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Capa Ferramentas contra a crise O que as empresas brasileiras estão fazendo para enfrentar - e sair fortalecidas - da turbulência que tomou conta do mundo ADRIANA MATTOS E TATIANA VAZ
QUANDO AS MONTADORAS AMERICANAS foram bater na porta do governo americano, pedir US$ 34 bilhões para salvá-las da bancarrota, uma saia-justa quase melou todo o processo. Os presidentes da GM e da Chrysler chegaram em Washington, de cara amarrada e munidos de um discurso catastrofista, após desembarcarem de seus jatinhos de luxo de US$ 35 milhões, numa viagem regada a uísque 25 anos. Só para tirar a aeronave do hangar, a GM gastou R$ 40 mil – 50 vezes o preço de uma passagem econômica local. Foi um escândalo tamanho que um senador, em plena audiência com os executivos, perguntou se algum deles aceitaria vender os jatinhos para reforçar o caixa das empresas. Nenhum dos CEOs levantou a mão. Dias depois, as aeronaves estavam à venda. O episódio, entre dramático e folclórico, ilustra como as companhias no mundo precisam se adaptar aos novos tempos, marcados pelo aperto na liquidez e pelo sumiço dos consumidores.
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“A busca por melhorias é trabalho de formiguinha. Toda a empresa está envolvida” MARCOS DE OLIVEIRA, PRESIDENTE DA FORD DO BRASIL Não há espaço para amadorismos, tropeços ou desperdícios – seja nos Estados Unidos, seja no Brasil. Nas últimas semanas, as maiores empresas brasileiras começaram a desenhar projetos com um objetivo bem definido: tornarse mais eficientes do que já são e mais rentáveis do que deveriam ser. Ou para usar um jargão clássico do mundo corporativo: fazer mais com menos recursos. A DINHEIRO passou a última semana em contato com CEOs e diretores de vários desses grupos, além de consultorias em gestão e estudiosos que elaboraram planos recentes de incremento à eficiência. Medidas operacionais inéditas já foram tomadas e há novas saindo do forno, como revelam os casos abaixo colhidos pela reportagem. Tudo está sendo feito com um único propósito: tornar mais suave a ainda nebulosa travessia dos próximos meses
As empresas têm atacado a crise em duas frentes. Em uma delas, procuram tornar mais produtivas suas operações no dia-a-dia. Na outra, avaliam medidas estratégicas com reflexo a médio e longo prazos. “É um trabalho de formiguinha, a conta-gotas e que envolve toda a organização”, conta o presidente da Ford no Brasil, Marcos de Oliveira. Nas últimas semanas, o executivo tomou uma série de decisões para reforçar a musculatura do grupo daqui para a frente. Sete equipes de trabalho foram criadas dentro da Ford para avaliar mais de perto a forma como a empresa estava trabalhando. “Estamos tentando descobrir como podemos ampliar as vendas com pequenas mudanças. Cada equipe faz a sua busca, troca informações com as outras e depois traz o resultado para mim”, conta. A área de compras, por exemplo, sentou com os fornecedores e perguntou a cada um deles se as exigências da própria Ford estavam engessando o processo de compra e venda. O excesso de requerimentos poderia ser um desperdício de dinheiro e tempo.
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Também foram feitas alterações no processo de adaptação de veículos desenvolvidos lá fora e lançados aqui dentro. A companhia não vai interromper o ritmo de apresentação de novos produtos (serão seis modelos nos próximos 12 meses), mas decidiu reduzir o volume de protótipos criados. Isso já foi feito com o modelo Transit, a nova van da Ford que chega ao mercado em janeiro. “Nós o trouxemos para cá com adaptações, mas fizemos um número menor de protótipos. Isso reduziu o custo de desenvolvimento”, conta Oliveira. A fase de ajustes chegou às reuniões do comando. Nelas, o consumo de material de escritório caiu depois que os diretores começaram a receber por mensagem eletrônica as informações normalmente distribuídas nos encontros. O mais importante é que os investimentos foram mantidos. A Ford confirmou que desembolsará R$ 3 bilhões no período entre 2007 e 2011 no País. A manutenção dos planos de expansão torna-se particularmente importante, pois traz certa tranqüilidade para o corpo de executivos e o quadro de funcionários em geral. Mais: a inovação é fundamental para atrair um consumidor cada vez mais arisco. A francesa Rhodia, por exemplo, decidiu manter o lançamento do fio têxtil Emana, uma de suas mais importantes apostas nos últimos anos. O produto reduz a fadiga muscular e aumenta a elasticidade da pele. Desde 2005, o grupo conduz esse projeto. Com a retração econômica poderia engavetá-lo. Afinal, é um tecido mais caro que os tradicionais. Mas por isso mesmo o lançamento foi confirmado. “Cerca de 25% do nosso faturamento vem de produtos com menos de cinco anos”, afirma Elizabeth Haidar, gerente de marketing. “Essa é a estratégia escolhida para amenizar os efeitos da crise.”
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O que as empresas deixam claro é que suas ações têm um objetivo primordial: evitar demissões dentro do possível. A cada corte, as companhias colocam na rua uma mão-deobra que, até meses atrás, era disputada a tapa e que fará falta no momento da retomada. Foi por isso que a Embraer se mexeu.A direção da companhia se reuniu nesta semana com funcionários e fornecedores para expor as dificuldades atuais do grupo. Prestadores de serviços participaram de um encontro na sede da empresa, em São José dos Campos (SP) na quarta-feira 10. A Embraer teria pedido esforço máximo na redução de despesas. Esse é um dos focos dos programas de ajuste montados pelas principais consultorias em gestão do País, a pedido de seus clientes. Na The Boston Consulting Group (BCG), especializada em estratégia empresarial, o volume de trabalho cresceu de forma considerável nos dois últimos meses. “A demanda é geral, tanto de nossos clientes antigos como dos novos. Como os CEOs estão muito envolvidos no dia-a-dia, muitas vezes não conseguem ver o que fazer e como fazer as mudanças”, diz Fernando Machado, diretor da BCG. “A primeira coisa que ressaltamos é proteger o capital de giro, o caixa. Uma das formas é ampliar o prazo de pagamento e reduzir o de recebimento.” Foi nesse clima de respostas rápidas à crise que o Advento, grupo de investimentos na área imobiliária, reagiu para não perder clientes no mês passado. Até então, o grupo ouvia os clientes, desenvolvia o projeto e calculava o investimento necessário para concretizálo. Com o dinheiro mais curto no mercado, os clientes começaram a adiar a decisão. A Advento, então, inverteu o processo. Seus executivos vão aos investidores e perguntam: “Quanto vocês querem gastar?” A partir da resposta, desenham o ativo imobiliário de acordo com o orçamento preestabelecido. “Estamos retomando contato com os investidores que adiaram ou postergaram obras para ajustar as propostas. Isso é bom para nós e para eles”, afirma Juan Quirós, presidente da Advento. A empresa também passou a oferecer outra opção, chamada de built to suit: ela ergue o edifício com seus próprios recursos e depois o aluga para o cliente, que tem a possibilidade de adquiri-lo quando achar conveniente. Segundo Quirós, siderúrgicas e fabricantes de cimento e celulose fazem parte da lista das empresas que adotaram uma dessas opções para não abandonar
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seus projetos imobiliários. E são as que ajudarão o grupo a cumprir a meta de R$ 580 milhões de faturamento para este ano e de R$ 770 milhões para 2009. Parte da conta será paga pelos fornecedores de material de construção. A Advento acertou com eles a manutenção dos preços. Em contrapartida, eles terão prioridade para atender aos próximos contratos conquistados pela Advento.
