ADÍSIA SÁ UMA BIOGRAFIA
Luiza Helena Amorim
ADÍSIA SÁ
UMA BIOGRAFIA
© Copyright 2005 Omni Editores Associados Direção Editorial Luís-Sérgio Santos Capa Jon Romano e Vladimir Luciano Pezzole Revisão JR de Sousa Oliveira Editoração Claudemir Luis Gazzoni Todos os direitos reservados. Este livro não pode ser reproduzido por nenhum meio mecânico ou eletrônico, incluindo fotocópia, scanner, duplicação ou distribuição via internet, sem autorização escrita do editor.
FICHA CATALOGRÁFICA
A524a
Amorim, Luiza Helena.
Adísia Sá:uma biografia/Luiza Helena Amorim. — Fortaleza :
Editora OMNI, 2005.
128p. : il. Inclui fotos e referências bibliográficas. ISBN 85-88661-17-9 1. Adísia Sá — biografia. 2. Biografia. 3. Jornalismo. 4. Sá, Maria Adísia Barros de. I. Título
CDD: 920 070.92
Omni Editora Associados Ltda. Rua Joaquim Sá, 746 n Fones: (85) 3247.6101 e (85) 3091.3966 CEP 60.130-050 n Aldeota, Fortaleza, Ceará, Brasil e-mail: df@fortalnet.com.br www.omnieditora.com.br
Índice Apresentação, 9 A tribo dos Sá Vocações e paixões Inquietação existencial Outros olhares O bom combate de Adísia Adísia Sá, a Gigante Sobre a vida e a velhice Filosofia Na história do jornalismo cearense Adísia no rádio “Durona demais” A metafísica de Adísia Inquieta Adísia Tantos Momentos ... Simplesmente Adísia Alguma coisa sobre Adísia Sá Mulher Guerreira Professora, receba essa maçã Sobre Adísia Sá Momentos marcantes Fragmentos Anexo Índice Onomástico Referências Bibliográficas
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Para Dudu, que tantas vezes preocupado comigo, perguntou se eu estava perto de terminar o livro. À Adísia Sá. Já que não posso dar teu nome a uma rua, dou-te um livro, perpetuo tua memória. Ao entusiasmo dos futuros jornalistas, que saibam basear seu trabalho na ética e assumam o compromisso de valorizar e preservar a história.
Agradecimentos
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oi nos ‘bastidores’ que busquei e encontrei apoio emocional, logístico e algumas críticas construtivas. Por isso eu sou grata a todos que com simples palavras e sorrisos conseguiram me encorajar a levar esse projeto adiante. À minha família, por saber compreender minha ausência e estresse durante a escrita deste livro. À Dudu, meu filho, pelas três linhas tão carinhosamente digitadas! Pelo apoio que minha mãe, Maria Helena, me deu desde criança, para que eu escrevesse um livro. Minha eterna gratidão à grande mestra Adísia Sá, pela confiança que teve em mim e pela paciente atenção diante das minhas visitas e solicitações. À Dona Lúcia Dummar, pela simpatia com que me recebeu em sua casa, pela conversa agradável e depoimento sincero. Às palavras que não me permitiram desistir, do meu amigo Vicente Melo. Aos meus colegas de faculdade, sempre prontos a me ouvir e dar sugestões. E ainda àqueles que ajudaram a compor este livro concedendo-me valiosos depoimentos.
