desprovidos de benfeitorias urbanas – à venda nos quatro cantos da cidade, passíveis de serem pagos a prestação, que podiam ser ocupados sem os custos e os aborrecimentos envolvidos na feitura e aprovação de uma planta e sem o risco de perturbação pela fiscalização, com o acesso por transporte público (mesmo precário, lento e complementado por longas caminhadas) – eis as condições que viabilizaram o mercado de loteamentos periféricos e criaram uma alternativa habitacional de massa para os trabalhadores de baixa renda […] criavam-se as condições para a proliferação de uma solução habitacional arcaica e precária, baseada na combinação de loteamentos privados especulativos com o auto-empreendimento da casa própria.” (BONDUKI, 1998:287) A autoconstrução diz respeito à solução individualizada para cada grupo familiar, complementada pelo seu aspecto coletivo, o espraiamento 7 das cidades. Lembramos do que foi discutido também por Bourdieu (2001), quanto à aparente democratização do acesso à propriedade envolvendo os demais custos reais, em dinheiro, em localização e em tempo. “Com sacrifícios épicos, o trabalhador se tornou proprietário e a cidade se estendeu sem fim, reproduzindo loteamentos descontínuos e desarticulados da malha urbana. Viabilizou-se uma solução barata de moradia mas as consequências para a cidade foram definitivas.” (BONDUKI, 1998:276) Já para Campos Filho (2001) será a “periferização”, ou seja, “a expulsão das famílias de baixos salários para longe do emprego e dos serviços urbanos” (Campos Filho, 2001:54), com a propagação dos vazios urbanos e aumento dos custos das cidades – aumento das distâncias, do transporte público e dos custos de infraestrutura. Com o Golpe Militar de 1964 o governo que se instala no poder tem uma visão diferenciada do problema habitacional, os IAPs são instintos e é criado o Banco Nacional da Habitação (BNH), direcionando a produção para um “padrão mais conservador” com
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As cidades brasileiras adotam “um modelo geográfico de crescimento espraiado, com um tamanho desmesurado que é causa e é efeito da especulação” (SANTOS, 2009:10).
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ênfase no espaço e na propriedade privados, o mito da "casa própria" criado na era Vargas é ampliado, porém fica cada vez mais distante das classes pobres. “Buscando-se a redução do preço das habitações, as unidades habitacionais tiveram seu tamanho reduzido e os conjuntos passaram a não ter tanta preocupação com espaços coletivos, apresentando baixa qualidade de projeto assim como de materiais empregados. A relação desses conjuntos habitacionais com o espaço urbano deixou de existir.” (FOLZ, 2003:26) O sistema de habitação público acabou atendendo apenas a classe média que tinha condições de arcar com os financiamentos. Outra vez as classes mais pobres foram excluídas do sistema de provisão do Estado, já que não tinham como comprovar a renda mínima exigida para o atendimento pelo sistema do BNH. A solução continuou sendo a autoconstrução da casa, “de modo cada vez mais improvisado, em loteamentos precários ou em favelas” (BONDUKI, 1998:320). Esse modelo de atendimento pelo Estado sofreu inúmeras críticas quanto ao seu funcionamento, sendo que não conseguiu atender aquela população com faixa de renda mais baixa, e acabou tendo fim na década de 1980, deixando órfãos uma massa de trabalhadores e trazendo consequências danosas para toda a cadeia que tratava de habitação social – órgãos municipais, estaduais e COHAB´s (Companhias de Habitação). As atribuições do BNH foram transferidas para a Caixa Econômica Federal, como banco executor; já no campo das políticas públicas de habitação houve um desmantelamento do sistema e a migração por vários órgãos e instituições das responsabilidades pelas formulações dessas políticas. “Com o fim do BNH em 1986 desestruturou-se a política habitacional do País. A partir de então o Estado se exime da responsabilidade de financiar de alguma forma programas habitacionais para a população de baixa renda. Além disso, as diferentes iniciativas realizadas atenderam efetivamente muito pouco a essa população.” (FOLZ, 2003:30)
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A partir do passivo urbano e social gerado ao longo dos anos de ocaso por parte do Estado começou a ser mobilizado, em meados dos anos 70, um grande movimento nacional pela reforma urbana e a construção de instrumentos que propiciassem o enfrentamento da realidade caótica das cidades brasileiras. Esses agentes uniram forças e se organizaram no Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU). Paralelo ao desmonte estatal esses “movimentos populares urbanos" reivindicam o direito ao saneamento básico, educação, saúde, moradia, ou seja, melhorias reais na qualidade de vida do cidadão. “Os movimentos urbano e operário inauguraram uma nova forma de fazer política no Brasil a partir da segunda metade dos anos de 1970 reivindicando espaço na cena política. De modo inédito e após muito acúmulo, os movimentos urbanos construíram uma entidade nacional em 1987 – o Fórum Nacional de Reforma Urbana – que buscou superar as reivindicações pontuais e específicas e propor uma agenda unificada para as cidades.” (MARICATO, 2011:101) Com o fim do Sistema Nacional de Habitação (SNH) o problema da habitação passa a ser “responsabilidade” dos municípios e estados, mas sem uma regulação ou obrigatoriedade desse atendimento. De acordo com o próprio Ministério das Cidades (2004) o que ocorreu no setor habitacional foi mais o fruto de uma descentralização por ausência, sem uma repartição clara e institucionalizada de competências e responsabilidades, sem que o Governo Federal definisse incentivos e alocasse recursos significativos. “A partir daí os programas implantados para a produção de habitação popular são pontuais, com a participação de algumas administrações municipais e estaduais que incluiriam em sua política essa preocupação urbano social” (FOLZ, 2003:31). Essa problemática só foi tratada posteriormente com um novo pacto federativo com a Constituição de 1988. “A competência governamental sobre as cidades obedece a um desenho complexo proveniente das atribuições previstas na Consti-
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tuição Federal (CF) de 1988, marcadamente descentralizadora. Saneamento, coleta e destinação do lixo, transporte urbano, controle sobre o uso e ocupação do solo (quando não há implicação ambiental) são competências municipais no Brasil.” (MARICATO, 2011:43) A Constituição de 1988 traz um capítulo específico que trata da política urbana, nos seus artigos 182 e 183. O artigo 182 diz que a política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bemestar de seus habitantes. Diz ainda que o Plano Diretor é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana e que a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no Plano Diretor. O artigo 183 faz menção ao instrumento de usucapião urbano, voltado para a regularização fundiária e posse da terra (BRASIL, 1988). “[...] o texto constitucional afirmou o papel protagonista dos municípios enquanto principais atores da política de desenvolvimento e gestão urbanos e elegeu o Plano Diretor como instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.” (SANTOS JUNIOR E MONTANDON, 2011:13) Apesar de parecer mínimo o conteúdo dos artigos referentes à Política Urbana contidos na Constituição, traziam no seu bojo a exigência de posterior regulamentação, o que só seria realizado mais de uma década depois através da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, o Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001). Nele estão estabelecidas as diretrizes gerais da política urbana, com normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade em prol do bem coletivo, da segurança e do bem estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental. Adota como diretrizes gerais da política urbana, dentre outras, o planejamento urbano ambiental, a gestão pública com participação democrática, sus-
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tentabilidade urbana, a cooperação público-privada na urbanização de interesse social, a ordenação do solo urbano de forma a evitar a utilização inadequada dos imóveis, prevendo a regularização fundiária e a urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda, mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais. Traz no art. 4º, os instrumentos jurídicos e urbanísticos que devem ser utilizados no desenvolvimento urbano pelos municípios (BRASIL, 2001). Um outro marco importante da retomada de uma Política Nacional de Habitação foi a aprovação e a criação do “Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social” (FNHIS) pelo Congresso Nacional no ano de 2005, bem como sua regulamentação e o começo de suas ações em 2006. O fundo vem de encontro a uma reivindicação antiga dos técnicos da área e dos movimentos sociais, e é fruto do primeiro projeto de lei de iniciativa popular apresentado no Congresso Nacional, a partir da Constituição de 1988, e pretendia centralizar e direcionar os investimentos públicos do setor de habitação, bem como envolver os demais entes federados – estados e municípios. O FNHIS está no centro do que foi discutido posteriormente com o Plano Nacional de Habitação (PLANHAB), mas as ações de planejamento da área foram praticamente atropeladas com o advento posterior do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV). Toda a história e análise crítica desse período permite uma abordagem vasta, sendo que muitos estudiosos já se debruçaram sobre ela 8, alguns dos quais foram citados nessa passagem. Mas nosso objetivo é trazer um entendimento que permita refletir em se-
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BONDUKI, 1992 e 1998; CAMPOS FILHO, 2001; MARICATO, 1995, 2008 e 2011; ROLNIK, 1999; SANTOS, 2008 e 2009; SOUZA, 2004 e 2010; e VILLAÇA, 1998 e 2005.
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guida as análises contextualizadas do nosso objeto de pesquisa, atentando para a questão regional e local. No intuito de permitir uma visão geral do tema, e longe da premissa de abarcar o todo, construímos no Quadro 2, apresentado a seguir, uma “Linha do Tempo” com os principais marcos históricos, de maneira a propiciar uma visão ampla dos passos percorridos, demonstrando que não há ineditismos nesse processo e sim um padrão de crescimento urbano dentro da lógica do sistema de produção capitalista. Nesta “Linha do Tempo” será tomado como ponto de partida meados do século XIX, momento de grandes mudanças no país e nas relações campo/cidade, chegando até a atualidade.
Quadro 2 - Desenvolvimento Urbano e Política de Habitação no Brasil 1850/2012 PERÍODO
CONTEXTO POLÍTICO
MARCOS NO PERÍODO
PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS
RESULTADOS
1850 1930
Alteração da base fundiária brasileira e fim da monarquia; Política do café com leite, economia baseada na cultura cafeeira, surgimento da indústria e crescimento populacional de São Paulo.
1850 – Ainda no Império é promulgada a Lei de Terras no Brasil, dando as bases para a lógica da “propriedade privada” (quase um direito divino) e a acumulação de riquezas de uma classe elitista e dona do poder.
Produção insuficiente de imóveis; Prioridade era o aluguel; Salários corroídos pela despesa de aluguel; Precariedade do ponto de vista sanitário, falta de ventilação nos quartos, aglomeração, péssimas condições sanitárias e moradias em áreas centrais; Sistemas de transporte e infraestrutura privados.
Falta de programa estatal de moradia social; Surgimento do problema da habitação social; Revoltas da classe trabalhadora; Início do processo de urbanização do país.
Lei do Inquilinato (1942) congelamento dos aluguéis para beneficiar a classe trabalhadora; Fim do interesse privado pelo investimento em imóveis de aluguéis – atraso da indústria da construção civil; Início da intervenção do Estado na produção de moradias, através da
Projetos arrojados, de boa qualidade arquitetônica, porém com atendimento parcial apenas à classe trabalhadora formal e sindicalizada.
1888 – Lei de Abolição da Escravatura, instituindo o trabalho livre mas também desobrigando os senhores de manter o mínimo das necessidades da mão-de-obra; surgimento das primeiras favelas. 1930 – Estado Novo (Populismo); Criação dos Fundos de Pensão (IAP's); “Para Florestan Fernandes nesse momento ocorre a Revolução Burguesa no Brasil”(MARICATO, 2008).
1930 1964
Era Vargas – Governo populista, com a classe operária como base de sustentação política. Período de fortalecimento da indústria nacional, ligada ao Estado.
1942 – Lei do Inquilinato (congelamento dos aluguéis), controlando o mercado rentista e ajudando a fomentar o mito da “casa própria” (BONDUKI, 1998). 1946 – Criação da Fundação da Casa Popular (FCP). 1963 – Seminário Nacional de Habitação e Reforma Urbana do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), onde foram discutidas políticas urbanas e habitacionais para o país; as propos-
63 PERÍODO
1964 1985
CONTEXTO POLÍTICO
Regime Militar – processo de crescimento econômico acelerado com exclusão social e segregação espacial (dívida social). A época do milagre brasileiro.
MARCOS NO PERÍODO
PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS
tas não chegaram a ser implantadas uma vez que no ano seguinte ocorre o golpe militar. Muito do que estava previsto na tese final do encontro só foi colocado em prática mais de 40 anos depois, com a criação do Ministério das Cidades.
utilização dos fundos de previdência (IAP’s); Anseio pela casa própria, base física da liberdade econômica; Racionalização e simplificação dos processos construtivos para baratear o custo de produção da moradia; Viabilização do acesso à periferia, com a criação dos sistemas públicos de transporte coletivo.
1964 – Criação do Banco Nacional da Habitação (BNH) responsável pela política de habitação no país. Promulgação do Estatuto da Terra. “Os recursos despejados no financiamento habitacional alimentaram a especulação fundiária, subsidiaram, em especial, a classe média, que deu sustentação ao regime, e transformaram a indústria da construção de edificações (mas não suas características de atraso estrutural)” (MARICATO, 2008:85).
Falta de articulação política de habitação popular com estratégias de desenvolvimento econômico e social – baixo poder de compra das famílias; Falta de subvenção pelo Estado; Autoritarismo na concepção das políticas e intervenções; Centralização da gestão e falta de participação em qualquer nível, usuários ou sociedade em geral; Desrespeito ao meio ambiente e ao patrimônio cultural; Priorização do transporte individual; preferência pelas grandes obras, canalizando recursos para empreiteiras; Barateamento com redução do padrão de acabamento; Financiamento ao produtor e não ao usuário; Atendimento à classe média.
Produção de 1,2 milhões de moradias econômicas, sendo 1/3 do número total de financiamentos e apenas 13% dos recursos; Crescimento da cidade ilegal – favelas, cortiços e loteamentos clandestinos.
1986 – Extinção do BNH e criação Programas de crédito do MDU - Ministério do Desenvolvi- não atingem populamento Urbano e Meio Ambiente. ção com renda de até 3 salários mínimos, 1987 – Criação do MHU – Ministéque representa 84% rio da Habitação, Urbanização e do déficit habitacioMeio Ambiente. nal; Movimentos soci1988 – Promulgação da Constituição ais reivindicam partido Brasil. É criado o MBES – Minis- cipação na gestão da tério da Habitação e do Bem Estar política habitacional e Social, que tem na sua estrutura a na construção de suas SEDU – Secretaria Especial de De- casas; Surgem experisenvolvimento Urbano, esta secreta- ências inovadoras no ria faz a gestão dos programas PAR âmbito dos municípi-
O mercado não chega a produzir 20 % das moradias construídas neste período, quando o autofinanciamento e a auto construção predomina nas periferias brasileiras; Proliferação de assentamentos irregulares e explosão populacional das cidades.
1979 – É promulgada a lei de parcelamento do solo urbano, Lei 6.766, estabelecendo as exigências para os loteadores e parâmetros mínimos de urbanização. Nesse momento a questão fundiária já é central no desenvolvimento urbano das cidades, sendo que a política implantada pelo BNH não é capaz de atender as camadas mais pobres da população, ocorrendo o crescimento das periferias de maneira irregular. 1980 – Organização do Movimento Nacional de Reforma Urbana (movimentos sociais, igreja, universidades e trabalhadores), posteriormente organizado no Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRM). 1985 2001
Abertura política e estagnação econômica; crise fiscal, redução do Estado e aplicação das políticas neoliberais – em conformidade com o Consenso de Washington.
RESULTADOS
64 PERÍODO
CONTEXTO POLÍTICO
MARCOS NO PERÍODO
PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS
RESULTADOS
(Programa de Arrendamento Resi- os; Constituição de 88 dencial) e Carta de Crédito. Criação reconhece o direito à do Estado do Tocantins. moradia e inclui capítulo de política urba1989 – Extinção do MBES, parte das na; Tramitação do Essuas atribuições são repassadas para tatuto da Cidade no o Ministério do Interior na SEAC – congresso durante 11 Secretaria Especial de Habitação e anos. Ação Comunitária, e parte para o Ministério da Fazenda – Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e Caixa Econômica Federal. Obs.: Ano da criação de Palmas, capital do Estado do Tocantins. 1994 – Execução do Plano Real, com a intenção de estabilização da economia brasileira. Estabelecimento de programas para fortalecimento da política urbana e habitacional dos municípios, Habitar Brasil e Morar Município – ainda insuficientes para o tamanho do passivo acumulado de décadas. 1995 – Criação da SEPURB – Secretaria de Politica Urbana, ligada ao Ministério do Planejamento e Orçamento. 1999 – O Instituto Cidadania discute o Projeto Moradia e propõe a criação do Ministério e do Conselho da Cidade. 2000 – Emenda Constitucional n° 26, em harmonia ao princípio da dignidade humana (Art. 1°, inciso III), estabelecendo a moradia digna como direito social – Art. 6º da Constituição. 2001 – Regulamentação dos artigos 182 e 183 da Constituição com a aprovação do Estatuto da Cidade, Lei 10.257. Prazo para desenvolver/revisar os Planos Diretores (2001/2008). 2001 2011
Avanços no campo econômico e no campo jurídico/legal, porém marcado ainda por uma forte desigualdade na distribuição da renda; retomada do crescimento, com o implemento de programas de distribuição de renda mínima.
2003 – Criação do Ministério das Cidades e do Conselho Nacional das Cidades, restabelecendo as discussões sob a ótica do planejamento urbano e de políticas públicas e não somente pela da política econômica. 2004 – Discussão da Política Nacional de Habitação (PNH). 2005 – Criação do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), Lei 11.124, com a instituição do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), de maneira a propiciar recursos à habitação e à urbanização.
Tentativa de aplicação do Estatuto da Cidade; Criação do MCidades, tentando centralizar as discussões e políticas urbanas; Discussão dos PD's e criação de diversos conselhos participativos; Avanço na política habitacional, mas com uma matriz voltada ao atendimento via empresas construtoras – PMCMV; Falta de ação concreta quando
Retomada da discussão dos temas relativos às cidades com uma nova safra de Planos Diretores; Apesar das discussões pouco se avançou, sendo que avaliou-se que os planos produzidos tiveram pouca aplicabilidade (SANTOS JUNIOR E MONTANDON, 2011); Avanços na produção habitacional com a disponibilidade de recursos di-
65 PERÍODO
CONTEXTO POLÍTICO
MARCOS NO PERÍODO
PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS
RESULTADOS
2007 – Lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com a disponibilização de recursos para a urbanização das cidades. Lei 11.445, que representa o marco regulatório para o setor de saneamento , com a intenção de universalização do acesso aos serviços de saneamento básico.
se refere à questão fundiária; Mesmo com vários avanços parece haver uma situação de impasse da politica urbana no Brasil (MARICATO, 2011).
versos para essa finalidade, inicialmente voltado a atender a população de menor renda mas já com sinais de repetir erros anteriores com uma forte dependência da ação do mercado – empresas construtoras.
2008 – Publicação da Medida Provisória 422, que na prática permite a legalização da grilagem de terras (OLIVEIRA, 2008). 2009 – Estabelecimento de um Plano Nacional de Habitação (PlanHab) e lançamento do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), Lei 11.977, que trata também sobre a regularização fundiária de assentamentos urbanos. 2010 – Lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento 2 (PAC 2). 2011 – Lançamento do Programa Minha Casa Minha Vida 2, com revisões da Lei 11.977. Discussões em torno da revisão do Código Florestal, com acirramento das disputas das políticas no campo.
Fonte: Quadro organizado pelo autor a partir de FILHO (2005), BONDUKI (1998) e MARICATO (2008 e 2011).
Impasses da política urbana no Brasil
Apesar do trajeto errático, percebemos que ao longo dos anos desenvolveram-se políticas públicas de desenvolvimento urbano para as cidades brasileiras, tentando enfrentar a expressão física das desigualdades, através da articulação de suas diversas políticas setoriais – habitação, regularização fundiária, saneamento, transporte e mobilidade. Esse caminho não se faz sem críticas, ou pela ineficiência das ações frente ao problema ou pela intencionalidade, com o desvirtuamento das metas originárias e o fomento à especulação imobiliária e à acumulação capitalista.
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“Forças hegemônicas da especulação imobiliária: estas são as que se beneficiam do processo da especulação imobiliária urbana, que tem criado, além da enorme ineficiência produtiva nacional, as péssimas condições de vida para as populações pobres ou muito pobres, mas também a péssima qualidade ambiental para as classes médias e altas, sufocadas em bairros super verticalizados ou então muito densos, que, embora às vezes com bastante área verde, ficam muito distantes dos serviços urbanos, em situações extremas na periferia urbana, em setores espaciais próprios, de alta renda, e até na zona rural ou próximos dela.” (CAMPOS FILHO, 2001:74) O arcabouço normativo e jurídico aplicado ao desenvolvimento urbano e à habitação vem se construindo ao longo dos anos, fruto muitas vezes do debate acirrado e da participação ativa da sociedade, mas também dos interesses específicos de determinados setores econômicos. É marcado de avanços e reveses, e dicotomias explícitas que apenas desnudam as complexidades do tema cidade e moradia, inserido numa sociedade desigual e com “dividas sociais” históricas com as classes menos favorecidas. No meio dessas safras de leis é interessante notar algo que já foi tocado por Bourdieu (2001) no capítulo anterior quanto à importância do capital técnico e burocrático, bem como a liberdade que detêm seus agentes para aplicação ou não de leis no campo dos poderes locais. Interessante também é a crítica trazida por Maricato (2011) quanto à “vontade de acreditar”, bem própria dos técnicos (arquitetos, urbanistas, economistas, etc), que avanços e conquistas no campo institucional, nas leis, são capazes de mudar nossas cidades caóticas. Por exemplo, guardadas as devidas proporções, todas as esperanças e expectativas depositadas na década de 1970 na Lei de Parcelamento do Solo (CAMPOS FILHO, 2001), ou mais recentemente no Estatuto da Cidade. “Não há que se criar ilusões sobre o Plano Diretor instituído por lei municipal. Sua elaboração permite aos participantes conhecer a cidade, entender as forças que a controlam. Seu processo participativo permite incorporar sujeitos ao processo político e ao controle – sempre relativo – sobre a administração e as câmaras mu-
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nicipais. Mas é preciso não perder de vista a natureza do poder municipal, que tem a especulação imobiliária (nem sempre capital, mas patrimônio) entre suas maiores forças. Há uma distância imensa entre discurso e prática entre nós. Invariavelmente os textos dos Planos Diretores são sempre muito bem-intencionados, afirmam uma cidade para todos, harmônica, sustentável e democrática. A implementação do Plano, entretanto, tende a seguir a tradição: o que favorece a alguns é realizado, o que os contraria é ignorado.” (MARICATO, 2011:96) Para a autora “não é por falta de plano e leis que as cidades no Brasil estão como estão” (MARICATO, 2011:44). “Nesse contexto, no qual os direitos não são universais e a cidadania é restrita a poucos, deveria soar estranho o quadro jurídico, em geral bastante avançado. Entre a lei e sua aplicação há um abismo que é mediado pelas relações de poder na sociedade. [...] É profundo o distanciamento entre a retórica e o real.” (MARICATO, 2008:42) A legislação do parcelamento do solo, Lei nº 6.766/79, traz as principais regras que regulam a divisão da propriedade urbana (BRASIL, 1979). Denomina-se loteamento o projeto de parcelamento que implica na criação de lotes, bem como de traçado viário. Entretanto, se a criação das novas propriedades aproveitar o traçado viário existente, denominar-se-á desmembramento. Conforme definição legal, pelo §4° do art. 2°, lote é o terreno servido de infraestrutura básica, cujas dimensões atendam aos índices urbanísticos definidos pelo Plano Diretor ou Lei Municipal para a zona em que se situe. Nos loteamentos em ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social) ou AEIS (Áreas Especiais de Interesse Social), a urbanização poderá ser progressiva. Em seu art. 4°, inciso II, consta que nos projetos de habitação de interesse social os lotes poderão ter padrões diferenciados, se aprovados pela municipalidade. Será clandestino o parcelamento efetuado sem aprovação dos projetos junto à municipalidade, e irregular, se aprovados os projetos e executado em desacordo com os mesmos.
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O Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001) tenta avançar ainda mais nas questões relativas ao direito à cidade, da função social da propriedade urbana e da gestão democrática, dando um viés mais político ao processo de planejamento. “Embora o instrumento 'plano diretor' seja anterior ao Estatuto da Cidade, o conceito e suas formas de elaboração foram adaptadas de um formato anterior, mais burocrático e tecnocrático, para uma prática com ampla participação da população” (SANTOS JUNIOR E MONTANDON, 2011:14). Algo que tem bastante destaque ainda é a questão fundiária como balizadora da política urbana, porém com avanços bem mais tímidos. “No centro da questão urbanística está o fundiário e o imobiliário. A ocupação do solo obedece a uma estrutura informal de poder: a lei de mercado precede a lei/norma jurídica. Esta é aplicada de forma arbitrária. A ilegalidade é tolerada porque é válvula de escape para um mercado fundiário altamente especulativo [...] As disputas pela apropriação das rendas imobiliárias determinam, em grande parte, os destinos das cidades e seu desenvolvimento.” (MARICATO, 2008:81, grifo nosso) Mesmo com toda essa importância atribuída à questão fundiária, com um entendimento de que a terra é o nó e que houve a “perda da centralidade da questão da terra urbana” (MARICATO, 2011:10), Maricato afirma que o tema não está mais na agenda dos governos: “Diante desse quadro espantoso, é surpreendente que a questão urbana tenha perdido a importância a ponto de ser quase nulo o seu destaque em programas de governo de todos os partidos e estar ausente dos debates nas últimas campanhas eleitorais. Até mesmo a proposta de Reforma Urbana, reconstruída a partir da luta contra o Regime Militar, inspiradora da criação do Ministério das Cidades, que tinha como centralidade a questão fundiária, desapareceu da agenda política. Movimentos sociais estão mais ocupados com conquistas pontuais na área de habitação.” (MARICATO, 2011b)
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Campos Filho (2001) coloca em perspectiva o tema da especulação imobiliária como entrave ao desenvolvimento nacional, pois há a “redução drástica dos recursos governamentais destinados a infraestrutura e serviços urbanos nas cidades, que são vistos não como parte do aparato produtivo [...] mas apenas como parcela da 'dívida social', ou seja, do consumo coletivo” (CAMPOS FILHO, 2001:53). Para o autor a especulação imobiliária é um tipo específico de renda da terra e uma forma pela qual os proprietários da terra recebem uma renda transferida dos outros setores produtivos da economia, especialmente através de investimentos públicos na infraestrutura e serviços urbanos, que são os meios coletivos de produção e consumo ao nível do espaço urbano. “Os imóveis correspondem a essa categoria de investimento seguro para quem puder fazê-lo. Eles raramente se desvalorizam e usualmente o que ocorre é a valorização. Às vezes, essa valorização se dá, repentinamente, por força de investimentos públicos de porte” (CAMPOS FILHO, 2001:63). Essa forma “naturalizada” de renda provoca um custo social elevado, com a dilapidação da força de trabalho e o aumento dos custos de produção. As disparidades entre as camadas sociais ricas e pobres se ampliam, gerando uma intensificação dos conflitos sociais. “O empresário imobiliário é, em geral, confundido como especulador. É preciso distinguir, no entanto, para bem entendermos os interesses em jogo, a atividade empresarial imobiliária produtiva da improdutiva ou especulativa [...] O avanço do capitalismo exige um crescente controle pela sociedade dos ganhos especulativos realizados pelos proprietários do solo.” (CAMPOS FILHO, 2001:67, grifo nosso) Nesse contexto a terra urbana é vista ora como bem econômico, com grande valor de troca, com os agentes econômicos afirmando o direito de propriedade, ora é entendido como um bem essencial e escasso para a vida na cidade, sendo seu valor de uso mais
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importante, portanto fazendo valer sua função social e o regramento pelo Estado – como foi visto anteriormente, para Bourdieu (2001) quanto mais “indispensável” for um bem, mais chances de haver um controle pelo Estado. Nesse campo de disputas não é surpreendente que os grandes proprietários de terras e boa parta da parcela da classe média, que também detêm propriedade de imóveis, realizem a prática da especulação imobiliária, uma vez que essa retenção lhes permite possuir uma hegemonia econômica, detendo o capital financeiro e promovendo ações de força política. “No Brasil, nona economia mundial, a questão da terra continua a se situar no centro do conflito social, mas de forma renovada. Ela alimenta a profunda desigualdade – ainda que haja a recente pequena distribuição de renda – e a tradicional relação entre propriedade, poder político e poder econômico.” (MARICATO, 2011:186) No “jogo urbano” (SANTOS, 1988), o Estado tem um papel fundamental que é de formulador e detentor das regras, porém este está sujeito à ação dos agentes que o controlam. “Seja por iniciativa pública ou privada, a configuração global do espaço sempre resulta da ação do governo. O exemplo mais difundido de produção de áreas urbanas – o loteamento – decorre da omissão e da permissividade intencionais. É fruto de uma escolha, de uma não alocação. Atitude lógica por parte de autoridades que preferiram atuar em setores básicos, favorecedores da acumulação de certo tipo de capital, em vez de cuidar do bem-estar dos cidadãos.” (SANTOS, 1988:45) A especulação acaba perpassando várias escalas, desde os grandes proprietários de terras até os pequenos investidores que enxergam aí uma maneira comumente aceita de aumentar seus ganhos. Trazendo essa discussão para a escala do nosso objeto de pesquisa, o caso de Luzimangues — que não é um caso isolado na região e no país; há relatos de pessoas que adquirem quadras inteiras em loteamentos para “esperar valorizar”, pessoas
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que compram diversos lotes, dando a entrada, e logo depois passam a negociar o “ágio” 9, sobrevalorizando o preço dos terrenos para apropriar algum lucro. Esses são os “pequenos especuladores”, que entram no processo quando este já está em estado avançado da apropriação da “mais-valia fundiária urbana” (FURTADO, 2004)10, mas o grande especulador é aquele que vê a oportunidade na transição hectare/metro quadrado, ou seja, adquire terras rurais pagando por hectare, e empreende os procedimentos para instalação do loteamento, transformando e vendendo por metro quadrado, ampliando indiscriminadamente a malha urbana da cidade. Ainda contribui para o aumento do custo da terra a política habitacional e de aumento do crédito imobiliário adotada pelo governo nos últimos anos. O que inicialmente é visto como um avanço, após décadas sem investimentos concretos e substanciais, vem sendo absorvido não só pelos setores produtivos, mas uma boa parcela dos recursos destinados aos programas governamentais e ao crédito imobiliário vem sendo solapado pelos donos das terras11, fomentando mais ainda um mercado imobiliário excludente. Campos Filho (2001) já chamava atenção para esse movimento: “Caso se adotasse uma política apenas para ampliar os recursos públicos destinados às cidades, sem se combater a especulação 9
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O “ágio” já se tornou uma prática comum e aceita no mercado imobiliário e diz respeito ao valor cobrado pelo vendedor que ainda não quitou totalmente o imóvel adquirido a prazo do loteador. As parcelas futuras passam a ser de responsabilidade do comprador, sendo que o vendedor cobra o valor que já despendeu pelo bem acrescido da valorização já advinda no tempo, mas também sobrepreços decorrentes do meio especulativo. Apesar de não ser o foco especifico do trabalho, abordaremos na discussão outras questões próprias da temática urbana como a “gestão social da valorização da terra” (SANTORO, 2004), onde o termo maisvalia urbana é mais utilizado. Nesse sentido Furtado (2004) nos trás sua contribuição: “O termo 'maisvalia' provem da ideia de 'valor excedente', e, por isso, está sujeito às controvérsias que recaem sobre o entendimento da formação do valor. Podemos então reconhecer a mais-valia, valor excedente, como produto do trabalho excedente, para com isso entender que toda renda fundiária é mais-valia.” (FURTADO, 2004:56 e 57), e ainda: “Um entendimento alternativo para o termo 'mais-valias fundiárias urbanas' como objeto de recuperação por parte do poder publico, é o que remete à valorização experimentada pelos terrenos no processo de urbanização, ou seja, aos acréscimos da renda econômica da terra, usualmente considerados como posteriores ao momento de aquisição da terra por um determinado proprietário. Trata-se, portanto, da valorização territorial ocorrida na constância da propriedade.” (FURTADO, 2004:57 e 58) Estudos sobre este tema ainda não estão devidamente formatados, mas alguns autores começam a se debruçar sobre ele: NASCIMENTO e TOSTES, 2011; MARICATO, 2011; FIX, 2011.