Num momento em que o crédito quase secou e os custos sobem, parcerias como essas podem viabilizar um projeto. Para não perder a chance de popularizar o pacote Office 2007, a Microsoft adotou uma medida inédita. A empresa dará incentivos ao varejo para travar o preço do produto em R$ 199 – e evitar, com isso, o repasse da disparada do dólar. Os mais de 18 mil parceiros não podem, entretanto, mexer no preço para aumentar sua margem. “Ainda faremos outras promoções no primeiro semestre do ano que vem. Não vamos deixar de fazer ações agressivas por nossa conta”, afirma Paula Bellizia, diretora de marketing e negócios da Microsoft Brasil. Um pacote de financiamento para pequenas e médias empresas também acaba de ser lançado. Nele, empresários poderão parcelar em até dez vezes sem juros, com entrada para 30 dias, as compras de softwares cujos preços vão de R$ 2 mil a R$ 500 mil. Assim, vai garantir a venda para
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aqueles que andam com fôlego de caixa mais curto.
Algumas dessas soluções temporárias, no entanto, podem ser definitivamente incorporadas ao modelo de negócios de uma companhia. É que nas horas de aperto, ganhase a eficiência perdida em tempos de fartura. E o foco na operação tende a se aprimorar. A Parmalat, que já atravessava um período conturbado, vai mudar no meio da crise. A companhia decidiu ampliar a produção e o número de lançamentos dos chamados leites premium, que garantem margem de retorno mais gorda ao grupo. “É uma forma de nos diferenciar diante da concorrência”, explica Marcos Elias, presidente da Parmalat. Após dificuldades na realização de um IPO (levantou metade do dinheiro previsto), a empresa sofria com o recente aumento da concorrência e a pressão nos custos. O grupo decidiu semanas atrás vender as fábricas de Pernambuco e do Rio de Janeiro, além de helicópteros e jatos. Vai fazer isso porque, com a decisão de focar em mercadorias de maior valor agregado, ficará com mais linhas ociosas. A DINHEIRO apurou que a Parmalat negocia a venda de sua unidade de Garanhuns (PE) com a Nestlé. As empresas não comentam o assunto.
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Num momento de dificuldades, as empresas precisam resolver uma equação complexa: cortar custos sem prejudicar sua operação ou comprometer sua estratégia. Assim, saem fortalecidas desse período. “As crises tornam as empresas melhores”, diz José Roberto Tambasco, vice-presidente comercial e de operações do Grupo Pão de Açúcar. Desde o começo do ano, a mais tradicional varejista brasileira conduz um profundo plano de reestruturação para torná- la mais eficiente e rentável. As metas estavam sendo alcançadas quando, no meio do processo, veio a crise de confiança do consumidor, gerada com o temor da retração econômica. “Pensamos muito e chegamos a perguntar: ‘Vamos parar algumas compras ou não?’. Decidimos abrir o jogo com os fornecedores”, conta Tambasco. “Algumas indústrias começaram a dividir conosco os custos de publicidade”, completa. A empresa ampliou o portfólio de produtos na área financeira, em parceria com a FIC, do Itaú. Criou no mês passado um plano que permite que o cliente pague as compras em até 100 dias, sem juros. E passou a investir mais na marca própria, Qualitá, cujos preços situam-se num patamar até 20% inferior ao praticado pelas concorrentes. Para manter as vendas em um cenário de retração, o mais importante é compreender exatamente quais os limites do consumidor. Se ele quer gastar menos, a empresa deve se adaptar a esse anseio. A Avon lançou mais de duas dezenas de estojos promocionais de Natal, com preços que chegam a R$ 251. O mesmo pacote vendido no ano passado tem reajustes de até 50% sobre 2007. Para compensar o aumento, a empresa lançou estojos mais econômicos, cujos preços pouco variaram em relação ao ano passado, mas com itens mais simples e baratos. É uma forma de não perder consumidores conquistados a duras penas nos últimos dois anos, quando a Avon deu a partida num processo de rejuvenescimento da marca no País. O esforço da Avon e de outras empresas tem dois objetivos: não desperdiçar as conquistas do passado recente e preparar-se para o momento da retomada – que, demore ou não, chegará.
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