“Agradeço a você Luiza, por ter escrito sobre Adísia. Ela precisa servir de exemplo para esta geração nova, que povoa as Universidades. É importante que esta mesma geração aprenda com ela, desde cedo, a derrubar os prepotentes, reconhecer os hipócritas e fazer valer a Justiça. E eu como amiga dela, quero que ela vá em frente. Muito tem ainda a dar a nossa gente sem se intimidar e sempre combatendo o bom combate”. Lúcia Dummar
Apresentação
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a sua importância para o jornalismo cearense e brasileiro. História esta que nem todos conhecem. Este livro-reportagem nasceria então já com a responsabilidade de ser o primeiro e único a tratar o tema. E eu a de ser julgada pela própria biografada e pelos leitores. Tornar-se biógrafa de Adísia Sá me parecia algo instransponível. Ela era como um mito. Eu estava diante de um desafio. Por que não vencê-lo? Hesitei um pouco, não sabia se ela me receberia, todos me diziam que ela era uma pessoa discreta e ríspida, por que comigo seria diferente? E ainda por cima para ela falar da sua vida? Aceitei a proposta por ousadia, por afinidade. Adísia Sá era uma grande figura, eu teria uma grande história para registrar e contar. A pergunta agora era onde encontrar Adísia Sá? Não apenas o seu endereço, não apenas as datas importantes, mas sua essência. A resposta estava em me aproximar da jornalista, com simplicidade e honestidade, de forma a conquistar a sua confiança. Ela ficou admirada com o meu interesse em escrever sua história, achava que sua biografia seria póstuma. E eu respondi: “Por que não? Você é a melhor fonte que eu posso ter!” Tanto que centrei todo o livro na figura dela, a partir dos encontros que tivemos, entrevistas e recortes de jornais do seu arquivo particular, além da leitura de alguns livros. Ela parecia adivinhar que um dia isso aconteceria, pois guardou em álbuns tudo o que escreveu e foi publicado sobre ela nos jornais. Esqueça então aquela regrinha básica do jornalismo de ouvir os dois lados, ou todas as partes envolvidas. Ora, toda informação veio dela direta ou indiretamente. Não que isso tenha sido por falta de tempo, digo até que foi proposital. Não me interessou ouvir outras versões do mesmo fato, ou outras pessoas. Embora tenha dedicado um capítulo aos depoimentos de colegas, amigos e companheiros de trabalho. Era dela que deveriam fluir as histórias, foi ela quem viveu, quem sentiu. Eu apenas a estimulei a contar, a resgatar da memória o seu passado, e esperava ansiosa que ela abrisse o seu mundo para mim. Não cabem aqui elogios exagerados. Fujo do mito, busco outra Adísia Sá. Não a mulher pública, mas a Maria Adísia Barros de Sá, em sua gênese
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VIDA E A TRAJETÓRIA DE ADÍSIA SÁ valeria um livro, tamanha é
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e metafísica. Procurei, então, a Adísia nas entrelinhas da palavra — muito além das suas palavras. Percebendo, algumas vezes, num fiapo de voz, uma fresta para a alma. Lia seus gestos, vestígios de sua personalidade pela casa, escutando suas reminiscências vindas ao acaso... Uma biografia é um gênero híbrido na literatura, no momento em que une jornalismo e literatura. Ele subtrai o lide e a objetividade, e acrescenta o estilo e atrativos da literatura. Em geral, exclui também a pressão e tensão do deadline (o que no jargão jornalístico, significa o horário ou prazo limite para entrega das matérias para impressão). A linguagem tem maior rigor estético, não há fórmulas. Este livro é a soma de pesquisa, criação, inspiração e escrita, dura escrita. Os recursos jornalísticos são insuficientes para dar fôlego a esse tipo de escrita. Na linguagem jornalística, dita objetiva, perdem-se cheiros, observações, cores. Por vezes, falta estilo, é um relato seco, quase um boletim de ocorrência como os dos escrivães da polícia. Mas, no jornal diário, é a notícia e o fato que devem prevalecer. A linguagem mais solta, quase literária se restringe aos cadernos de Cultura e Arte. Não basta ao escritor de livros-reportagem ver o fato, saber quem é o personagem, ele precisa conhecer, deve sentir, perceber o ambiente, ver além das aparências. A