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com imóveis, tais investimentos promoveriam, em decorrência, uma valorização imobiliária ainda maior, ampliando ainda mais os efeitos negativos da especulação imobiliária.” (CAMPOS FILHO, 2001:73) O que é constatado por Maricato (2011): “O aumento dos investimentos em habitação sem a necessária mudança da base fundiária tem acarretado, de forma espetacular, o aumento dos preços de terras e imóveis desde o lançamento do PMCMV12.” (MARICATO, 2011:70) A autora vê um momento de impasse da política urbana no Brasil “com o fim de um ciclo que prenunciava reformas urbanas, em especial a reforma fundiária e imobiliária” (MARICATO, 2011:09). A terra, e a questão da sua propriedade, se coloca novamente como o grande obstáculo a ser transpassado, porém exige uma discussão bem mais ampla e que envolve muitos interesses. “A experiência das 'prefeituras democráticas e populares' parece ter chegado ao limite. A produção acadêmica crítica está num impasse. Grande parte dos movimentos sociais e sindicais está contida entre o pragmatismo e o corporativismo. Os mais combativos estão sob pressão da mídia, do agronegócio e dos numerosos processos jurídicos de criminalização.” (MARICATO, 2011:09) Mesmo com os avanços no campo institucional, as conquistas “não lograram mudar as principais forças que conduzem as cidades brasileiras para a condição de tragédia social e ambiental” (MARICATO, 2011:78), justamente porque foram potencializadas pela introdução do crédito e de investimentos maciços dos programas federais (MARICATO, 2011:78). 12
O Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) é um programa do Governo Federal instituído através da Lei nº 11.977, de 07 de julho de 2009, destinado a impulsionar a construção de moradias como forma de reagir à crise financeira internacional de 2008. Tinha como meta a construção de 1 milhão de moradias para diferentes faixas de renda, em 2011 foi lançada uma outra etapa do programa, que ficou conhecida como PMCMV 2, através da Lei nº 12.424, de 16 de junho de 2011, aumentando a meta em mais 2 milhões de moradias. “Além de constituir uma proposta virtuosa anticíclica, o PMCMV significou a retomada de conceitos antigos, vigentes durante o Regime Militar sobre a promoção de moradias” (MARICATO, 2011:58).
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“Apesar da base legal para fazer mudanças [Constituição Federal e Estatuto da Cidade], a propriedade fundiária e imobiliária continua a fomentar a desigualdade social e urbana. A geração e captação de renda fundiária e imobiliária continua a orientar o crescimento urbano e a falta de controle sobre o uso e ocupação do solo no Brasil.” (MARICATO, 2011:70) Maricato (2011) nos dirá ainda, trazendo entendimentos das obras de Francisco de Oliveira, Celso Furtado e de outros pensadores da situação brasileira, que as cidades não lograram apresentar mudanças significativas e “após duas décadas perdidas não deveria haver mais lugar para a ingenuidade ou para a esperança prometida pelo desenvolvimentismo, de superação da condição de atraso” (MARICATO, 2011:145). “Constatação da piora das condições gerais, sociais, ambientais e de vida nas cidades durante as últimas três décadas especialmente. Parte-se de uma herança marcada pela condição capitalista periférica de tradição escravista, portanto, de forte desigualdade social no território e falta de controle sobre o uso e ocupação do solo, características que são exacerbadas no período dominado pelas políticas neoliberais. No período mais recente, a partir de 2004, os investimentos em habitação e saneamento são retomados pelo governo federal deixando intocada a base fundiária urbana, o que compromete a noção de desenvolvimento urbano.” (MARICATO, 2011:10) Esse é um pouco do cenário da política urbana nacional onde entendemos está imerso o nosso objeto de estudo, o processo social da produção de uma “nova” cidade no Distrito de Luzimangues, e que se constitui num lócus que exemplifica os debates que ocorrem nesse campo. Observaremos a seguir um pouco desse desenrolar, em um meio onde há fortes expectativas e especulações de cenários de crescimento, com a instalação da Ferrovia Norte/Sul (FNS), Pátio Industrial, a possibilidade de implantação de grandes industrias, exploração mineral, pressão do mercado imobiliário de Palmas – onde os terrenos sofreram altas que impedem o acesso por parte das classes mais pobres, além dos próprios
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especuladores que querem continuar explorando o mercado de terras; e movimentos próemancipação do Distrito de Luzimangues. Apesar das escalas diferentes de planejamento local e regional, os rumores funcionam como um rastro de pólvora, fazendo o mercado imobiliário se antecipar e avançar sobre as áreas rurais, ocupando o território do cerrado, fazendo suas próprias leis e (re)escrevendo sua história.
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CAPÍTULO III - CENÁRIO DE GRANDES MUDANÇAS
Tocantins: processo de ocupação do território e urbanização
O território do antigo norte de Goiás, hoje Estado do Tocantins, passou por diversas mudanças ao longo da sua história, inserido numa lógica nacional de ocupação do território, que relega ao Centro Norte do país um papel subalterno na divisão do trabalho. Segundo Lira13 (1995:51) “produtor alimentício destacando-se pela sua vastidão de terras agricultáveis e pela pecuária”, e afastado dos grandes centros urbanos e do desenvolvimento industrial. Lira (1995:154) divide em três períodos a ocupação do norte de Goiás: “1) o período da mineração: descoberta do ouro (1725) e da hidrovia do Tocantins 14; 2) período republicano: a ferrovia [Estrada de Ferro Goiás], a 'Marcha para o Oeste'; 3) o período pré e pós-64: Brasília, Belém-Brasília e 'Amazônia Legal'”.
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Lira (1995) ao discutir a gênese de Palmas, faz um apanhado histórico do surgimento do Estado do Tocantins, utilizando autores como Póvoa, Alencastre, Rodrigues, Palacin, Godinho, Cavalcante, entre outros. Pós 1881, muitas cidades tocantinenses, especialmente do sul e sudeste do Estado, terão forte influência dos negros (Natividade, Arraias, entre outras): “Milhares de escravos, após alforriados, permaneceram na região do Tocantins contribuindo para formação da sociedade local.” (LIRA, 1995:153)
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Aquino (1996) tenta esmiuçar um pouco mais esses períodos de ocupação, identificando outros fatores que também contribuirão com a urbanização e a ocupação do território. “Período aurífero (século XVIII); agropecuária tradicional (séculos XIX e XX); colonização espontânea e oficial em zonas pioneiras (primeiras décadas do século XX), bem como os garimpos de cristal, que deram origem a algumas cidades do Norte (primeira metade do século): Cristalândia, Pium e Dueré. Além destes, contribuíram também para o nascimento de algumas cidades, como: Presídios Militares (Araguacema); Aldeamentos (Dianópolis, Pedro Afonso, Itacajá e Tocantínia).” (GOMES E TEIXEIRA NETO, apud AQUINO, 1996:29 e 30) Oliveira (2009:84) pontuará as grandes obras modernizadoras, “somativamente em período mais recente com a construção de Goiânia, Brasília, BR-153, separação do Estado do Tocantins e criação de sua capital, Palmas”, o autor ainda vê como inovador o Projeto da Ferrovia Norte/Sul (FNS), “que já está trazendo modificações na organização espacial do município de Porto Nacional e região” (OLIVEIRA, 2009:85). Através das obras destes e de outros autores podemos identificar os eixos de desenvolvimento, em diferentes momentos, que propiciam a ocupação, exploração e modificação do território. Para Oliveira (2009:84), as mudanças “não se restringem apenas ao econômico, mas convivem a um só tempo as modificações imbricadas de crescimento urbano, migrações inter-regionais e internacionais, expropriação e violência no campo e na cidade”. Isso notamos desde o início da ocupação da região com o objetivo de exploração dos minerais, especialmente das minas de ouro, e da mão de obra indígena, por meio das entradas dos bandeirantes paulistas. Nos primórdios de ocupação com o surgimento das vilas e cidades, o estabelecimento de suas necessárias redes urbanas, de
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transporte, comércio e comunicação, a lenta transformação do rural em urbano do seu entorno e o desbravamento do isolamento. Num primeiro momento temos as “trilhas e picadas” dos bandeirantes no século XVIII, abertas em busca de minérios, exploradas por meio das tropas de animais e das expedições fluviais dos jesuítas do Pará, “que subiam o rio Tocantins até Goiás, em busca de índios para aculturá-los e usá-los no trabalho escravo” (PALACIN, 1994, apud OLIVEIRA, 2009:48). Refletindo o espírito mercantil da época, tais expedições não tinham como objetivo fixar povoamento na região, “a palavra de ordem ficava por conta do enriquecimento rápido com o objetivo único da extração aurífera” (OLIVEIRA, 2009:48). Com o empobrecimento da exploração aurífera buscou-se outras alternativas para desenvolvimento do Norte Goiano, um outro eixo que começou a se fixar foi a navegação fluvial do Rio Tocantins. Durante muito tempo a navegação no Rio Tocantins era proibida pelas autoridades do sul, de maneira a evitar o escoamento das riquezas minerais através das capitanias do norte (Pará e Maranhão), porém já no século XIX tornou-se de especial importância a Hidrovia do Tocantins, “para a integração e desenvolvimento da região do Norte Goiano com outras regiões brasileiras e em especial a região Norte” (LIRA, 1995:20). O modelo de urbanização que se desenhou foi a ocupação “orientada” seguindo o eixo de integração regional, no vale do Rio Tocantins (LIRA, 1995:21), surgindo ou desenvolvendo as cidades “portuárias” como Porto Nacional, Pedro Afonso, Miracema do Norte, Tocantínia, entre outras, que faziam interface com Belém no Pará e Carolina no Maranhão. “O Norte permaneceu isolado até a metade deste século [século XX], configurando-se enorme vazio demográfico, com pequeno nú-
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mero de cidades existentes, predominantemente na margem direita do Rio Tocantins, em sua maioria originadas na época do ouro. São as cidades conhecidas como tradicionais. Mais do que isso, a vida urbana existente naquela época obedecia sutilmente os contornos do Rio Tocantins.” (AQUINO, 1996:52) Lira (1995) acaba nos oportunizando demonstrar os contrastes temporais no desenvolvimento regional do Norte Goiano, de um momento onde o capital nacional não tinha interesse na região, coibindo até mesmo os investimentos privados, em paralelo aos investimentos públicos bilionários mais recentes, com a construção da BR Belém-Brasília na década de 1960, e da FNS e do complexo hidrelétrico, na atualidade – expandido as fronteiras do agronegócio e da mineração. “A ausência de investimento estatal, no período mais fértil (final do século XVIII e início do século XIX) da hidrovia do Tocantins e Araguaia, inviabilizou seu futuro, como principal eixo de desenvolvimento regional e principal via de integração nacional. Os projetos privados, elaborados com intuito de ligar o planalto central ao litoral através do rio Tocantins foram sempre barrados pela falta de recursos das empresas individuais que, empreendia tal intenção.” (LIRA, 1995:156) Já no século XX é que ocorrerá a maior dinamização da ocupação dessa região centro norte, inserido no modelo nacional de expansão capitalista e na política de Estado da “Marcha para o Oeste”, que começa a ser implantada pós 1930 “com a queda da hegemonia da burguesia cafeeira no sul” (LIRA, 1995:42), assolada pela crise internacional de 1929, e a necessidade de novas fronteiras econômicas. “A 'Marcha para o Oeste' deve ser entendida criticamente como um programa que resultou da necessidade de ocupar os vazios demográficos existentes pelo interior do país” (AQUINO, 1996:57). Rodrigues (2008) acrescenta ainda a importância da construção de Goiânia, nos anos de 1930, para o projeto nacional da “Marcha para o Oeste” (RODRIGUES, 2008:63), contraposto ao processo em si de ocupação da cidade.
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Quando colocamos em perspectiva o processo da “Marcha para o Oeste”, num contexto de expansão econômica e integracionista nacional, a que se prestava, não podemos deixar de traçar um paralelo com a história de criação do Estado do Tocantins e os grandes projetos planejados e implantados na região, nos mesmos moldes da expansão capitalista anterior. Na execução dessa política de interiorização do crescimento econômico está inserida a construção de uma obra que altera o eixo de desenvolvimento na região do antigo Norte de Goiás, trata-se da construção da BR-153 (antiga BR-14), a BelémBrasília15, juntamente com a própria mudança da capital nacional do Rio de Janeiro para Brasília16, em 1960, alterando a política de ocupação para todo o Centro Norte do país. “… o governo JK se voltou quase que exclusivamente para a construção de Brasília, que estrategicamente seria o ponto de partida para a invasão capitalista sobre a Amazônia. Com a nova capital federal veio a estrada Belém-Brasília, rasgando o Planalto Central, “integrando” esta região central do país à Amazônia Brasileira, a nova rodovia (BR-14, hoje BR-153) passou cortando as terras do norte de Goiás, dividindo-as ao meio no sentido nortesul, trazendo consigo o euforismo desenvolvimentista e imediatista do governo JK.” (LIRA, 1995:133) Para Lira (1995:192) a rodovia Belém-Brasilia desloca o “eixo econômico e populacional” das margens do vale do Rio Tocantins para sua margem esquerda, ao longo da BR, “dando assim uma nova configuração na economia e no sistema de povoamento do Tocantins”. “A Belém-Brasília se constituiu no novo eixo de desenvolvimento econômico e populacional da região do Tocantins, se transformando em uma área de atração e deslocando a economia e a urbanização do vale do [Rio] Tocantins para o divisor de água de sua mar15
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As obras da BR são iniciadas em 1956, observando o que é assinalado por Aquino (1996:174): “A BelémBrasília teve vários trechos construídos antes de sua decisão final de ligar Brasília a Belém. Os seus inícios datam dos anos 40, com a implantação da Colônia Agrícola Nacional de Goiás – CANG, hoje cidade de Ceres.” A construção de Brasília é iniciada em 1956, sendo inaugurada em 21 de abril de 1960.
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gem esquerda [...] [com cidades] surgidas e “desenvolvidas” após a construção da Belém-Brasília.” (LIRA, 1995:195) Várias cidades vão surgindo ao longo da BR-15317, muitas nos locais onde se instalavam os canteiros de obras das empresas construtoras, outras em torno de paragens comerciais, e até cidades que se deslocavam de locais um pouco mais afastados para as margens da BR. Paraíso do Tocantins, é um exemplo dessas “cidades acampamento” (LIRA, 1995:244), o povoado nasceu com a construção da rodovia. O seu fundador, o Sr. José Ribeiro Torres instalou-se ao lado do acampamento da Companhia Nacional, empreiteira da construção da rodovia, nos idos de 1958. O povoamento começou a crescer e já em 1963 emancipou-se politicamente, com a denominação de Paraíso do Norte, desmembrando do Município de Pium — Lei Estadual nº 4.716, de 23 de outubro de 1963 (PARAÍSO DO TOCANTINS, 2011). “… o processo de povoamento do Sul Goiano e antigo Norte de Goiás tiveram dinâmicas diferentes no tempo-espaço. Quanto ao primeiro, este foi impulsionado pela Ferrovia Mogiana Paulista 18. O Norte Goiano se reestrutura, bem mais tarde, com criação de Brasília e, consequente, a criação da Belém-Brasília. A população que antes em sua maioria, habitava às margens dos rios, especialmente do rio Tocantins, migram para as margens da Belém Brasília... A região viveu uma nova dinâmica de urbanização. Cidades como Uruaçu, Porangatu, Gurupi, Paraíso do Tocantins, Araguaína, entre outras de menor porte, ganham uma nova dinâmica em sua economia, número populacional e reestruturação territorial.” (OLIVEIRA, 2009:64) De acordo com Oliveira (2009:69) “a organização territorial do Estado do Tocantins”, antigo Norte Goiano, “teve e tem influência direta das políticas de expansão da fronteira agrícola do país”, sendo que “a construção da referida rodovia [BR-153], trouxe dinamismo para muitas cidades Tocantinenses, e transtornos para outras” 17
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“Nestas cidades a BR-153 é a principal avenida, é o centro comercial e é um ponto comum entre elas. Em todas cidades às margens da Belém-Brasília, no Estado do Tocantins, tem uma Av. Bernardo Sayão, que é a própria BR-153 no trecho que corta tais cidades.” (LIRA, 1995:282) Estrada de Ferro Goiás, interligando a região do Triângulo Mineiro a Goiás.
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(OLIVEIRA, 2009:65). O autor faz referência àquelas cidades que vinham se desenvolvendo às margens do Rio Tocantins que sofrem grandes impactos com essas mudanças, como a cidade de Porto Nacional, que nesse momento ainda mantem certa ascendência na região, beneficiando-se também com a construção da ponte sobre o Rio Tocantins em 197919, ligando a BR-153 com o “corredor da miséria” que é a margem direita do rio. “… apenas a estreita faixa de terra cortada pela estrada beneficiase direta e imediatamente dos resultados da referida obra. Desta maneira, enquanto a vida urbana ao Norte do paralelo treze, no pouco que existiu antes da rodovia, limitava-se quase que exclusivamente ao vale do Rio Tocantins, com o advento da rodovia houve apenas uma transplantação das margens do rio para as margens da estrada.” (AQUINO, 1996:108) Lira (1995:170) chama atenção para esse marco de desenvolvimento para a região dizendo que “o que tirou, de um profundo isolamento, a região hoje conhecida como 'Amazônia Tocantinense', foi o advento da BR-153, a construção de Brasília e a Ponte sobre o rio Tocantins, em Porto Nacional (1979)”. Esse autor assume um tom mais critico ao afirmar que na realidade a navegação do Rio Tocantins e a construção da BR153 foram insuficientes para fazer a integração da região. “A hidrovia esbarrou na sazonalidade da navegação, a Belém-Brasília deslocou o eixo um pouco para a esquerda, sem se integrar à região. Ela mais parece, uma linha “alienígena” ligando dois diferentes pontos, Belém e Brasília, é uma coluna vertebral sem vértebras” (LIRA, 1995:196). Apesar de não termos mencionado anteriormente nessa breve reconstrução histórica, um fator importante para as populações inseridas nesse contexto sempre foi a profunda insatisfação com a situação de isolamento vivida pelo Norte Goiano e a 19
Apesar da importância como eixo de ligação com a BR-153, atualmente a ponte está interditada para o tráfego pesado de caminhões, devido a problemas estruturais detectados na construção, dessa maneira o fluxo de veículos de cargas é desviado para Palmas ou para a recém-inaugurada ponte entre os municípios de Lajeado e Miracema do Tocantins, e daí tendo acesso à Belém-Brasília.
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percepção de um desenvolvimento diferenciado sul/norte de Goiás 20. Ao longo da história houveram inúmeros movimentos no sentido da sua emancipação político administrativa. Isso posto em paralelo com a politica expansionista de novas fronteiras econômicas da década de 197021, o movimento separatista que chega a termo com a Constituição de 1988 e cria o Estado do Tocantins, com a cisão do Estado de Goiás, provoca toda uma nova onda desenvolvimentista incentivando a ocupação da região. “ […] dois fatores que se confundem com causa e consequência do desejo emancipacionista da região goiana (Estado do Tocantins). O primeiro foi a Hidrovia do Tocantins, que não conseguiu romper o isolamento da região, condenando-a a se constituir como uma das regiões mais isoladas do país, embora ainda mantendo um nível muito lento de integração regional, o segundo, foi a construção da estrada Belém-Brasília vinda no bojo da centralização do poder nacional e da política desenvolvimentista/populista do governo JK.” (LIRA, 1995:18 e 19) Por fim o vetor de crescimento mais recente trata-se da construção da Ferrovia Norte/Sul, promessa de desenvolvimento industrial para o Estado, mas também fator de mudanças das relações produtivas no campo, especialmente dentro das suas áreas de influência, com a expansão do agronegócio, a mecanização do campo, a expulsão de populações rurais para as cidades, com menos oportunidades no campo e o encanto de melhorias de vida na cidade (busca de melhores empregos, educação, lazer, etc.), entre outros. Como já falado anteriormente, esse é um fenômeno que acontece dentro de uma lógica de expansão capitalista, voltado a atender os mercados com as exportações de produtos agrícolas e também de minérios. O processo observado com a Ferrovia Norte/Sul 20
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“Enquanto o sul já possuía estradas de ferro, permitindo o avanço do capital na modernização da agricultura, valorizando as terras e trazendo novas técnicas para a pecuária. O árido norte possuía uma agricultura de subsistência, uma criação de gado em pastagens nativas e a comunicação era feita através de uma linha de avião que passava nas principais cidades da região do Tocantins, apenas uma vez a cada mês.” (LIRA, 1995:133) Antes do Tocantins outros estados foram sendo criados na última metade do século XX: Mato Grosso do Sul (Lei Complementar nº 31/1977) e Rondônia (Lei Complementar nº 40/1981).
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já na primeira década do século XXI, no território tocantinense, encontra um paralelo histórico no que foi demonstrado por Lira (1995:159) com o advento da Estrada de Ferro Goiás, construída no sul do Estado nas duas primeiras décadas do século XX: “com o desenvolvimento da economia do centro-sul do Brasil, as terras de Goiás começaram a ser bem valorizadas, no sentido, de representar uma viável reserva de produção alimentícia, para abastecer as necessidades do centro-sul do País” (LIRA, 1995:159). De acordo com a VALEC22 o traçado inicial da Ferrovia Norte/Sul previa a construção de 1.550 quilômetros de trilhos, cortando os estados do Maranhão, Tocantins e Goiás. Em 2008 houve a incorporação ao traçado original da ferrovia dos trechos Açailândia (MA) - Belém (PA) e Anápolis (GO) – Panorama (SP), a Ferrovia Norte/Sul terá, quando concluída, 3.100 quilômetros de extensão. O objetivo da FNS é oferecer uma logística adequada à concretização do potencial de desenvolvimento dessa região, fortalecendo a infraestrutura de transporte necessária ao escoamento da sua produção agropecuária e agroindustrial (VALEC, 2012). A expectativa vendida pelos governos é que a instalação e consolidação dos pátios ferroviários e das plataformas intermodais ao longo da estrada de ferro, impulsionarão os “polos de desenvolvimento industrial”, viabilizando as exportações e as importações no Estado e gerando novas oportunidades de emprego. No Tocantins esses polos estarão localizados nas cidades de Aguiarnópolis, Araguaína, Colinas do Tocantins, Guaraí, Porto Nacional/Palmas e Gurupi. “Inúmeros benefícios sociais estão surgindo com a Ferrovia Norte-Sul. A articulação de diferentes ramos de negócios proporcionada por sua implantação está contribuindo para o aumento da renda interna e para o aproveitamento e melhor distribuição da riqueza nacional, a geração de divisas e abertura de novas frentes de trabalho, permitindo a diminuição de desequilíbrios econômi22
A 'VALEC - Engenharia, Construções e Ferrovias S.A' é uma empresa pública, sob a forma de sociedade por ações, controlada pela União através do Ministério dos Transportes (VALEC, 2012).
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cos entre regiões e pessoas, resultando na melhoria significativa da qualidade de vida da população da região.” (VALEC, 2012) Nesse cenário dinâmico de grandes mudanças, refletidas na economia, no território e na dinâmica das populações, muito ainda não se tem a possibilidade de ser apreendido, sendo que se soma a esse contexto ainda os grandes projetos de exploração da capacidade para geração de energia através das usinas hidrelétricas e o retorno da navegação dos rios com as Hidrovias do Tocantins e Araguaia. Para a região estudada um fator importante, senão um dos mais importantes, foi a divisão do Estado e a definição e surgimento da sua nova capital Palmas, esse novo eixo de desenvolvimento será abordado no tópico seguinte.
Palmas: cidade nova, modelo velho
Com a alteração da dinâmica regional pós-1988, com a criação do Estado do Tocantins, as cidades da região passam por novas e drásticas mudanças; no âmago da euforia da criação do Estado existia a disputa política pelo controle da gestão do território (OLIVEIRA, 2009:72): qual cidade seria a capital do Tocantins? A disputa inicial fica em torno de Araguaína ao norte, Gurupi ao sul e Porto Nacional mais ao centro; entre outras cogitações, com certa vantagem politica para Araguaína (LIRA, 1995). Nessa disputa geopolítica os diversos agentes vão se enfrentando e a saída acaba sendo um remendo, a definição da capital provisória na cidade de Miracema do Tocantins. Do dia para a noite o cenário dessa cidadezinha às margens do Rio Tocantins é alterado, com a chegada da máquina administrativa que estava sendo criada e implantada, e dos pioneiros que vieram construir o novo Estado. As melhores
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casas são alugadas para os órgãos públicos, ou para residencia dos políticos, bairros periféricos começam a ser abertos e comercializados, a construção civil se intensifica. Após o período de um ano, tão rápido quanto chegaram, os ventos da mudança são lançados ao longe, uma vez que nesse ínterim ocorrem as definições e estudos para a criação de uma nova e moderna cidade no cerrado que desempenharia o papel de capital definitiva. Dentre as justificativas para a implantação de uma “nova” cidade, podemos apontar primeiramente a disputa política entre as principais cidades do Estado, sendo a criação de uma nova capital uma saída “aceitável” pelas demais, uma vez que não beneficiaria nenhuma. Outro pensamento é quanto aos custos de instalação, a capital indo para um município já instalado acarretaria mexer com as elites locais, com desapropriações exorbitantes, ou ainda, promoveria a valorização de áreas que já seriam de particulares — as famílias detentoras de terras. Com a capital em Palmas, o Estado pôde promover um processo de estatização23 e posterior privatização de terras públicas, que beneficiou uma gama específica de "empreendedores", num processo de metamorfose que transforma terra rural em terra urbana, vista agora como mercadoria, visando a acumulação, reprodução e circulação de capitais (LIRA, 1995:247). “… entender o Estado do Tocantins como a recriação de uma 'nova fronteira' do capitalismo na Amazônia e, Palmas sua capital, como novo modelo de interferência do capital urbano. Instituindo, assim, uma nova fronteira para o capital nacional / internacional na região, a 'fronteira urbana'.” (LIRA, 1995:293) A cidade de Palmas, “capital da esperança” (AQUINO, 1996:157), “a capital ecológica do ano 2000” (LIRA, 1995:277), e seu Plano Diretor (1989) possui toda uma justificativa projetual, que desperta os interesses dos eruditos (diretrizes, zoneamento, or23
Através da Lei nº 09, de 23 de janeiro de 1989 - “Declara de utilidade pública, para efeito de desapropriação, área de terras descrita em memorial e dá outras providências”.
