Dono do habib's aprendeu sua estratégia mais valiosa numa padaria de bairro empresas

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04/10/2007 12:47

Dono do Habib's aprendeu sua estratégia mais valiosa numa padaria de bairro Enquanto trabalhava no comércio que herdou do pai, Alberto Saraiva descobriu as vantagens de vender "extremamente barato"

Duas das maiores lições que o português Alberto Saraiva, dono da rede de comida árabe Habib';s, diz ter aprendido vieram da época em que passou a administrar uma velha padaria de bairro que ele herdou do pai. A primeira foi persistir sempre. Já a segunda representa até hoje a principal estratégia de seu negócio: não basta vender a preços justos, eles têm que ser "extremamente baratos". Conheça um pouco mais dessa história, na entrevista concedida ao repórter Gustavo Poloni, da Revista EXAME. - De onde é a sua família? Nasci em Veloza, uma aldeia no norte de Portugal. Fica na Serra da Estrela, famosa por aquele queijo de ovelha que é uma delícia. Nós portugueses falamos que é o melhor do mundo, para o desgosto dos franceses. - Quantos habitantes tem a aldeia? Na época, tinha umas 200 pessoas. Recentemente conheci o lugar e ele deve ter umas 100, 150 pessoas. As casas são bem simples, construídas de pedra. Hoje só moram pessoas de idade. É uma coisa bem rudimentar. Meus pais se conheceram nessa aldeia e se casaram. Eles eram camponeses, viviam de plantação de uva, faziam vinho. Eles viviam do que plantavam. Meu pai sempre queria alguma coisa a mais, sempre sonhava - como a maioria dos imigrantes. Quem imigra sai do país porque a situação não está boa, porque está procurando alguma coisa melhor. Então, eles decidiram vir para o Brasil. - Vieram para cá por quê? Porque queriam uma vida melhor. Lá a vida era muito difícil. Eles não passavam fome, não eram miseráveis. Mas viviam numa casa sem geladeira, com fogão à lenha, montada pedra sobre pedra. Eles viam que ali não tinha futuro e queriam uma coisa melhor. Naquela época, um dos irmãos do meu pai já tinha vindo para o Brasil e chamou o meu pai. A minha mãe estava grávida e quando foi embarcar o pessoal não deixou porque a viagem de navio era longa e tinha algum risco. Ela ficou e eu nasci lá. Seis meses depois, quando eu já poderia viajar, ela veio e se encontrou com o meu pai. - Vieram para onde? Para São Paulo. Sem emprego garantido, com uma mão na frente outra atrás, sem dinheiro. Vieram sonhando com um futuro melhor. Vieram na raça e na coragem, na crença. Meu pai trabalhou muitos anos aqui como empregado. Um dos primos dele era sócio de uma padaria. Então meu pai conseguiu um animal com uma charrete e passou a entregar os pães da padaria na casa das pessoas. - Onde era isso?