contribuição de saberes para escrever um livro-reportagem é multidisciplinar, no momento em que se vale, além de habilidades necessárias desse profissional, como a apuração, as entrevistas, a edição, de conhecimentos sobre Psicologia, História, Antropologia e Sociologia. Apesar de ter utilizado recursos literários, o que se lê neste livro são fatos fiéis à veracidade e à verossimilhança. Mesmo nos diálogos e construções de cenas, busquei em Adísia detalhes e percepções que me ajudassem a reconstruir um fato ou lembrança. Não há ficção. Aproveitei como pude a liberdade criativa dos elementos literários, brinquei com as palavras, com os discursos. Fiz deste trabalho um experimentalismo. Foi tudo baseado em algumas teorias que li e da minha intuição, do que eu sentia que fosse necessário, que devesse ser uma biografia. Tentei criar meu próprio estilo, sem copiar nem me basear em outros modelos existentes. Mesclando discursos, procurei imprimir em cada capítulo sua especificidade, determinando um estilo diferente quando necessário. Não porque falte estilo padrão ou coerência entre eles, e sim porque era a melhor forma de seguir o tempo cronológico. O primeiro capítulo, extremamente literário, foi escrito em flashback, reconstrói cenas da in-
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fância de Adísia, com descrições e diálogos fiéis aos depoimentos que ela me concedeu. O segundo capítulo continua nessa mesma linha, embora já comecem a aparecer elementos mais jornalísticos. O último capítulo, é mais subjetivo, foi escrito a partir de citações. É uma biografia atípica, não me apeguei a datas, não era essa a razão de ser do livro. Quis saber como se formou e como é a personalidade de Adísia Sá. Não me aprofundei em relatar sua vida profissional, embora eu comente muitas passagens, pois não poderia ignorá-las. Talvez isso até surpreenda um ou outro leitor, ou não lhes agrade. Fujo daquela forma tradicional, como tantas outras: “Maria Adísia Barros de Sá, nasceu em sete de novembro de 1929, em Cariré, interior do Ceará. De sua mãe, Dona Hermínia, carinhosamente chamada Dona Mimosa, herdou o Barros, do pai Seu José Escolástico, ou simplesmente Seu Zeca, a personalidade forte dos Sá. Caçula, de três irmãos: Orestes, Maria Olívia (ou Ivinha) e Arlindo (Lindinho), o irmão mais chegado...”. Além da criatividade, outro elemento essencial foi a sensibilidade, para perceber o que se escondia por trás daquela personalidade — “aparentemente durona”, além da persona1. A mulher despida de seus títulos e homenagens. Enlacei-me no subjetivo, tentei me prender ao âmago, interpretar traços que revelassem essa personalidade forte. Através de indícios, símbolos e influências, descobrir quantas contradições, sonhos, sentimentos e impulsos cabem dentro da pequena, mas tão grande jornalista. Quis traçar linhas precisas de um perfil humanizado, ler e reler Adísia Sá em suas sutilezas. Adísia Sá não se mostra com facilidade. Não foi nada fácil penetrar o seu mundo. É uma tarefa complicada ter que perfazer toda uma vida, em tão poucos meses. Confesso que nunca escrevi tantas páginas sobre um mesmo assunto e até me admirei do resultado. Rascunhos Imprecisos surge num momento importante na vida de Adísia Sá: em janeiro de 2005, ela completa meio século de dedicação ao jornalismo. Fiz uma viagem no tempo, mas não tenho a pretensão ou a ingenuidade de dizer que tenho aqui uma biografia definitiva, que consegui resgatar toda uma vida, em tão breve espaço de tempo. Rascunhos imprecisos é uma biografia e não a biografia. É uma tentativa de desvendar a vida da jornalista e escritora Adísia Sá, o seu mundo, seus pensamentos e sentimentos. E, no meio dessas descobertas, encontro Didisa (apelido carinhoso dado a Adísia, pelo irmão Orestes), menina levada que fazia guerra na areia,
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adorava ler gibis do Mandrak e super-homem, que ia ao cinema assistir a seriados filmes dos mafiosos e a seriados japoneses. Conheço Adísia em sua trajetória profissional, desde suas aspirações infantis até suas revoluções no jornalismo; seus sentimentos e personalidade. Eis um recorte de vida, uma versão, um rascunho meio que impreciso.
