19 minute read
A recuperação do mercado de escritórios por via da vacinação
Dep. de Research da Worx – Real Estate Consultants
A distribuição da vacinação continuará a ser vista como o fator chave para a recuperação da atividade económica, prevendo-se um efeito cascata sobre os vários setores do mercado imobiliário. O mercado de arrendamento de escritórios será beneficiado sobretudo pelos estímulos gerados nas empresas e nos consumidores, no entanto, estima-se que os níveis de confiança só serão reestabelecidos no final deste ano, seguido de uma retoma gradual do sector. Desde o início do ano passado que a pandemia atenuou a procura no mercado de escritórios, provocando um atraso geral e dificultando a tomada de decisões. Este atraso deveu-se essencialmente à incerteza quanto à questão da duração da pandemia e à reavaliação da necessidade de espaço por parte das empresas. Apesar de tudo, de salientar que o valor criado no mercado imobiliário nacional tem se mantido forte e competitivo face a outras praças europeias. Nos primeiros quatro meses do ano passado, o take up no mercado de escritórios de Lisboa seguia a um bom ritmo, superando o volume homólogo acumulado do ano transato por cerca de +39p.p. No entanto, a partir de abril, a pandemia deu início a uma quebra na procura que se traduziu numa variação anual de, aproximadamente, -29p.p. (marcando cerca de 137.892 m²) face ao ano de 2019, onde foi absorvido um montante de 193.892 m². Este decréscimo na área colocada remete-nos para os níveis de 2016, onde se registou um acumulado de 140.946 m², e em linha com a média dos últimos 10 anos, como se pode observar pelo gráfico da Figura 1. Seguido deste decréscimo, é expectável que os primeiros meses deste ano voltem a registar uma nova quebra no total de área absorvida face ao ano transato, tendo em conta que os dois primeiros meses de 2020 foram imuFIGURA 1 – EVOLUÇÃO DO VOLUME DE ABSORÇÃO (TAKE UP) DOS ÚLTIMOS 10 ANOS E A PREVISÃO DA WORX PARA OS PRÓXIMOS 3 ANOS DE PROJEÇÃO
Advertisement
300 000
250 000
ABL (m²) 200 000
150 000
100 000
50 000
Média (2010-20)
0
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 (p)
Take-up (série histórica) Take-up (previsto) Média (2010-20) 2022 (p) 2023 (p)
FONTE WORX/LPI
nes à pandemia. Apesar disso, de acordo com as previsões efetuadas pela Worx, prevê-se que o volume de absorção anual em 2021 seja muito semelhante a 2020. Em 2022 estima-se que haverá uma subida acentuada no take up e prevendo estabilizar-se no ano seguinte. Estas projeções para os próximos três anos assetam-se sobretudo na tendência da procura de espaços novos ao invés de usados, mas as previsões estarão certamente dependentes das várias condicionantes externas, nomeadamente o tempo de mitigação do vírus. Apesar do choque no mercado, verificou-se um aumento da procura por parte de empresas na área das Farmacêuticas e Saúde, com uma variação homóloga de +137p.p. em relação à área colocada; dos Serviços Financeiros (+21p.p.); e das TMT’s & utilities (+2p.p.), sendo que este último também desempenhou o maior contributo (com cerca de 29%) para o take up anual. Relativamente às zonas que compõem o mercado de escritórios de Lisboa, a Zona 6 (Corredor Oeste) destaca-se com o maior volume de take up, somando cerca de 46.600 m² e refletindo mais uma vez o interesse das empresas nesta zona. De salientar também que o Corredor Oeste recebeu quatro grandes colocações, sendo que três destas se trataram de transações de venda. Entre estas operações de venda encontram-se empresas com atividades na área farmacêutica (a ocupar 6.600 m²), de produtos de consumo (tratando-se da nova sede da Auchan com cerca de 6.000 m²) e duas empresas no setor de IT: a Infosistema (com 5.279 m²) e outra de caráter confidencial (com 5.147 m²). Esta última empresa também foi responsável por outras quatro colocações, onde absorveu cerca de 15.121 m² de área bruta locável. As Zonas 1 (Prime CBD) e 5 (Parque das Nações) também se mostraram bastante ativas durante o último ano, sendo que ambas apresentaram um peso no volume absorvido muito semelhante entre si, com expressões na ordem dos 18% e 19%, respetivamente. A Zona 1 foi alvo da maior colocação do ano, situada no edifício Monumental (recentemente reabilitado), sendo que o novo inquilino – o Banco BPI – passará a ocupar cerca de 16.441 m² deste novo espaço. Com a exceção para duas operações nesta