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Na Freguesia do Ó (zona norte paulistana), onde a gente morava numa casa muito humilde. Meu pai ganhava muito pouco entregando pães. Ele chegou a trabalhar com distribuição de bebidas, era uma daquelas pessoas que carregavam as bebidas para entregar nos bares. Ele teve uma vida difícil na capital. Aí ele resolveu mudar para o interior. O aluguel era caro e ele não tinha formação, tinha parado de estudar no primário. Fomos para Santo Antônio da Platina, no norte do Paraná, uma cidade que hoje tem uns 30, 40 000 habitantes. - Quantos anos o senhor tinha? Cinco anos. Meu irmão do meio, Belchior, tinha acabado de nascer. Lá nós vivemos até os 17 anos. Meu pai fez uma vida lá. - O que seu pai fazia? Ele tinha uma representação de doces, vinha buscá-los em São Paulo e entregava nas cidades no norte do Paraná. Naquela época era uma dureza, não tinha nenhuma estrada asfaltada. Quando chovia não dava para ir a lugar nenhum. Ele enfrentou essa situação e conseguiu ir bem. Formou uma freguesia de doces nas cidades em volta de Santo Antônio da Platina. Fiquei lá até os 17 anos, tive uma vida boa. Não tinha uma boa posição social, mas tinha uma vida feliz. - Onde o senhor estudava? Num colégio público. Sempre fui muito religioso, queria ser padre quando era mais novo. Era coroinha da igreja. Minha mãe me disse para esperar mais um pouco para decidir. Sempre com muita crença, com muita fé. Tinha missa às 5h30 da manhã e eu era o coroinha que ajudava na missa. - O senhor é católico? Sou católico. Atualmente estou frequentando uma igreja presbiteriana no Morumbi. Comecei há alguns anos, mas a crença é sempre muito forte. Na verdade essa coisa de ser católico ou presbiteriano é secundária. O importante é a fé que você tem em Cristo, a crença que você carrega no coração. Não a denominação da igreja, da religião. Fiz escola pública, estudei lá a vida inteira. O nome era Colégio Estadual Rio Branco. Hoje é um dia especial para mim, porque o meu filho tem 14 anos e ele está fazendo o vestibular junto dessa turma. Essa coisa eu trouxe do meu pai. O moleque tem 14 anos e tem responsabilidade. Leu o livro, participou do curso e está aí fazendo os cursos no meio da turma. Quando eu era mais novo meu pai fazia muito isso comigo. Essa coisa de ser comerciante. Meu pai me carregava, ia comigo nas vendas. A viagem durava uma semana, saíamos na segunda-feira, fazíamos um trajeto e voltávamos no sábado. Meu pais às vezes fazia eu ir na frente para vender os doces. Ele sempre me puxou para esse lado comercial. Sempre fui uma pessoa desinibida, de bom relacionamento, uma pessoa que não fica na dúvida se vai ou não. Sempre tive essa característica. - Então o senhor sempre quis ser comerciante? Desde pequeno, meu pai colocou na minha cabeça que eu deveria ser médico. E eu embarquei nessa história. - Já tinha desistido da idéia de ser padre? Já, já. Deixei essa idéia de lado quando conheci a Terezinha. Na igreja tinha os três pastorinhos. No mês de maio, você vai à igreja e reza o terço lá na frente. Quem puxa tudo são os três pastorinhos, que são formados por duas meninas e um menino. E eu era esse menino. Nessa época conheci a Terezinha, que era uma das meninas. Era uma coisa muito inocente, mas já vi que a minha coisa não era ser padre. O meu sonho nessa época era ser médico.

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- O senhor estudava para isso? Eu era esforçado. Mas o colégio era estadual, no interior. Era um colégio bom mas limitado para concorrer a uma vaga em Medicina. Fiquei com esse sonho e aí vim para São Paulo para fazer cursinho e o terceiro colegial. Tinha 17 anos. Morei na Pompéia com meus tios e fazia o terceiro colegial no Jácomo Estávalo, um colégio estadual na Freguesia do Ó. E o cursinho eu fazia no Etapa, numa travessa da Augusta. A vida era difícil: pegava duas conduções para ir ao colégio e duas para voltar. No cursinho era a mesma coisa. Tinha dia que pegava seis, sete conduções no mesmo dia. Acordava cinco horas da manhã, ia para o cursinho, voltava à tarde e depois ia para o colégio. Nessa época meus pais resolveram mudar para São Paulo porque eles não queriam que eu ficasse longe. Meu irmão tinha 12 anos e a irmã, 7 anos. Aí prestei vestibular em seis faculdades e tomei pau em todas. - O que seu pai disse? Ele sempre teve uma característica de persistência. Ele disse: filho, você precisa continuar, ser persistente, dar um passo a mais. Você vai chegar lá. Não desiste. Eram frases que ele costumava repetir muito. - Nessa época a família estava melhor de vida? Depende. Morávamos no Pari, numa casa humilde que ficava em cima de um boteco. Um lugar central, mas uma localização ruim. Às vezes eu chegava do cursinho e tinha um cara fazendo xixi na porta de casa. Meu quarto era em cima do bar, de assoalho e não laje. Eu ouvia tudo o que acontecia lá. A vida era de dificuldade. - Mas o senhor não estudava para ajudar na renda da casa? Não. O meu objetivo era entrar na faculdade. Eu prestei vestibular novamente para seis ou sete faculdades e não consegui passar de novo. Eu tinha passado o ano estudando no cursinho. Meu pai de novo: segue em frente, não desiste. Tinha aquela coisa de ser mesmo. Nunca me desviei para fazer outro curso, tinha aquela determinação. Essa é uma característica da família. No terceiro ano, prestei novamente e desta vez consegui entrar em todas as faculdades que prestei: ABC, Unimar, Santa Casa, que era um hospital escola. Resolve escolher a Santa Casa e fiquei lá. Nessa época tive mais uma surpresa da vida, uma tragédia na família. - Quem pagava a faculdade? Meu pai. Cheguei a trabalhar dois ou três meses de digitador no banco Itaú. Meu pai via que ou eu fazia isso ou entrava na faculdade. Entrava no trabalho às 20h00 e saía de lá 2h00 da manhã digitando. Não tinha nada a ver comigo. Cheguei a ser registrado. A mensalidade da Santa Casa não é cara, hoje deve custar uns 1 000 reais. - Nessa época o seu pai trabalhava com o quê? Ele era sócio de uma padaria na Vila Maria. Era uma padaria simples, tinha 15% do negócio. Era com isso que ele se sustentava. - E a sua mãe, também trabalhava? Não. Quando entrei no primeiro ano ele vendeu a parte dele da padaria na Vila Maria e comprou uma padaria no Belenzinho. Lá ele comprou sozinho e chamou um rapaz de Santo Antônio da Platina para ser o gerente dele. Essa padaria tinha muita coisa ruim. Na verdade ele não comprou, os caras passaram para ele. Deu um sinalzinho pequeno e pagou o restante em parcelas.

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- Que ano foi isso? Isso foi em 1983. A padaria existe até hoje, mas na época era muito ruim. Ela era cercada por outras cinco padarias. Não tinha como o cliente chegar nela sem passar por uma padaria concorrente. Padaria velha, ruim, com forno à lenha que demorava duas, três, quatro horas para fazer pegar fogo na lenha. Era ultrapassada, tudo velho, tudo ferrado. Funcionário qualificado não tinha nenhum. Só padeiro ruim, tudo ruim. E ele comprou na esperança de transformar a padaria numa padaria melhor. No 19º dia que ele tinha comprado a vida trouxe uma surpresa muito ruim para nós. No domingo, o gerente era quem ficava no período da noite. E esse gerente, o Lourival, tinha um casamento à noite e pediu para trocar com o meu pai. Fui levar meu pai para o serviço às quatro horas da tarde no domingo. A gente tinha um Opala velho e às vezes ele deixava eu ficar com o carro. Quando voltei às 23h00 para buscá-lo ele tinha falecido. Dois assaltantes roubaram e mataram o meu pai dentro da padaria. Foi uma tragédia, não pude me despedir do meu pai. Para mim, meu pai era um herói, vivia me incentivando, me dando força. - Como o senhor lidou com a situação? Tive uma fase muito difícil na minha vida. Em agosto, quando ele foi assassinado, tranquei a matrícula da faculdade e assumi a padaria. Foi muito difícil. Teve até um momento em que pensei desistir. Ficava lá, via o buraco dos tiros, não tinha clientela, os padeiros me largavam na mão. Às vezes eu chegava de manhã e não tinha pão, tinha que buscar na padaria concorrente. Entrava pelos fundos e os clientes me viam chegar com o pãozinho. Passava uma vergonha desgraçada. - A padaria era a única fonte de renda da família? Era. Não tinha mais nada. Estive para desistir quando aconteceu um lance que quem tem fé acredita. Peguei um táxi às 4h30 da manhã para ir à padaria e comecei a me lamentar com o taxista. Disse que ia desistir, que tinha perdido o meu pai, não tinha mais fé, tinha quebrado a perna, meu irmão tinha capotado o carro. Falei que ia fechar a padaria, que ia sair fora. Tentei algum dinheiro com os meus tios, que disseram que aquilo não tinha jeito, que o melhor era voltar a estudar medicina. Eles até se ofereceram para me ajudar nos estudos, mas não queriam ajudar na padaria. Quando eu desci do táxi, o motorista repetiu as mesmas palavras que me pai dizia na época do vestibular. - O que ele falou? Ele falou: não desiste, tem que caminhar, tem que dar um passo a mais. As mesmas palavras que o meu pai falava, do mesmo jeito. Nem paguei a corrida, acho que o cara ficou com dó de mim. Entendi isso como uma mensagem e quando entrei na padaria ajoelhei, pedi perdão para Deus porque estava revoltado com a tragédia toda. Decidi que ia mudar a minha vida. E aí parece que eu ganhei uma força extra. - Quantos anos o senhor tinha quando seu pai morreu? Eu tinha 20 anos. Aí eu mudei a minha vida. Fui para dentro da padaria e virei padeiro. Aprendi a fazer pão, a mexer no forno. Acordava e acompanhava o trabalho do padeiro. Comecei a entender de pão e nessa época, com as dificuldades da padaria, aprendi a maior filosofia que tenho que é vender a preço acessível, que é vender barato. Naquela época, o pão era tabelado pela Sunab e os donos de padaria falavam que ele não dava lucro nenhum. Como eu estava desesperado, coloquei o preço 30% mais barato que o da tabela da Sunab. Além do preço, eu tinha uma promoção: compre 10 leve 12. E aí começou a aparecer cliente, a aparecer padeiro de rua. O cara vinha com um carro, comprava os pães para vender para os bares e lanchonetes da região. Pouco depois eu tinha muitos padeiros de rua trabalhando para mim. A padaria começou a melhorar, eu entendia do assunto e comecei a trocar os equipamentos. A padaria acabou sendo a melhor do bairro. Nasceu ali essa parte comercial. Pensei comigo: quando eu tiver alguma dificuldade na minha vida, já sei como resolver. Com o preço. Não