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denamento urbano, etc). Situada às margens do reservatório da Usina Hidrelétrica de Lajeado no Rio Tocantins, é um exemplo das grandes mudanças advindas à região e que, apesar do projeto moderno (LIRA, 1995. OLIVEIRA, 2009 e VELASQUES, 2009), convive com a sina das desigualdades sociais e urbanas (XAVIER, 2007), a segregação social (SILVA, 2009), a privatização de terras públicas, a especulação imobiliária (AMARAL, 2009), a expansão e ocupação desordenada (CORIOLANO, 2011), irregularidades fundiárias (BAZZOLI, 2011), impactos e problemas ambientais (FIGHERA, 2005 e MOLFI, 2009), elevado déficit habitacional (MELO JUNIOR, 2008), os vazios urbanos e uma infraestrutura cara e deficiente (BAZOLLI, 2007). “Palmas […] foi projetada para ser a capital, estando localizada no centro geográfico do novo Estado, com o propósito de deslocar a circulação para fora do eixo da Belém-Brasília, em direção às áreas de menor densidade econômica do antigo norte goiano, e de sinalizar, de um lado, para um movimento de superação da configuração espacial desigual induzida pela BR-153, revalorizando as antigas articulações ocorridas no interior de seu território, e, de outro lado, para um movimento de afirmação das forças políticas internas em oposição às forças externas, buscando autonomia na gestão dos processos de consolidação de sua estrutura territorial.” (BESSA, 2011:08) Apesar dos ares de modernidade, está claro, do que estava tecnocraticamente planejado para o que veio se tornar na realidade, que a cidade está inserida em um modelo arcaico de desenvolvimento urbano brasileiro, esse modelo diz respeito ao processo de incorporação, apropriação e transformação do espaço. “Palmas é uma mistura do novo com o tradicional, do antigo com o contemporâneo; novo quando ela rompe o tradicionalismo regional; tradicional, quando ela é fruto de um sistema político ultrapassado no sentido de não avançar nas questões sociais” (LIRA, 1995:284). Esse processo ocorre após a Constituição de 1988, e quando se discute as propostas de Reforma Urbana do Brasil. De tal maneira, Luzimangues é também um reflexo dessa mistura de
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novo/tradicional, com uma justificativa desenvolvimentista, passando ao largo das questões sociais. “Palmas vem como o 'novo' nesse contexto Latino, mas é no Brasil que ela surge como um velho/novo modelo de cidade, velho, no sentido do planejamento administrativo, novo, no sentido de ser uma capital construída pelo capital 'privado', e por ser também a mais nova fronteira do capital urbano no Espaço brasileiro.” (LIRA, 1995:230) Os estudos que são realizados para a escolha da capital (1989) definiram um grande quadrilátero na região central do Estado, identificando possibilidades de áreas para instalação da cidade (Figura 2). Dentre as áreas está listada a região do “Canela”, onde veio a ser instalada a capital, e a de “Mangues”, onde hoje se encontra o Distrito de Luzimangues, sendo que na metodologia adotada pelo grupo avaliador, esta última obteve maior pontuação, porém se encontrava na margem esquerda do Rio Tocantins (LIRA, 1995). “Depois de aplicarem o sistema ponderativo de análise sobre as quatro subáreas do quadrilátero da capital, avaliando os fatores relevo, hidrologia, ecologia e paisagem, acessibilidade, energia e aptidão agrícola, a equipe obteve as seguintes pontuações [...] subárea Mangues (45) pontos, subárea Canela (43) pontos.” (LIRA, 1995:238)
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Figura 2: As quatro áreas para a instalação da capital.
Fonte: Palmas, 2002.
Oliveira (2009:78) afirma que a área territorial para a implantação da Capital foi formada por desmembramento e anexação de território: os distritos de Canela, Taquaralto, Buritirana e Taquarussu e parte do território de Porto Nacional. A partir daí “a terra urbana foi utilizada pelo Estado como moeda de pagamento e sofreu com a especulação, [...] assim um processo que é inerente às cidades capitalistas foi agravado pela ação estatal” (CARVALHÊDO e LIRA, 2009:13). O Estado se faz presente na questão da incorporação imobiliária inicialmente por meio da Companhia de Desenvolvimento do Estado do Tocantins (CODETINS), e no período posterior com a instituição da ORLA S/A, uma empresa mista que é um amálgama do público e do privado.
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“O próprio governo estadual foi o responsável pela exploração imobiliária em Palmas, quando este se tornou proprietário de todos os lotes urbanos e ele mesmo efetuava suas vendas, numa propaganda espalhada por todo o país. A cidade, ainda, sem a mínima estrutura, recebe empresários de todas as partes do Brasil, com o objetivo de comprar lotes bem localizados para a especulação.” (LIRA, 1995:255) Nesse sentido a comparação de Palmas com Brasília supera a ótica arquitetônica urbanística, a comparação não está apenas no desenho ou no formalismo, mas no processo da “incorporação imobiliária” (LIRA, 1995:249). Palmas é de início uma cópia sim de Brasília, apesar do discurso dos seus projetistas e dos malabarismos “semânticos” de muitos pesquisadores, preocupados com um historicismo acrítico ou formalismo exagerado. Tal grau de erudição urbanística deveria ser então exigida do “contratante”, o governador na época José Wilson Siqueira Campos, mas a preocupação era fazer uma cidade moderna, truncando “20 anos em 2”. Repete-se os erros das cidades brasileiras, não considerando a realidade social da população, faz-se uma cidade como um grande loteamento, tentando apreender o ganho especulativo sobre a terra urbana produzida. Quem se beneficia são os setores históricos de apropriação das riquezas coletivas – políticos e grandes empresários. Em Palmas as terras foram “estatizadas” (LIRA, 1995:247), desapropriadas dos fazendeiros da região, num processo que mais tarde passa pela “privatização” das terras públicas já urbanas, passando para as mãos de agentes imobiliários. Posteriormente ocorre a retomada de parte dessas terras, por força de decisão judicial (recente decisão do Supremo Tribunal Federal quanto ao que ficou conhecido como “Ação Discriminatória”), aos donos originários, já em tempo de forte exploração e especulação imobiliária. Outra questão levantada por Lira (1995), pouco observada e questionada, diz respeito ao grande esforço que é para os cofres do Estado a construção de Palmas: “… uma
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obra (de caráter) gigantesca, portanto, muito pesada para a mais nova e mais carente unidade estadual do país” (LIRA, 1995:220). Muitos recursos públicos foram investidos em Palmas, abrindo caminho para os empreendedores particulares, em detrimento de um desenvolvimento mais igualitário das diversas regiões do Estado. “O governador Siqueira Campos, com sua 'habilidade' política conseguia ir superando as 'dificuldades' surgidas na questão da capital do Estado. E numa demonstração de hegemonia centralista, seu governo, iniciou a construção de Palmas, transformando-a no maior canteiro de obras do País e na maior e única prioridade de seus dois anos de governo.” (LIRA, 1995:233) Palmas monopoliza muitos recursos do novo Estado, diminuindo a possibilidade/capacidade de melhorias da infraestrutura da rede de cidades já existentes, e da própria população tocantinense; como “El Dorado” atrai muitas pessoas de fora de suas paragens, o apelo capitalista de fazer a vida e de terra de oportunidades – onde “o sol nasce para todos”; é espaço também para o capital especulativo. Quando se fala da questão da segregação, da especulação imobiliária e dos vazios urbanos em Palmas, e da forma de combatê-los, devemos considerar que não se trata apenas da infraestrutura lindeira às glebas vazias24, mas sim dos investimentos feitos pelo poder público e pela coletividade, vistos de maneira mais ampla. Em que localidade do Estado foram feitos os investimentos públicos do porte dos realizados na capital? Aeroporto Internacional, a sede dos poderes (Praça dos Girassóis), Hospital Geral de Palmas (HGP), UHE Lajeado, o Lago de Palmas, a Ponte da Amizade, o maior polo da FNS no Estado, entre vários outros.
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Menção à Lei Complementar nº 195, de 22 de dezembro de 2009, que dispõe sobre a Regulamentação e Aplicação do Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsório – PEUC, do solo urbano não edificado subutilizado ou não-utilizado. Essa lei enumera itens de infraestrutura que devem estar ofertados junto às glebas, limitando portanto o seu uso para combater a especulação imobiliária.
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Especulação imobiliária e periferização de Palmas
O processo de periferização de Palmas tem início já com a implantação da cidade, e fortemente ligado ao processo de especulação imobiliária. Os trabalhadores não possuem condições de morar no “Plano Diretor” 25 e são instalados em bairros mais distantes – num processo de exclusão planejada (XAVIER, 2007). Para Carvalhêdo e Lira (2009:13), “o processo de segregação sócio espacial verificado na cidade Palmas, esteve atrelado a um perverso mecanismo de periferização da população pobre, desencadeado inicialmente pela ruptura com o planejamento”. Política de Estado potencializada pela omissão e pela “falta de ações interinstitucionais e de aplicação das leis que regulamentassem o planejamento urbano” (CARVALHÊDO e LIRA, 2009:13). “Pode-se afirmar, que embora Palmas seja uma cidade planejada, a práxis desencadeou uma cisão em seu espaço urbano, a priori pela aplicação do planejamento urbano que se destinou muito mais ao traçado das vias, à implantação de infraestruturas e ao discurso ecológico restrito ao plano diretor inicial.” (CARVALHÊDO e LIRA, 2009:13) Mesmo com um plano básico previsto para ocupação em etapas, dimensionando um total de “um milhão e duzentos mil habitantes” (PALMAS, 2002:7), o Estado e o Município incentivam o crescimento do distrito de Taquaralto (1989), apartado do “Plano Diretor”. Segundo Carvalhêdo e Lira (2009:13), “a cidade já nasceu segregada, criando duas cidades”, Palmas “com grandes vias, espaços amplos, com uma população de maior poder aquisitivo”, e Taquaralto “a partir de uma pequena aglomeração, sem planejamento, destinada à população de baixa renda, em projetos adaptativos”. “… onde mora quem constrói Palmas? E aí podemos ver que em vez de se criar uma cidade para abrigar a capital, se construiu duas, uma como reservatório de mão de obra barata (Taquaralto) 25
Plano Diretor é como ficou conhecida pela população a área abrangida pelo desenho urbanístico inicial da capital.
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e outra com condições objetivas de atrair capital privado, se transformando num espaço de profunda exploração de mão de obra cristalizado no processo diferenciado do valor do solo urbano e da acumulação imediata de capital imobiliário.” (LIRA, 1995:24) Já no início da década de 1990 ocorre a implantação dos bairros Jardim Aureny I, II, III e IV26, devido a “expansão de Taquaralto, provocada pela aglomeração da população fixada no entorno deste povoado, já existente e situado a 17 quilômetros ao sul dos limites da malha urbana designada pelo Plano Diretor de Palmas” (MOLFI, 2009:57). São loteamentos voltados para as populações mais pobres, promovidos pelo Estado, “a fim de atender a demanda de migrantes de baixa renda em busca de melhores condições de vida que, exatamente por isso, não podiam adquirir uma área no perímetro urbano da cidade” (MOLFI, 2009:57). Porém não foram tomados os mesmos cuidados do projeto da “capital”, não respeitando o sítio onde foram localizados. Faz parecer que o processo de planejamento consistiu em jogar uma malha quadrangular sobre uma folha de papel, sem considerar a topografia irregular da região, vegetação, os rios, cursos d'água e nascentes, etc. É também uma clara divisão entre as classes sociais, escolha tomada pelos agentes do poder público, sendo a política urbana imposta ao território desde seu início. Esse crescimento urbano espraiado ainda tem continuidade com a implantação do Jardim Taquari (2002)27, localizado a quase 20 quilômetros do centro da cidade e organizado também pelo Governo do Estado, dando continuidade a uma política de levar os mais pobres cada vez para mais longe do centro da cidade. Nesse sentido o município foi conivente quando promoveu por meio da revisão dos instrumentos urbanísticos aplicáveis à cidade, o Macrozoneamento Territorial, Lei nº 58, de 16 de setembro de 2002. Essa lei instituiu a divisão em áreas de urbanização, áreas 26 27
De acordo com a Lei nº 68, de 28 de agosto de 1990. Com base em informações da SEHAB – Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano do Estado do Tocantins (2010).
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de preservação ambiental e área rural, e definiu toda uma delimitação como “expansão urbana”, o que na prática foi uma expansão do perímetro urbano. Essa lei possibilitou a introdução do modelo de condomínio fechado, a exemplo do Condomínio Polinésia (2002), voltado para o público de “alto padrão”, mas acabou incentivando a ocupação irregular de áreas distantes do centro da cidade. Essa situação sofre alguma alteração com a discussão e revisão do planejamento do município em 2007, conforme demonstrado por Coriolano (2011). Com a discussão do “Plano Diretor Participativo de Palmas” (PDPP), ocorre a redução do perímetro urbano alargado, na tentativa de enfrentamento da especulação imobiliária e incentivo do adensamento — atualmente ocorre uma reação do setor imobiliário com a tentativa de expandir novamente o perímetro urbano da cidade. Nesse contexto é que ocorre o processo de urbanização do Distrito de Luzimangues, processo esse que tem suas singularidades. De um lado pertence legalmente, administrativamente e politicamente ao município de Porto Nacional, de outro, está muito próximo (localizado a apenas 8km da capital) e ligado a Palmas, envolvendo um universo de agentes com diferentes interesses — proprietários de terras, empreendedores, compradores, moradores, investidores, etc.
Porto Nacional: periferia da capital Palmas?
Porto Nacional é sempre lembrada pela sua importância histórica e cultural, sendo um dos principais centros econômicos e intelectuais ao longo do processo de ocupação do antigo norte de Goiás, desenvolvido principalmente na época da navegação do Rio Tocantins. Com o advento da BR-153, desviando o eixo de desenvolvimento do vale do rio
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para as margens da estrada, e posteriormente com a criação do Estado do Tocantins e da sua capital, distante apenas 60 quilômetros, o município começa a perder cada vez mais a sua importância econômica e diminuir suas taxas de crescimento. “A cidade de Porto Nacional guarda as marcas do Período Colonial. Atravessou sucessivos ritmos e, recentemente, com a criação do Estado do Tocantins e consequente construção de Palmas, a capital do Estado, em área desmembrada de seu território, registra aí, um dos primeiros impactos. Um segundo grande impacto acorreu com a construção da Usina Hidrelétrica de Lajeado em 2002, período em que houve o desaparecimento total do turismo sazonal da Praia Porto Real.” (OLIVEIRA, 2009:13) Para Aquino (1996:28) a região do antigo norte goiano “sempre caracterizouse pelo enorme vazio demográfico. Seus primeiros arraiais surgiram com as descobertas auríferos (século XVIII), sofrendo grande impacto com o declínio das minas”. Para Bessa (2011:06) “a história de Porto Nacional está associada aos processos gerais de ocupação do Brasil Central”, mas a autora chama atenção para as peculiaridades dessa ocupação “primordialmente, em função do povoamento rarefeito, da falta de infraestrutura e do isolamento da região”. Ao longo das décadas vai havendo o processo de urbanização, de maneira mais lenta do que o que ocorre nos grandes centros urbanos, mas nem por isso menos importante. Um fator primordial apontado por Oliveira (2009:160) trata da “modernização da agricultura [que] trouxe severos impactos sociais [...] um número crescente de trabalhadores habita os bairros periféricos a espera de oportunidades de emprego”. “Com a transformação nas formas de produção no campo, as cidades locais passam a receber toda a influência do campo. Trabalhadores rurais, agricultores que antes moravam na propriedade passam a morar nas cidades.” (OLIVEIRA, 2009:40)
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Na década de 1960 a situação refletida é aquela de quase toda a região do Norte de Goiás, abandono. Vejamos uma descrição do cenário da cidade de Porto Nacional no ano de 1968: “A cidade, com cerca de 20.000 habitantes28 não tinha uma única rua asfaltada, a água era de poço, a energia elétrica, que vinha de uma pequena usina hidrelétrica no Taquarussu, praticamente era inexistente: além de ser muito fraca, na época das chuvas, de outubro a março, caiam muitos postes com as tempestades e raios, interrompendo a transmissão e nos meses de seca, de abril a setembro, a represa baixava muito.” (MANZANO e MANZANO, 2005:52) “A cidade de Porto Nacional experimentou um ritmo intenso de crescimento na década de setenta, ainda mantido nos anos oitenta e reduzido a partir de 1991 com a criação de Palmas” (PORTO NACIONAL, 2006:30). Entre os anos de 1970 e 1980 29, a população do município passou de 31.517 habitantes para 36.251. Com o início da construção de Palmas, em 1990, a taxa de crescimento populacional total do município de Porto Nacional sofre uma grande estagnação, ficando próxima de zero (0,44%). A população do município passa de 43.224 habitantes no ano de 1991, para 44.991 em 2000 (OLIVEIRA Adão, 2009), chegando a 49.146 habitantes em 2010 (Censo IBGE, 2010). Esse crescimento populacional tem reflexos no território, surgindo novos bairros ao longo dos anos a partir das expectativas geradas por determinadas mudanças estruturais na região. Quando da construção da Ponte sobre o Rio Tocantins, final da década de 1970, são feitas expansões urbanas com a criação dos bairros Vila Porto Imperial, Setor Novo Planalto, Jardim Umuarama, Jardim Beira Rio, entre outros. “Após os anos de 1990, 28
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“[...] a população sobe para 23.005 pessoas até 1960, período em que a cidade ainda desfrutava de forte liderança regional através do comércio. De 1960 a 1964 já registra uma diminuição no efetivo demográfico, 20.030 habitantes. Nesse período intensifica no Município a procura pelos crescentes núcleos urbanos da margem da rodovia Belém-Brasília, registrando-se pouco incremento na urbanização de Porto Nacional.” (OLIVEIRA, 2009:116) Período posterior à construção da ponte sobre o rio Tocantins, “construída em 1978 no final do Governo de Goiás - Irapuan Costa Júnior, transcorrido durante os anos de 1975 a 1979” (OLIVEIRA, 2009:102).
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a cidade de Porto Nacional teve um incremento significativo de abertura de novos loteamentos alimentado pelas boas expectativas da chegada da capital” (OLIVEIRA, 2009:120). Surgem os bairros Setor Nova Capital, Tropical Palmas, Setor das Mansões, Jardim dos Ipês I e II, Setor Universitário, Parque do Trevo, Setor São Vicente, Setor Novo Horizonte, entre outros. “Na parte periférica, após a construção da capital do Estado, a mancha urbana da cidade se espraiou para além do anel viário (TO-050) e do Parque Ecológico (área federal do Aeroclube, antigo Aeroporto).” (OLIVEIRA, 2009:115) Neste último caso o autor avalia que houve na verdade, principalmente por parte do capital imobiliário, grandes expectativas na possibilidade do lucro da terra com a tentativa de venda de lotes, um “oportunismo do capital imobiliário” (OLIVEIRA, 2009:126). Houve uma ideia de que a cidade iria se transformar em um “centro econômico importante, em decorrência de sua proximidade com a capital do Estado” (OLIVEIRA, 2009:158). “O modo como surgiram esses loteamentos, alguns ainda não devidamente regularizados, nas bordas espaciais disponíveis, indica claramente a aposta na hipótese de crescimento exponencial da Cidade, decorrente da proximidade da nova capital. O que não se avaliou corretamente foi o poder polarizador de Palmas, que acabou atraindo para si atividades econômicas de comércio e serviços anteriormente implantadas em Porto Nacional que perde, então, a importância econômica e cultural dos tempos de Goiás, com uma extensa área urbana loteada e vazia, muito maior que a área efetivamente ocupada.” (PORTO NACIONAL, 2006:30) O que não há, entretanto, é uma correspondência entre o número de lotes produzidos e os terrenos efetivamente ocupados. A desproporção dessa ocupação é muito relevante, havendo ainda loteamentos sem nenhuma infraestrutura ou presença de moradores, enquanto se promovem novas expansões, já nos anos seguintes, avançando sobre as áreas
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rurais, na sede do município e no Distrito de Luzimangues. Essa cultura parece não haver desarraigado das práticas dos promotores imobiliários, sendo que o mesmo fenômeno vem se repetindo, fortemente, no Distrito de Luzimangues, mas diferentemente dos loteamentos promovidos na sede do município nessa época, os lotes são bem comercializados e, se não existe efetiva ocupação, há uma dinâmica financeira que vem justificando o lançamento de novos loteamentos com frequência. Quanto aos loteamentos localizados na sede do município e ao crescimento urbano da cidade, Oliveira (2009) tece algumas considerações: “O crescimento da malha urbana da cidade de Porto Nacional não obedeceu a uma regularidade planejada, com vistas para fazer fluir melhor o fluxo viário. Teve um “crescimento” espontâneo, a maioria deles orientados pela classe menos favorecida. São poucos os bairros que dispõe de um padrão arquitetônico melhor e discriminado com avenidas largas e praças.” (OLIVEIRA, 2009:126, grifo nosso) O sentido da palavra espontâneo aqui utilizada pelo autor pode adquirir diversos significados, mas entendemos que esse crescimento não é “espontâneo”. O espraiamento dos loteamentos é provocado pelo poder público (loteamentos regulares ou não, mas afastados do centro) e por agentes imobiliários interessados no crescimento da região. Oliveira (2009), mais à frente, esclarece que se trata de um modelo de desenvolvimento sob o qual a cidade vem se inserindo. “São na verdade, crescentes os espaços segregados com significativa parcela da população vivendo aparentemente em outra cidade. Porto Nacional, gradativamente, vai-se cindindo em várias faces” (OLIVEIRA, 2009:165). Para Oliveira (2009:113), essa relação de proximidade “da cidade de Porto Nacional com a capital do Estado, a princípio trouxe vantagens, tendo em vista que esta serviu de apoio funcional à capital”. No início da sua construção Palmas era um grande
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canteiro de obras e não tinha condições de fornecer serviços básicos aos “pioneiros”. “Diante dessa situação a cidade de Porto Nacional passa a fazer as funções que até então a Capital não podia fazer”. “Nos três primeiros anos de construção de Palmas, Porto Nacional serviu de apoio. Nesta fase a Cidade não tinha condições de fornecer à população crescente as funções necessárias de serviços e de comércios principalmente. Esse período marcou positivamente para a economia da cidade de Porto Nacional. Passado essa fase, abateu-se sobre a cidade uma estagnação econômica geral com significativa desvalorização dos preços dos imóveis.” (OLIVEIRA, 2009:171) Passado o ciclo inicial de euforia, Porto Nacional vai assumindo uma condição de “cidade periférica” de Palmas, com a mudança de vários serviços e órgãos públicos para a capital e a existência de uma migração pendular “de várias modalidades de trabalhadores Portuenses (domésticas, pedreiros, pintores, policiais, professores, profissionais de saúde, entre outros), sem falar naqueles que não conseguem se inserir em nenhum tipo de trabalho” (OLIVEIRA, 2009:160). De acordo com Bessa (2011:09), a partir da construção de Palmas, que passou a atrair a maioria das funções urbanas e também a maior parte da população, Porto Nacional vêm perdendo suas posições na hierarquia urbana regional. “A diferenciação funcional entre Palmas e Porto Nacional na rede encontra-se nas atividades econômicas, revelando que o primeiro centro possui uma economia alicerçada em atividade de prestação de serviço e comércio, inclusive, com a instalação de empresas hegemônicas, enquanto que o segundo centro em atividades primárias, cujas rentabilidades, em termos de arrecadação, são menores, o que afeta a capacidade de investimento do poder público, bem como em atividades industriais elementares, a exemplo do processamento de biocombustível e de grãos, também associadas ao grande capital.” (BESSA, 2011:14)
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Nesse contexto a cidade tenta redefinir caminhos e voltar a ter a importância regional que deteve no passado. Para Oliveira (2009:88) “a cidade têm dado sinais de retomada de crescimento principalmente através de atividades ligadas ao setor de educação”. Para o autor o fluxo de “novos moradores”, jovens estudantes de cursos particulares que detêm um certo padrão de consumo acaba influenciando a economia. “[O] perfil do consumidor vem se diversificando desde 2003 em função da chegada de efetivo populacional em sua maioria estudantes, atraídos pelas já referidas faculdades, cujos cursos mais procurados são Medicina, Enfermagem, Odontologia e Fisioterapia ITPAC (2008). Esse efetivo populacional estudantil tem estimulado também o mercado imobiliário da cidade [...] a cidade apresenta certo incremento na procura por aluguéis e venda de imóvel.” (OLIVEIRA, 2009:115) Uma outra grande aposta trata da chegada da Ferrovia Norte/Sul e a instalação do Pátio Intermodal Porto Nacional/Palmas, com a expectativa da instalação de indústrias, geração de trabalho e divisas para o município. Essas expectativas contrastam com sua localização tão próxima a Palmas e com a urbanização do Distrito de Luzimangues.
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CAPÍTULO IV - A GÊNESE DE UMA “NOVA CIDADE” NA PERIFERIA DE PALMAS
Antecedentes: área rural e o Reassentamento de Luzimangues
A história do povoamento da região de Luzimangues se confunde com a própria história do município de Porto Nacional, a região vem sendo ocupada desde a primeira metade do século XIX, com uma distribuição esparsa pelo cerrado de propriedades rurais voltadas à agricultura de subsistência e à criação de gado. Posteriormente a localidade aparece descrita como a região de “Mangues”, e assume mais recentemente a curiosa denominação de “Luzimangues”, fusão dos nomes dos rios Santa Luzia e Mangues, entre os quais se situa o território do distrito. De acordo com o relato do morador da região, Sr. Ademir Rego 30 (em 28/04/2012), confunde-se também com a história de Paraíso do Tocantins, à época Paraíso do Norte de Goiás, emancipado em 1963. Ele relembra que a área já passou por disputas
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Na falta de documentos e registros textuais sobre a localidade, utilizamos um relato do Sr. Ademir Rego sobre o histórico da região intitulado “Luzimangues: sempre esquecido, agora disputado”, divulgado em reunião ocorrida em Luzimangues na data de 28/04/2012, que tratava sobre a emancipação do distrito.