zona (o BPI no Monumental e outra operação de venda), as restantes colocações trataram-se de áreas inferiores a 1.000 m², representando cerca de 27% do volume absorvido num total de 19 negócios registados. Por outro lado, a Zona 5 revelou um maior rácio de área colocada por negócio, registando 6 colocações (num total de 16) com áreas superiores a mil metros quadrados, o equivalente a 82% do volume absorvido nesta zona. Entre os principais negócios destacam-se a Webhelp no Mediterrâneo 1 (com cerca de 6.200 m²), a Randstad no edifício Oriente 343 (com 6.164 m²) e a Majorel no Explorer (com outros 3.738 m²). A Zona 4 (Zona Histórica) foi a que menos atividade demonstrou no último ano, registando apenas duas colocações, uma em fevereiro de dimensão reduzida (com apenas 240 m²) no edifício Alcântara Rio; e outra, em dezembro, no Serpa Pinto 14 por parte da Avenue (com 325 m²). Esta zona é por norma a que historicamente menos operações tem devido à falta de oferta. As maiores colocações registadas em 2020 foram essencialmente o resultado de negociações que antecediam a pandemia. Neste primeiro semestre de 2021 continuar-se-á a assistir à entrada de novas empresas (internacionais e nacionais), para além das pré-existentes. Contudo, estes negócios serão sobretudo a consequência de renegociações ou término de contratos, mudanças de edifício, entre outros. Ao longo do último ano registou-se um aumento significativo de colocações por operações de venda, no entanto, o seu contributo para o volume total de absorção limitou-se a 25%, o equivalente a cerca de 34.472 m². A mudança de edifício foi o principal motivo da procura em 2020, com uma expressão de aproximadamente 62% do take up anual, seguido da expansão de área com outros 27%. Com uma variação anual positiva de +2p.p., destaca-se a entrada de novas empresas na região de Lisboa que revelaram um contributo de 12% no total de área colocada. O impacto da pandemia, e a deslocalização de grande parte dos recursos humanos para teletrabalho, provocou um aumento generalizado na taxa de disponibilidade (vacancy rate) no mercado de escritórios. Segundo os dados apurados pela Worx, e dadas as novas desocupações nos últimos meses, estima-se que no final de 2020 a taxa de disponibilidade geral do mercado terá rondado os 7,7%. Contudo, de salientar ainda que no final de 2019 a taxa de disponibilidade marcou o mínimo histórico de 5,3%. De acordo com os dados do LPI, a Zona 6 (Corredor Oeste) continua a apresentar a taxa de desocupação mais alta do mercado (com cerca de 13,5%), tendo em conta que apresenta um stock total de aproximadamente 972.605 m². Abaixo desta zona está a Prime CBD que registou a maior variação anual de +144p.p. e passou a marcar uma disponibilidade de cerca de 7,7% do total em stock, sendo este cerca de metade do volume verificado no Corredor Oeste, ou seja, especificamente 563.714 m². A Zona 3 (Zona Emergente) apresentou a segunda maior variação na vacancy (+43p.p.) face a 2019, tendo registado no final do ano cerca de 6,1%, com um stock de 562.159 m². De seguida encontra-se a Zona 2 (CBD) com uma taxa aproximada de 4,5%, mas salientando o valor elevado em stock (na ordem dos 918.283 m²) que esta zona apresenta, e muito semelhante ao da Zona 6. Por último, as Zonas 4 (Zona Histórica) e 5 (Parque das Nações), com 0,4% e 2,4%, respetivamente, voltam a marcar as taxas de disponibilidade mais baixas no mercado, tal como o total de área em stock mais baixo. Note-se ainda que o Parque das Nações registou a terceira maior variação na taxa de FIGURA 2 – TAKE UP POR TIPO DE OPERAÇÃO (ARRENDAMENTO/VENDA)
Arrendamento Venda
FONTE WORX/LPI
FIGURA 3 – DISTRIBUIÇÃO DO VOLUME DE TAKE UP POR MOTIVO DA COLOCAÇÃO
27%
11% 62%
Mudança de Edifício Nova Empresa na Região de Lisboa Expansão de Área Não Identificado