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O psiquiatra Carl Jung chama de persona a máscara usada por um indivíduo para se apresentar ao mundo e aos outros. Todos usamos máscaras, conforme nosso momento existencial. 1
Éramos como uma tribo, para dizer na linguagem judaica, uns agarrados nos outros. AdĂsia SĂĄ
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Capítulo 1
A tribo dos Sá
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s dedos brincando sobre as teclas do telefone, num vaivém nervoso, hesitante. Movimento que ia até os pés, impacientes, batendo no chão. Mais uma vez, conferi os números. Não entendia por que estava nervosa, mas era algo que vinha de dentro, involuntário. Estava diante de um momento decisivo, mas que era preciso superar. “É agora. Tem que ser agora”, pensei. Dessa vez completei a ligação. Respirei fundo. Qual é o problema, afinal? Está chamando... Está chamando... Ops! Alguém atendeu. — Alô? A dona Adísia está, por favor? — É ela. Diga, minha filha, o que você quer? Eu estava aqui, deitada, assistindo às Olimpíadas... “Puxa! Liguei na hora errada”, pensei. E agora? A entonação da sua voz me intimidava, ela me pareceu áspera. Lutando contra a minha timidez, me apresentei: — Queria apenas mostrar-lhe o meu projeto. — Sim. E o que você quer? Ela era direta, objetiva. Preparei-me para ser simpática e transmitir confiabilidade, pois não queria parecer uma “estudante inoportuna” que lhe tirava o sossego e lhe tomava o seu precioso tempo. Tentei fazê-la lembrar de mim. — Eu estive ai, no começo do ano, fazendo uma entrevista com a senhora sobre a entrada do capital estrangeiro nas empresas de comuni... — E o que você quer agora, menina? Não estou entendendo! Quer me entrevistar, pode me dizer o que é? Fiquei muda. Pode ter sido inexperiência minha calar, mas não havia muito espaço para explicações. A timidez me dominava e tinha medo que ela recusasse a minha proposta de biografá-la. Pode parecer tolice, pois ela estava ali, do outro lado da linha, pronta para me ouvir. — Posso ir até a sua casa, falar-lhe pessoalmente? — Disse-lhe quase mecanicamente. — Sim, pode, menina. Aguarde um momento que vou pegar a minha agenda.
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O ENCONTRO
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Nem acreditei! Ela concordou em me receber! Falar com ela, pessoalmente, seria mais fácil. Quando retornou ao telefone, ouvi o barulho das páginas da agenda sendo folheadas. Passava uma página, passava outra e parecia não encontrar uma brecha em meio a tantos compromissos. — Deixa-me ver... Sábado nem pensar. Segunda não, na terça tenho médico... Na quarta, à tarde, estou livre... Marcamos para as 14 horas. “Seja pontual”, ainda disse antes de desligar para voltar à atenção aos jogos Olímpicos. Senti um alívio imenso. Mas logo pensei que o que eu planejara não havia saído como queria, nem como deveria. Pois ainda faltava o principal: a autorização de Adísia para eu penetrar no seu mundo. Tinha comigo muitas incertezas. Precisava dar muitos passos, bem maiores e mais delicados. Como ela reagiria a minha proposta de escrever um livro sobre a sua vida? Era uma incógnita que me atormentaria até o dia do nosso primeiro encontro.
