A poesia
LuĂs Carlos Carreira
Índice
POEMAS DE LUÍS VAZ DE CAMÕES ................................................... 2 POEMAS DE ALEXANDRE O’NEIL ...................................................... 4 POEMAS DE CESÁRIO VERDE ............................................................. 7 CITAÇÕES DE PADRE ANTÓNIO VIEIRA ........................................... 9 POEMAS DE FERNANDO PESSOA ..................................................... 10 POEMAS DE SOPHIA DE MELO BREYNER ANDRESEN ................. 12 WEBGRAFIA ........................................................................................ 145
1
POEMAS DE LUÍS VAZ DE CAMÕES
Verdes são os campos Verdes são os campos, De cor de limão: Assim são os olhos Do meu coração. Campo, que te estendes Com verdura bela; Ovelhas, que nela Vosso pasto tendes, De ervas vos mantendes Que traz o Verão, E eu das lembranças Do meu coração. Gados que pasceis Com contentamento, Vosso mantimento Não no entendereis; Isso que comeis Não são ervas, não: São graças dos olhos Do meu coração. Luís de Camões
2
Se tanta pena tenho merecida Se tanta pena tenho merecida Em pago de sofrer tantas durezas, Provai, Senhora, em mim vossas cruezas, Que aqui tendes u~a alma oferecida. Nela experimentai, se sois servida, Desprezos, desfavores e asperezas, Que mores sofrimentos e firmezas Sustentarei na guerra desta vida. Mas contra vosso olhos quais serão? Forçado é que tudo se lhe renda, Mas porei por escudo o coração. Porque, em tão dura e áspera contenda, É bem que, pois não acho defensão, Com me meter nas lanças me defenda. Luís de Camões
3
POEMAS DE ALEXANDRE O’NEIL Um Adeus Português Nos teus olhos altamente perigosos vigora ainda o mais rigoroso amor a luz dos ombros pura e a sombra duma angústia já purificada
Não tu não podias ficar presa comigo à roda em que apodreço apodrecemos a esta pata ensanguentada que vacila quase medita e avança mugindo pelo túnel de uma velha dor
Não podias ficar nesta cadeira onde passo o dia burocrático o dia-a-dia da miséria que sobe aos olhos vem às mãos aos sorrisos ao amor mal soletrado à estupidez ao desespero sem boca ao medo perfilado à alegria sonâmbula à vírgula maníaca do modo funcionário de viver
Não podias ficar nesta casa comigo em trânsito mortal até ao dia sórdido canino policial até ao dia que não vem da promessa puríssima da madrugada mas da miséria de uma noite gerada por um dia igual
4
Não podias ficar presa comigo à pequena dor que cada um de nós traz docemente pela mão a esta pequena dor à portuguesa tão mansa quase vegetal
Mas tu não mereces esta cidade não mereces esta roda de náusea em que giramos até à idiotia esta pequena morte e o seu minucioso e porco ritual esta nossa razão absurda de ser
Não tu és da cidade aventureira da cidade onde o amor encontra as suas ruas e o cemitério ardente da sua morte tu és da cidade onde vives por um fio de puro acaso onde morres ou vives não de asfixia mas às mãos de uma aventura de um comércio puro sem a moeda falsa do bem e do mal
Nesta curva tão terna e lancinante que vai ser que já é o teu desaparecimento digo-te adeus e como um adolescente tropeço de ternura por ti Alexandre O’Neil
5
Soneto Sonetos garantidos por dois anos. E é muito já, leitor que mos compraste Para encontrar a alma, que trocaste Por rádios, frigoríficos, enganos ... Essa tristeza sobre pernas faz-te Temeroso e cruel e tonto e traste. Nem pior nem melhor que outros fulanos, Não vês a Bomba e crês nos marcianos ...
E é para ti que escrevo, é para ti Que um verso lanço - O mão! - como o destino, e nele ponho mesura, desatino,
Rasgo, invenção, lugar-comum, protesto? Antes para soldado ou para resto, Escroto de velho, ronco de suíno ... Alexandre O’Neil
6
POEMAS DE CESÁRIO VERDE Eu e Ela Cobertos de folhagem, na verdura, O teu braço ao redor do meu pescoço, O teu fato sem ter um só destroço, O meu braço apertando-te a cintura; Num mimoso jardim, ó pomba mansa, Sobre um banco de mármore assentados. Na sombra dos arbustos, que abraçados, Beijarão meigamente a tua trança. Nós havemos de estar ambos unidos, Sem gozos sensuais, sem más idéias, Esquecendo para sempre as nossas ceias, E a loucura dos vinhos atrevidos. Nós teremos então sobre os joelhos Um livro que nos diga muitas cousas Dos mistérios que estão para além das lousas, Onde havemos de entrar antes de velhos. Outras vezes buscando distração, Leremos bons romances galhofeiros, Gozaremos assim dias inteiro, Formando unicamente um coração. Beatos ou apagãos, via à paxá, Nós leremos, aceita este meu voto, O Flos-Sanctorum místico e devoto E o laxo Cavaleiro de Faublas...