disponibilidade, atendendo a que no final de 2019 marcava cerca de 0,7%. Em consequência do aumento da vacancy é expectável que surja uma pressão acrescida nas rendas, nomeadamente nas zonas onde há um excesso de oferta face à atual procura. No terceiro trimestre de 2020, a renda prime subiu 1€/m²/mês em praticamente todas as zonas, com a exceção para o Parque das Nações e para o Corredor Oeste, onde as rendas
prime se mantiveram constantes na ordem dos 19€/m²/mês e 15€/m²/mês, respetivamente, até ao final do ano. No decorrer deste primeiro semestre espera-se um ligeiro ajuste nas rendas, particularmente nas zonas onde se verificou um aumento da oferta de usados. No caso da renda prime em Lisboa (associada à Zona 1 – Prime CBD) estima-se que o valor manter-se-á na marca dos 25€/m²/mês, visto que se trata de uma zona prime e alvo de grande procura por parte de empresas nacionais e internacionais. O aumento de espaços usados no mercado tenderá a criar uma maior competitividade entre proprietários e um desafio na captação de novos inquilinos. Como tal, nos últimos meses, os proprietários têm apresentando vários incentivos, nomeadamente períodos de carência e contribuições de fit-out. Enquanto não se verificar uma retoma da atividade económica, os inquilinos continuarão a procurar descontos nas rendas e diminuir a duração dos contratos de arrendamento. Os contratos de menor duração permitem essencialmente aos arrendatários uma maior flexibilidade, facilitando uma saída repentina, e reduzir a exposição ao risco de incumprimento. Por norma, os contratos são de 5 anos e incluem uma “break option” no terceiro ano. Atualmente, a oferta total disponível no mercado conta com cerca de 288.100 m² (de acordo com os dados do LPI), marcando uma variação de +29p.p. face a 2019, sendo que em pipeline para 2021-24 estão projetados cerca de 300.000 m². Deste montante, 52% já se encontra em fase de construção e deste apenas 34% encontra-se pré-arrendado. Dado que esta nova oferta surgiu como resposta à elevada procura dos últimos anos, é expectável que alguns projetos sejam adiados por forma a conseguirem corresponder a oferta à procura atual. Além disso, nesta fase do mercado, é expectável que os promotores tenham preferência em atrasar a obra de forma a evitarem o impacto da pandemia no processo de negociação. Até ao final do ano continuaremos a assistir a várias negociações, descontos e outros tipos de incentivos. Quanto à procura, haverá uma tendência para ocupar em primeiro lugar a nova oferta que entrará no mercado, como por exemplo, o projeto EXEO no Parque das Nações, o Nova Alcântara na Zona Histórica e o WTC no Corredor Oeste. Paralelamente, continuará a haver uma atenção particular no mercado prime, sobretudo por espaços únicos que raramente se encontrariam disponíveis no mercado. As tendências para o mercado de escritórios em 2021 continuam a apostar numa melhor gestão das áreas de escritórios, em espaços que assegurem a segurança e o convívio entre colegas, recorrendo ao uso de tecnologias touch-free, por exemplo; entre outros conceitos, que no fundo promovam o bem-estar dos colaboradores. A localização continuará a desempenhar um papel fundamental nos pré-requisitos das empresas, apesar do fator distância ter sido atenuado com a questão do teletrabalho obrigatório. Até ao final deste ano, particularmente enquanto surgirem novos surtos, continuará a não ser claro qual o rumo das empresas. No entanto, é certo que o mercado de arrendamento de escritórios em Lisboa continuará a afirmar-se um excelente destino para as empresas internacionais e nacionais se instalarem, não só pela excelente qualidade e grande oferta de espaços, como também pela mão-de-obra qualificada que oferece, sendo esta última um dos principais fatores que também tem levado as empresas internacionais a arrendarem em Portugal. Resumindo, apesar das previsões para este primeiro semestre continuarem em terreno menos positivo face ao ano passado, antecipa-se uma evolução favorável a partir do final deste ano e início do próximo. Esta recuperação só será iniciada por via da vacinação, permitindo que se restabelecerem os níveis de confiança no consumidor necessários para garantir a retoma das atividades económicas.