DIANTE DOS OLHOS Quarta-feira, 14h17min. Estou no elevador subindo para o apartamento da professora Maria Adísia Barros de Sá, conhecida apenas como Adísia Sá. Primeiro deslize: estou atrasada. “Seja pontual”, “seja pontual”, “seja pontual”... Essa última frase ao telefone, batia com força na minha cabeça e acelerava o meu coração, enquanto o elevador subia lentamente. Meus olhos, nervosos, passeavam do relógio para as pequenas luzes que indicavam os andares, e vice-versa. Para distrair-me, tentei lembrar de algumas palavras ensaiadas, dos gestos miúdos, comedidos, que deveria adotar. Mas de nada adiantariam palavras decoradas, mecânicas. Era preciso falar ao coração. Coisa complicada se levasse em conta a frieza do nosso primeiro contato. Tudo era importante, principalmente o modo de falar. Um pouco de psicologia ajudaria. Era um desafio, sem dúvida. O nervosismo era inevitável. Para minha surpresa, ao sair do elevador, encontrei a porta do seu apartamento entreaberta. Antes de avançar em sua direção, vi a sua figura miúda com uma camisa de cambraia rosa, bem engomada, e de calça preta, que passeava de um lado para o outro da sala. Fiquei observando, estática. Quando ela saiu da sala, toquei a campainha. — Então é você, a Luiza?! — disse-me com um sorriso e abrindo totalmente a porta. Eu pude observá-la mais de perto. No pescoço, uma corretinha dou-
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rada com a estrela de Davi. O perfume de lavanda estava no ar. Eu continuava a tudo perceber. Um olhar curioso sobre o ambiente, cada objeto fala por si. Todos os sentidos a favor de descobertas e observações valiosas sobre Adísia Sá. No umbral da porta, uma mezuzá1 pendurada, símbolo que significa “escudo de Deus” e identifica os lares habitados por judeus. Há uns cinco anos, Adísia tem o judaísmo no coração e como objeto de leituras, embora não tenha se convertido. Móveis clássicos, madeira escura. Um barzinho no canto da parede, garrafas de uísque. Uma cristaleira. As seis cadeiras da mesa de jantar parecem esperar por visitas, que raramente vêm e nem chegam a ocupá-las todas. Adísia Sá prefere assim, casa para ela é sinônimo de sossego, “coisa íntima”, só recebe a família e alguns poucos amigos. Adísia gosta da solidão, embora confesse ser “alucinada pela família, mas não a ponto de trazêlos para morar comigo!” O vento incomoda os vidros da janela, que fazem barulho interrompendo a calmaria do ambiente. A vista é uma panorâmica de prédios e o verde do Parque do Cocó. A televisão de 29 polegadas e um sofá com duas cadeiras. Meros detalhes... O que realmente compõe a sala e faz dela uma marca de Adísia Sá, é a aconchegante cadeira de balanço próxima à mesa do telefone e uma parede de livros. A estante ocupa a parede quase toda, indo de cima a baixo. Uma biblioteca, todos organizados em quatro partes: livros de jornalismo, literatura judaica, clássicos e arquivos de matérias e seus próprios trabalhos. Fora as 80 placas de homenagens e troféus, além de muitas corujinhas. Nenhuma foto. Há um vazio enorme neste móvel. Vazio que os outros não vêem, mas que Adísia Sá sente. São os livros de literatura policial, um dos gêneros preferidos dela. Há dez anos, quando mudou-se para o apartamento, doou uns quatrocentos livros para a Academia da Policia Militar. Ainda dói o coração da jornalista só em lembrar. O gosto é um resquício da infância, quando Adísia, menina, gostava de se debruçar sobre contos policiais e estórias em quadrinhos do super-homem e Mandrak. Sentadas na sala, revelo-lhe o objetivo da minha visita. Ela, balançando na cadeira de madeira, olha-me com desconfiança, ouvindo tudo atentamente. Mas, já ficando à vontade, estira as perninhas sobre o banco, em frente à cadeira de balanço. Agora os papéis se invertem: eu passo a ser
