Estudo
O papel dos bancos
desenvolvimento O Luisa pascoareli
Estudo do Ipea mostra a atuação do BNDES, BB e CEF entre os anos de 2003 e 2010 e como eles estimulam o desenvolvimento econômico e preenchem lacunas deixadas pela iniciativa privada 34 | Executivos Financeiros
s bancos públicos federais – BNDES, BB e a CEF – desempenham uma importante função de fomentar o desenvolvimento econômico brasileiro, em particular no financiamento de longo prazo dos grandes projetos de investimento, no financiamento dos setores industrial, agrícola e habitacional, suprindo importantes lacunas deixadas pela iniciativa privada. A crise financeira de 2008 mostrou, também, que os bancos públicos podem contribuir para suavizar movimentos recessivos do ciclo econômico, em uma atuação nitidamente conjuntural. Estas são algumas conclusões de um recente estudo publicado pelo Ipea - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada intitulado “Banco do Brasil, BNDES e Caixa Econômica Federal: a atuação dos bancos públicos federais no período 2003-2010”. O estudo mostra como esses bancos estimulam o desenvolvimento econômico e preenchem lacunas onde a iniciativa privada não consegue chegar. A escolha das três instituições reflete exatamente o cumprimento das funções clássicas de bancos de fomento desempenhadas por cada uma delas: o BNDES no financiamento de longo prazo (especialmente à indústria), o BB no financiamento ao setor rural e a CEF no crédito habitacional. A atuação dos bancos públicos federais como instituições de fomento está associada, conforme o estudo, à gestão de fundos que possibilitam fontes estáveis de recursos de baixo custo. O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) é gerido pela CEF, o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) é administrado pelo BNDES, e o BB gere um dos fundos de desenvolvimento regional – o Fundo Constitucional de Financiamento para o Centro-Oeste (FCO). O fomento ao desenvolvimento constitui uma típica função dos bancos públicos, em particular no financiamento de longo prazo, modalidade em que o setor bancário privado brasileiro pouco atua, de acordo com análise do Ipea. De acordo com o pesquisador do instituto, Victor Leonardo de Araújo, isso é uma questão estrutural do sistema bancário brasileiro. “As operações de prazo mais longo são mais arriscadas e não há interesse dos bancos privados. Além disso, o funding dos bancos privados é de prazo mais curto, o que causa um descasamento com empréstimo concedido por eles. Ban-
públicos federais no
do País Expansão do crédito A trajetória da expansão de crédito no sistema bancário doméstico foi resultado, segundo o estudo, de uma série de eventos macroeconômicos que reduziu a preferência pela liquidez, tais como: expectativas otimistas associadas à retomada do emprego e renda, criação do crédito consignado com desconto em folha de pagamento, e aceleração do investimento produtivo a partir de 2006 – interrompido brevemente pela crise financeira de 2008, mas já retomado. A relação crédito/PIB passou de 26% em 2001 para 47% este ano. Esse crescimento foi inicialmente induzido pelos bancos privados, os quais expandiram o volume das operações de crédito a taxas superiores à dos bancos públicos até a eclosão da crise financeira de 2008-2009, data a partir da qual a situação se inverteu. Essa trajetória resultou da resposta do sistema bancário doméstico a uma série de eventos macroeconômicos, que reduziu a preferência pela liquidez, tais como: expectativas otimistas associadas à retomada do emprego e renda, criação do crédito consignado com desconto em folha de pagamento, e aceleração do investimento produtivo a partir de 2006.
A inversão da concessão de crédito que acontece na crise, taxas de crescimentos reais dos bancos privados crescendo acima das dos bancos públicos, pode ser atribuída, segundo Araújo, aos créditos de consumo como o consignado e os de pessoas físicas. “Esses créditos foram os responsáveis por impulsionar a expansão de crédito e os bancos privados dominam esse segmento”. De acordo com o pesquisador, as operações de crédito a pessoas físicas oriundas de bancos privados cresceram 55% nos dois últimos anos, enquanto as originadas de bancos públicos ficou em 25%.
Gráfico 3 - Crédito à indústria: taxa de crescimento real (%), 2003-2010
Crédito à indústria: taxa de crescimento real (%) -2003/2010 40,0 30,0 20,0 10,0 (10,0) (20,0) (30,0) 2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
bancos públicos
bancos privados nacionais
bancos privados estrangeiros
total
2010
Fonte: Banco Central. elaboração IPEA
cos públicos têm acesso a funding de longo prazo, possibilitando esse tipo de empréstimo em prazo maior, e tem repasse do tesouro nacional, viabilizando esses tipos de operações. Em países que há tradição de poupança, como o Japão, os bancos conseguem captar de prazo mais longo”, comenta Araújo.
Fonte: Banco Central, elaboração Ipea. Executivos Financeiros | 35
Estudo
Participação percentual do setor público no crédito Gráfico 7 - Participaçãofinanceiro percentual do setor financeiro público no rural crédito rural 61
60 59
60 59
59
58
58
58
57
57
56
56
56
55
55
54 53 52 2003
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2010
2011
Fonte: Banco Central, elaboração Fonte: Banco Central. elaboração IPEA Ipea.