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barato, extremamente barato. Não justo, extremamente barato. Nunca mais esqueci disso aí e hoje aplico essa filosofia em todos os meus negócios. Esse é um dos motivos do crescimento da nossa rede. - Ficou quanto tempo com a padaria? Um ano. Logo vendi e ganhei meu primeiro dinheiro. Vendi para quatro sócios. Não lembro quanto foi, mas foi um dinheiro legal. Deu uma tranqüilizada. Voltei para a faculdade de medicina, para completar o primeiro ano. Quando eu estava no terceiro ano tranquei a matrícula de novo. Não sabia se queria tocar o negócio ou ser médico. Isso porque depois da padaria comecei a ter um monte de negócios: boteco, barzinho, restaurante, pastelaria. Onde eu ia aplicava a filosofia do preço e os meus negócios estavam sempre lotados. Tive uma pastelaria em Guarulhos que vendia muito pastel. Por persistência, voltei para a medicina pela terceira vez. - Quanto tempo o senhor ficou afastado da faculdade? Na primeira vez, por um ano e meio. Depois de um ano voltei de novo e me formei. Sou conhecido na Santa Casa porque passei por três turmas. Hoje tenho dificuldade para dizer de que turma são meus amigos. Entrei na 11ª turma e me formei na 13ª. - O senhor chegou a exercer a profissão? Só durante o quinto e sexto anos. Ficava nos hospitais. - Era bom como médico? Comecei a ver que o que me dava mais prazer de fazer as coisas era no comércio, e não na medicina. Era um bom aluno na faculdade porque eu trabalhava. Naquela época eu já tinha os meus negócios. Comecei a ver que era no comércio que eu gostava de ficar, trabalhava até 16 horas e não cansava. Na medicina, não. Os plantões eram demorados, cansativos. Tomei uma decisão: já tinha conseguido o que queria, meu diploma e meu CRM. E decidi ser comerciante. - Nessa época o senhor ainda era solteiro? Era. Morava com a família no Pari, na mesma casa. Quando eu me formei a gente foi morar perto do aeroporto de Congonhas. Consegui comprar um sobrado e levei a família. Estava sempre com a família. A minha mãe ficou viúva, nunca mais quis casar. Então a gente sempre foi muito família. Nesses trajetos todos eu estava abrindo uma lanchonete na Lins de Vasconcellos. Eu tinha facilidade de ter clientela. Montava os negócios, punha preço baixo. Tudo o que eu fazia eu sabia fazer. Aí eu estava na Lins abrindo a lanchonete e aconteceu uma outra coisa que marcou a minha vida. Um senhor chamado Paulo Abud atravessou a rua e perguntou se eu poderia arrumar alguma coisa para ele fazer. Eu respondi que ele já tinha mais de 70 anos e que ele deveria descansar. Mas ele disse que não conseguia ficar em casa, que queria fazer qualquer coisa. Perguntei o que ele sabia fazer e ele disse: tabula, homus, quibe cru, coalhada, kafta, abobrinha, esfiha, quibe. Descobri que ele tinha sido um dos grandes cozinheiros árabes da 25 de março. Eu já estava de olho nas esfihas porque no Pari tinha uma casa de esfihas. Quando eu passava na frente da loja para pegar o ônibus eu via que aquilo estava sempre lotado. Dei emprego para o senhor e aprendi toda a culinária árabe com ele. Eu tinha essa mania: tudo que ia fazer eu era craque. Na pastelaria não tinha nenhum pasteleiro melhor do que eu. Dobrava massa, fazia pastel, fritava. Fiquei com isso na cabeça. Um dia resolvi pegar uma folha de papel sulfite e escrevi tudo o que sabia fazer para montar uma coisa árabe. Coloquei ali o que tinha aceitação popular e apliquei a filosofia que aprendi na padaria, de preço acessível. Peguei o produto principal, a Bib Esfiha, coloquei um preço muito baixo. Com o valor de um cafezinho dava para comprar três esfihas. Falei sobre essa idéia com um amigo sobre isso e ele deu o nome: Habib';s. Por ser árabe, era o jeito que ele chamava todo mundo. Ele me levou numa agência que estava atendendo o

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laboratório onde ele trabalhava e o Pedroso, que é meu diretor de marketing há 15 anos, bolou o logo. Encontrei um ponto na Cerro Corá e fui negociar com o dono do imóvel. Em 1988, montei ali a primeira loja Habib';s. Isso existe até hoje. Abri a loja e foi um sucesso tremendo. Durante mais de 40 dias tinha fila na porta. Eu acordava às 4h00 da manhã e ficava fazendo os produtos, pão, pizza, esfiha. Às 11h00 eu ia para o salão atendendo os clientes. Dormia 0h00. Às vezes chegava em casa e não tinha nem disposição para tomar um banho. Minha mãe passava uma toalha no meu pé para refrescar, me acordava de novo às 4h00 e eu me mandava. Trabalhava todo dia. Às 20h00, 21h00 eu mandava baixar a porta porque a cozinha não dava conta. Os amigos me procuravam e diziam que queriam participar. Fazia franchising sem saber que estava fazendo. Na 15ª loja percebi que estava perdendo a direção. Eu inaugurava as lojas e, quando voltava, estavam diferentes. Resolvi montar uma cozinha central para padronizar os produtos. Eu ficava lá. - Os Habib';s não têm cozinha? Não. Eles só soltam os produtos. Assam, fritam, esquentam. Tudo vem da cozinha central. Na 19ª loja uma empresária foi fazer uma festa em São Caetano. Na hora de pagar a conta ela disse que alguma coisa estava errada. Me chamaram e ela disse que estava muito barato. Ela se encantou e disse que tinha um ponto em Santo André e queria abrir uma loja. Fiz cursos e ela foi a minha primeira franqueada. A loja existe até hoje. - O senhor fez curso de culinária também? Não. Aprendi com os cozinheiros. - Quantas lojas tem o Habib';s hoje? Trezentas. Estamos em quase todo o Brasil, Manaus, Belém, Caxias, Porto Alegre. Temos 14 000 funcionários. - Começou com quantos funcionários? Uns 15, 18. Gastei o equivalente a 80 000 reais para montar a primeira loja. Comprei balcão usado, reformei. - Quanto a empresa fatura hoje? Uns 800, 900 milhões de reais. Hoje temos 11 centrais de produção, verticalizamos a empresa para ajudar a vender barato. Para isso, fabrico a maioria das coisas que eu vendo. Então tenho uma fábrica de sorvete que faz todas as sobremesas, temos uma indústria de pães, de água, de queijo. A Voxline nasceu na necessidade do delivery. Hoje o Habib';s atende uma ligação de qualquer lugar do Brasil. A ligação cai aqui, o sistema localiza o cliente e a loja mais próxima. O cara faz o pedido e ele é mandado direto para a cozinha da loja, que tem que entregar em 28 minutos. Se não entregar o cara não paga a conta. Tinha 700 PA e vamos inaugurar mais 800. Trouxe a filosofia para cá de qualidade, tecnologia com preço competitivo. Hoje, estamos entre as maiores empresas do Voxline e até terceirizamos. Hoje o Habib';s, que representava 100% do faturamento do Voxline, representa apenas 20%. O Habib';s tem 12 departamentos, até uma UTI. A gente costuma dizer que as lojas têm sentimentos, são como gente. Pedem, choram, reclamam. Esse departamento vai lá e resolve os problemas. - Quando o senhor casou? Um ano depois que inaugurei a Cerro Corá. Casei com 35 anos e sou casado até hoje. Tenho quatro filhos: uma menina de 18, um menino de 14, um de sete e uma de três. - Quando o senhor estava na padaria o senhor achou que chegaria até aqui?