Cesário Verde, in 'O Livro de Cesário Verde'
7
Vaidosa Dizem que tu és pura como um lírio E mais fria e insensível que o granito, E que eu que passo aí por favorito Vivo louco de dor e de martírio. Contam que tens um modo altivo e sério, Que és muito desdenhosa e presumida, E que o maior prazer da tua vida, Seria acompanhar-me ao cemitério. Chamam-te a bela imperatriz das fátuas, A déspota, a fatal, o figurino, E afirmam que és um molde alabastrino, E não tens coração, como as estátuas. E narram o cruel martirológio Dos que são teus, ó corpo sem defeito, E julgam que é monótono o teu peito Como o bater cadente dum relógio. Porém eu sei que tu, que como um ópio Me matas, me desvairas e adormeces, És tão loura e dourada como as messes E possuis muito amor... muito amor-próprio.
Cesário Verde, in 'O Livro de Cesário Verde'
8
CITAÇÕES DE PADRE ANTÓNIO VIEIRA "Muitos não têm o coração dentro em si, senão fora de si e muito longe. Fora de si, porque não cuidam em si e muito longe de si, porque todos os seus cuidados andam só atentos e aplicados às coisas temporais e mundanas que amam." "Nós somos o que fazemos. O que não se faz não existe. Portanto, só existimos nos dias em que fazemos. Nos dias em que não fazemos apenas duramos." "O amor acredita-se no supérfluo: quem ama pouco, contenta-se com o que basta: quem ama muito, contenta-se com o que sobeja; e quem ama mais que muito, nem com o que basta nem com o que sobeja se contenta, ainda sobe mais, ainda passa mais adiante." "Nenhum segue mais leis que as da conveniência própria. Imaginar o contrário é querer emendar o mundo, negar a experiência e esperar impossíveis."
9
POEMAS DE FERNANDO PESSOA Tabacaria Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo. Janelas do meu quarto, Do meu quarto de um dos milhões do mundo. que ninguém sabe quem é ( E se soubessem quem é, o que saberiam?), Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente, Para uma rua inacessível a todos os pensamentos, Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa, Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres, Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens, Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada. Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade. Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer, E não tivesse mais irmandade com as coisas Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada De dentro da minha cabeça, E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida. Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu. Estou hoje dividido entre a lealdade que devo À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora, E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro. Falhei em tudo. Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada. A aprendizagem que me deram, Desci dela pela janela das traseiras da casa.
10
Aniversário No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, Eu era feliz e ninguém estava morto. Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos, E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer. No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma, De ser inteligente para entre a família, E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim. Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças. Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida. Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo, O que fui de coração e parentesco. O que fui de serões de meia-província, O que fui de amarem-me e eu ser menino, O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui… A que distância!… (Nem o acho…) O tempo em que festejavam o dia dos meus anos! O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa, Pondo grelado nas paredes… O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas), O que eu sou hoje é terem vendido a casa, É terem morrido todos, É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio… No tempo em que festejavam o dia dos meus anos… Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo! Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez, Por uma viagem metafísica e carnal, Com uma dualidade de eu para mim… Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
11
POEMAS DE SOPHIA DE MELO BREYNER ANDRESEN Retrato de uma princesa desconhecida Para que ela tivesse um pescoço tão fino Para que os seus pulsos tivessem um quebrar de caule Para que os seus olhos fossem tão frontais e limpos Para que a sua espinha fosse tão direita E ela usasse a cabeça tão erguida Com uma tão simples claridade sobre a testa Foram necessárias sucessivas gerações de escravos De corpo dobrado e grossas mãos pacientes Servindo sucessivas gerações de príncipes Ainda um pouco toscos e grosseiros Ávidos cruéis e fraudulentos Foi um imenso desperdiçar de gente Para que ela fosse aquela perfeição Solitária exilada sem destino
Sophia de Mello Breyner Andresen
12
Porque Porque os outros se mascaram mas tu não Porque os outros usam a virtude Para comprar o que não tem perdão Porque os outros têm medo mas tu não Porque os outros são os túmulos caiados Onde germina calada a podridão. Porque os outros se calam mas tu não. Porque os outros se compram e se vendem E os seus gestos dão sempre dividendo. Porque os outros são hábeis mas tu não. Porque os outros vão à sombra dos abrigos E tu vais de mãos dadas com os perigos. Porque os outros calculam mas tu não. Sophia de Mello Breyner Andresen
13
WEBGRAFIA Luís Vaz de Camões: http://users.isr.ist.utl.pt/~cfb/VdS/camoes.html Alexandre O’Neil: http://www.arlindo-correia.com/250900.html
Cesário Verde: http://www.citador.pt/poemas/a/cesario-verde
Padre António Vieira: http://www.citador.pt/frases/citacoes/a/antonio-vieira
Fernando Pessoa: http://www.revistabula.com/522-os-10-melhores-poemas-de-fernando-pessoa-2/
Sophia de Melo Breyner Andresen: http://users.isr.ist.utl.pt/~cfb/VdS/mello.breyner.html
Luís Carreira nº 11 2ªTIG
14
15