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objeto de observação de Adísia Sá. Ela me olha nos olhos, enquanto me ouve. Em dado momento, levanta-se para pegar na estante um arquivo de entrevistas, artigos e reportagens. São recortes de jornal cuidadosamente colados em folhas de sulfite. Muitos deles encontram-se amarelados pelo tempo, mas que registram parte da sua trajetória profissional. São mais de setenta álbuns. Tão curiosos são os nossos comportamentos... Até aquele momento, o ambiente era formal, as palavras ainda calculadas. Mas admireime quando alguns barulhos, no corredor do andar, fizeram-na saltar de “supetão” da sua cadeira, correr e trocar os óculos para abrir a porta. Imediatamente, a sua expressão séria transformou-se ao ver um menininho parado em frente a sua porta. Falou-lhe com uma voizinha doce: “Bonequinho! Hein, bebê, olha para a tia Adísia! Meu bonequinho!”. Derretia-se de amores, mimos e dengos com Lucas, garoto de 2 anos, seu vizinho. Perguntei-lhe se gostava de crianças, se gostava de bebês. “Não, não gosto muito não.” Falou com firmeza, voltando à postura anterior, de seriedade, ao mesmo tempo em que novamente se entregava ao revelar as suas contradições: “Mas ele é tão doce comigo...”. Fiquei curiosa para conhecer o restante do apartamento, mas não me atrevi a fazê-lo. Era a minha primeira visita. Fui até o escritório, tudo muito organizado, tudo nos seus devidos lugares. A tranqüilidade do local de criação. Outra cadeira de balanço e o banquinho de descansar os pés. Nas paredes, a graça: caricaturas, desenhos e cartazes em homenagem à jornalista. Prateleiras, com algumas placas de homenagens, livros e uma foto de Adísia. Sobre a escrivaninha, os jornais do dia, alguns poucos papéis e uma máscara?! Ela me diz que, hoje, tem alergia à poeira e à tinta do jornal, só lê de máscara. Em cima do armário, o xodó de Adísia, a foto dos dois sobrinhos bisnetos, Lucas e Lia. Para quem pensa que ia encontrar uma velha Remigthon ou no máximo uma Olivetti eletrônica, ledo engano. Como jornalista na ativa e moderna, não poderia deixar de estar ligada às novas tecnologias, tem computador, impressora e fax. Depois do muito conversar, eu já tinha observado tudo, cada detalhe do apartamento e percebido pequenas pistas de sua personalidade. E, para minha satisfação, saí de lá com uma reposta positiva e um bocado de idéias na cabeça. Ela ficou orgulhosa, porque sempre lhe procuravam para tratar de temas como ética, jornalismo ou política, mas nunca ninguém a procu-
rou para contar suas memórias com tanta profundidade. Ela demonstrou uma imensa felicidade e entusiasmo, seria um prazer ter sua vida contada nas páginas de um livro.
Deixe-me olhar para ela... Didisa era mesmo impossível. — Quero brincar lá fora! Deixa, mamãe, eu brincar na calçada! — Por que essa arrumação, menina? Brinque aqui mesmo, minha filha. — Na calçada é melhor, tem mais gente. Deixa, mãe...Deixa, mãe...— Repetia um milhão de vezes. — Tá,vendo, Zeca como a sua filha é teimosa... A mulher jogava a responsabilidade para o marido, não tinha tempo de ver o que a filha ia aprontar, nem muito menos queria brigar. A pequena batia o pé e não arredava um minuto. Fazia birra. Dona Mimosa já estava para perder a paciência. Tinha que correr para cuidar dos afazeres da pensão, que vivia lotada. Quase deixava o feijão queimar. Fora a raiva de ver os lençóis brancos recém-estendidos no varal, sujos pela fuligem que saía das grandes rotativas. A pensão ficava na rua Senador Pompeu, no centro de Fortaleza, a rua da imprensa. A menina sentou-se no chão da cozinha e ficou estalando os dedos, perturbando até a mãe ceder. Não tinha quem a convencesse do contrário. Seu Zeca estava em casa, fazendo a contabilidade. — Deixa a menina ter infância, Mimosa! Ela não pode ficar só em cima desses livros! Dona Mimosa era “aquela loba que vivia para cuidar dos filhos, trazia os filhos muito ao redor dela”2. A mãe não gostava muito de soltar na rua a caçulinha, como faziam as outras mães. Maria Olívia, irmã mais velha, que eles chamavam de Ivinha, já era mocinha e estava no internato. Seu Zeca achou por bem, mantê-la longe da pensão, já que lá era muito movimentado, cheio de rapazes e homens. Os dois irmãos mais velhos, Orestes e Arlindo estavam no colégio. Na rua em que moravam, a maioria eram meninos. Não tinha como deixar ela sozinha na rua, quem ia olhá-la? No máximo, Dona Mimosa deixava brincar no quintal da pensão, e só por alguns instantes. Não gostava de fuxico, de deixar os filhos se misturarem. Ela sempre dizia com aquela voz doce, abraçando os filhos: “Filho meu é da porta da rua para dentro, e não da porta de dentro, para a rua!”.