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Não. O momento mais importante foi essa coisa de vender barato. A maior herança que posso deixar para os meus filhos é essa coisa de comercializar nos menores preços possíveis. Isso faz diferença. É claro que eu associo qualidade, administração, infra-estrutura. Mas tem que ter um ponto de origem. O diferencial é esse. - A que o senhor atribui essa virada na vida? Herdei essa coisa do meu pai, de sonhar. Vivo sonhando. Andava no ônibus e via uma Mercedes e dizia: um dia vou ter uma dessas. Sempre acreditava. Também sou muito persistente e determinado. Demorei três anos para entrar, tranquei a matrícula. Outra pessoa teria largado a medicina. E teve a padaria, tinha que ter largado aquilo no primeiro dia. E, principalmente, habilidade comercial, relacionamento, conhecimento. Ninguém conhece mais o meu negócio do que eu. Escrevi 77 regras sobre como administrar, cuidado com venda, cuidado com motivação. Essa filosofia de associar qualidade com preço baixo e lucro. Tudo isso me ajudou. Onde eu aprendi a maior lição foi na necessidade que eu tive na padaria. Naquela hora, poderia ter dado tudo errado, eu poderia ter quebrado. Ali eu aprendi que eu tinha que entender o que eu fazia, a política de preço, o esforço, o poder da rotatividade, que o item mais importante era o cliente. Foi ali que entendi tudo. E depois veio o Habib';s. Costumo dizer que eu socializei a comida árabe. Antes ela era restrita a três, quatro restaurantes. Tornei ela acessível a todos. O que é um desencontro: um português foi socializar um negócio árabe. - Quanto tempo o Paulo ficou com o senhor? Mais ou menos um ano. Ele já era uma pessoa de idade. Enquanto o negócio era na Lins, na frente da casa dele, deu certo. Ele faleceu alguns anos depois. Ele foi uma pessoa que caiu do céu. - O senhor acha que conseguiria chegar aonde chegou se estivesse em outro país? Dificilmente. O nosso país tem essa vantagem. Ele tem muitas opções de coisas. Na Europa está tudo feito, tudo planificado. É difícil ter chance, tem que trabalhar de emprego para subir na carreira. Aqui é um país novo, que tem força, que tem oportunidade. Hoje a maior dificuldade de crescimento da minha empresa não é o dinheiro, é encontrar pessoas qualificadas para exercer os cargos de liderança. Eu tento qualificar as pessoas para ver se encontro 30, 40 pessoas que se destacam e que têm a mesma garra, a mesma vontade que eu. Hoje o nosso país é um país que tem oportunidades para pessoas que são qualificadas, que têm algum diferencial. Em todas as empresas a maior dificuldade é ter gente diferenciada. Às vezes a empresa tem 4, 5 000 pessoas e cadê a liderança? Não costumo pegar ninguém de fora, normalmente minhas pessoas vêm de dentro da empresa. Essa chance o país tem. O país oferece chance de criar um novo negócio. O país tem força, tem consumo. Acho que a mobilidade social existe e está presente. Mas não é para todo mundo: o cara tem que ter um diferencial, garra, vontade, disposição, conhecimento, estudo. Tem que ter uma série de itens. Mas as oportunidades existem e estão sempre rondando as pessoas. Às vezes as pessoas é que não enxergam a oportunidade. Quem tem essas características trem condição de vencer, seja vendendo sorvete ou cachorro-quente na rua. Esse desejo de vencer na vida são diferenciais importantes. Temos no Brasil milhares de exemplos de pessoas que não receberam nenhuma herança, tinham tudo para não dar certo, tinham tudo para naufragar, ser uma pessoa comum e, de repente, se torna um grande empresário. - Hoje o senhor mora aonde? No Morumbi, perto do São Paulo. - E seus irmãos? Meu irmão é vice-presidente da rede e a minha irmã é sócia, mas não trabalha na rede. Ela resolveu

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ser do lar, ter uma vida mais tranquila. Meu irmão é formado em medicina e meu irmão, em administração de empresas.

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