FIGURA 4 – GRÁFICO DA EVOLUÇÃO ANUAL DAS TAXAS DE DISPONIBILIDADE E DA RENDA PRIME NO MERCADO DE ESCRITÓRIOS DE LISBOA
14,0%
12,0%
10,0%
8,0%
6,0%
4,0% 30,00€
25,00€
20,00€
15,00€
(€/m²/mês)
10,00€
2,0%
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020
Renda prime Tx de disponibilidade 5,00€
FONTE WORX/LPI
O NOVO REGIME REABILITAR COMO REGRA – UM BALANÇO!
Maria Santa Martha, Professional Partner, Abreu Advogados maria.s.martha@abreuadvogados.com
No dia 15 de novembro de 2019, entrou em vigor o Decreto-Lei n.º 95/2019, de 18 de julho, que veio consagrar um novo regime jurídico a aplicar a determinadas operações de reabilitação de edifícios ou frações autónomas, o denominado regime “Reabilitar como Regra”.
Volvido mais de um ano de vigência deste regime, cumpre-nos apresentar um balanço do mesmo, embora tenhamos que ressalvar que parte substancial do seu período de “vida” se verificou durante a pandemia COVID-19, o que, naturalmente, afetou a sua aplicabilidade e os seus resultados concretos.
Todavia, antes disso, teremos que percorrer um breve périplo, de modo a compreender as motivações do legislador na aprovação deste novo quadro legal, que o levaram a inverter aquela que era, até à data, a regra.
O diploma aqui em apreço foi aprovado na sequência da Resolução do Conselho de Ministros n.º 170/2017, de 9 de novembro, que instituiu o projeto “Reabilitar como Regra”, o qual tinha como objetivo principal a apresentação de uma proposta com vista à “revisão do enquadramento legal e regulamentar da construção, de modo adequá-lo às exigências e especificidades da reabilitação”, conciliando os “[…] atuais padrões de segurança, habitabilidade, conforto e de simplificação do processo de reabilitação, com os princípios da sustentabilidade ambiental e da proteção do património edificado, em sentido lato.” Deste modo, o Conselho de Ministros aprovou as traves-mestras do projeto “Reabilitar como Regra”, o qual teve como propósito criar as condições legais necessárias para que a reabilitação se torne a principal forma de intervenção ao nível do edificado e do desenvolvimento urbano, em detrimento da construção nova.
Com efeito, uma das alterações mais significativas impostas pelo Decreto-Lei n.º 95/2019 concretizou-se na revogação do Decreto-Lei n.º 53/2014, de 8 de abril, o designado “Regime Excecional da Reabilitação Urbana”, que isentava as operações de reabilitação da observância de diversas disposições técnicas – como, a título de exemplo, as exigências de áreas mínimas da habitação, de instalação de ascensores, de condições de eficiência energética – que o legislador entendia serem um entrave à reabilitação, visando, assim, ao eliminá-las, constituir um incentivo à reabilitação urbana. Este regime foi extremamente influenciado pela época em que foi aprovado, em que, como se sabe, Portugal vivia uma crise económica, pelo que a dinamização do setor da construção consubstanciava uma prioridade. Ainda assim, apesar deste regime ter atingido o seu objetivo e se ter assumido como um fator impulsionador da reabilitação urbana, foi, na generalidade, muito criticado, na medida em que ao dispensar o cumprimento de determinadas regras conduziu a uma reabilitação com fraca qualidade construtiva. Ora, uma vez revogado este Regime Excecional da Reabilitação Urbana, que se assumia como transitório, o Decreto-Lei n.º 95/2019 veio, finalmente, prever uma solução que se espera definitiva e duradoura quanto às normas aplicáveis à reabilitação urbana, mantendo-se o escopo de promover a reabilitação como regra, mas também com regras. Por conseguinte, com a aprovação do regime “Reabilitar como Regra” transita-se de um regime legal exclusivamente focado na promoção da reabilitação para um regime que, visando igualmente manter o interesse dos investidores na reabilitação, o aproxima das exigências da construção nova.
Uma vez concluído este breve enquadramento, concretizemos o objeto e âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 95/2019. Este diploma legislativo prevê o regime aplicável às operações de reabilitação realizadas em edifícios ou frações autónomas, sempre que estes se destinem a ser total ou predominantemente afetos ao uso habitacional.
O legislador apresenta uma noção daquilo que entende por “operações de reabilitação”, identificando-as com as “intervenções de reabilitação realizadas em edifícios ou frações autónomas que consistam nas seguintes operações urbanísticas, conforme definição prevista no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, na sua redação atual: i) Obras de alteração; ii) Obras de reconstrução ou de ampliação, na medida em que sejam condicionadas por circunstâncias preexistentes que impossibilitem o cumprimento da legislação técnica aplicável”.
Parte substancial do tempo de vigência deste regime decorreu durante a pandemia COVID-19
Paralelamente, densifica aquilo que entende por “total ou predominantemente afetos ao uso habitacional”, definindo-o em “edifícios ou frações autónomas em que pelo menos 50% da sua área se destine a habitação e a usos complementares, designadamente estacionamento, arrecadação ou usos sociais”. Este aspeto espelha a ligação fundamental que se pretende estabelecer entre a reabilitação urbana e as políticas habitacionais, reservando, por isso, aos edifícios destinados a estes fins um tratamento mais vantajoso.
No que concerne ao âmbito de aplicação temporal do diploma, o mesmo prevê para cada especialidade de projeto datas distintas, em função da data em que foram introduzidas normas técnicas para a construção nova. Com efeito, as operações de reabilitação que se destinem a ser efetuadas em edifícios construídos em data posterior às datas definidas pelo legislador, não sofrem de constrangimentos que imponham a necessidade da sua adequação à reabilitação de edifícios, pois, aquando da sua construção original, já era obrigatório o cumprimento de normas técnicas. Deste modo, dispensa-se a aplicação de uma série de normas técnicas de construção, porém, tal dispensa é justificada e acautela todos os interesses em causa, uma vez que a construção originária já observou as condições impostas.
Destarte, relativamente à análise de vulnerabilidade sísmica, esta é aplicável a todas as operações de reabilitação, independentemente da data da construção original, uma vez que o legislador foi sensível ao facto de ser sempre prudente avaliar previamente o impacto que uma obra de ampliação, alteração ou reconstrução pode provocar, do ponto de vista estrutural, no edifício. Desta feita, procura-se garantir que estas intervenções salvaguardam as questões de segurança estrutural, acautelando uma preocupação que vinha sendo recorrentemente manifestada.
O regime “Reabilitar como Regra” prevê, ainda, a exigência de as operações de reabilitação observarem três princípios fundamentais: (i) o princípio da proteção e valorização do existente, (ii) o princípio da sustentabilidade ambiental e (iii) o princípio da melhoria proporcional e progressiva.
Deste elenco destacamos a consagração da sustentabilidade ambiental como um dos princípios orientadores das intervenções de reabilitação. De acordo com este princípio, devem privilegiar-se as ações destinadas a promover o aumento da vida útil dos edifícios, a reutilização de componentes da construção, a utilização de materiais com reduzido impacto ambiental, a redução de emissão de gases com efeito estufa, a melhoria da eficiência energética e a redução das necessidades de energia, incluindo a energia incorporada na própria construção. No fim da vida útil dos edifícios, plasma ainda, em cumprimento deste princípio, a preferência das ações de desconstrução ou desmontagem, em detrimento da demolição.
Este regime jurídico é complementado pela Regulamentação aprovada em diversos diplomas regulamentares, concretamente, a Portaria n.º 297/2019, de 9 de setembro, a Portaria n.º 301/2019, a Portaria n.º 302/2019, a Portaria n.º 303/2019, a Portaria n.º 304/2019, a Portaria n.º 305/2019, todas elas de 12 de setembro e o Despacho Normativo n.º 21/2019, de 17 setembro.
Ademais, há determinados aspetos específicos do regime “Reabilitar como Regra” que merecem destaque no âmbito das operações de reabilitação, concretamente, no domínio da segurança contra incêndios em edifícios, do comportamento térmico e da eficiência energética e acessibilidade de edifícios.
No domínio da segurança contra incêndios em edifícios, neste novo regime jurídico clarificam-se e concretizam-se as situações, que já se encontravam legalmente admitidas, de aplicação de métodos de verificação alternativos e não prescritivos, determinando ainda a publicação imediata, pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil, de um método adaptado ao novo contexto que permite aos projetistas e às entidades licenciadoras o uso pleno de medidas flexíveis e proporcionadas, garantindo a segurança contra incêndios e respeitando os princípios gerais da reabilitação de edifícios consagrados neste diploma.
No que respeita ao comportamento térmico e à eficiência energética, o novo regime in-
Com o "Reabilitar como Regra" transita-se para um regime legal que, visando manter o interesse dos investidores na reabilitação, o aproxima das exigências da construção nova
troduzido procura conciliar os objetivos de uma gestão racional do consumo de energia, observando os princípios de eficiência energética, com a garantia de conforto e salubridade das habitações, permitindo ainda o incentivo à melhoria gradual e proporcionada do desempenho térmico.
Relativamente à acessibilidade de edifícios, adotou-se um modelo de melhoria progressiva das condições de acessibilidades para um amplo espectro de utilizadores, garantindo que a situação existente nunca é agravada e que, mesmo nas mais pontuais intervenções, é possível contribuir para a melhoria gradual das condições de vida das pessoas.
De modo a reiterar o incentivo e preferência pela reabilitação, o legislador previu ainda a atribuição de benefícios fiscais neste âmbito, como (i) a isenção do imposto municipal sobre imóveis por um período de três anos; (ii) a isenção do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis nas aquisições de imóveis destinados a intervenções de reabilitação, desde que o adquirente inicie as respetivas obras no prazo máximo de três anos a contar da data de aquisição; e (iii) a isenção do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis na primeira transmissão, subsequente à intervenção de reabilitação, a afetar a arrendamento para habitação permanente ou, quando localizado em área de reabilitação urbana, também a habitação própria e permanente. Paralelamente, existem incentivos à reabilitação urbana e ao arrendamento habitacional a custos acessíveis, que se encontram previstos no mesmo diploma. Posto isto, resta-nos avançar com aquilo a que nos propusemos: um balanço. Do regime “Reabilitar como Regra” resulta uma definição clara e criteriosa das situações em que se admite o recurso a medidas alternativas às da regulamentação aplicável a edifícios novos, garantindo-se padrões de segurança, conforto e qualidade adequados, afastando-se a dispensa acrítica de regulamentação.
Em síntese, podemos afirmar que as principais vantagens do novo regime “Reabilitar como Regra” são as seguintes: (i) garante mais segurança, conforto e salubridade após a reabilitação; (ii) incentiva as pequenas intervenções, essenciais para a melhoria da qualidade de vida e aumento da vida útil dos edifícios, com investimentos criteriosos; (iii) incentiva a preservação do património construído e da coerência construtiva; (iv) reduz a produção de resíduos por preservação de elementos construtivos e (v) contribui para uma melhor relação custo-benefício global para o edifício/habitação.
Ainda assim, a par deste amplo rol de vantagens, é possível tecer algumas questões quanto a este novo regime. Desde logo, será que por este diploma impor maiores exigências técnicas, em comparação com o regime anteriormente vigente, constituirá um fator desincentivador ao investimento na reabilitação? Será que as nossas entidades administrativas terão capacidade para controlar e aplicar esta nova disciplina? O tempo permitirá, certamente, respondermos a estas questões com mais acuidade, dado que a realidade que é hoje conhecida é inevitavelmente influenciada pela pandemia que assolou o nosso país e o mundo e que ditou, naturalmente, que os números de operações de reabilitação levadas a cabo em 2020 fossem inferiores aos de 2019.
De todo o modo, ainda assim, o balanço que apresentamos do projeto “Reabilitar como Regra” é francamente positivo! Este regime, para além de apresentar todas as vantagens já supra enunciadas, plasma um novo quadro regulamentar que densifica, tanto ponto de vista conceptual, como tecnológico, as exceções previstas na lei para os edifícios existentes, contribuindo para a sua fundamentação e verificação criteriosas. Desta feita, garante-se, assim, uma reabilitação, não apenas como regra, mas também com regras e responsabilidade.