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PERTO DO CORAÇÃO
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E mantinha sempre os filhos debaixo da suas asas. Um olho na pensão e outro nas “crias”. Didisa se encostava à janela e ficava observando o movimento na rua, os meninos correndo, se escondendo, jogando bola. E queria se juntar a eles. Eles queriam sempre brincar na rua, nada de ficar presos ao quintal da pensão Sobral. E aquela inquietação, da filha estava deixando Dona Mimosa louca. — Pois então vá! Maria Adísia!— gritou, da cozinha, a mãe. Mal ouviu a frase completa, calçou as chinelinhas e correu! Seu riso azul se espalhou pela casa e chegou à calçada. Não era a toda hora que ela tinha essa liberdade de brincar na rua com as outras crianças. Vinha numa felicidade, já anunciando: “Vou brincar com vocês!” E os garotos riram e saíram correndo. E ela não titubeou e correu atrás. “Por que vocês não querem brincar comigo?” Eles nem respondiam. E a perseguição continuou. “Se pelo menos Arlindo estivesse ali, isso não aconteceria” — pensou. Chegou perto deles, e eles tornaram a se distanciar. Adísia bateu o pé. “Eu posso brincar na rua hoje!” — gritou-lhes em voz alta, irritada. Como filha de comerciantes, ainda tentou negociar: — Depois, eu trago umas revistas do Mandrak para vocês lerem! — Há! O quê menina? Volta para dentro de casa!- Disse um deles. — Vai brincar de casinha. Não precisamos de bodegueira hoje. — disse outro. — Eu não! Quero brincar de correr com vocês! A insistência deixou a molecada aborrecida. Ela chegou de mansinho, fazendo beicinho e, mais uma vez, perguntou: — Por que vocês não querem brincar comigo? — Quer saber mesmo? Você nem consegue correr direito, seu pé de papagaio! Há, há!3 — Riram os meninos. Saiu aos prantos. Foi ridicularizada no meio da turma toda! “Esse menino não podia falar aquilo. Não podia. Que menino abestado!” O pai pulou da cadeira quando ouviu o choro. — Que foi filhinha? O que aconteceu? — Esses meninos, pai... — mal conseguia falar de tanto soluçar. — O que eles te fizeram? Fala, menina?— Insistiu o pai. — Eles me chamaram de pé de papagaio... — Mas, são uns atrevidos! Vá lá e resolva, minha filha. Você não pode baixar a cabeça.
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Enxugando as mãos no avental, Dona Mimosa, abraçou Didisa e a levou para lavar o rosto. Não concordava em deixar a pequena resolver sozinha, mas também não ia contrariar a ordem do marido. — Deixa, mulher. Espere um pouco. Ela precisa aprender a se virar, nem sempre vamos estar aqui para defendê-la. Didisa enxugou as lágrimas, engolindo o choro. Refeita, tomou uns goles d’água e saiu de casa à procura do garoto que a havia humilhado. Agora, tinha fogo no olhar. Quando o encontrou, deu-lhe uma boa surra. