Moda em marcha lenta Vivemos em um mundo extremamente dinâmico. Tudo é criado, utilizado e descartado em um piscar de olhos, principalmente quando se fala em indústria têxtil. O mundo da moda vive um período frenético. Coleções são lançadas constantemente e com a popularização das redes de fast fashion, que trazem produtos novos toda semana a preços muito baixos, esse padrão tem tomado proporções ainda maiores. Em meio a esse turbilhão de informações, surge uma ideologia que espera diminuir esse ritmo apressado. O slow fashion é uma contra-tendência derivada do movimento slow food, que propõe a valorização dos alimentos, degustando e aproveitando o momento da refeição. A premissa slow é fazer as coisas com menos pressa. Na produção de roupas, isso significa criar produtos de qualidade e que promovam o consumo consciente, que façam o consumidos pensar naquilo que está comprando. Nesse sentido, o slow fashion se apoia muito nos pilares da sustentabilidade. A professora da Faculdade de Moda da Unisinos, Paula Visoná, explica que esse movimento “tem a ver com não consumir tanto, consumir de modo mais coerente, entendendo que aquela peça não precisa ser descartada na próxima coleção ou no próximo mês”. Segundo Paula, a ideia de dedicar mais tempo e cuidado à produção de uma peça mostra ao cliente que ele terá aquele produto por muito mais tempo, sem a necessidade de seguir a ideia central da moda de renovação constante, quase frenética. Dessa maneira, evita-se o desperdício e o descarte de itens que poderiam ter uma longa vida útil. Essa garantia de qualidade diferenciada é atingida através da característica artesanal que está presente na essência do slow fashion, buscando técnicas de produção nas pioneiras da moda: as costureiras. Os designers que seguem essa filosofia slow procuram valorizar a mão de obra local. “Ao invés de mandar fazer uma peça fora, buscamos as competências
no lugar onde estamos, tentando constituir uma forma de produção que valorize essas competências”, explica Paula. O slow fashion ainda tem um longo caminho a percorrer até se estabelecer como um método de produção relevante na indústria da moda. Entretanto, a professora acredita que o futuro é promissor, visto que o consumidor, principalmente o público jovem, está se mostrando cada vez mais preocupado com a origem das suas roupas. Ao lado de todos esses valores está a questão ecológica. O slow fashion promove o desenvolvimento sustentável como um todo, não só no âmbito social e econômico, mas também no ambiental. Mariana Duda, fundadora da Envido, marca sustentável voltada para a pesquisa e desenvolvimento têxtil, revela que a indústria da moda é a segunda mais poluente do mundo. O desperdício de recursos e de matéria prima é imensurável. Na produção de uma calça jeans, por exemplo, são usamos 11 mil litros de água. “O descarte irregular de resíduos, a falta de tratamento de efluentes nas indústrias têxteis e curtumes, junto com o uso cada vez maior de tecidos sintéticos derivados do petróleo, faz com que o caminho para o futuro seja a moda sustentável”, afirma a empresária e designer. Mariana conta que quando entrou para o mercado, pensava em abrir sua própria fast fashion, mas mudou de ideia quando passou a entender o impacto ambiental que um negócio na área pode causar. “Eu levei um susto com o desperdício de materiais, tratamento dado aos funcionários e o uso de tecidos muitas vezes tóxicos. Desiludida precisei partir para um novo caminho, assim eu criei a Envido”, revela. A equipe da Envido pesquisa possibilidades de reaproveitamento de diversos materiais. Desde pedras preciosas descartadas pela indústria, lixo eletrônico e resíduos automotivos, até tecidos e couro orgânico ou reciclado.
Ideologia na prática Nem só de ideologias se faz o slow fashion. Cada vez mais designers têm aplicado as teorias do movimento na sua produção diária. A estilista Alessandra Giordani é filha de costureira e cresceu fazendo suas roupas em casa. Quando decidiu começar sua própria confecção três anos atrás, procurou um atelier onde pudesse oferecer um atendimento diferenciado para suas clientes, algo que não pudesse ser encontrado em lojas convencionais. “Na época não se falava em slow fashion, mas quando descobri o movimento percebi que tinha tudo a ver com o meu trabalho”, conta. As peças de Alessandra não seguem as tendências e mudanças constantes do mercado tradicional. Todas as blusas, saias e vestidos são inspirados na década de 60, desde a modelagem até a estamparia. Segundo ela, a ideia é fazer uma moda atemporal e clássica, que possa ser passada de mãe para filha, e não descartada no próximo mês. “Que moda os nossos filhos vão ter? Não temos história da moda no século 21, as roupas estão virando pano de chão”. O conceito de personalização e exclusividade é bastante trabalhado no atelier de Alessandra. As clientes, cujos nomes a estilista sabe de cor, podem escolher o modelo da peça e o tecido que será usado na confecção. “Elas gostam dessa ideia de roupa personalizada, feita pra elas, é algo que mexe com o ego da mulher”, reflete Alessandra. Seguindo a essência sustentável de slow fashion, Alessandra utiliza retalhos nas produções das roupas e acessórios. “Retalho é dinheiro”, ressalta Alessandra, “as grandes confecções têm preguiça de pensar nas sobras, é muito mais fácil jogar no lixo do que pensar o que fazer com elas”. Também preocupada com o desperdício de tecidos do mercado da moda, a doutora em Design de Superfície Sustentável, Evelise Anicet, decidiu abrir junto com a sua filha o Ateliê Contextura. A confecção é baseada na
técnica do upcycle, que reutiliza resíduos de fios para produção de novas roupas ou transforma peças de coleções passadas que não foram vendidas para criar um novo produto. “Pegamos um vestido que tinha um modelo bem justo e não teve tanta saída, acrescentamos um drapeado para deixar a peça mais fluida e confortável”, exemplifica Evelise. Ela destaca que o reaproveitamento de peças desatualizadas é uma tendência adotada por grandes marcas internacionais, como Prada, Gucci e Hermès. Evelise também trouxe seu histórico acadêmico para o atelier, transformando a Contextura em um espaço de investigação têxtil e de pesquisa em moda e sustentabilidade, realizando estudos em parceria com pesquisadores de todo o Brasil. Ela explica que a equipe do ateliê procura sempre trabalhar o lado científico paralelo com a prática, provando que a teoria dá certo.