Atuação por setores O setor industrial recebe 48% do crédito de bancos públicos. O BNDES é o principal entre eles e conta com recursos oriundos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), permitindo a realização de operações de financiamento de longo prazo, associadas às decisões de investimento. Já os bancos privados tendem a ficar restritos às operações de capital de giro, associadas às decisões de produção. De acordo com o Ipea, isso explica a forte relação entre o expressivo crescimento real dos desembolsos do BNDES ao setor industrial no ano de 2005 (passando de uma taxa negativa de 8,57% no ano anterior para 9,37% ) e a retomada econômica de 2006. A carteira de crédito do BNDES para setor industrial alcançou R$ 74,8 bilhões no final de 2010 e a do BB atingiu R$ 97,9 bilhões. Até o ano de 2004, os oito bancos privados 36 | Executivos Financeiros
que figuravam entre os dez maiores agentes financeiros repassadores de recursos do BNDES para o setor industrial concentravam cerca de 60% dessas operações – o maior banco público o BB, detinha 12,1%. Além do setor industrial, o setor rural constitui mais um segmento no qual os bancos públicos desempenham forte atuação. Para fomentar a participação do setor bancário – público e privado – foi instituído que 25% dos recursos provenientes dos depósitos à vista e 40% da poupança rural fossem destinados aos
no mercado de crédito imobiliário atinge 77,4% do total. Há nichos em que a CEF opera virtualmente sozinha, como nos empréstimos para trabalhadores com renda de até três salários mínimos, com funding proveniente do FGTS. “A Caixa veio para ocupar lugar do antigo BNH. Nesse setor, os financiamentos de 20, 30 anos traz riscos de desemprego do pagador, entre outros, com os quais a iniciativa privada geralmente não está disposta a arcar”, diz Araújo. Diante das perspectivas positivas na distribuição de renda, na massa de rendimentos da população e redução das taxas de juros, o próprio BB decidiu entrar nesse mercado, acirrando a concorrência, por meio de uma parceria com a Associação de Poupança e Empréstimo do Exército (Poupex). Apesar desse movimento, estima-se que cerca de 50% dos financiamentos das pessoas físicas ainda sejam realizados pelas próprias construtoras e incorporadoras, em um prazo médio de 60 meses. Bancos Públicos e as crises A atuação dos bancos públicos durante a crise de 2008 ajudou a controlar o pânico que atingiu os bancos privados, nacionais e estrangeiros, cuja aversão ao risco desencadeou uma contração abrupta do crédito. O estudo mostra que os bancos públicos, com uma função de preferência pela liquidez, contribuíram para mitigar os efeitos da crise pelo canal do crédito. Para o pesquisador do Ipea, os bancos públicos conseguem oferecer crédito a taxas de juros mais baixas, com apoio do governo. “Que pessoa vai quere tomar empréstimo a taxas mais altas? Por isso, os bancos públicos têm grande papel em qualquer projeto de desenvolvimento”. No entanto, os bancos públicos não parecem capazes de responder sozinhos a uma aceleração persistente da demanda por recursos. Segundo o Ipea, haverá sempre a necessidade de uma ação compartilhada entre as instituições públicas e as privadas, para sustentar um processo ef acelerado de desenvolvimento econômico e social. Gráfico 9 - Participação percentual do setorpercentual financeiro público crédito habitacional: 2003 a Participação donosetor 2009
financeiro público no crédito habitacional: 2003/2009
78 76 74 72
72
71
70 68
74
74
76
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2010
2011
71
69 67
66 64 62 2003
2004
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2007
2008
2009
Fonte: Banco Central, elaboração Ipea. Executivos Financeiros | 37
Fonte: Banco Central. elaboração IPEA
empréstimos ao setor rural. As taxas de juros nas operações de custeio e comercialização das safras agrícolas giram em torno de 8,75% ao ano. No final de 2010, a carteira de crédito rural do BB totalizava R$ 57,3 bilhões e a do BNDES em torno de R$ 1 bilhão. Além dessas cotas, a Lei nº. 10.735, de 11 de setembro de 2003, instituiu as bases para as operações de microfinanças, determinando a obrigação de se destinar no mínimo 2% dos depósitos à vista ao microcrédito, ou seja, empréstimos de até R$ 500 para pessoas físicas e de até R$ 1 mil para microempresas, com taxas de juros não superiores a 2% ao mês e prazo mínimo de pagamento de quatro meses. Devido aos altos riscos relacionados ao crédito rural, como clima, quebra de safra, quebra de preços, o banco do Brasil tomou as rédeas do setor, observa Araújo, do Ipea. No entanto, ele observa que os bancos privados têm atuado com esse tipo de crédito. “A estabilização dos riscos e com a valorização das commodities no mercado internacional atraíram os bancos privados”. A terceira modalidade de crédito em que a atuação dos bancos públicos federais exerce papel fundamental na economia brasileira é o habitacional. Este também demorou a responder ao ciclo de crédito, vindo a apresentar taxas de crescimento positivas somente a partir de 2005. Novamente, são os bancos públicos que concentram a maior fatia: 75% em dezembro de 2010, contra 67% em dezembro de 2003. As instituições do sistema bancário brasileiro que participam do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) devem destinar 65% dos depósitos da caderneta de poupança para o financiamento imobiliário, dos quais no mínimo 80% devem ser direcionados para as operações de financiamento imobiliário no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação (SFH). O financiamento imobiliário, com recursos direcionados, responde por 70% da carteira da CEF. A participação da Caixa Econômica Federal