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territoriais desde a década de 1960, na tentativa de incorporação ao município de Paraíso do Norte de Goiás: “Carolina Rego, esposa de José Rego, se elegeu por três vezes vereadora de Paraíso do Norte de Goiás e no último ano de seu mandato, quando Benedito Bandeira era prefeito da cidade, tentou encabeçar um movimento plebiscitário para a incorporação da área compreendida entre a cabeceira do Córrego Porteira, Ribeirão Santa Luzia, Rio Tocantins, Rio dos Mangues e cabeceira do Córrego Caveira, ao Município de Paraíso do Norte de Goiás, pertencente ao Município de Porto Nacional. Não foi possível por que as distâncias eram grandes para a época e as poucas estradas construídas pelos prefeitos Dr. Mundico Moraes e Benedito Bandeira não chegavam a todas as propriedades de então.” (Rego, em 28/04/2012) Ele diz ainda que o isolamento só começa a ser quebrado em meados da década de 1980 quando é aberta pela Prefeitura de Paraíso do Norte de Goiás a estrada de chão ligando ao povoado de Canela, às margens do Rio Tocantins. Essa estrada, com alterações no seu traçado, foi pavimentada em 1994 pelo Governo do Estado do Tocantins, transformada então na TO-080. Como vimos anteriormente, essa região de “Mangues” fez parte dos estudos para localização da nova capital do Estado, sendo declarada de utilidade pública, para efeito de desapropriação, conforme a Lei nº 09, de 23 de janeiro de 1989. Já na lei estadual de criação do município de Palmas, Lei nº 70, de 26 de julho de 1989, havia toda uma delimitação na margem esquerda, atingindo os municípios de Porto Nacional, Paraíso do Tocantins e Miracema do Tocantins. Esta lei entretanto foi revogada pela Lei nº 106, de 19 de dezembro de 1989, e a solução encontrada foi transformar o município de Taquaruçu na capital do Estado. Mesmo não acontecendo como previsto nestas leis, a Constituição do Estado do Tocantins (1989), alterada pela Emenda Constitucional nº 01, proposta também na data de 19 de dezembro de 1989, afirma que ficaria a margem esquerda destinada à “área de
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expansão da capital”. Porém o que os legisladores determinaram nunca foi cumprido, uma vez que vai de encontro ao regramento para o desmembramento, junção ou criação de municípios, balizado por legislação federal e com diversas indeterminações jurídicas31, além de todas as questões políticas com as comunidades envolvidas. “Art. 3º. No dia 1º de janeiro de 1990 a sede do Governo do Estado do Tocantins será transferida para a cidade de Palmas sede do Município do mesmo nome, que tem como Distritos: Taquaralto, Taquarussu e Canela. § 1º. A instalação da Capital definitiva dar-se-á em sessão solene na Assembleia Legislativa, a ser convocada extraordinariamente pelo Poder Executivo, com a participação dos demais Poderes Estadual e Municipal. § 2º. A área declarada de utilidade pública pela Lei nº 9, de 23/1/89, situada na margem esquerda do rio Tocantins, no município de Porto Nacional, destinar-se-á à expansão urbana da Capital, para posterior integração ao território desta. (com redação determinada pela Emenda Constitucional nº 01, de 19/12/1989).” (TOCANTINS, 1989, grifo nosso) Com o advento da capital do Estado na margem direita do Rio Tocantins, a dinâmica de ocupação na região de “Mangues” vai sendo lentamente alterada. O povoado também era conhecido como “Vila Graciosa” ou “Porto da Balsa”32, surgido da ocupação de terras do Estado e de um loteamento particular, tendo crescido após a criação da capital. A situação fundiária inicial era indefinida, persistindo o conflito político devido a reivindicações dos moradores para que a localidade passasse para a administração de Palmas (DANAGA, 2004:13). “Nasceu até antes, como uma ação de uma vila agrícola, idealizada pelo Pastor Edivaldo Barbosa, e depois dessa vila agrícola criando um polo habitacional entre Porto Nacional e Paraíso do Tocantins, nas cidades irmãs, que tinham um bom relacionamento. Uma escola foi criada, e depois com o advento de Palmas, criou-se 31
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O dispositivo que trata do desmembramento, junção ou criação de municípios encontra-se na Constituição Federal de 1988, Art. 18, §4º, alterado pela Emenda Constitucional nº 15/1996 e posteriormente pela Emenda Constitucional nº 57/2008, juntamente com o Art. 96 acrescentado aos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias. Por conta da colocação do porto da balsa para a travessia do Rio Tocantins, ligando Palmas a Paraíso do Tocantins.
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o porto da balsa, aí começaram a deslocar as pessoas para aquela região que era chamado inclusive de 'Porto da Balsa', mais a sudeste, próximo aos mangues. E ai quando criou essa questão da idéia do lago, também foi dele a sugestão do nome Luzimangues, incorporando os dois mananciais, Mangues e Santa Luzia.” (Mourão, agente do poder político local) O município de Porto Nacional começa a tomar então algumas deliberações sobre a área. Em 1993 é promulgada a Lei nº 1.415, de 14 de outubro de 1993, que cria o “Distrito de Mangues/Santa Luzia”. No ano seguinte é instituída a Lei nº 1.454, de 21 de junho de 1994, que altera o nome do distrito para “Luzimangues”. Nesse mesmo ano é concluída a pavimentação do trecho da TO-080 que liga Palmas a Paraíso do Tocantins, aumentando o tráfego de veículos. Em 16 de dezembro de 1997, foi assinado em Palmas, o contrato de concessão da construção e exploração da UHE Lajeado, posteriormente “Usina Hidrelétrica Luís Eduardo Magalhães”, obra inserida no planejamento energético nacional33 e que já era prevista na definição de Palmas, que considerou os limites da cota de 212 metros, a cota de enchimento do lago. A obra teve início em julho de 1998 e acabou gerando vários conflitos pela terra, desapropriações e remoções, nas diversas localidades atingidas — principalmente nos municípios de Lajeado, Palmas e Porto Nacional. A maioria das áreas atingidas pelo alagamento do reservatório da usina eram áreas rurais e comunidades ribeirinhas, mas também alcançou o Distrito de Canela no município de Palmas e o Distrito de Luzimangues no município de Porto Nacional — este último chegou a ser atingido também na sua sede, às margens do Rio Tocantins, com alagamento das áreas ribeirinhas e a perda de um dos seus principais atrativos turísticos que era a Praia de Porto Real (LIRA, 2010).
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A ELETROBRÁS iniciou o inventário do Rio Tocantins através do estudo sistemático do seu aproveitamento hidrelétrico no ano de 1972 (INVESTCO, 2012).
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“Dinâmicas novas incorporam às antigas formas de produção, é o que acontece às margens do rio Tocantins. Nessas imediações, a terra era harmoniosamente disputada por diversas formas de ocupação. Vale ressaltar a presença da população ribeirinha que tirava das terras de vazantes o sustento para a família e o excedente para um mercado garantido na cidade de Porto Nacional. Nas áreas de Cerrado predominava a criação extensiva do gado miúdo; aos poucos essa situação foi recebendo novos incrementos produtivos.” (OLIVEIRA, 2009:102) Esses trabalhos contaram com apoio do Governo do Estado e foram de responsabilidade do consórcio formado para a construção da UHE Lajeado, “Consórcio Lajeado”, formado pela Companhia de Energia Elétrica do Estado do Tocantins (CELTINS); Empresa de Eletricidade Vale Paranapanema S.A. (EEVP); Eletricidade de Portugal S.A. (EDP); Companhia Energética de Brasília (CEB) e Companhia Paulista de Energia Elétrica (CPEE). O consórcio foi transformado após o processo de licitação do contrato de concessão (em novembro do 1997) na empresa INVESTCO S/A, com o objetivo de construir e operar o empreendimento (INVESTCO, 2012). Em 1999, antes do enchimento do reservatório da UHE Lajeado, o Governo do Estado do Tocantins aprovou a Lei nº 1.098, de 20 de outubro de 1999, criando a unidade de conservação ambiental denominada Área de Preservação Ambiental (APA) Lago de Palmas (Figura 3), envolvendo uma gleba de terras com 50.370 ha, situada integralmente no Município de Porto Nacional, no local previsto para expansão da capital. A APA teria por finalidade, conforme o Art. 2º: “proteger a fauna, a flora, o solo, a qualidade das águas, de forma a garantir o aproveitamento equilibrado, sustentável e compatível com a conservação dos ecossistemas locais”.
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Figura 3: APA Lago de Palmas e APA Serra do Lajeado
Fonte: Naturatins, 2012.
Em 2001 com a conclusão das obras da UHE Lajeado e o início da formação do reservatório, o antigo Distrito de Luzimangues foi inundado e grande parte da sua população foi transferida para o Reassentamento Luzimangues34. “Após a construção do lago da UHE de Lajeado, outro ciclo de mudança redesenha espacialmente a cidade de Porto Nacional. A população ribeirinha da área urbana foi indenizada e a rural foi assentada em algumas vilas nas proximidades de Porto Nacional. São elas: a agrovila de Pinheirópolis, reassentada à margem direita da TO-230 denominada Nova Pinheirópolis, a Vila Luzimangues, na margem esquerda do lago, próximo a Palmas, sem falar em muitos que foram assentados em lotes rurais.” (OLIVEIRA, 2009:102) O Reassentamento de Luzimangues está localizado a 15km de Palmas, no km 11 da TO-080, a aproximadamente 1.500 metros das margens da rodovia, e foi formado 34
“E foram criados, além de Luzimangues, onze reassentamentos. Estes são denominados: Flor da Serra, Córrego Prata, São Francisco de Assis, Mundo Novo, Mariana, Brejo Alegre, Olericultores, Pinheirópolis Rural, Lajeadinho, Boa Sorte e Rural 2000.” (SÊNE, 2009:03)
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inicialmente por 83 famílias “oriundas de fazendas e vilas que ficavam às margens do Rio Tocantins: as fazendas Ribeirão do Maia, Sapezal, Brejinho da Vila da Balsa e Mutuca e os loteamentos Maria da Balsa e Vila Luzimangues” (SÊNE, 2009:01). De acordo com Danaga (2004:14) as famílias moradoras do povoado receberam lotes com 4ha, correspondendo ao módulo rural mínimo definido pelo INCRA35, “enquanto que as áreas repassadas para as famílias oriundas das áreas rurais circunvizinhas tiveram tamanho definido de acordo com as áreas que detinham anteriormente, variando entre 4 a 32ha”. “Luzimangues lembra um bairro de uma cidade do interior, com uma rua principal com as casas, botecos, armazéns, sorveteria, escola, igrejas, serralheria, posto de saúde, posto policial; sem pavimentação asfáltica. As famílias que receberam quatro hectares têm sua propriedade próxima uma da outra, aquelas que tiveram adicional de terra ficam mais afastadas.” (SÊNE, 2009:05) Havia o compromisso do consórcio da usina reassentar os moradores com todos os benefícios de água, luz, telefone e cestas básicas e implementos agrícolas durante os três primeiros anos. Fez parte do projeto também a instalação de equipamentos públicos, alguns dos quais a comunidade já dispunha no local anterior: Posto de saúde, Escola com quadra desportiva, Área para campo de futebol, Posto policial, Centro comunitário, Igreja Católica (substituindo as obras de construção no antigo povoado) e uma Área murada para cemitério com ossuário (DANAGA, 2004:15). Na atualidade a situação dos equipamentos públicos não se alterou muito, em contraposição à grande quantidade de loteamentos urbanos instalados no local nos últimos anos, soma-se aos já enumerados um Posto fiscal/policial na TO-080, alguns comércios esparsos ao longo da rodovia TO-080 e a construção de uma pista asfaltada de pouso e decolagem de aeronaves.
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Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.
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As reclamações da comunidade quanto à oferta dos serviços públicos é frequente, bem como o mal funcionamento dos equipamentos existentes. Uma das principais reclamações é quanto ao abastecimento de água, uma vez que a região não é bem servida de rios ou córregos, sendo abastecida através de “poço artesiano” e uma rede de distribuição. Esta água encanada falta com frequência e não é suficiente para o cultivo de hortaliças e legumes, impossibilitando a produção (DANAGA, 2004:43). A maioria das famílias atingidas acabou vendendo seus títulos de terra, seus direitos de ocupação ou seus lotes e casas e foram para a periferia das cidades de Palmas, Porto Nacional e Paraíso do Tocantins. Com a criação do Lago de Palmas e a construção da Ponte da Amizade, ligando Palmas a Porto Nacional, e daí interligando com Paraíso do Tocantins e a BR-153, começa a haver um crescente interesse dos proprietários de terras e do mercado imobiliário em novos loteamentos na região de Luzimangues. Em 2002 a Prefeitura de Porto Nacional aprovou a Lei nº 1.725, de 24 de janeiro de 2002, que autorizou o Poder Executivo Municipal a efetuar a análise e aprovação das atividades de ocupação do solo urbano às margens do Lago da Usina Hidroelétrica Luiz Eduardo Magalhães, e a Lei nº 1.782, de 27 de novembro de 2002, definindo área de expansão urbana no Distrito de Luzimangues36. Nesse período ainda foram aprovadas duas leis que interfeririam nas questões urbanísticas do município, as Leis nº 1.781, de 27 de novembro de 2003, e nº 1.782, de 27 de novembro de 2003, porém as duas são praticamente ignoradas uma vez que não surtiram efeito e foram rapidamente substituídas pela legislação de 2006 — revogadas pelo Art. 94 da Lei nº 05/2006.
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Área de expansão urbana no Distrito de Luzimangues: “que vai da barra do Ribeirão Capivara, no Rio Tocantins, subindo por este até a barra do Ribeirão Porteira, subindo por este até a altura do km 18 da TO-080, Palmas a Paraíso, local denominado Serrinha, e cortando em linha reta até o limite do loteamento reassentamento Luzimangues, área da ULBRA e o lote 35-A do loteamento Porteira descendo até as margens do Córrego Capivara até sua foz no Rio Tocantins, ponto de partida” (Lei nº 1.782, de 27 de novembro de 2002).
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“Lei n.º1.781, de 27 de dezembro de 2003 - que aprova o Plano Diretor Urbanístico (PDUPN) e dispõe sobre a divisão do solo do Município para fins urbanos. Esta lei trata somente sobre o parcelamento do solo urbano; Lei n.º 1782, de 27 de dezembro de 2003 institui o Macrozoneamento Territorial do Município de Porto Nacional. A lei não apresenta o anexo único referido no seu texto.” (PORTO NACIONAL, 2006:147) Nos últimos anos houve uma valorização das terras próximas a Palmas, chegando as mesmas a valerem bem mais se parceladas e comercializadas, em vez do seu uso para produção rural. Surgem os primeiros loteamentos urbanos na margem esquerda do Lago de Palmas, sem um efetivo controle por parte da Prefeitura de Porto Nacional — são loteamentos nas mais diversas situações, regulares ou não. Junte-se a isso o fato da expansão e facilitação de crédito ocorridas no ramo imobiliário a partir de 2009 (Capítulo II), ter influenciado, em alguma medida, a alta dos preços de terrenos em Palmas, gerando procura pelos lotes do distrito. Essa procura poderia ser explicada, em partes, pelos fatores de localização, pelos valores menores em comparação com a capital e pelas facilidades de pagamentos, com a oferta de lotes para moradia ou para “investimentos”. Essas grandes alterações atingem recentemente até mesmo a área do reassentamento, ocorrendo uma grande pressão para o desvirtuamento da função inicial de terra rural, devido à proximidade dos grandes loteamentos urbanos e o vislumbre de também poder participar dessa renda da terra37. “O que tá acontecendo hoje? Esse limite entre essa área de produção e essa área prioritária é uma rua, uma avenida. Então tá tendo essa pressão, e vai ter. A gente tá falando aqui de dinheiro. Converter essa área que ele tem aqui em alqueire pra possibilidade de 37
Em visita à área do reassentamento de Luzimangues, na data de 28 de abril de 2012, foi constatada a oferta de lotes irregulares com características de loteamento urbano, com área de 360,00m². Os mesmos são vendidos sem registro, apenas com um “contrato de compra e venda” e uma “cessão de direitos”, e tampouco com a garantia da instalação da infraestrutura. Os vendedores afirmam que isso é suficiente e dá segurança às transações. Complementam seus argumentos de venda falando que no assentamento não se paga a água e a energia é mais barata por se tratar de “energia rural”.
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vender por metro quadrado é o enriquecimento desse cara. E ele vai vendo os loteamentos surgindo aqui e pensa: a minha oportunidade de ganhar dinheiro é essa.” (Ramos, agente do poder público estadual) A população residente no distrito foi calculada a partir dos dados populacionais mais recentes do Censo IBGE de 2010, fazendo uso dos dados disponibilizados para os setores censitários de Porto Nacional38. Os setores censitários são as menores unidades territoriais estabelecidas pelo IBGE para fins de coleta do Censo. O IBGE considerou como Distrito de Luzimangues os limites dos três setores censitários abaixo apresentados, abrangendo a área urbana e rural (Figura 4). O Setor nº 171820425000001, abrange o núcleo central de Luzimangues, a área dos loteamentos urbanos mais antigos e o assentamento, o Setor nº 171820425000002, diz respeito à área norte de Luzimangues, e o Setor nº 171820425000003, referente à área sul de Luzimangues.
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Dados disponíveis em: http://www.censo2010.ibge.gov.br/sinopseporsetores/, visita em 08/04/2012.
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Figura 4: Demarcação dos setores censitários em Luzimangues
Fonte: Imagem organizada pelo autor, sobre imagens de Andrade, 2012; e IBGE, 2012.
Os limites considerados pelo IBGE não coincidem com os limites urbanos definidos na legislação do município, ou seja, partes do perímetro urbano definido pelo Macrozoneamento de Luzimangues estão contidas na área norte e na área sul dos setores censitários considerados. Tal fato leva a uma distorção do número total de habitantes na localidade tida como urbana pelo município, porém minimizada, uma vez que na coleta dos dados são consideradas as tipologias das habitações, com suas características urbanas ou rurais, apresentando esses números no resumo dos dados agregados. O núcleo central de Luzimangues possui 356 domicílios particulares e coletivos, sendo que destes: 44 são “Domicílios Particulares Permanentes não Ocupados”; 10
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“Domicílios Particulares Permanentes não Ocupados (uso ocasional)”; e 34 “Domicílios Particulares Permanentes não Ocupados – vago”. Foi levantada também a informação que existiam 102 edificações em construção. A população é de 1.224 pessoas residentes, sendo 613 (50,1%) mulheres e 611 (49,9%) homens39. A área norte de Luzimangues, pelas suas características, foi classificado como área rural, sendo encontrados 196 domicílios particulares. A população é de 554 pessoas residentes, sendo 242 (43,7%) mulheres e 312 (56,3%) homens. Existem, pelos dados coletados, a presença de 2 estabelecimentos de ensino na área40. Já a área sul de Luzimangues, pelas suas características, também foi classificado como área rural, sendo encontrados 257 domicílios particulares. A população é de 532 pessoas residentes, sendo 223 (41,9%) mulheres e 309 (58,1%) homens41. Na consolidação dos dados atuais relativos ao Distrito de Luzimangues, teremos então: um total de 809 domicílios particulares e coletivos, abrangendo a área urbana e rural; um total de população de 2.310 habitantes, sendo 1.078 (46,7%) mulheres e 1.232 (53,3%) homens. A média de pessoas por domicílio é de 2,86. A população total do distrito corresponde a 4,7% da população total do município de Porto Nacional (49.146 habitantes). Os dados populacionais aqui apresentados serão retomados mais à frente, quando tratarmos dos loteamentos urbanos que vem sendo implantados na região, demonstrando que existe uma disparidade relevante entre o número de habitantes e o número de lotes comercializados. Percebemos que o processo de transformação rural/urbano vem ocorrendo de maneira efetiva, e o que foi definido através dos aspectos legais e do regramento agora se reflete de maneira concreta no território. 39 40 41
http://www.censo2010.ibge.gov.br/cnefe/Exibe_Tabela.html?ag=171820425000001 http://www.censo2010.ibge.gov.br/cnefe/Exibe_Tabela.html?ag=171820425000002 http://www.censo2010.ibge.gov.br/cnefe/Exibe_Tabela.html?ag=171820425000003
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Legislação e as consequências das ações dos agentes
Apesar da expansão urbana no Distrito de Luzimangues ir se desenrolando através de diferentes períodos, como vimos anteriormente, ela acaba se consolidando juridicamente com a definição dos instrumentos urbanísticos do município de Porto Nacional. Isso se dá através do seu “Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável” (PDDS), Lei nº 05, de 28 de setembro de 2006; e suas leis complementares, de “Uso e Ocupação do Solo nas Macrozonas Urbanas”, Lei nº 06, de 28 de setembro de 2006; e do “Parcelamento do Solo Urbano”, Lei nº 07, de 28 de setembro de 2006. Estas leis deveriam de forma articulada “orientar as ações públicas e privadas de promoção do desenvolvimento sustentável do município, com ganhos reais na melhoria das condições de vida de todos os seus habitantes” (de acordo com a “Mensagem à Câmara de Vereadores nº 05/2006”, texto que encaminha o projeto de lei do PDDS para apreciação e votação pelos vereadores do município). O processo de discussão da legislação, em especial do PDDS, é realizado pela Prefeitura de Porto Nacional, com o auxilio do Governo do Estado através da Secretaria de Planejamento (SEPLAN) e da empresa de consultoria Camargo & Cordeiro, coordenada por Luiz Alberto Cordeiro e Sônia Helena Taveira de Camargo Cordeiro, com o foco nos problemas da sede do município, mas também vislumbra algumas necessidades dos distritos, entre eles o de Luzimangues. Este plano foi discutido no período de 2004 a 2006, e “respeita as determinações da Constituição Federal, do Estatuto da Cidade, da Constituição Estadual e da Lei Orgânica do Município”, discutido por meio das audiências públi-
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cas, “sempre buscando o desenvolvimento municipal e urbano, em bases sustentáveis” (Mensagem à Câmara de Vereadores nº 05/2006). Adão Oliveira (2009:10) avalia que “de um modo geral” o plano tentou apropriar os instrumentos urbanísticos elencados no Estatuto da Cidade mas sem definir suas formas de aplicação, necessitando de regulamentações posteriores. O plano busca garantir a função social da propriedade definindo instrumentos importantes como o “Parcelamento ou Edificação Compulsória”, o “IPTU Progressivo no Tempo” e a “Desapropriação com Pagamento em Títulos”, porém nem todos são autoaplicáveis, dependendo de leis complementares que ainda seriam elaboradas. Este é um ponto de vulnerabilidade de sua eficácia e “na implantação e alcance de suas metas e objetivos” (OLIVEIRA Adão, 2009:15). “[...] a não discriminação dos procedimentos para que os instrumentos inscritos no PDDS-PN possam se cumprir abre possibilidades para a sua desconfiguração na criação de uma outra lei complementar. Neste sentido, por exemplo, o PDDS-PN faz remissão a 05 (cinco) leis complementares de instrumentos fundamentais para a concretização da reforma urbana, quais sejam: a do sistema rodoviário municipal, a do Estudo de Impacto de Vizinhança e do Relatório de Impacto de Vizinhança – complementar das estratégias de uso e ocupação do solo –, a de uso e ocupação do solo, a do parcelamento do solo urbano e, por fim, a do Sistema Municipal de Planejamento e Gestão Municipal e Urbana.” (OLIVEIRA Adão, 2009:11) Souza (2011) tem uma visão crítica mais generalizada dessa safra de planos diretores advindos da obrigação de fazer constante no Estatuto da Cidade, e do papel do planejamento e da gestão das cidades. “Talvez mais que qualquer outro tipo de saber, o planejamento e a gestão (sejam urbanos, regionais ou outros) promovidos pelo Estado tipicamente privilegiam um olhar sobre as sociedades e seus espaços 'do alto' e 'de longe'. Uma das consequências disso é que planejadores urbanos a serviço da administração estatal se utilizam de um vocabulário cujo conteúdo muitíssimo raramente é objeto de qualquer reflexão, sobretudo de natureza crítica.” (SOUZA, 2011:151)
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O PDDS vem com o objetivo de ser um “instrumento fundamental para se garantir o empoderamento de seus agentes sociais no ordenamento territorial, a fim de alavancar as atividades econômicas” (OLIVEIRA Adão, 2009:07), mas desde a data da sua aprovação até a atualidade, a lei pouco vem contribuindo para o desenvolvimento sustentável da cidade. Acaba sendo um planejamento hermético que, segundo Lira (agente da academia) deixa muitas dúvidas, não é muito claro e a população não tem acesso. O desenvolvimento da cidade se desenrola “descolado” do plano, pois não se tem gestão do espaço urbano. “Alguns tentam explicar o desenvolvimento de Porto Nacional nesses últimos anos devido: às instituições de ensino superior que foram criadas aqui; outros dizem que Porto está saindo da 'ressaca' da construção da capital, está desenvolvendo; e outros falam que é investimento do agronegócio, com a Bunge, o biodiesel, e com a Monsanto instalando na cidade o agronegócio. Não está bem definido, mas uma coisa podemos já vislumbrar: não tem haver com o Plano Diretor. Nada desses empreendimentos tem haver com o Plano Diretor. Eles de certa forma negam esse Plano Diretor. Por exemplo a Bunge que deveria estar num parque industrial, ela não está, ela não quis. Ela queria um terreno mais próximo e mais visível. A Terra Nova também não ficou no parque industrial. O Plano Diretor está sendo desvirtuado a cada momento.” (Lira, agente da academia) O plano tenta garantir, por exemplo, a participação popular por meio da criação do Conselho Municipal de Planejamento e Desenvolvimento (Art. 79) como órgão pertencente à estrutura do Sistema Municipal de Planejamento e Gestão (Art. 73), mas apesar de previsto o conselho não foi instituído e nem tem funcionamento após a aprovação da lei, a participação e o controle social não existem de fato na política de desenvolvimento urbano da cidade. Nos últimos anos a aprovação de loteamentos, tanto em Luzimangues quanto na sede do município, causou celeumas entre o poder executivo e o legislativo, sendo que
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membros deste último vêm contestando os procedimentos de aprovação. Tais fatos levaram a Câmara de Vereadores a promover alteração recente na Lei Orgânica do município (2011), sendo que a aprovação de loteamentos urbanos deverá ser submetida também à casa. Desse modo se constitui mais uma instância pública através dos seus representantes legislativos, porém não se concretiza ainda a participação popular e direta prevista no Estatuto da Cidade e reafirmado no conteúdo do PDDS. Do ponto de vista do arquiteto Eli Ramos, agente do poder público estadual, através de informações obtidas com os gestores da cidade, a lei ficou muito complexa e não seria administrável, o PDDS não se tornou uma ferramenta de apoio ao poder público: “Se tornou um 'elefante branco' enorme, incompreensível, que eles não sabiam o que fazer com aquilo. Então partes do Plano Diretor foram implantadas e partes eles não sabem nem o que fazer” (Ramos, agente do poder público estadual). Algumas partes que efetivamente foram implantadas dizem respeito ao planejamento do Distrito de Luzimangues. Realizado em paralelo a essa discussão do PDDS houve um outro estudo com o objetivo centrado na organização espacial daquela região. Foi elaborado um projeto de Macrozoneamento (2006) e posteriormente o Macroparcelamento de Luzimangues (2008), desenvolvido pelos Arquitetos e Urbanistas Marcos Antônio Gaipo de Andrade e Eli Ramos, agentes do poder público estadual, vislumbrando as capacidades da região para o desenvolvimento industrial, decorrente da construção da FNS e do seu Pátio Intermodal — sem excluir os interesses do setor imobiliário. Para viabilizar os macroprojetos de Luzimangues foram necessárias parcerias entre diferentes entidades, do município e do Estado. De acordo com Mourão (agente do poder político local), era preciso, com o advento da FNS e da Hidrovia Araguaia-Tocan-
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tins, que Porto Nacional se preparasse para ser um “polo”, em função da própria bacia do Rio Tocantins e da distribuição do processo produtivo. “Vi que Porto Nacional não tinha, na hora que a gente quis fazer essas ações, nós não tínhamos instrumentos administrativos e capacidade técnica pra fazer esse mega projeto que nós queríamos. Então nós pegamos como apoio a FIETO, o SEBRAE, o SENAC e o Governo Estadual.” (Mourão, agente do poder político local) O ex-prefeito relata que iniciou um processo de discussão com o Governo Federal, “aí foi diretamente com o presidente Lula”, no sentido de haver um reconhecimento e uma compensação das contribuições de Porto Nacional para o Estado do Tocantins e que a cidade estava ficando à margem do processo do desenvolvimento uma vez que, na sua visão, as políticas públicas do Estado não a contemplavam. “Nós tínhamos perdido muita representatividade econômica e social, nós éramos lembrados assim como o 'berço da cultura', questões históricas do movimento da criação do Estado, mas já não se falava de Porto Nacional como uma cidade representativa do contexto econômico também.” (Mourão, agente do poder político local) Essas discussões foram aprofundadas posteriormente com o Ministério dos Transportes e com a VALEC, e pela sua centralidade Luzimangues seria pensado então como o maior parque intermodal da FNS, irradiando “condições ao sul do Maranhão, ao sul do Pará, ao Tocantins, ao Mato Grosso e a Goiás”. A aposta da municipalidade era que aquela região seria a redenção econômica para Porto Nacional, e uma das grandes capacidades de geração de riqueza para o Estado. Nesse sentido foi montado um grupo “que pudesse estimular o processo de ordenamento de ocupação, mas que também pudesse fazer daquilo ali uma ação economicamente ativa e produtiva”, envolvendo a Federação das Indústrias do Estado do Tocantins (FIETO), o Serviço de Apoio às Micros e Pequenas Em-
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presas (SEBRAE), o município de Palmas (na pessoa do prefeito Raul Filho) e com o Governo Estadual, de acordo com Mourão (agente do poder político local). “Aí, nós teríamos que ter pensado já na urbanização. Fizemos um projeto com o recurso do município, com apoio da FIETO e do Estado, nós fizemos aquele projeto de urbanização, não somente da discussão do Plano Diretor.” (Mourão, agente do poder político local) A FNS e o seu Pátio Intermodal teriam então a força e a expectativa de atrair um polo industrial. No planejamento foi cogitado que essa mão de obra poderia chegar a “dez mil trabalhadores” (Andrade, agente do poder público estadual), ou uma população de “trinta e cinco mil pessoas” (Mourão, agente do poder político local), que deveriam morar no próprio local. “Na área de influência da Plataforma Multimodal, dentro do contexto todo da área estudada e aprovada como área urbana, qual era a mentalidade e a proposta de planejamento? Com essas pessoas trabalhando ali, uns dez mil funcionários em função da construção da FNS, essas pessoas teriam que morar em algum lugar. Pra não ter um fluxo muito grande em cima do trecho da ponte da TO-080, essa população, essas famílias, deveriam morar no próprio local. Essas eram as ideias e premissas iniciais.” (Andrade, agente do poder público estadual) A participação do Governo do Estado foi coordenada pela Agência de Habitação e Desenvolvimento Urbano (AHDU) e executada pela ORLA S/A. Segundo Gonçalves (agente do poder público estadual), a agência tinha participação dentro da ORLA e desenvolvia programas de regularização, expansão e políticas que estavam ligadas intimamente com a questão do fomento industrial e comercial, ou seja, da atração de investimentos para o Estado. “Como a FNS passava do outro lado e já havia uma certa expansão totalmente desorganizada, a agência foi convidada a participar, etapa por etapa, e nesse processo especificamente nós tínhamos uma dotação orçamentária pra isso. Nós tínhamos uma
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ascendência sobre a ORLA, e como a ORLA já tinha uma experiência de urbanização em termos de fotogrametria (as imagens de satélite, aquelas fotos espaciais pra você estar verificando metro a metro), a gente tinha uma facilidade em termos de instrumentos pra poder contratar e fazer pesquisa, e dentro dela também tinha empresas ligadas à FIETO. Ou seja, essa parceria entre público e privado que já existia poderia dar uma agilidade maior no processo, inclusive com a ORLA botando contrapartida nesse processo todo.” (Gonçalves, agente do poder público estadual) Ramos (agente do poder público estadual) esclarece que os recursos utilizados eram provenientes da ORLA (com a destinação de recursos de um fundo de desenvolvimento mantido por ela e que poderia ser usado para tal fim). Já a FIETO foi quem supriu o apoio político de sensibilizar “os atores” do Estado, governo e prefeitura, e foi o agente também no sentido de procurar novos parceiros, “organizando com o empresariado, discutindo os incentivos, vendendo o Tocantins. Nesse mesmo processo a gente começou a vender o Tocantins pra fora” (Gonçalves, agente do poder público estadual). “A FIETO tinha interesse de gerenciar o pátio multimodal, Porto Nacional tinha o interesse de organizar, e o Estado tinha interesse de ter terras disponíveis para produção habitacional... os interesses estavam comuns.” (Ramos, agente do poder público estadual) Esse macroplanejamento para a localidade é pouco conhecido, mas Luzimangues tem uma escala urbana que rivaliza com a capital Palmas (Figura 5). Com base na pesquisa e nas entrevistas realizadas, ficou evidenciado que foram processos de discussão dissociados do PDDS, centralizados pelo poder público local, porém consolidados nos instrumentos jurídicos da política urbana do município.
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Figura 5: A escala do perímetro urbana de Luzimangues e de Palmas
Fonte: Imagem organizada pelo autor, sobre imagens de Andrade, 2012; SEDUH, 2011; e Google, 2012.
De acordo com Mourão (agente do poder político local), Andrade e Ramos (agentes do poder público estadual), o projeto de Macrozoneamento do Distrito de Luzimangues foi desenvolvido a partir de 2005, com estudos técnicos que foram apresentados em diversas reuniões com empresários e investidores, mas não foram levadas à discussão nas audiências do PDDS de Porto Nacional. “Durante o processo de produção de Luzimangues a gente fez várias apresentações em Porto Nacional, várias apresentações no Estado, várias apresentações para empresários externos, no sentido de demonstrar o fenômeno que estava acontecendo. Dar veracidade a isso mas não com um formato de audiência pública. Em Porto Nacional sim, porque no início a gente apresentou os diagnósticos a Porto Nacional, à Câmara de Vereadores, mais para as entidades efetivamente do que para a sociedade como um todo. A sociedade esteve presente, mas não teve formato de audiência pública... E para o pessoal do Plano Diretor, apresentamos o diagnóstico. Nessa época já estávamos com o plano em desenvolvimento, então todos os princípios urbanísticos estabelecidos pra desen-
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volvimento do plano já tinham sido feitos.” (Ramos, agente do poder público estadual) De acordo com Andrade (agente do poder público estadual) não havia interação ou contato com os técnicos que elaboravam o PDDS: “quando nós entramos, não tínhamos mais contato com esta empresa, eu acho que ela já tinha até finalizado o trabalho. Ela fez o plano da parte histórica da cidade, e nem tinha conhecimento dessa outra parte”. O zoneamento, no entanto, foi acrescido às propostas das leis urbanísticas do município, com diversos artigos que tratam da expansão urbana e ocupação do Distrito de Luzimangues. “Nós fizemos um Macrozoneamento e um Macroparcelamento urbano de Luzimangues. O primeiro trabalho foi feito em 2006, depois disso nós tivemos um outro trabalho em 2008. Foi feito primeiro um macrozoneamento dessa área de estudo, depois disso foi feito uma delimitação do que seria loteado e um macroparcelamento com as avenidas e passeios implantados.” (Andrade, agente do poder público estadual) Lira (agente da academia) relata, com base no acompanhamento que fez do processo de discussão do Plano Diretor, que Luzimangues aparecia apenas como “distrito” nas audiências do PDDS, mas sem a relevância que depois veio a ter e sem muitos detalhes do traçado da FNS ou da localização do Pátio Intermodal — que até aquele momento se pensava que ficaria próximo à sede de Porto Nacional. Ramos (agente do poder público estadual) destaca os itens principais que foram incluídos no PDDS de Porto Nacional, com base no diagnóstico do zoneamento de Luzimagues: a criação das zonas de ocupação e da Zona de Ocupação Prioritária (ZOP), onde deverá haver no minimo 70% de ocupação para depois expandir para novas zonas 42 e a de42
“Art. 12, §3º: Somente será permitido o desenvolvimento de microparcelamento fora da Zona de Ocupação Prioritária quando esta tiver atingido ocupação mínima de 70% (setenta por cento) de sua área microparcelada, salvo na Zona de Ocupação Industrial, por interesse relevante da administração pública, devidamente motivado.” (Lei nº 06, de 28 de setembro de 2006)
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finição dos critérios de aprovação de loteamentos, “que até então não havia, se reportava apenas à legislação federal”. “Os loteamentos estavam sendo implantados mas sem um mínimo de infraestrutura... Essa interligação entre os procedimentos de aprovação e os requisitos de infraestrutura para venda foi estabelecida também no plano Luzimangues, que foi importado para o Plano Diretor.” (Ramos, agente do poder público estadual) No plano são instituídas as Macrozonas Urbanas (Art. 27), que seriam definidas como áreas efetivamente destinadas a concentrar as funções urbanas com o objetivo de: “I - otimizar os equipamentos urbanos e comunitários instalados; II - orientar o processo de expansão urbana; e III - condicionar o crescimento urbano à capacidade dos equipamentos urbanos e comunitários” (Art. 28). Na prática definia novos limites urbanos da sede e dos distritos43. O perímetro urbano de Luzimangues e suas zonas de ocupação ficam delimitados mais à frente: “Art. 86. O Executivo Municipal deverá proceder ao levantamento topográfico planialtimétrico cadastral das Macrozonas Urbanas, instrumento de referência básica para o Sistema de Informações Municipais... §3º Os limites da Macrozona Urbana 2 e de suas respectivas Zonas serão demarcados em conformidade com o que estabelece o anexo II desta Lei Complementar, atendendo o que dispõe o §3º do Art. 134, da Lei Orgânica do Município.” (Lei nº 05, de 28 de setembro de 2006) Por sua vez, as Zonas de Ocupação de Luzimangues são divididas em seis zonas (Figura 6), definidas no Art. 12 da “Lei de Uso e Ocupação do Solo nas Macrozonas Urbanas”: “I – Zona de Ocupação Prioritária – ZOP; II – Zona de Ocupação Secundária – ZOS; III – Zona de Ocupação Restrita – ZOR; IV – Zona de Administração da Ocupação Restrita – ZAOR; V – Zona 43
A lei amplia o perímetro urbano, inclusive no Distrito de Luzimangues (Macrozona Urbana 2). O perímetro da sede (Macrozona Urbana 1) remete a um mapa no Anexo 1 do PDDS, que não estava disponível nem na Câmara de Vereadores e nem na Prefeitura de Porto Nacional, gerando dúvidas de qual sua delimitação — essa regulamentação só ocorre em 2011.
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de Ocupação Industrial – ZOI; e VI – Zona de Proteção Ambiental – ZPA.” (Lei nº 06, de 28 de setembro de 2006) Figura 6: Definição do Macrozoneamento
Fonte: Andrade, 2012.
Essa mesma lei traz ainda um mecanismo que determinava que os imóveis situados na Zona de Ocupação Prioritária, deveriam ser loteados no prazo de cinco anos, sob pena do Poder Público Municipal utilizar-se dos instrumentos legalmente previstos para implementação da política de desenvolvimento sustentável (Art. 12, §6º).
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O projeto de Luzimangues passou por um maior detalhamento em 2008 quando foi elaborado o Macroparcelamento Urbano. Nesse projeto foram delimitadas as áreas que poderiam ser loteadas através de um macroparcelamento aos moldes do que foi feito em Palmas, com a definição das avenidas estruturantes que delimitam as quadras a serem posteriormente microparceladas e urbanizadas (Figura 7).
Figura 7: Definição do Macroparcelamento
Fonte: Andrade, 2012.
O projeto contempla o memorial descritivo de cada “quadra”, contendo: nomenclatura, o levantamento das curvas de níveis, áreas aproveitáveis (que alimentam as diretrizes urbanísticas), delimitações de avenidas, acessos, afastamentos de faixas de domínio, etc. A TO-080 é utilizada como o eixo de referência, as quadras localizadas ao norte da TO são nomeadas como PNN (Porto Nacional Norte), as que ficam ao sul são PNS
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(Porto Nacional Sul), seguidas de uma numeração. Apesar dessas definições, cada loteamento é “batizado” de uma maneira diferente pelos empreendedores, com nomes mais pomposos e comerciais. No desenrolar desse processo, Ramos (agente do poder público estadual) relata que houve uma inversão nas etapas do planejamento, mas avalia que não houve perdas para o produto final pretendido. Os passos seriam: levantamento aerofotogramétrico; diagnóstico; e o plano. Foi feito então primeiramente um diagnóstico, através de imagem de satélite, que serviu de subsidio para elaboração do zoneamento e da definição dos “vetores de desenvolvimento”; posteriormente foi feito o levantamento aerofotogramétrico e a revisão do diagnóstico inicial; e “aí o plano efetivamente, já com os dados detalhados, curva de nível de metro em metro”. Dessa maneira os planejadores definiram questões diversas para a urbanização do distrito: a demarcação das áreas de proteção ambiental conforme a presença dos corpos hídricos; as estratégias para drenagem; o sistema viário com os arruamentos em conformidade com os dados topográficos e hipsográficos; etc. “Palmas já foi planejada que as avenidas principais teriam 3 vias, mais um canteiro, e mais 3 vias. Lá a gente fez um processo inverso, vamos fazer 2 vias, pra gente ter um processo de expansão desse sistema viário, vamos deixar um canteiro maior e mais 2 vias, fora a calçada... A caixa total era basicamente do mesmo tamanho de Palmas, só que o sistema viário ficou menor nesse sentido, com 2 vias apenas, com previsão de uma terceira pra cada lado... Além disso, nós procuramos deixar um canteiro central também maior, porque a gente percebe que pra passar o sistema de drenagem aqui é difícil. E no sistema das rotatórias também, a gente já deixou os estudos de passagens laterais da rotatória. Então quando você entra você já tem uma faixa exclusiva pra rotatória independente do sistema viário. Então como eu tenho duas vias, a terceira via vai ser criada, pra entrar na rotatória, essa terceira via, eu posso isolar ela das outras duas, o que não acontece nas rotatórias aqui em Palmas. O eixo de curvatura daqui também é deficitário, a gente já levou o eixo corrigido pra lá. Então essas coisas que a gente já tinha de referência de Palmas, Brasília e outros municípios a gente já levou pra lá.” (Ramos, agente do poder público estadual)
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Uma alteração significativa que houve nesse período é quanto à definição da Zona de Ocupação Industrial – ZOI. Segundo Andrade (agente do poder público estadual), em 2006 não havia muitas informações disponíveis quanto ao traçado da FNS e à localização do Pátio Intermodal, o primeiro traçado que havia era o traçado original das Cartas do Exército. Na definição do zoneamento a zona industrial está localizada ao norte da TO080, já na revisão feita em 2008, a zona é trazida para a parte sul, interligada ao Pátio Intermodal, porém tal definição não foi regulamentada em lei. Essa é uma observação importante a ser feita, o trabalho realizado pelos técnicos em 2008 não foi transformado em lei, sendo aplicadas ainda as definições do Macrozoneamento amalgamadas no PDDS de 2006. “Nós fizemos até um planejamento também, um projeto já destinando a área, delimitando a área industrial, mas não tem definição do solo e nem legislação sobre o Distrito Industrial. Foi delimitada a área, mas não tem nada de lei.” (Andrade, agente do poder público estadual) Ao analisar esse processo de construção da legislação aplicada à politica urbana começamos a compreender a “lógica complexa do campo”, desnudando a aparência da neutralidade burocrática, constatando a ambiguidade intrínseca do funcionamento do Estado (BOURDIEU, 2001:140). Esses regramentos diferentes que se fundem em um só, são reinterpretados e redefinidos através de uma série de interações entre os agentes que “em função da sua posição em estruturas objetivas de poder definidas à escala de uma unidade territorial, região ou departamento, prosseguem estratégias diferentes ou antagônicas” (BOURDIEU, 2001:157).
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A urbanização e o crescimento de Luzimangues
Nos tópicos anteriores começamos a desvendar a gênese e alguns dos motivos que levaram ao processo de urbanização e crescimento do Distrito de Luzimangues, dentre eles a valorização das terras próximas à capital, quando da sua implantação, e a expectativa do processo de expansão industrial decorrente da FNS e do seu Pátio Intermodal. Tentaremos demonstrar a seguir, alguns outros fatores surgidos ao longo da pesquisa e nas discussões com os agentes, que do nosso ponto de vista também contribuíram de maneira determinante com o processo de expansão urbana na margem esquerda do Lago de Palmas.
Regularização e ordenamento dos loteamentos
O Caderno Técnico do PDDS (2006) trazia diversos apontamentos quanto à questão de loteamentos irregulares no território de Porto Nacional, e em especial na área de Luzimangues. Nesta data a própria prefeitura de Porto Nacional não detinha informações para fazer um controle efetivo da região, sendo que “as informações sobre os loteamentos do Distrito de Luzimangues são incompletas, com a maioria deles não registrados no Cadastro Imobiliário” (PORTO NACIONAL, 2006:67). Há passagens no documento que demonstram que não havia informações claras quanto ao número de imóveis e nem um efetivo controle fundiário: “Tanto na sede municipal quanto no Distrito de Luzimangues existem problemas quanto à regularização dos loteamentos, mesmo os já comercializados. Informações levantadas no local dão conta da existência de loteamentos com mais de 8.000 lotes.” (PORTO NACIONAL, 2006:59)
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Ou ainda: “Atualmente existem nos diversos loteamentos de Luzimangues mais de 8.000 lotes disponíveis e desocupados.” (PORTO NACIONAL, 2006:104) Esses números se multiplicam na fala do ex-prefeito Paulo Mourão (agente do poder político local): “Quando eu assumi [2005], lá já tinham vendido não sei se era 30 ou 35 mil lotes, não sendo legalizados”. Essas desinformações perduram ainda hoje, havendo dificuldades de se obter informações sobre o que vem sendo implantado e até mesmo da prefeitura cobrar o IPTU dos proprietários dos lotes44. Na realidade foi detectada uma grande quantidade de parcelamentos e imóveis sem registro, o que exigia um esforço efetivo de regularização da situação fundiária, agravada ainda mais pelos “vazios urbanos... o que dificulta a implantação e manutenção de infraestrutura básica, equipamentos urbanos e comunitários e serviços públicos” (PORTO NACIONAL, 2006:21). Nesse sentido, de acordo com Gonçalves, Ramos e Andrade ( agentes do poder público estadual), o interesse inicial de intervir na área partiu da prefeitura de Porto Nacional. “Inclusive uma das preocupações surgiu dele mesmo [do exprefeito Paulo Mourão], porque se não organizasse, essa situação no termo do macro, estavam surgindo loteamentos, ele travou intencionalmente os loteamentos, falou: 'olha, vamos parar um pouco'. Combateu os loteamentos irregulares, chamando o empresariado e falando 'espera aí, você quer fazer loteamento, você quer expandir, nós estamos fazendo um planejamento macro onde tem que respeitar as drenagens, tem que respeitar as vias, nós temos que fazer as interseções dessas vias'. Então foi fundamental nesse processo, a gente reunia com os técnicos, ele muitas vezes estava à frente da questão FNS, como gestor do município atingido pela ferrovia.” (Gonçalves, agente do poder público estadual) 44
De acordo com Faria (agente do mercado imobiliário) a prefeitura de Porto Nacional não vinha acompanhando as demandas do distrito e apenas em 2011 começa a cobrar o IPTU dos terrenos.
128
De acordo com Ramos (agente do poder público estadual), ao longo do desenvolvimento do diagnóstico do projeto de Macrozoneamento (2006), foram detectados dezessete loteamentos na região do Luzimangues (Figura 8), em diversas situações, alguns já implantados e que não constavam no banco de dados da prefeitura. A preocupação inicial se deu então em função do grande crescimento de loteamentos irregulares que estavam existindo. Na sua visão o diagnóstico demonstrava que “aquilo era inevitável e o desenvolvimento do Luzimangues já estava acontecendo, embrionário, mas estava”. Os agentes do poder público estadual defendem que foi um planejamento tecnocrático, com a preocupação de ordenar o polo da FNS e regularizar os loteamentos “consolidados”. Questionado sobre este tema, o prefeito à época diz que geralmente os loteadores não apareciam, não participavam da discussão, só procuravam no momento em que estavam tentando regularizar os seus loteamentos. “São extremamente agressivos, porque obviamente eles buscam o lucro. É um debate extremamente difícil de fazer, ainda mais nas condições reais de pouco orçamento público para poder fazer um ordenamento da monta que precisa ser feita em Luzimangues.” (Mourão, agente do poder político local)
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Figura 8: Mapeamento dos loteamentos urbanos até 2006
Fonte: Andrade, 2012.
Os agentes do mercado imobiliário também alegam não ter participado desse momento de decisão, nem do PDDS e nem do Macroplanejamento de Luzimangues, sendo que algumas das principais empresas imobiliárias atuantes hoje na região iniciam ou expandem suas atividades na etapa posterior ao ordenamento urbano, ou seja, após 2006. De acordo com Silva (agente do mercado imobiliário), o gestor à época conversou pouco com os empresários, “apesar que os outros também não conversaram”, e
130
os contatos com os técnicos foram no sentido de fornecer informações para o diagnóstico do projeto. “Nós não tivemos interferência nenhuma, nada. O único contato que eu tive com o Marcos Gaipo45 na época foi alguns mapas que ele nos pediu e quem eram os donos de algumas áreas, que ele não estava conseguindo achar, se a gente sabia quem eram e como encontrar as pessoas.” (Silva, agente do mercado imobiliário) Na definição do perímetro urbano do distrito essa situação é desnudada, uma vez que existem discrepâncias entre os indicativos da equipe que desenvolvia o PDDS e os limites que foram aprovados efetivamente na legislação. Recomendava-se “a redução da área urbana para a porção do território ocupada pelos loteamentos já devidamente registrados, deixando como rural os assentamentos, em atendimento às aspirações manifestas das comunidades ali residentes” (PORTO NACIONAL, 2006:283). Porém a área de influência de estudo que foi aprovada como área urbana de Luzimangues (Macrozona Urbana 2), “é do tamanho ou até maior do que o Plano Diretor de Palmas”, segundo Andrade (agente do poder público estadual). Na sua visão a área já estava crescendo desordenadamente, sem um planejamento e sem uma ligação entre os loteamentos que estavam existindo. O objetivo era fazer uma ligação entre eles sem desapropriar ninguém. Então os critérios para definir o perímetro foram os loteamentos que já estavam “consolidados” e a existência de determinadores físicos, como sistemas hídricos. “Nós fizemos um mosaico com as imagens de satélite e locamos os loteamentos, pra saber onde realmente estavam. Com essa ideia, a área tomou um corpo e uma forma já definida.” (Andrade, agente do poder público estadual) De acordo com Mourão (agente do poder político local), a ideia inicial era que tivesse uma delimitação urbana a menor possível, que possibilitasse um crescimento orde45
Refere-se ao projetista Marcos Antônio Gaipo de Andrade, agente do poder público estadual.
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nado, “essa era a visão do Plano Diretor e essa era a visão técnica também do Macrozoneamento”. Mas já haviam sido vendidos lotes, em áreas longínquas uma da outra, e estavam sendo registrados. Quando foi feito um movimento no sentido de cancelar chegou-se a uma situação de conflito com o Cartório de Registros de Imóveis (CRI), “uma guerra jurídica”. A prefeitura acabou recuando: “Tivemos que chamar a equipe do macrozoneamento, que era o Eli Ramos e o Marcos Gaipo, e dizer pra eles que teríamos que adaptar a questão do núcleo urbano e do Plano Diretor e tentar estender pra não deixar de fora o que já tinha sido comercializado” (Mourão, agente do poder político local). Os autores do projeto, agentes do poder público estadual, complementam sem maiores aprofundamentos as colocações do ex-prefeito com outro aspecto determinante para o traçado dessa fronteira urbana: os interesses de agentes importantes no cenário político estadual. “Isso aqui tem políticos envolvidos, tem deputados, tem ex-prefeita de Palmas...” (Andrade, agente do poder público estadual). “Esses dezessete loteamentos, se não fizesse nada, eles iam ser aprovados de qualquer jeito. Então vamos fazer o seguinte, vamos tentar colocar todos eles dentro do perímetro urbano, porque senão ia ser uma loucura, um 'sacode', porque a gente tinha pessoas aqui extremamente influentes nesse processo que ia ser extremamente desagradável enfrentar essa briga.” (Ramos, agente do poder público estadual) Esse recuo no enfrentamento das situações de irregularidade denotam que se tratavam de agentes com capitais econômicos e políticos que os deixavam numa posição de impor sua vontade, moldando o campo de maneira a atender os seus interesses, conforme demonstrado em Bourdieu (2001). Quanto aos argumentos da regularização podemos nesse ponto resgatar um pensamento de Campos Filho (2001:84): “Utilizando-se do fato de regularizar edificações das populações de baixa renda, o que é razoável, levam a anistia a edificações das
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camadas médias e altas, o que é especulativo e, portanto, antissocial”. O termo “consolidado” também pode ser questionado uma vez que a população que morava efetivamente na área era, e ainda é, muito pequena, o que estava consolidado de fato eram as formalidades de registros perante o CRI e os contratos de vendas já realizadas. Apesar de um dos objetivos do plano de expansão urbana do Luzimangues ser a regularização e o ordenamento dos loteamentos (ação típica dos agentes do Estado), reconhecendo uma situação que já vinha ocorrendo, é inegável que isso acabou gerando condições propicias para os loteadores, que souberam apropriar-se muito bem do campo imobiliário que se abriu (ação tipica dos agentes do mercado). As informações referentes aos loteamentos instalados em Luzimangues são bem esparsas e desconexas, não havendo um controle sistemático por parte da prefeitura de Porto Nacional ou outro órgão de controle — Naturatins, Incra, etc. A listagem utilizada nesta pesquisa reúne várias fontes de informações, de maneira a obtermos uma visão geral dos empreendimentos anteriores à legislação de 2006 e após a legislação (Tabela 1).
Tabela 1 - Empreendimentos imobiliários em Luzimangues 1995/2012 #
LOTEAMENTO
ANO
EMPREENDEDOR
REGISTRO
LOTES
1
Chácaras da Graciosa
1995
Darci Garcia da Rocha e Cia
R-7-13465 (22/01/1995)
232
2
Village Morena
1996
Village Morena Empreendimentos Imobiliários Ltda.
R-2-14221 (30/08/1996)
1.286
3
Reassentamento Luzimangues
2001
Investco
...
83
4
Riviera do Lago
2004
Riviera do Lago Empreendimentos Imobiliários Ltda.
R-1-18192 (21/06/2004)
926
5
Loteamento Porteira
2004
Rocha, Sampaio e Alves Ltda.
R-8-17801 (29/10/2004)
82
6
Loteamento Porto Belo
2005
Henrick Moreira Nery Blamires e Márcio Azeka de Oliveira
R-2-18178 (01/03/2005)
91
7
Loteamento Jardim Sofia
2005
Lagos Empreendimentos Imobiliários Ltda.
R-3-15862 (18/04/2005)
250
8
Loteamento Chácaras Calhetas
2005
Nulce Cardoso Lemos
R-2-17698 (19/04/2005)
25
9
Residencial Portal do Lago
2005
União do Lago
...
1.300
10 Loteamento Condomínio Ponte Bela
...
...
...
...
11 Loteamento Chácaras Porto Real
...
...
...
...
12 Loteamento Paraíso
...
...
...
...
133 #
LOTEAMENTO
ANO
EMPREENDEDOR
REGISTRO
LOTES
13 Loteamento Jardim Porto Real
...
...
...
...
14 Loteamento Chácaras Paraíso
...
...
...
...
15 Loteamento Mangueiras do Lago
...
...
...
...
16 Laguna I
2008
Laguna Empreendimento Imobiliário Ltda.
R-2-23147 (29/12/2008)
1.731
17 Jardins do Lago
2009
Jardins do Lago Empreendimentos Imobiliários Ltda.
R-14-17561 (24/07/2009)
1.346
18 Laguna II
2010
Itagyba Empreendimentos Imobiliários Ltda.
R-2-27163 (26/02/2010)
1.754
19 Loteamento Porto Seguro
2010
HMB Ltda-ME
R-3-22531 (16/06/2010)
510
20 Flamboyant
2010
MD Consultoria e Empreendimentos Ltda.
R-4-14698 (09/09/2010)
...
21 Residencial Morumby
2011
Morumby Const. e Incorporadora Ltda.
Aprovado
530
22 Lago Azul
...
Distribuidora de Petróleo Tocantins
Tramitando
...
23 Comercial do Lago
...
Arnaldo Cardoso Coelho
Tramitando
...
24 Jardim do Porto
2011
PR Empreendimentos Imobiliários Ltda.
Tramitando
2.179
25 Jardim Europa
2011
BER Empreendimentos Imobiliários Ltda.
Tramitando
1.584
26 Laguna III
...
L6 Empreendimentos Imobiliários Ltda.
Tramitando
4.983
27 Gleba Elle 3
...
Cical Construtora e Incorporadora Califórnia Ltda.
Tramitando
...
28 Orla Oeste
2012
Graciosa Empreendimentos
Para lançamento
1.800
29 Park dos Buritis
2012
União do Lago e Buriti
...
1.300
30 Park dos Girassóis
2012
MM Empreendimentos
R-3-34114
331
31 Loteamento Canadá
2012
...
...
...
Total de lotes
22.323
Fonte: Tabela organizada pelo autor, com informações da Prefeitura de Porto Nacional e das entrevistas.
Foram utilizadas as informações fornecidas pela Prefeitura de Porto Nacional, a listagem de loteamentos do diagnóstico do Macrozoneamento, e dados extraídos das entrevistas, principalmente com os agentes do mercado imobiliário. Há muitas indefinições com relação aos responsáveis por cada empreendimento, a localização e ao número total de lotes. Mas de qualquer maneira são dados que não inviabilizam a pesquisa, na realidade demonstram a relevância do tema e a fragilidade de controle do território por parte dos agentes públicos.
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De acordo com os dados obtidos, os primeiros loteamentos datam de 1995, tratam-se de alguns casos de loteamentos de “chácaras”, frações de terras já bem desvirtuadas dos atributos de terras rurais voltados para a produção. Em alguns desses empreendimentos (Chácaras da Graciosa, Loteamento Porteira e Residencial Portal do Lago) consta os nomes dos sócios que comporiam mais adiante a “União do Lago”, empresa imobiliária que se destaca na região. O primeiro empreendimento de loteamento urbano na região data de 1996 e trata-se do loteamento “Village Morena”, com mais de 1.200 lotes. Um loteamento urbano solto no meio do cerrado. De acordo com Silva (agente do mercado imobiliário), o “Village Morena” foi o primeiro, aprovado na época do prefeito Fábio Martins (Gestão 1992 1995), “ainda na lei anterior”, e o loteador tinha apenas como obrigação demarcar e abrir as ruas — hoje o loteamento ainda não conta com a infraestrutura básica. De acordo com ele, o proprietário (Dr. Lucas) chegou a Luzimangues em 1989/1990 e adquiriu algumas áreas: “na época não se falava do lago ainda, eram poucas pessoas e só entre o governo que comentavam sobre isso. Quando saiu ao público que iriam fazer o lago mesmo, eles foram ver até onde que a água ia, ia ficar próximo, então ele fez o 'Village Morena' já pensando nisso” (Silva, agente do mercado imobiliário). “Meu sogro era vereador em Paraíso do Tocantins, e o Siqueira falava assim: 'Palmas vai ser no centro geodésico do Brasil'. Ele correu, olhou no mapa e viu que o Rio Tocantins cortava no meio, só que ele ficou em dúvida se era do lado de lá [margem direita] ou de cá do Tocantins [margem esquerda]. E a aposta dele foi essa: se for do lado de lá, Palmas não vai poder crescer, porque tem o rio e tem a serra, então vai ser do lado de cá.” (Silva, agente do mercado imobiliário) Após 2001, com o enchimento do reservatório da UHE Lajeado, as pessoas compravam chácaras na beira do lago, desmembravam e faziam condomínios irregulares
135
(Gonçalves, agente do poder público estadual). São os “loteamentos por fração ideal”, em um único registro constam diversos donos, cada um com uma fração/percentual da área (Andrade, agente do poder público estadual). Esses “loteamentos” não cumprem as regras de parcelamento do solo (Lei nº 6.766/1979), individualizando as áreas particulares e definindo as áreas públicas (arruamentos, equipamentos, etc.). Em vez disso é feito um registro de percentuais do imóvel que cabem a cada proprietário. Os cartórios costumam admitir esse tipo de “divisão”, mas os órgãos públicos ficam impossibilitados de fazer o controle adequado uma vez que só tomam conhecimento da situação quando começa a ocorrer a ocupação irregular. No período compreendido entre os anos de 1995 até 2006 (ano da aprovação do PDDS), são contabilizados 4.275 lotes, o que corresponde a 19,15% do total contabilizado até 201246. Após 2006, com as definições do PDDS, do zoneamento e das regras de parcelamento (base jurídica e institucional que propicia a expansão urbana) passa a haver uma maior oferta de lotes, já legalizados perante a prefeitura, Naturatins e CRI. São loteamentos que cumprem os requisitos formais da legislação, atendendo aos interesses de loteadores e investidores, mas não há uma consonância com os princípios do planejamento urbano sustentável (Estatuto da Cidade), sendo uma reprodução dos vazios urbanos existentes em Palmas e em Porto Nacional. No período compreendido entre os anos de 2007 até 2012 são produzidos 18.048 lotes, correspondendo a 80,85% do total contabilizado. Vários loteamentos vão sendo aprovados, abertos e comercializados. Nesse negócio duas empresas (agentes coletivos), que atuam em parceria, se destacam no cenário de Luzimangues: a “União do Lago Empreendimentos Imobiliários” e a “Buriti Empreendi-
46
Chamamos atenção que estamos considerando o levantamento realizado para esta pesquisa, apresentado na Tabela 1, sendo que ainda existem lacunas a serem preenchidas.
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mentos Imobiliários”. Juntas elas são responsáveis por mais de 60% do número de lotes produzidos em Luzimangues – considerando o levantamento realizado para esta pesquisa. A empresa “União do Lago”, formada por dois sócios diretores oriundos do interior de São Paulo, tem sua origem ligada ao Distrito de Luzimangues. Os nomes dos seus diretores estão associados a empreendimentos de chácaras organizados no período anterior ao PDDS. O primeiro loteamento urbano da empresa na região trata-se do “Residencial Portal do Lago” (2005), com 1.300 lotes. Desde então a empresa vem expandindo sua atuação na região e em outras cidades — no Tocantins a empresa está presente em Araguaína, Colinas, Porto Nacional e Gurupi, e em Mato Grosso no município de Sorriso. Já a “Buriti” é a maior empresa do ramo imobiliário que atua no Luzimangues47, criada na cidade de Redenção – PA, já está presente em 24 cidades espalhadas pelos estados do Pará, Tocantins, Goiás, Bahia, Alagoas, Mato Grosso, Rondônia e Acre. De acordo com Lacerda (agente do mercado imobiliário), a empresa já comercializou mais de 12 mil lotes em Porto Nacional (na sede e em Luzimangues), de um total de “mais de 59 mil lotes no Brasil” — informação do site institucional da empresa. O proprietário da empresa residiu em Porto Nacional, Pium e Paraíso do Tocantins, depois foi para Redenção – PA, onde começou a Buriti, junto a outro sócio que já tinha experiência em loteamentos. A empresa se desenvolveu no Pará e em 2008 começou a atuar no Tocantins, na região do Luzimangues. As duas empresas planejam novos lançamentos ainda para 2012: “Esse ano, acho que tem mais uns quatros empreendimentos, totalizando em uns seis mil lotes, mais ou menos”, diz Faria (agente do mercado imobiliário). Segundo ele a escala dos empreendimentos é muito variável, hoje os empreendimentos são na faixa de mil e trezentos a dois 47
Tal afirmação se dá por conta dos dados obtidos nas entrevistas com os próprios agentes do mercado imobiliário: a empresa detém grande capital financeiro; uma grande “carteira” de clientes; e na relação com os parceiros ela impõe suas condições (só participa se detiver 50% ou mais do negócio).
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mil lotes. Dentre os maiores loteamentos comercializados nos últimos anos estão: Laguna I, com 1.731 lotes (Figura 9); Laguna II, com 1.754 lotes (Figura 10); Jardim do Porto, com 2.179 (Figura 11); Jardim Europa, com 1.584 lotes (Figura 12); e Laguna III, com 4.983 (Figura 13). Já Lacerda (agente do mercado imobiliário) tem uma compreensão um pouco “diferente” do porte desses empreendimentos a serem lançados: “São empreendimentos pequenos, não é do tamanho desses que a gente vem comercializando. Agora são loteamentos pequenininhos, quatrocentos, oitocentos, mil lotes”. Ele compara também com um dos empreendimentos da empresa na cidade de Parauapebas – PA, o loteamento “Cidade Jardim”: “Já está com mais de 12 mil lotes. Na verdade, em Parauapebas, a Buriti está fazendo uma cidade. Lá ela vai fazer quase 30 mil lotes, só em Parauapebas. Hoje é o maior loteamento da Buriti.” (Lacerda, agente do mercado imobiliário) Figura 9: Loteamento Laguna I
Fonte: Buriti, 2012.
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Figura 10: Loteamento Laguna II
Fonte: Buriti, 2012. Figura 11: Loteamento Jardim do Porto
Fonte: Buriti, 2012.
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Figura 12: Loteamento Jardim Europa
Fonte: Buriti, 2012.
Figura 13: Loteamento Laguna III
Fonte: Buriti, 2012.
Quando o assunto Luzimangues vem à baila, vários números são mencionados, sem um levantamento concreto do número de lotes já existentes nesse novo território da expansão imobiliária: vinte mil, trinta mil, quarenta mil. Através da pesquisa podemos constatar a produção de aproximadamente 22.323 terrenos no período 1995/2012, como demonstrado na Tabela 1.
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De maneira a fazer um exercício meramente comparativo da capacidade de moradores nesta quantidade de terrenos, repetimos aqui o cálculo elaborado pela equipe do PDDS, utilizando a mesma metodologia (PORTO NACIONAL, 2006). Foi utilizado o índice mais atual do número de moradores por domicilio para o município de Porto Nacional (IBGE 2010), com valor aproximado de 3,5 moradores por domicilio; e multiplicando este número pela quantidade de lotes urbanos de Luzimangues (22.323). Dessa maneira chegamos ao resultado de que hoje a localidade comportaria uma população superior a 78.000 habitantes — que seria superior à população total do município de Porto Nacional, com 49.146 habitantes (IBGE 2010). Como foi demonstrado anteriormente, o mesmo Censo (IBGE 2010) contabilizou um total de 2.310 moradores em Luzimangues — considerando os setores censitários urbanos e rurais. Ou seja, são necessárias quase trinta e quatro “Luzimangues do mundo real” para alcançar uma “Luzimangues dos sonhos imobiliários”, até o momento.
A legislação e a facilidade para aprovar
O município de Porto Nacional vem fazendo intervenções legais no território de Luzimangues desde 1993. Com a Lei nº 1.415, de 14 de outubro de 1993, cria o Distrito de Mangues/Santa Luzia; em 1994, com a Lei nº 1.454, de 21 de junho de 1994, altera o nome para Luzimangues. Em 2002 vieram as primeiras leis que tratam da questão urbana, já pensando nos loteamentos que estavam surgindo. Com a Lei nº 1.725, de 24 de janeiro de 2002, o Poder Executivo Municipal fica autorizado a efetuar a análise e aprovação das atividades de ocupação do solo urbano às margens do Lago da Usina Hidroelétrica Luiz Eduardo Ma-
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galhães, e com a Lei nº 1.782, de 27 de novembro de 2002, fica definida área de expansão urbana no Distrito de Luzimangues. Ramos (agente do poder público estadual) lembra que não havia na prefeitura um setor de análise dos loteamentos e da ligação desses com o seu entorno, uma vez atendidos os requisitos jurídicos eles eram aprovados. O Cartório de Registro de Imóveis (CRI), como um órgão de apoio, é quem tomava mais cuidado e exigia mais informações. Os normativos da politica urbana do município definidos em 200648 incluem os resultados do projeto de Macrozoneamento para Luzimangues e fixam as regras gerais a serem seguidas pelos agentes do mercado imobiliário. Esse momento da definição dos instrumentos jurídicos e urbanísticos é de vital importância para o processo de ocupação do território do Distrito de Luzimangues, formalizando as demandas já então existentes e, consequentemente, pavimentando o caminho para o grande número de novos loteamentos que aparecerão e serão comercializados posteriormente. Apesar do zoneamento estabelecer uma Zona de Ocupação Prioritária (ZOP), a escala da intervenção ainda é muito grande, permitindo ao mercado imobiliário expandir suas atividades e seus lucros sem muitos obstáculos. Os agentes do mercado imobiliário afirmam que não têm dificuldades para aprovar os projetos na prefeitura de Porto Nacional ou no Naturatins, desde que seguidos os trâmites previstos e a documentação em ordem. Para Sousa (agente do mercado imobiliário) a aprovação em Porto Nacional é muito mais ágil e rápida, não tem burocracia, isso acaba facilitando as pessoas empreenderem lá. “Vamos dizer a verdade: era muito mais fácil fazer em Luzimangues do que fazer em Palmas. Qualquer edificação, qualquer atividade empresarial pra ser realizada em Palmas é mais complicada do que outros lugares que a gente conhece. Tem toda a burocracia, e digamos assim, aqui em Palmas, pela própria criação, muito 48
Lei Complementar nº 05/2006, que dispõe sobre o Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável de Porto Nacional, Lei Complementar nº 06/2006, que dispõe sobre o uso e a ocupação do solo nas Macrozonas Urbanas do Município de Porto Nacional, e Lei Complementar nº 07/2006, que dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano do Município de Porto Nacional.
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mais jovem, as leis são mais atualizadas, a questão ambiental, do ponto de vista jurídico, as exigências são maiores. E em Porto Nacional, ali é Porto mas não tá dentro da sede do município, então isso dá uma permissividade muito maior de ganhar agilidade, que é o que o empreendedor busca. Então é muito mais fácil você fazer o loteamento do outro lado do que insistir pra fazer em Palmas.” (Sousa, agente do mercado imobiliário) Na definição desse regramento, achamos paralelos com os processos demonstrados em Bourdieu (2001) com a (re)construção da política da casa individual na França, por meio da reorientação/imposição das preferencias (propriedade privada, casa individual, localização nas periferias, etc). No campo fundiário, o poder público, por meio das suas ações regulamentadoras, ajuda a construir um mercado de terras (BOURDIEU, 2000:113), um mercado que é burocraticamente controlado e construído pelo Estado a partir de decisões politicas, “que são de natureza a orientar as preferências dos agentes encorajando ou contrariando, mais ou menos, as disposições iniciais dos potenciais clientes por meio de medidas administrativas que têm como efeito impedir ou favorecer a sua realização” (BOURDIEU, 2000:113). Neste caso, formalizam um processo jurídico, dando garantias legais tanto aos compradores, pois tratam-se de “lotes com registro em cartório”, quanto aos empreendedores, permitindo a utilização de mecanismos financeiros ou mesmo a retomada do bem no caso de inadimplência49.
O encarecimento do solo em Palmas
Outro fator que ajuda a explicar os processos desenrolados no Distrito de Luzimangues diz respeito à proximidade com Palmas e às influencias que essa exerce na regi49
Para Sousa (agente do mercado imobiliário) esse ainda é um negócio de risco, aproveitando a estabilidade e as boas condições econômicas que o país alcançou nos últimos anos. A valorização é grande mas o empreendedor se assegura contratualmente contra os riscos — controle da inadimplência, seguro em caso de morte, entre outros.
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ão, conforme abordado no Capítulo III. Nos primeiros anos de ocupação da capital havia a preocupação de incentivar a vinda de moradores e proporcionar seu crescimento e consolidação, os lotes eram doados ou comercializados pelo Estado (BAZOLLI, 2007:15), sendo que também era comum as ocupações de áreas públicas e particulares, com o aparecimento dos barracos de lona preta (PALMAS, 2002:17). O modelo inicial adotado em Palmas para a venda de lotes era através de leilões públicos (PALMAS, 2002:16), os lotes tinham um valor fixado pela avaliação do Estado, os interessados ofereciam lances, o lance mais alto de entrada saia vencedor, o restante do valor era pago em parcelas. Esses eram os loteamentos promovidos inicialmente pelo Estado, modelo que foi praticado também pela empresa ORLA S/A (2000), porém com um patamar de valores já diferenciados, mais elevados, e que não permitiam o acesso por parte de famílias de menor renda, em certa medida consequência da valorização provocada pela implantação da infraestrutura nas áreas centrais (BAZOLLI, 2007:15). Esse modelo de aquisição de lotes há algum tempo foi esgotado, sendo que o Estado passou a não mais ofertar suas áreas, e passou a especular com elas. Durante o processo de discussão do Plano Diretor Participativo de Palmas (2007), o Estado não aceitou que quadras de sua propriedade fossem classificadas como ZEIS, pois eram “áreas muito valorizadas” (CORIOLANO, 2011:95) e deveriam ser comercializadas com o objetivo de aumentar a arrecadação (CORIOLANO, 2011:99). Ao longo do processo de urbanização de Palmas, o Estado foi se afastando da administração imobiliária e o mercado foi se apossando e crescendo, num processo especulativo de privatização das terras públicas e ampliação dos vazios urbanos — imóveis com proprietários mas sem ocupação. “A dinâmica desencadeada pelo mercado imobiliário que é provocada pela retenção de terra pode ser verificada pela existência de
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áreas ociosas dentro do perímetro urbano, principalmente na sua região central, sejam lotes ou glebas, que ocasionam a diminuição da oferta de terra urbanizada e resultam na elevação artificial do seu valor.” (BAZOLLI, 2007:16) Bazolli (2007:15) utiliza dados da população projetados pelo IBGE para o ano de 2005, e demonstra que a densidade populacional urbana de Palmas era de 7,3 habitantes por hectare, “muito abaixo da mínima suportável prevista por Mascaró (1987) de 40 pessoas por hectare, e com distância ainda maior do seu plano original de implantação, que previa a densidade de 300 pessoas por hectare”. Gonçalves (agente do poder público estadual) chama atenção para o fato de que parte das terras retidas pelo Governo do Estado em Palmas, e caracterizadas como vazios urbanos, não poderiam ser utilizadas pois eram alvo de contestação judicial, conhecida como “Ação Discriminatória” (com os limites gerais demonstrados na Figura 14). Alguns dos antigos donos das fazendas discordavam do processo de desapropriação50 por parte do Estado no início da capital e moveram ações judiciais para reavê-las.
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“A primeira grande desapropriação de terras, realizada pelo Governo do Estado, ocorreu em abril de 1990 e atingiu 24 propriedades na área destinada ao plano básico da cidade. As principais fazendas desapropriadas foram a Sussuapara e a Triangulo” (PALMAS, 2002:16)
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Figura 14: Mapa geral de Palmas com a demarcação da Discriminatória
Fonte: Imagem organizada pelo autor, a partir de documento CAD de SEHAB, 2011.
De acordo com Gonçalves (agente do poder público estadual) esta “ação” deixava Palmas numa situação de fragilidade da documentação das áreas, fazendo com que houvesse também uma incerteza na produção de lotes. Somente em 2011 houve a decisão judicial e esses antigos proprietários obtiveram êxito, retornando à sua posse grandes extensões de terra dentro do perímetro urbano, muitas delas com localização privilegiada, próximas à infraestrutura e a grandes equipamentos públicos ou particulares. “46 quadras em Palmas tinham problemas... é onde você via aqueles espaços vazios enormes. Inclusive pra acessar recursos do Governo Federal, nós tínhamos problemas... Você não podia produzir lote aqui, em tese.” (Gonçalves, agente do poder público estadual)
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Para o ex-secretário da SEHAB (Gonçalves, agente do poder público estadual), enquanto em Palmas havia esse “problema”, o Distrito de Luzimangues estava apto a receber os investimentos. “A FNS, um nicho de exploração comercial que teria lá, e que vai ter no futuro, o Estado vendeu isso pro empresariado, para atrair empresas para cá… foi bastante massificado pelo Estado. Ou seja, começou a atrair pessoas para aquele outro lado, veio então o empresariado e viu que não tinha esses problemas judiciais que tinha aqui em Palmas. Quando Palmas estava engessada juridicamente, em tese, lá estava liberado. Então começou essa expansão.” (Gonçalves, agente do poder público estadual) Os efeitos dessa Ação Discriminatória ainda são difíceis de serem dimensionados, por se tratar de uma decisão muito recente e a literatura ainda não contemplar esse período. O assunto é colocado nesta pesquisa como algo a ser levado em consideração no processo regional, uma vez que foi referido durante as entrevistas com os agentes do poder público estadual e com os agentes do mercado imobiliário como um fator relevante, que pode ter reverberações na ocupação de Luzimangues — estando essas áreas livres de limitações jurídicas, passaria então a haver oferta de mais lotes urbanos em Palmas, em tese. A própria prefeitura de Palmas vem acompanhando e analisando os processos desenrolados pela decisão judicial, uma vez que há o questionamento se até mesmo o Macroparcelamento de Palmas ainda teria validade, já que foi pensado com as terras nas mãos de um único proprietário (o Estado), e agora os limites das propriedades não estariam em conformidade com as quadras e avenidas planejadas51. Palmas vem passando também pela valorização de terras ocorrida desde 2009, em decorrência da instituição do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) e do aumento do crédito imobiliário, processo desencadeado em todo o território nacional como
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Informação obtida junto aos técnicos da SEDUH.
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demonstrado por Maricato (2011). Esse aumento do crédito imobiliário acabou provocando a alta dos preços, dificultando que os mais pobres adquirissem lotes52. Lacerda (agente do mercado imobiliário) diz que o encarecimento das terras vem acontecendo no Brasil inteiro, “mas Palmas é muito cara comparando com outros locais”. Na visão deste agente os valores das áreas aumentaram demais e a empresa não tem hoje a mesma facilidade para adquirir terras como era a três ou quatro anos atrás. No mesmo sentido Faria (agente do mercado imobiliário) diz que o investimento na capital é muito pesado, estando muito alto o valor do “chão” de Palmas. “Lotes residenciais em Palmas hoje, dificílimo você comprar lote aqui, de 360 a 460m², por menos de 100 mil reais, em qualquer lugar que seja, não acha. E isso vai gerando uma bolha imobiliária porque pra construir, não dá pra construir casa de médio/baixo padrão, porque o lote já inviabiliza a própria construção.” (Faria, agente do mercado imobiliário) Ao mesmo tempo que ocorre esse encarecimento das terras em Palmas, começa a haver oferta de lotes mais baratos e com facilidades de pagamento, para moradia ou para investimento, em Luzimangues, “a uma distância de oito a dez quilômetros, a mesma distância do centro da capital até na ARSE 12253” (Andrade, agente do poder público estadual). “A atração que Palmas tem sobre as pessoas, de querer investir em Palmas em algo garantido pro futuro. Quem está investindo ali [em Luzimangues], está investindo na realidade em Palmas. Lotes a esses custos, prestação a R$200/240, então quem tinha desejo de ter investimento em Palmas na área imobiliária tinha que ir pra lá, não tinha outra chance.” (Sousa, agente do mercado imobiliário)
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A alta dos preços dos terrenos acaba influenciando também na própria tomada do crédito, pois o lote começa a pesar muito no custo final do imóvel financiado (lote + edificação). Em Palmas hoje o valor do PMCMV para famílias com renda até seis salários mínimos é de no máximo 150 mil reais, mais de 50% desse valor fica comprometido com a compra da terra, pois os lotes variam de 80 a 120 mil reais. Grande parte do dinheiro disponibilizado para a politica habitacional acaba indo para os setores especulativos (quem detinha a terra) e não para os setores da produção (construção civil). Quadra localizada dentro do plano urbanístico original da capital.
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De certa maneira, e principalmente do ponto de vista dos agentes do mercado imobiliário, Luzimangues tornou-se uma alternativa viável economicamente para aqueles compradores que não encontravam possibilidades em Palmas.
Preço menor, pequena entrada e pequena parcela
O processo histórico da formação das cidades brasileiras tem como um marco importante a origem da propriedade no Brasil, a partir da mercantilização das terras em meados do século XIX, com a promulgação da “Lei de Terras” em 1850. A terra passava então a ser comprada e vendida, num processo de transformação da terra urbana em mercadoria (FIX, 2011:59). Anterior a isso predominava nas cidades a cessão/permissão do uso da terra, “data da terra” quando era cedida pelo Rei, “chão de terra” quando era cedida pela Câmara (FIX, 2011:57). Os desdobramentos desses fatos foram discutidos no Capitulo II, a partir de Bonduki (1992 e 1998), Folz (2003) e outros, quando tratamos dos processos de desenvolvimento urbano no Brasil ao longo do século XX, até o momento de impasse da politica urbana, principalmente na questão fundiária (MARICATO, 2011). Já no início do século XXI o que vem ocorrendo é um processo de financeirização do urbano, influenciando na conformação das politicas públicas e das cidades. Royer (2009) faz uma análise da financeirização da habitação, anterior ao PMCMV, na montagem e utilização dos fundos públicos para atender o mercado. Para ela “a redução da politica pública ao discurso financeiro resulta numa financeirização da politica habitacional, com impactos negativos na universalização e no acesso ao bem habitação” (ROYER, 2009). Os arranjos macroeconômicos, através da estabilização da economia com o Plano Real (1994) e o aperfeiçoamento do ambiente regulatório no campo imobiliário (ROYER, 2009:117), ajustam a economia brasileira ao grande circuito financeiro internacional, pos-
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sibilitando um ambiente propicio à reprodução do capital. Essa reprodução envolve toda ordem do campo financeiro: abertura de capital em bolsas de valores; entrada de empresas estrangeiras; formação de “joint-ventures”; captação de recursos externos e recursos de incentivos públicos (subsídios); etc. Para Fix (2011) a vinculação do mercado de terras ao mercado de capitais é uma característica do capitalismo avançado em vários países54. O titulo de propriedade serve para garantir e lastrear transações financeiras, “é potencialmente uma forma de capital fictício, um título jurídico que dá direito a seu detentor de se apropriar de uma parte da riqueza social”, por exemplo a renda da terra apropriada pelo proprietário quando da realização de melhorias ou obras públicas. “A renda da terra condiciona, assim, as cidades a uma lógica especulativa e constitui a base para formas de controle sobre a organização social e o desenvolvimento espacial do capitalismo, que se modificam ao longo da história. Há pressões permanentes para libertar a terra para a circulação de capital portador de juros e ampliar os vínculos com outros circuitos de acumulação que permitam a livre movimentação do capital.” (FIX, 2011:04) As empresas de âmbito nacional mencionadas nos trabalhos dessas autoras têm o foco na produção de empreendimentos imobiliários onde os terrenos entram como insumos para a construção de casas — até com a formação dos “bancos de lotes”, o que também influenciou a alta dos preços dos imóveis. Em Palmas o mercado da construção com recursos do PMCMV é formado na maioria por empresas com um alcance geográfico mais restrito — local ou regional55.
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“O modelo de provisão mercantil de moradia resiste, no Brasil, à implementação dos instrumentos de democratização do acesso à terra. Ao contrário, procura maximizar os ganhos por meio de operações especulativas com a terra, ou seja, busca a valorização de modo dissociado ou prevalente em relação ao circuito de reprodução produtiva do capital. A tendência é que parte do fluxo de capitais viabilizado com o aumento do crédito seja capturado na forma de renda da terra.” (FIX, 2011:142) 55 Site da Caixa Econômica Federal – Desenvolvimento Urbano, Acompanhamento de Obras. https://webp.caixa.gov.br/urbanizacao/siurbn/acompanhamento/ac_publico/sistema/asp/ptei_filtro_inicial.asp
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No caso de Luzimangues, tratamos de empresas onde o produto ofertado é o lote, estando portanto um pouco afastadas das temáticas da financeirização discutidas até então (não têm capital em bolsa de valores, não fazem uso de financiamentos com fundos públicos, etc), porém aproveitam-se do ambiente econômico geral e do “boom” propiciado pelo bom momento do mercado. Palmas e Luzimangues podem ser vistos então a partir de um contexto mais geral onde, à margem da atuação das grandes empresas nacionais do ramo imobiliário (ROYER, 2009; e FIX, 2011), são propiciados rearranjos e rupturas que incentivam o “sucesso” comercial dos empreendimentos no distrito. Vem daí então um outro fator que foi observado, o modelo do negócio implantado nos loteamentos do distrito: com preços mais baixos do que os ofertados em Palmas, facilidade para o pagamento com pequenas entradas e pequenas parcelas, e organização dos investidores (agentes detentores de capital) em diferentes parcerias. Com base nas entrevistas com os diferentes agentes e nos dados referentes à implantação dos loteamentos (Tabela 1), temos uma forte indicação que houve um processo de ruptura de um modelo que estava sendo implantado antes de 2006 para o que veio a se desenvolver a seguir. O modelo anterior não contava com facilidade de crédito e financiamento por parte dos empreendedores, dessa maneira as vendas em parcelas eram limitadas em até 60 meses, os lotes tinham áreas maiores (entre 360m² a 450m²) e os empreendimentos eram organizados pelos proprietários das terras — não havia também maiores exigências quanto à responsabilidade para implantação da infraestrutura. Já no modelo que veio a ser implantado posteriormente há a facilidade da entrada e do parcelamento em até 180 meses, lotes menores (250m²) e a presença de empresas incorporadoras organizando parcerias. Esse novo modelo acaba rearranjando o produto
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(lote urbano) para um público de menor poder aquisitivo, redefinindo o campo de atuação das empresas nesse mercado. Para Bourdieu (2001:251), “o aparecimento de um novo agente eficiente modifica a estrutura do campo”, assim como a adoção de uma nova tecnologia ou a aquisição de uma maior quota de mercado modifica as posições relativas às demais firmas. No caso estudado podemos atribuir, em certa medida, uma redefinição da posição dos agentes movidos pelo novo modelo de negócio. Os agentes do mercado imobiliário, de maneira geral, corroboram com a avaliação que o empreendimento de Luzimangues vem dando certo comercialmente pela facilidade do acesso ao crédito, de maneira que os investidores “vislumbraram” a venda de lotes em diversas parcelas e juros menores. Faria (agente do mercado imobiliário) afirma que hoje seus clientes compram pela viabilidade de pagamento e pelos valores baixos de entrada. “Lá é a regra geral, e eu acho difícil alguém modificar isso. A gente na verdade não vê o valor do lote, mas a prestação. As pessoas veem o que cabe no bolso de cada um e aí o que o empreendedor faz é o financiamento. Ele financia, e joga isso pra 130, 150, 180 meses, que na realidade é pra ajustar o preço da parcela que cabe no bolso do comprador.” (Sousa, agente do mercado imobiliário) Lacerda (agente do mercado imobiliário) é bem direto na sua avaliação e diz que há muitas especulações para explicar o crescimento do lado de lá do lago, “atualmente se fala muito na questão da Petrobras”, mas para ele o que favorece mais a venda é essa “parcelinha”, parcelas de R$120 até R$200. “Eu acho que o 'boom' mesmo é devido ao valor da parcela. Hoje, pra classe média adquirir um lote aqui em Palmas é praticamente impossível. Um lote em Palmas hoje tá em torno de 100 mil reais. E no Luzimangues a gente trabalha numa faixa de 25/30 mil reais,
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parcelado em 15 anos.” (Lacerda, agente do mercado imobiliário 2012) Os loteamentos lançados em Luzimangues são sucessos de vendas, e vendem muito rapidamente, já virou rotina entre os empreendedores vender tudo em um dia. “Cada loteamento que a gente lança do lado de lá a gente se surpreende, pois a procura é maior[...] Lá na hora de vender é uma loucura, já tivemos loteamentos de ter 5 mil pessoas no stand de vendas” (Lacerda, agente do mercado imobiliário). “A gente não sabe se hoje é por causa do nome da empresa, da forma que se vende ou se é a região. Porque no Pará, por exemplo, a venda é menos acelerada, vende, mas é mais demorado[...] Mas loteamento é o seguinte, não tem necessidade de vender em um dia. Ele pode ser vendido em 3 meses, 4 meses, 6 meses. Continua sendo um bom negócio, não vai complicar. O negócio é que o Luzimangues é fora do normal.” (Lacerda, agente do mercado imobiliário, grifo nosso) Nesse modelo de negócio o empreendedor e o cliente manterão um relacionamento pelos próximos anos, até quitar a última parcela. Para o loteador caberá administrar sua “carteira de negócios”, o que para Gonçalves (agente do poder público estadual) é feito “como se faz num banco, eles vão ganhando dinheiro capitalizando os juros”. Para esse agente a questão urbanística não estaria presente, “não existe”, ou, de outro ponto de vista, seria resumida aos aspectos ligados aos interesses específicos dos empreendedores, ou seja, garantir o recebimento das parcelas. “A empresa não vai abandonar o Luzimangues, até mesmo porque nós temos carteira pra receber durante 15 anos. Então é de todo interesse nosso que a carteira seja sadia. Para a carteira ser sadia, temos que cuidar. Enquanto o poder público não cuidar nós temos que cuidar.” (Lacerda, agente do mercado imobiliário) Por não ser o foco principal desta pesquisa não questionamos os agentes do mercado imobiliário, e nem fomos atrás de dados específicos, quanto aos valores que são
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movimentados com essas transações, esse poderia ser até o tema para um novo trabalho, mas com base nos números que obtivemos, podemos fazer alguns cálculos de maneira a termos uma noção da escala financeira envolvida, o valor dessa “carteira”56. Com parcelas mensais no valor de R$150, por exemplo, seria movimentado a cada mês um montante próximo a 3,35 milhões de reais, considerando 22.323 terrenos (Tabela 1). Podemos comparar esse montante com a média mensal do que a prefeitura de Porto Nacional recebeu nos cinco primeiros meses de 2012 através de repasses federais (FPM, ITR, IOF, CIDE, FEX, FUNDEF, FUNDEB e outros)57: 1,9 milhões de reais. Nessa relação também teremos um outro lado, o lado dos compradores, famílias e investidores que vão pagar durante 15 anos suas parcelas e que não querem jogar dinheiro fora. Eles sonham com as melhorias do lugar, sonham com a casa própria ou com a valorização da sua propriedade. Exigirão essas melhorias do poder público no futuro, alimentando um circulo vicioso, o que Campos Filho (2001) denominou de “clientelismo de base”. “Se o cidadão ou a comunidade interessada não se transformar em um cliente de um certo político, dificilmente obterá algo. A experiência de muitas décadas de prática da politica brasileira nos ensinou isso. Peça pouco, uma coisa de cada vez, para o politico certo, e suas chances de obter o pedido aumentarão[...] para obter a sorte grande, são precisos amizade, subordinação e vinculação de votos a um determinado politico, um dia, no futuro, o bairro acabará recebendo quase todas as melhorias exigidas. É certo que isso será a conta-gotas, em administrações sucessivas, alimentando esse clientelismo anestesiante da compreensão maior do que realmente está acontecendo.” (CAMPOS FILHO, 2001:42) Complementando o modelo de negócio implantado na região temos ainda a maneira como são organizados os loteamentos, com parcerias de diversas formas, envol56
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Para efeito de cálculo estamos englobando o universo definido na Tabela 1, demonstrada anteriormente, sem considerar casos específicos: loteamentos já comercializados e quitados; valores diferenciados entre lotes e entre os loteamentos; aspectos que afetam o valor dos lotes, como localização e infraestrutura; etc. Dados do Tesouro Nacional: http://www.tesouro.fazenda.gov.br/estados_municipios/municipios.asp
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vendo empreendedores (“pessoas físicas” ou “pessoas jurídicas”) e os donos das áreas, em novas sociedades especificas. “A estrutura típica é um 'terrenista', que é o dono da área, que faz parceria com um grupo de empreendedores, pode ser um, dois, três, de diversas empresas” (Sousa, agente do mercado imobiliário). No quadro que apresentamos anteriormente com a listagem dos loteamentos urbanos de Luzimangues (Tabela 1) aparecem os nomes dos responsáveis, e não vemos os nomes das empresas imobiliárias que aparecem no momento da venda, ou mesmo tendo uma pessoa jurídica ali indicada, o mesmo loteamento é comercializado por diferentes empresas. “Em cartório você vê a pessoa jurídica própria do loteamento, mas que às vezes englobam vários empreendedores e às vezes tem mais de um terrenista” (Sousa, agente do mercado imobiliário). De acordo com Faria (agente do mercado imobiliário) para incorporar determinado empreendimento é montada uma empresa única instituindo uma Sociedade de Propósito Especifico (SPE). A SPE é uma pessoa jurídica prevista no Código Civil Brasileiro e tem a finalidade de um trabalho especifico, ela vai englobar os investidores definindo as cotas que cabem a cada um, para integralizar o capital a ser investido e o que caberá a cada um no final. “Uma coisa que às vezes não é muito fácil de enxergar de fora: no mesmo loteamento tem mais de um terrenista às vezes, e muitas vezes os empreendedores são sócios em um empreendimento e em outros já não são. Quando você abre um loteamento, tudo é uma área homogênea, né? Mas na verdade são certidões diferentes e proprietários diferentes.” (Sousa, agente do mercado imobiliário) Dessa maneira não se torna muito claro quem são os empreendedores ou os investidores, pois “às vezes entram na parceria e colocam o nome, outras vezes não tem muito como saber” (Sousa, agente do mercado imobiliário). O empreendimento “Residen-
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cial Morumby”, por exemplo, envolvia: a Carajás Empreendimentos, a Saudibras Imobiliária e o Sr. Eduardo Machado58, numa relação que denota os entrelaçamentos econômicos, jurídicos e políticos desse campo; a Saudibras, em outros momentos, fez outros loteamentos sem a participação desses parceiros. Uma outra relação de parceria observada é entre a empresa Buriti e a empresa União do Lago, empresas que em conjunto são responsáveis por mais de 15 mil lotes na região. Faria (agente do mercado imobiliário) nos explica como se dá essa relação: a Buriti entra com 50% para todos os empreendimentos59, os outros 50% são divididos entre a União do Lago e entre o proprietário da área, este opta por participar da rentabilidade da carteira ou receber um número de lotes já urbanizados. A Buriti é uma das empresas que detêm mais volume de recursos financeiros, até pela dimensão dos seus negócios na região e em outros estados, é também, de acordo com Lacerda (agente do mercado imobiliário), a responsável pela implantação do modelo de negócios que veio vingar na região – “preço menor, pequena entrada e pequena parcela”. “A marca da Buriti hoje, onde a Buriti está instalada, é uma marca forte. Porque ela cumpre com os compromissos. Porque o grande problema dos loteamentos, anteriormente, era que se abria as ruas mas não fazia infraestrutura, vendia os lotes e a prefeitura ficava com o problema. Então o que a Buriti fez, desde que foi fundada, ela faz o loteamento e entrega com toda a infraestrutura. Hoje ela está em nove estados do Brasil, onde ela tem cumprido com todos os compromissos de infraestrutura, de tempo, cumprindo os cronogramas... Então isso pro nome da empresa é fundamental. Hoje se você pedir pra pegar informação da empresa, em qualquer desses estados que ela está, você vai ter informações boas.” (Lacerda, agente do mercado imobiliário) Ainda de acordo com as entrevistas não existe uma concorrência acirrada entre as empresas, porque em muitos momentos elas atuam juntas, mas existe uma concorrência 58
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Empresário e politico local, foi presidente da FIETO e ocupou cargos públicos como Deputado Estadual e Vice-Governador. “A Buriti entra com esse percentual de 50%, ou ela não entra” (Lacerda, agente do mercado imobiliário).
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para fazer parcerias com as pessoas que detêm as áreas — os “terrenistas”. Dificilmente os empreendedores compram as áreas brutas para transformar em loteamentos, eles buscam os proprietários e montam parcerias. “Hoje o que mais vem acontecendo no mercado é o proprietário da área vir participando junto no empreendimento em parceria e em percentuais” (Faria, agente do mercado imobiliário). A empresa União do Lago, por exemplo, possui ainda a concessão de quase “mil e duzentos alqueires” na região, são áreas que foram adquiridas ou negociadas há um certo tempo, englobando também áreas menores de proprietários particulares inseridas no meio das áreas maiores (Faria, agente do mercado imobiliário).
Especulação imobiliária e o processo de ocupação de Luzimangues
Discutimos anteriormente (Capitulo II), que a especulação imobiliária é um tipo específico de renda da terra, pela qual os donos de terras captam uma renda transferida a partir de sua valorização, decorrente de investimentos públicos na infraestrutura ou alterações da legislação — tipos de uso, ocupação, etc. (CAMPOS FILHO, 2001). Essa forma “naturalizada” de renda provoca um custo social elevado, com a dilapidação da força de trabalho e o aumento dos custos de produção (CAMPOS FILHO, 2001), bem como outras “consequências escondidas”, como o aumento dos custos de transporte, a aquisição de um segundo carro, o aumento do tempo gasto nos trajetos cotidianos, etc. (BOURDIEU, 2001:210). “Muitos são aqueles que tem interesse em que não seja estabelecido esse elo entre as politicas econômicas [no nosso caso, também as politicas urbanas] e as suas consequências sociais ou, mais precisamente, entre as politicas ditas econômicas cujo caráter politico se afirma no próprio fato de se recusarem a ter em conta o social e
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o custo social e também econômico dos seus efeitos a curto e a longo prazo.” (BOURDIEU, 2001:261) O tipo inicial de especulação presente em Luzimangues trata do modelo mais geral de transformação rural/urbano, do grande especulador, ou seja, aquele que vê a oportunidade na transição hectare/metro quadrado, adquirindo terras rurais pagando por hectare, e empreendendo os procedimentos para instalação de loteamentos, transformando e vendendo por metro quadrado, ampliando indiscriminadamente a malha urbana da cidade. Esse modelo de especulação vem se ampliando “às periferias (inclusive, áreas rurais), às cidades médias e às fronteiras agrícolas”, e parece promover mudanças importantes na rede de cidades brasileiras (FIX, 2011:138). “[…] grandes conjuntos nas periferias urbanas ou em áreas rurais que serão transformadas em urbanas60. A operação depende da mudança nos limites do perímetro urbano autorizada pelas Câmaras Municipais que, frequentemente, representam os interesses dos proprietários de terra. Apenas essa mudança da venda da terra de hectares (área rural) para metros quadrados (área urbana) é mecanismo poderoso de apropriação de renda. O espraiamento resultante desse modelo tem alto custo para o poder público, uma vez que a rede de infraestrutura (sistema viário, água, saneamento, energia, etc.), transportes e serviços (escola, cultura, lazer, etc.) terá que ser estendida.” (FIX, 2011:143) Um dos grandes desafios para a consolidação do Distrito de Luzimangues diz respeito à sua efetiva ocupação em moldes sustentáveis, o que nos parece bastante improvável e antagônico se for ainda seguido o modelo atual da urbanização mercantilizada, entendendo o solo urbano como um bem especulativo e fonte de riqueza. Nesse “jogo de cartas” (SANTOS, 1988), a terra urbana é objeto de interesse generalizado dos agentes, estabelecendo uma tensão permanente e problema para uma enorme parcela da população (CORRÊA, 2011:47). Os empreendedores enxergam a região 60
Em grande parte decorrente do PMCMV, que “requer” terras mais baratas para construção voltada à baixa renda.
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de maneira bastante limitada, com o olhar voltado para os seus loteamentos e para os seus próprios interesses. O poder público pouco vem fazendo, não cumprindo os princípios previstos no Estatuto da Cidade e no PDDS. E a comunidade, grande parte alheia ao que vem acontecendo, será penalizada num futuro próximo tendo que conviver com um déficit de infraestrutura generalizado e submeter-se ao jogo politico do favor para avançar em conquistas pontuais (CAMPOS FILHO, 2001). Gonçalves (agente do poder público estadual) afirma que hoje quem manda no território de Luzimangues é o mercado imobiliário: “Nos loteamentos feitos lá, você conta: uma, duas, três, quatro casas em um loteamento. Então é uma questão de exploração do mercado imobiliário mesmo, não tem outra”. E aponta como funciona o mecanismo especulativo, com rumores e boatos para valorizar o lançamento de novos loteamentos. “Esse mercado imobiliário foi muito inteligente. O que você observa, antes da venda dos loteamentos? Você observa as matérias jornalísticas antes dessas empresas fazerem esses lançamentos: existe mineradores vindo aqui, reunindo com o governador, com o secretário, com a FIETO! Na verdade era só mídia... Mas ela cogitou nesses anos que a Vale ia ser instalada lá, fazer 20 mil casas. Não tem nada disso. O povo todo compra, e não tem nada disso... Isso faz parte da especulação imobiliária e dos agentes desse mercado, que fomentam esse tipo de situação.” (Gonçalves, agente do poder público estadual) E são mecanismos que, em alguma medida, vêm dando certo comercialmente para os agentes imobiliários, atendendo as “necessidades” de um mercado de imóveis em ebulição e a diversos perfis de clientes. Essa oferta atinge uma grande massa da população: os que compram para fazer a própria casa, os que compram lotes comerciais para futuramente desenvolver alguma atividade, compram os investidores e compram os construtores. Os “investidores típicos” são clientes de diferentes regiões, do Estado do Pará, de Goiás,
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do Mato Grosso, clientes de todos os lados, que compram lotes (dez, quinze, vinte, cinquenta lotes) para depois revender mais caro. “Tem um grupo que compra, como tem essa demanda da oferta e procura, compra pra vender. Ganha o ágio em cima, 90 dias, 60 dias. Existe essa pessoa também, normalmente corretores de imóveis.” (Sousa, agente do mercado imobiliário) Essa é uma prática que se tornou comum e aceita no mercado imobiliário, o “ágio”. Diz respeito ao valor cobrado pelo vendedor que ainda não quitou totalmente o imóvel adquirido a prazo do loteador. As parcelas futuras passam a ser de responsabilidade do novo comprador, sendo que o vendedor cobra o valor que já despendeu pelo bem, acrescido da valorização já advinda no tempo ou por alguma melhoria do empreendimento (asfaltamento de ruas, construção de uma escola, etc.), e mais sobrepreços decorrentes do meio especulativo. “A gente já ouviu falar de gente que vem e compra a quadra fechada e vai embora. Vê quanto que é a entrada, paga, dá os boletos e vai embora. Vai pagando, e vende depois. A questão do ágio. Hoje no dia do lançamento do loteamento, eles pagam um ágio de mil reais, a entrada de mil reais, dois dias depois que acaba o loteamento, tem gente vendendo o ágio por 3 mil reais, 5 mil reais. Já está ganhando essa diferença. E não pagaram uma parcela ainda. E tem gente que compra, e fica mais 3 meses e vende o ágio por 10 mil, e tá indo.” (Silva, agente do mercado imobiliário) Acaba se formando uma outra camada desse mercado especulativo, com pequenos investidores que não têm intenção de ocupar ou construir no distrito, enxergam mais uma oportunidade de ganho. Lacerda (agente do mercado imobiliário) diz que o interesse da sua empresa seria vender para quem vai construir, mas atribui parte do “boom” comercial justamente à questão do “ágio”, pois muitas pessoas compram esperando que os lotes tenham uma valorização. De acordo com ele, muitas pessoas querem comprar qualquer quantidade de lotes
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mas a empresa vem tentando manter um certo “controle”, hoje são no máximo cinco lotes por CPF, a empresa pretende ainda reduzir esse número para três lotes para cada comprador. “Agora, quando ele quer comprar, ele compra no nome da irmã, do sobrinho, do tio, não tem como a gente evitar. [...] A empresa bloqueia o máximo que ela pode, se não, se a gente liberasse, teria cliente que ia chegar aqui e comprar o loteamento inteiro. Juntava lá uns cinco, seis clientes e cada um comprava duzentos lotes.” (Lacerda, agente do mercado imobiliário) Nesse aspecto o poder público municipal vem sendo omisso, não se preocupando com uma gestão do território e nem fazendo uso dos instrumentos previstos no PDDS. Alguns desses mecanismos acabam sendo desvirtuados e utilizados para propagar mais ainda a especulação, como por exemplo o instrumento das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). As ZEIS estão previstas na Lei nº 05/2006 e tem como objetivo “a produção e manutenção de habitação de interesse social, regularização dos terrenos públicos e privados ocupados por habitações sub-normais, por populações de baixa renda” (Art. 50), ao mesmo tempo fixa a totalidade da Macrozona Urbana 2 (todo o perímetro urbano de Luzimangues) como ZEIS 3 (Art. 51, III), autorizando ainda o Executivo a promover e desenvolver “diretamente ou em parcerias com outras esferas de governo ou com a iniciativa privada, a execução de projetos de natureza econômica que visem a ocupação ordenada do solo, o desenvolvimento sustentável, econômico e social do Município” (Art. 51, § 2º). A Lei nº 07/2006 traz as definições quanto aos tamanhos mínimos dos lotes urbanos, o lote mínimo para uso residencial terá uma área de 360,00m², com frente de 12,00m (Art. 12), já os lotes para habitações de interesse social, terão área mínima de
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250,00m², com frente de 10,00m (Art. 12, § 2º). Os lotes nas ZEIS terão a área minima estabelecida por legislação específica (Art. 12, § 3º). Não ficou regulamentado nas leis urbanísticas do município de Porto Nacional o que seria essa “habitação de interesse social”, e na falta de um conceito os agentes do mercado imobiliário vêm se apropriando do mecanismo e diminuindo a área dos terrenos comercializados. Na visão desses agentes esta seria uma estratégia voltada para uma realidade atual, ou seja, lotes menores e mais baratos. Lira (agente da academia) ao falar de um loteamento localizado na sede de Porto Nacional, o “Jardim América” (2011), demonstra como vem funcionando esta estratégia. “Cortaram o bairro em lotes populares, 250m², para venda. Diziam que é popular, mas não é... Não é nada de lote popular, é um bairro 'nobre', pela posição geográfica dele e pelos valores dos lotes. Em uma semana venderam mais de 2.600 lotes, em tempo recorde.” (LIRA, agente da academia) Em um breve retrospecto notamos a ruptura quando comparamos o momento anterior e posterior à regulamentação de 2006. Os primeiros empreendimentos (“Village Morena” e “Riviera do Lago”), eram feitos quando a lei ainda era outra e a realidade econômica também: os lotes eram maiores (450m²), os preços não eram tão caros e o parcelamento era limitado em até 60 meses. “Hoje a conta que o loteador faz é a conta do metro quadrado, se eu colocar um lote muito grande, a pessoa não vai dar conta de comprar” (Silva, agente do mercado imobiliário). Outro agente do mercado imobiliário vai nesse mesmo sentido, defendendo que hoje as empresas estão trabalhando em outras cidades com áreas até menores — variando entre 180m² a 200m² 61. 61
A Lei Federal nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, define que “os lotes terão área mínima de 125m² e frente mínima de 5 metros, salvo quando o loteamento se destinar a urbanização específica ou edificação de conjuntos habitacionais de interesse social, previamente aprovados pelos órgãos públicos competentes” (Art. 4º, II). É uma lei válida para todo o território nacional mas deve ser data importância às peculiaridades e cultura de cada região.
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“Quanto menor o lote, mais você dá condições da classe média-baixa ter condições de adquirir o lote. Porque tá trabalhando por metro. Então o cara, se ele quer um lote maior, ele vai adquirir dois, três, quatro. É igual se você faz o lote de 450m², por exemplo, como era antigamente, você vai diminuir e muito a quantidade de clientes que tem condição de comprar. E vamos dizer assim, você está fazendo um loteamento pra rico. E a grande realidade hoje é que quem compra lote não são os ricos.” (Lacerda, agente do mercado imobiliário) Esses argumentos até seriam válidos se não ocorresse o que já foi relatado anteriormente, toda a especulação realizada nas áreas e a falta de controle (estando sob a responsabilidade das empresas coibir ou não a venda de mais de três ou cinco lotes por pessoa), sendo portanto uma justificativa bastante frágil e que a prefeitura de Porto Nacional vem permitindo sua perpetuação. A função social da propriedade da ZEIS Luzimangues poderia ser entendida então como: promotora do lucro aos seus proprietários, vendendo lotes menores, distantes e sem serviços urbanos, mesmo com uma infraestrutura básica, em parcelas módicas, onde as famílias acabam comprando pela impossibilidade de encontrar terras melhor localizadas a um preço que consigam pagar? Outro mecanismo para ajudar a combater a especulação imobiliária, se utilizado, seria o IPTU Progressivo. O instrumento do IPTU Progressivo está previsto na Lei nº 05/2006, e é aplicável sobre o solo urbano não edificado, podendo chegar até o décuplo de suas alíquotas básicas normais, “assegurando o cumprimento da função social da propriedade, coibindo a especulação imobiliária e otimizando os recursos públicos na implantação dos serviços municipais” (Art. 46). Porém esse instrumento é ineficaz para uma parte dos loteamentos aprovados atualmente (com lotes de 250m²), pois devido à indeterminação do entendimento das ZEIS e do conceito da habitação de interesse social, o § 2º do mesmo artigo considera solo urbano não edificado os terrenos com área igual ou superior a 360m².
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Essas incongruências ou brechas da lei remetem aos mecanismos de “transgressões legitimadas” (BOURDIEU, 2001:165), ou seja, concessões feitas pelas autoridades encarregadas de fazer respeitar as leis, a toda espécie de autorização especial de transgredir o regulamento (BOURDIEU, 2001:166). As transgressões e omissões acabam se constituindo em obstáculos para o efetivo controle urbano, com a permissividade de um grande número de loteamentos, impossibilitando um planejamento do processo de ocupação do solo. Determinados agentes do mercado imobiliário e até do poder público argumentam que as pessoas ainda não moram em Luzimangues pela falta dos serviços urbanos e acreditam que à medida que estes estiverem instalados, não mais dependerão de Palmas. Devemos entretanto diferenciar do que se trata esses mencionados serviços urbanos, envolvendo as responsabilidades dos diferentes agentes — públicos ou particulares. Para o melhor entendimento da pesquisa teremos duas dimensões diferenciadas. Uma primeira está associada às obrigações do loteador e dizem respeito aos investimentos internos limitados ao próprio empreendimento. A segunda trata dos investimentos “exigidos” do poder público e da sociedade para dotar a localidade das adequadas condições de habitabilidade. A Lei de Parcelamento do Solo Urbano cobra do loteador as seguintes obrigações: “Art. 39 - São de responsabilidade do empreendedor a execução das obras e serviços de: I - demarcação dos lotes, das vias, dos terrenos a serem transferidos ao domínio do Município e das áreas não edificáveis; II - abertura das vias de circulação e respectiva terraplenagem; III - rede de drenagem superficial e profunda de água pluvial e suas conexões com o sistema existente, inclusive do terreno a parcelar; IV - sistema distribuição de água potável; V - sistema coleta e tratamento de esgotos sanitários; VI - rede de distribuição de energia elétrica e iluminação pública; VII - pavimentação e meio-fio com sarjeta;
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VIII – calçadas; IX - manutenção das áreas destinadas a uso público, até a averbação do termo de vistoria e recebimento da obra pelo Poder Público municipal; X - manutenção do sistema viário, das áreas de uso comum dos condôminos, dos equipamentos urbanos internos dos condomínios urbanísticos, bem como, quando houver, das áreas destinadas a uso público, até o registro da instituição do condomínio no Serviço de Registro de Imóveis competente.” (Lei nº 07, de 28 de setembro de 2006) De acordo com agentes do mercado imobiliário os custos dessa infraestrutura corresponderiam a 3 ou 4 anos das vendas da “carteira de negócios” do empreendimento, dependendo do tamanho do loteamento. Os empreendimentos são vendidos através de contratos especificando que no prazo de dois anos, a contar da data do lançamento, a incorporadora executará a infraestrutura completa: rede de água, rede de energia e asfaltamento com meio fio. Esse prazo é autorizado pelo poder público local. “Num empreendimento nosso a gente já coloca 25% da infraestrutura. Hoje, no lançamento de um loteamento nosso, você já vê de capital próprio, sem receber um centavo pela carteira, pelo lançamento, você já vê o arruamento aberto, vê as ruas todas cascalhadas, as ruas principais asfaltadas, tem loteamento até com poste, já tudo posteado.” (Faria, agente do mercado imobiliário) Com base nessa práxis, observamos mais uma característica desse modelo de urbanização mercantilizada: quem assume grande parte dos custos é o próprio comprador. Os empreendimentos são quase totalmente autofinanciáveis, ou seja, não são aplicados apenas os recursos de capital próprio dos investidores, os recursos financeiros dos usuários são antecipados à produção dos lotes. “Eu vou vender meu lote, mas quem vai bancar a infraestrutura é a própria pessoa que compra. Ele entra com prestações baratas aqui mas eu tenho dois anos pra implantar essa infraestrutura” (Ramos, agente do poder público estadual).
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Faria e Lacerda (agentes do mercado imobiliário) defendem que a pouca ocupação dos loteamentos em Luzimangues se deve também ao fato de que só agora começa a vencer os prazos para os empreendimentos estarem “completos”, com a infraestrutura básica exigida plenamente executada. De acordo com eles, a partir do fim de 2011 começa a haver um certo dinamismo com novas construções. “De nove empreendimentos [da empresa do entrevistado], três estão 100% prontos, os outros vão ficar prontos juntos, daqui seis meses a um ano” (Faria, agente do mercado imobiliário). “Esses loteamentos têm um cronograma para que se conclua a obra. Pra poder comercializar a gente faz 30% a 40% da obra. Mas o que acontece? Aí demora mais um ano, um ano e meio, que é o prazo pra você entregar realmente o loteamento pronto e apto pra pessoa construir, com água, energia, asfalto, meio fio, e fazer toda a infraestrutura. Então você já pega de 2008, o “Laguna I” já foi entregue, o “Laguna II” já foi entregue, o “Laguna III” tá sendo entregue agora, então esses loteamentos, a partir do momento que você começa a entregar é que começa a ter ocupação.” (Lacerda, agente do mercado imobiliário) O processo de ocupação do território esbarra ainda em outro obstáculo, a falta de recursos das famílias de menor renda para a construção da moradia, uma vez que ainda estão arcando com os pagamentos das parcelas dos lotes. Isso traz como consequência a impossibilidade de contrair crédito financeiro, pois os bancos não financiam o imóvel que não está “escriturado” em nome do comprador, ou seja, eles não pegam como garantia o imóvel que ainda não foi quitado (Faria, agente do mercado imobiliário). “Ocupar como, se não tem ninguém com condição de construir lá? O cara ainda tá pagando o lote” (Gonçalves, agente do poder público estadual). Gonçalves (agente do poder público estadual) chama atenção para outra questão especifica envolvendo a indisponibilidade do crédito imobiliário, o fato de que a Caixa
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Econômica Federal62 não vem autorizando os financiamentos em Luzimangues por “falta de condições de habitabilidade”. Faria (agente do mercado imobiliário) também faz um relato dessa questão envolvendo um negócio de grande porte que já haviam fechado, a construção de 1.200 unidades residenciais em prédios: “Tivemos que segurar um pouco esse investimento porque quando fomos procurar a Caixa, eles informaram que havia 'falta de habitabilidade', por enquanto”. “Temos a produção de mais de 20 mil lotes e não tem habitabilidade... Tá um gargalo ali que tem que ser resolvido, porque como é que você tem aquele tanto de lotes e a pessoa compra na esperança de construir a casa própria e não vai poder construir financiada?” (Gonçalves, agente do poder público estadual). Essa é uma questão que os empreendedores se esquivam, “mandam a conta pra Viúva” (ditado popular), e cobram do poder público a infraestrutura macro, que em tese, não dependeria das empresas. “Porto Nacional tem que ser mais participativo e suprir isso, ou tem que ser discutido quem vai dar essa estrutura macro” (Faria, agente do mercado imobiliário). A informação obtida junto aos técnicos da Caixa Econômica Federal em Palmas é que falta condições de habitabilidade necessárias para os imóveis garantirem o financiamento imobiliário, ou seja, falta de infraestrutura básica exigida pelos programas habitacionais: coleta de lixo regular, iluminação pública, abastecimento de água tratada, acessos pavimentados e equipamentos públicos de educação, saúde, lazer e transporte público, além da falta de proximidade com o comercio ou relações de vizinhança. O município não teria também a capacidade de fazer os investimentos públicos necessários para a implantação de equipamentos e serviços, bem como de garantir sua manutenção, em uma área tão extensa e tão pouco ocupada. Os financiamentos com recursos públicos seriam mais uma 62
Apesar do PMCMV ser acessado através de outros bancos, o principal agente financeiro, e em especial para a baixa renda, é a Caixa Econômica Federal.
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maneira de viabilizar esses loteamentos longínquos, repetindo um modelo da década de 1970, e que não são considerados como áreas urbanas consolidadas, apesar de legalmente aprovados pela prefeitura de Porto Nacional63. No futuro de Luzimangues se colocam diversos questionamentos, e a consolidação da sua ocupação é um dos principais deles. Essa indeterminação é posta por Lira (agente da academia), “a gente não sabe como vai ser a consolidação desses loteamentos”. Do seu ponto de vista estão se formando novos vazios urbanos da região de Palmas, que as pessoas compram para especular, repetindo a mesma lógica do capital: acumular usando o solo urbano. “Vejo essa questão da ocupação urbana aí como um fracasso, não vai dar, não tem população assim” (Lira, agente da academia). Como demonstrado anteriormente o número total de moradores na região não passa de 2.310 habitantes (Censo IBGE 2010). Entre os anos de 2000 a 2010, a população de Porto Nacional cresceu 9,23%, um índice próximo de 0,92% ao ano. Diferente de Palmas que no mesmo período cresceu em média 5,2% ao ano (Censo IBGE 2010). Mesmo se Luzimagues conseguir emular as taxas de crescimento de Palmas serão anos e anos sem ocupação. Lembrando também que se mantermos o mesmo volume de recursos públicos que a cidade de Porto Nacional recebe atualmente 64, ou com pequenos acréscimos devidos ao aumento populacional, serão anos e anos propagando o déficit de infraestrutura.
Luzimangues: transformações e incertezas
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Informação obtida junto aos técnicos da área de desenvolvimento urbano da Caixa Econômica Federal. O pensamento é no sentido de que pela proximidade poderíamos cogitar a hipótese de Luzimangues crescer nas mesmas proporções que Palmas, porém a capacidade de investimento da capital é diferente da cidade de Porto Nacional — os valores das cotas do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), por exemplo, são bem dispares. Dados de transferências para municípios podem ser consultados em: http://www.tesouro.fazenda.gov.br/estados_municipios/municipios.asp
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Todo esse cenário regional que demonstramos até aqui leva a um caminho de muitas incertezas. O rápido processo de transformação rural/urbano do território de Luzimangues, a introdução dos empreendimentos imobiliários que são vendidos em poucos dias (em alguns casos, em questão de horas), e a chegada dos trilhos da FNS com todas as expectativas e promessas de progresso que trazem. Com base na pesquisa torna-se claro que o crescimento de Luzimangues está atrelado também ao que acontece, ou vier a acontecer, na capital. Processos recentes desdobrados em Palmas, como a resolução judicial da “Ação Discriminatória” e a discussão de expansão dos limites urbanos na capital, têm reverberações no distrito. Com a resolução da “Ação Discriminatória” no ano de 2011, voltando as áreas para os antigos proprietários, especula-se que deve ocorrer em curto prazo a abertura de novas quadras dentro do Plano Diretor. Agentes do mercado imobiliário avaliam que pode haver um momento que essa nova produção de lotes em Palmas provoque a estagnação de Luzimangues. Corroborando com essa linha de pensamento, Gonçalves (agente do poder público estadual) chama atenção para o fato de que os mesmos investidores que estão presentes em Luzimangues estão comprando e fazendo parcerias em Palmas, “os mesmos agentes que exploraram lá, vão explorar aqui”. Faria (agente do mercado imobiliário) revela, sem dar muitos detalhes do negócio, que dentre as áreas “liberadas” em Palmas, a Buriti, parceira da União do Lago, negociou recentemente a compra de seis quadras no Plano Diretor, planejando para breve lançamentos de lotes na capital.
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Já a temática de uma expansão da área urbana de Palmas 65 vem deixando em polvorosa os agentes do mercado imobiliário, pois abriria novas frentes de atuação e exploração comercial. Desde meados de 2011 vem ocorrendo essa discussão, ainda inconclusa, envolvendo os mais diversos segmentos da sociedade — poder público, intelectuais ligados à universidade, mercado imobiliário, movimentos sociais e outros. Mesmo inconcluso, podemos ver em Maricato (2008 e 2011), Campos Filho (2001) e Fix (2011), algumas explicações norteadoras desse processo que, parece, vem ocorrendo com similaridades em diversas regiões do país. No caso especifico, entre os argumentos dos que defendem a ideia está a possibilidade de ofertar lotes em Palmas a valores populares — lembremos, em áreas periféricas. Os agentes imobiliários cogitam que com essa possibilidade os empreendimentos do Distrito de Luzimangues iriam sentir um impacto bastante forte, inclusive com consequências na “carteira” de recebimentos. “Essa carteira de alguma forma, se hoje aceitar uma inadimplência aí de 5 a 10%, isso pode chegar a 40%, a 50%, você imagine o impacto que isso dá nos recebimentos dos investimentos que foram feitos” (Sousa, agente do mercado imobiliário). Por outro lado, entre os próprios agentes do mercado, há aqueles que enxergam que isso é um equivoco. Não há como novos loteamentos em Palmas, dentro do Plano Diretor ou numa área de expansão, terem valores similares aos de Luzimangues, pois as ne-
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O Plano Diretor Participativo de Palmas (2007) reduziu o perímetro urbano como estratégia de ocupar os vazios urbanos e promover o adensamento da cidade. Entretanto, desde meados de 2011, vem sendo discutido um projeto de lei de autoria do Poder Executivo (SEDUH), PLC 006/2011, que regulamenta a faixa de ocupação das rodovias, assunto controverso que não havia sido definido quando da discussão do plano. Esse projeto acabou por suscitar uma nova discussão com relação aos limites do perímetro urbano, sendo que diversos agentes do poder legislativo e do mercado imobiliário defendem a necessidade de uma área de expansão urbana. Por outro lado, diversos setores da sociedade se colocaram em posição contrária. Apesar das acaloradas discussões e até mesmo da judicialização do processo, com o Ministério Público Estadual movendo ação contrária às decisões da Câmara de Vereadores, ainda não houve uma definição.
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gociações já estariam acontecendo66, e com valores exorbitantes para a compra da terra bruta. Esses altos valores teriam como consequência impactos no valor final dos lotes, ou seja, lotes mais caros. Os empreendedores, apesar de apostarem no crescimento econômico, são cautelosos ao analisar o futuro da região. Para Silva (agente do mercado imobiliário) há muitos boatos e na verdade ninguém sabe o que vai acontecer. Ele fala do receio de virar uma cidade deserta, pela grande quantidade de lotes vendidos e a pouca quantidade de moradores, com uma casa aqui outra ali. Já Lacerda (agente do mercado imobiliário) vê Luzimangues no futuro próximo como uma “cidade”, mas condiciona esse futuro às decisões e investimentos feitos no presente. Para ele o poder público deve participar mais e implantar as infraestruturas necessárias. “A tendência de Luzimangues é continuar crescendo. Talvez não nesse ritmo atual, mas ele vai continuar crescendo com certeza. Principalmente a partir do momento em que lá tiver mais estrutura” (Lacerda, agente do mercado imobiliário). Para os agentes do poder público estadual, Luzimangues seria o local da indústria, mas que necessita de um “vetor” diferenciado, algo novo que dê condições de dinamizar esse tipo de desenvolvimento. Mesmo nessas condições o distrito se conformaria em espaço da periferia de Palmas, um sonho que ainda vai demorar muito para ser implantado, e mesmo após a sua implantação terá um perfil mais popular. “Quem tem grana pra ter uma casa boa não vai construir no Luzimangues” (Ramos, agente do poder público estadual). Para Gonçalves (agente do poder público estadual), as expectativas imobiliárias estão sendo muito exageradas e já caberia ao município de Porto Nacional “segurar mais as rédeas e travar mais um pouco”, analisando a necessidade dessa produção de lotes, uma vez que o município não teria a capacidade e nem arrecadação capaz de bancar tudo isso.
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“Os proprietários já estão se articulando com os empreendedores para lançar novos loteamentos.” (Sousa, agente do mercado imobiliário).
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Nesse sentido Mourão (agente do poder político local) aponta como solução a contenção da expansão dos novos loteamentos e o incentivo prioritário do desenvolvimento da Zona de Ocupação Industrial (ZOI) lindeira ao Polo Intermodal. “Eu vejo Luzimangues como uma necessidade de Porto Nacional, inclusive deslocar seu polo administrativo também para lá, estar presente. Não precisamos deixar aqui a cidade histórica abandonada não, nós podemos criar um novo centro administrativo pra priorizar, ordenar, e legalizar o processo de ocupação, porque ela está mais como empresarial do que como interesse público e social. E onde só o setor empresarial está, aí ele comete equívocos, porque ele busca simplesmente o lucro, não é responsabilidade dele pensar no futuro das famílias portoenses e tocantinenses.” (Mourão, agente do poder político local) Do seu ponto de vista, seriam ações que dariam origem a uma nucleação industrial e comercial, capaz de munir de condições o município através do aporte financeiro advindo dessa arrecadação. Na opinião do ex-prefeito estaria aí a redenção econômica do município.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na última parte dessa dissertação tentamos trazer algumas conclusões sobre a pesquisa e fazer algumas recomendações para futuros trabalhos relacionados ao tema estudado. O que nos chamou a atenção num primeiro momento foi a urbanização recente do Distrito Luzimangues, que vem passando por um rápido processo de transformação rural/urbano e a ocupação por empreendimentos imobiliários. Essa dissertação tomou então como tema a construção da política urbana local com uma ótica na dinâmica dos agentes sociais e nas suas tomadas de posição no campo da luta política/urbana. Como tema específico abordamos a construção dos mecanismos institucionais da política urbana do município de Porto Nacional que permitiram a tomada de um território até então rural e cobiçado pelo mercado imobiliário. Apesar do apelo da Ferrovia Norte/Sul (FNS) e do seu Pátio Intermodal para o desenvolvimento industrial, esse novo espaço urbano tem como objetivo principal sua exploração pelo capital particular do mercado de terras, provocando o surgimento de uma “nova cidade”. A denominação de “nova cidade” se deve à escala da intervenção no terri-
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tório do distrito, uma vez que foi contabilizado durante a pesquisa um total de 22.323 imóveis, o que comportaria uma população superior a setenta e cinco mil moradores — se efetivamente ocupada seria então a quarta maior cidade do Estado do Tocantins (Censo IBGE 2010). A hipótese que nos moveu inicialmente foi a de que no processo de embate da construção dos instrumentos da política urbana do município de Porto Nacional os diversos agentes envolvidos com os interesses do mercado de terras assumiram uma nova posição na estrutura do campo social, com a institucionalização das áreas urbanas de Luzimangues. Foi constatado, ao longo da pesquisa, que este foi um fator relevante, porém a gênese histórica do processo de urbanização do Distrito de Luzimangues demonstrou uma série de fatores de transformação e processos que se desenrolaram de maneira bem mais complexos: • A valorização inicial das terras no entorno de Palmas, principalmente provocada pela proximidade com a capital; as primeiras nucleações próximo ao porto da balsa; a pavimentação da TO-080; a formação do reservatório da UHE Lajeado, com os atrativos das margens do Lago de Palmas para o mercado imobiliário, potencializados mais tarde pela construção da Ponte da Amizade sobre o Rio Tocantins; • A regularização dos loteamentos, evitando embates políticos e fazendo o ordenamento de uma situação que já vinha ocorrendo, por meio da legislação que permite a ocupação urbana e a facilidade para aprovar os loteamentos, abrindo frente para os empreendedores imobiliários; • O advento da FNS e do seu Pátio Intermodal, com a expectativa de atrair um polo industrial; expectativas também que propiciem uma atração populacional, fomentada pelas especulações midiáticas em torno do porte desses investimentos;
174
•
A melhoria das condições gerais de crédito imobiliário, por meio do Pro-
grama Minha Casa Minha Vida (PMCMV), provocando o encarecimento dos imóveis em Palmas (e no país) e dificultando o acesso a lotes urbanos. Período em que partes do território urbano da capital ficou “impedido” de ser parcelado devido a questões legais com o processo da “Ação Discriminatória”; • E por fim, marcando a ruptura entre um modelo anterior à legislação de 2006 (sem tanta capacidade de financiamento, com vendas em até 60 meses, lotes maiores e empreendimentos organizados pelos donos das terras), e um novo modelo de negócio, posterior à legislação de 2006. Nesse novo modelo implantado são utilizados mecanismos financeiros e de autofinanciamento, permitindo facilidades de pagamento em várias parcelas (até 180 meses), a oferta de lotes mais baratos devido à diminuição da sua área (permitido pela legislação), e as parcerias entre os agentes imobiliários (empreendedores e donos das terras). Notamos então que nesse processo os agentes privados foram avançando (ação típica dos agentes de mercado), o Estado veio legalizar/legitimar/estabilizar a situação irregular (ação típica do campo burocrático), evitando uma situação de conflito entre o poder público local e agentes políticos que tinham capacidade (capital político e econômico) de impor sua posição. Essa atitude tem reflexos no território e na conformação da nova fronteira urbana. Faz-se presente também mecanismos diversos de captação da renda fundiária e da especulação imobiliária, através do investimento dos diversos capitais do poder público, em diferentes escalas e grandezas. Dentre esses capitais públicos destacamos: o “capital financeiro”, aplicado no planejamento e execução de grandes obras estruturantes (UHE Lajeado, Lago de Palmas, Ponte da Amizade, FNS, Pátio Intermodal, etc); o “capital social”,
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aplicado no desenvolvimento de politicas públicas, como a da habitação e do crédito, que acabam fomentando a exploração imobiliária; e o “capital político”, legitimando com um necessário arcabouço legal e dando segurança às transações comerciais do mercado imobiliário, mesmo o especulativo. Em grande medida, após a ação do Estado o mercado dá um salto pois passa a existir num ambiente com regras que garantem os seus investimentos e reveste de segurança as transações, permitindo a expansão para diferentes perfis de clientes. Notamos também que existe uma ligação muito forte entre o crescimento do Distrito de Luzimangues e a cidade de Palmas. A expansão urbana de Luzimangues se mostrou como uma nova fronteira de expansão do capital, propagando e ampliando a exclusão, os vazios urbanos e o déficit de infraestrutura, cobrando mais investimentos públicos para a sua consolidação. Acaba, de certa maneira, demonstrando que Palmas não permitiu a inclusão da população de menor renda, propiciando o nascimento torto de uma cidade irmã na margem esquerda do Rio Tocantins67, porém sem o mesmo encanto e atenção que a reveste. Mesmo com todos os esforços realizados ao longo do desenvolvimento desta pesquisa, temos uma clara noção que apenas arranhamos essa temática do desenvolvimento regional, sendo possível ampliar os horizontes dessa linha de pesquisa com novos trabalhos, por exemplo: • Estudos da região periférica da cidade de Palmas e a necessidade de se discutir suas influências na questão regional;
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Dando asas à imaginação, a imagem poderia ser ainda a de uma “cidade filha”, sendo a Ponte da Amizade vista como um “cordão umbilical” interligando mãe e filha.
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• Aprofundamento nas investigações dos processos de financeirização do mercado imobiliário, envolvendo o crescimento de áreas periféricas e a propagação de mecanismos de acumulação de rendas fundiárias; • De maneira mais geral, o estudo das atividade que vêm se desenrolando na região Norte do Brasil, onde as cidades vêm crescendo de maneira dinâmica (IBGE 2010), em tese carreadas pela expansão econômica do agronegócio e da mineração, sendo que esse dinamismo é refletido nas atividades imobiliárias. Fortunas estão se formando com base na expansão urbana sobre terras rurais, e em desconformidade com a política urbana nacional.
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_____. Lei nº 106, de 19 de dezembro de 1989. Revoga a Lei nº 70, de 26 de julho de 1989. _____. Lei nº 1.098, de 20 de outubro de 1999. Cria a APA do Lago de Palmas. _____. Lei nº 1.128, de 1º de fevereiro de 2000. Institui o Projeto Orla e adota outras providências.
ENTREVISTAS: ANDRADE, Marcos Antônio Gaipo de. Entrevista Nº 01. Palmas, 2012. Entrevista concedida ao autor em 22 de março de 2012. Gravação digital (1h49min), transcrita na integra. RAMOS, Eli. Entrevista Nº 02. Palmas, 2012. Entrevista concedida ao autor em 04 de abril de 2012. Gravação digital (1h12min), transcrita na integra. GONÇALVES, Aleandro Lacerda. Entrevista Nº 03. Palmas, 2012. Entrevista concedida ao autor em 16 de abril de 2012. Gravação digital (56min), transcrita na integra. LIRA, Elizeu Ribeiro. Entrevista Nº 04. Palmas, 2012. Entrevista concedida ao autor em 19 de abril de 2012. Gravação digital (58min), transcrita na integra. MOURÃO, Paulo. Entrevista Nº 05. Palmas, 2012. Entrevista concedida ao autor em 21 de abril de 2012. Gravação digital (47min), transcrita na integra. SOUSA, José Ricardo de. Entrevista Nº 06. Palmas, 2012. Entrevista concedida ao autor em 16 de maio de 2012. Gravação digital (25min), transcrita na integra. SILVA, Miquéias Siqueira da. Entrevista Nº 07. Palmas, 2012. Entrevista concedida ao autor em 16 de maio de 2012. Gravação digital (44min), transcrita na integra. FARIA, José Ricardo. Entrevista Nº 08. Palmas, 2012. Entrevista concedida ao autor em 22 de maio de 2012. Gravação digital (1h05min), transcrita na integra. LACERDA, Adriano Fernandes. Entrevista Nº 09. Palmas, 2012. Entrevista concedida ao autor em 24 de junho de 2012. Gravação digital (39min), transcrita na integra.
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ANEXOS Anexo I - Modelo do Roteiro de Entrevistas Dados gerais do entrevistado(a): Nome: / Ano de nascimento: / Naturalidade: (De onde veio? Quando?) / A quanto tempo reside em Porto Nacional / Palmas? / Origem social: (Ocupação do pai, mãe, cônjuge, estudos, etc.) / Estado Civil: / Nome do Cônjuge: Trajetória profissional, política e social: (Teve cargo eletivo ou não - no Estado, município, união, empresas, órgãos, autarquias públicas, etc. / assessoria de político, parentes na política, sócio, cu nhado, etc. / participou de organizações sociais - sindicato, partido político, associações, clubes, etc. , em qual função, etc.) Contatos: Entrevista: 1. Como foi o processo de discussão do PDPN 2006? Houve envolvimento da gestão e da sociedade nas discussões? Já passados 6 anos a lei contribuiu para o desenvolvimento da cidade? 2. A assessoria Camargo e Cordeiro Consultores Associados era responsável pelo PDPN. Quem contratou, qual função exercia e o que ela fez de fato? Os técnicos da consultoria possuíam algum vínculo com a cidade ou com o Estado? 3. Como foi a relação com o Estado na discussão do PDPN 2006? 4. O distrito de Luzimangues acaba entrando na discussão do PDPN 2006. Como isso ocorre? 5. É uma outra assessoria técnica a responsável pelo projeto de macrozoneamento: Quem contratou, qual função exercia e o que ela fez de fato? Os técnicos da consultoria possuíam algum vínculo com a cidade ou com o Estado? 6. Na sua visão quais fatores atraem ou propiciam investimentos em Luzimangues? 7. Esses fatores explicam o surgimento e comercialização de novos loteamentos a todo momento na região? O município de Porto Nacional e o Estado vislumbraram a possibilidade de atender toda essa nova demanda – infraestrutura, equipamentos e serviços públicos? 8. No registro final do PDPN 2006 há discrepâncias entre o documento técnico e a lei aprovada, por exemplo: (1) a indicação de controle do crescimento dos loteamentos em Luzimangues; (2) a necessidade de definição de um perímetro pequeno na região; (3) a falta de capacidade do muni cípio em suprir adequadamente equipamentos públicos; por outro lado (1) a lei aprovada define um perímetro alargado; (2) reconhece como urbano loteamentos até então sem aprovação, sem registro e sem ocupação, (3) distantes da TO-080, etc. Como se deu a definição do perímetro urbano do distrito? 9. Qual o papel de entidades como a FIETO, AHDU e ORLA S/A na definição da política urbana para o distrito? Quais são as figuras relevantes para esse processo? 10. Qual a sua visão de futuro para aquele local e a relação regional com Porto Nacional e Pal mas?
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Anexo II – Resumo da evolução urbana de Luzimangues
Quadro 3 - Resumo da evolução urbana de Luzimangues ANO
MARCOS NO PERÍODO
PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS
RESULTADOS
Lei nº 09, de 23 de janeiro de 1989, declara de utilidade pública, para Formaliza as áreas do estudo inicial A delimitação abrange vários muniefeito de desapropriação, área de para implantação da capital cípios e não foi cumprido à risca terras descrita em memorial e dá outras providências Lei nº 70, de 26 de julho de 1989, A lei de criação de Palmas acaba inAcaba sendo revogada pela Lei nº cria o município de Palmas e dá ou- fringindo outras legislações para de106, de 19 de dezembro de 1989 tras providencias finição de novos municípios Lei nº 106, de 19 de dezembro de 1989 1989, que revoga a Lei nº 70, de 26 de julho de 1989 Já na Constituição do Estado do Tocantins e com a criação de Palmas, ficava a margem esquerda destinada a área de expansão da capital, porém o que os legisladores previram nunca foi cumprido Lei nº 1.415, de 14 de outubro de 1993 1993 – cria o Distrito de Mangues/Santa Luzia
Art. 3º § 2º. A área declarada de utilidade pública pela Lei nº 9, de 23/1/89, situada na margem esquerApesar de previsto na Constituição da do rio Tocantins, no município do Estado, esse mecanismo nunca de Porto Nacional, destinar-se-á à foi cumprido expansão urbana da Capital, para posterior integração ao território desta. Define como distrito de Porto Nacional o núcleo inicial que também era conhecido como “Vila Graciosa” ou “Porto da Balsa”
Lei nº 1.454, de 21 de junho de 1994 – altera o nome para Luzimangues 1994
Pavimentação do trecho da TO-080 Surgem os primeiros loteamentos que liga Palmas a Paraíso do Tocan- irregulares na margem esquerda do tins Lago de Palmas
1997
Em 16 de dezembro de 1997, foi assinado em Palmas, o contrato de concessão da construção e exploração da UHE Lajeado
1998
O início das obras da UHE Lajeado ocorreu em julho de 1998
1999 Lei de criação da APA do Lago de Palmas
Lei nº 1.098, de 20 de outubro de 1999
Começa a haver um interesse maior para expansão urbana na região. Loteamento “Chácaras Graciosa” (1995) e “Village Morena” (1996)
A APA não chega a ser realmente regulamentada, não tendo um plano de manejo elaborado para sua ocupação.
Conflitos pela terra, desapropriações e remoções realizadas pela INVESTCO Criação do Assentamento rural de Luzimangues Construção da Ponte da Amizade li- A definição para a construção da gando Palmas a Porto Nacional/Pa- ponte acontece já com as obras da raíso do Tocantins usina em andamento. Seu término
Amplia o interesse do mercado imobiliário na região
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MARCOS NO PERÍODO
PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS
RESULTADOS
se dá bem próximo do enchimento do reservatório Art. 1º. Fica instituído o Projeto Orla destinado a promover e disciplinar a ocupação e o uso do solo nas áreas das margens do Lago de Palmas, integrantes dos Municípios Lei nº 1.128, de 1º de fevereiro de Justifica posteriormente a atuação de Lajeado, Miracema do Tocan2000 2000, institui o Projeto Orla e adota da ORLA S/A no macrozoneamento tins, Palmas, Porto Nacional, Brejioutras providências da região do Luzimangues nho de Nazaré e Ipueiras, de forma a assegurar a conservação dos ecossistemas locais, a harmonia social e a melhoria da qualidade de vida da população. Enchimento do reservatório da UHE Lajeado – Lago de Palmas; 2001 inicio de funcionamento da UHE Lajeado
Lei nº 1.725, de 24 de janeiro de 2002 2002
Crescente interesse dos proprietários e do mercado imobiliário em novos loteamentos Autoriza o Poder Executivo Municipal a efetuar a análise e aprovação das atividades de ocupação do solo Primeiras leis para regularização urbano às margens do Lago da Usi- dos loteamentos na Hidroelétrica Luiz Eduardo Magalhães
Lei nº 1.782, de 27 de novembro de 2002 – define área de expansão urbana no Distrito de Luzimangues Lei n.º1.781, de 27 de dezembro de 2003 - que aprova o Plano Diretor Urbanístico (PDUPN) e dispõe sobre a divisão do solo do Município 2003 para fins urbanos Lei n.º 1782, de 27 de dezembro de 2003 - institui o Macrozoneamento Territorial do Município de Porto Nacional Contratação da equipe de consultoria para atuar no PDDS de Porto 2004 Nacional: CA&CO - Camargo & Cordeiro Consultores Associados S/S LTDA
Esta lei trata somente sobre o parcelamento do solo urbano (PORTO NACIONAL, 2006:147) A lei não apresenta o anexo único referido no seu texto (PORTO NACIONAL, 2006:147)
As duas leis vigoraram por pouco tempo, sendo substituídas pela legislação urbanística de 2006
Contrato nº 193/2004, firmado entre a SEPLAN/TO e a referida Empresa, em 24 de setembro de 2004
Inicia o processo de discussão do Plano Diretor de Palmas, com proAlteração da política urbana da capostas de diminuição do alargado pital, com uma proposta de maior perímetro urbano; dificuldades para controle do crescimento da cidade aprovação de novos loteamentos em 2005 Palmas Incremento nas obras da Ferrovia Norte/Sul, gerando expectativas da instalação de industrias no território de Luzimangues 2006
1ª Parte da definição da região de Luzimangues - Zoneamento
Primeira parte do estudo para o ma- É o estudo que será incorporado à crozoneamento da área de Luziman- legislação urbanística de Porto Nagues (Gaipo, 2012) cional
Lei Complementar nº 05/06, 04 de O PDDS foi encaminhado para outubro de 2006, que dispõe sobre o apreciação pela Câmara de VereaPlano Diretor de Desenvolvimento dores e aprovado
Trouxe diversos artigos que tratavam da região de Luzimangues, e uma definição do seu perímetro ur-
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MARCOS NO PERÍODO
PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS
Sustentável de Porto Nacional e dá outras providências
RESULTADOS
bano. O distrito passa a ter uma área urbana com tamanho aproximado ao que foi definido para Palmas
Lei Complementar nº 06/06, 04 de outubro de 2006, que dispõe sobre o uso e a ocupação do solo nas MaDefine a região de Luzimangues crozonas Urbanas do Município de como Macrozona Urbana 2 Porto Nacional e dá outras providências Lei Complementar nº 07/06, 04 de outubro de 2006, que dispõe sobre o Define as regras para os parcelaParcelamento do Solo Urbano do mentos urbanos Município de Porto Nacional Segunda parte do estudo para o macrozoneamento da área de Luziman2ª Parte da definição da região de gues, com a delimitação do que se2008 Luzimangues – Macroparcelamento ria loteado e um macroparcelamento com implantação das avenidas (Gaipo, 2012) Inauguração do trecho da FNS que Nova onda de atração aos empreen2010 chega ao pátio Palmas/Porto Naciodimentos de loteamentos na região nal (setembro de 2010)
Fonte: Quadro organizado pelo autor.
Apesar do estudo ser posterior às leis de 2006, não foram transformados em nova legislação. Com a definição do traçado da FNS e da localização do patio intermodal, a localização da área industrial é alterada, mas não é alterada a lei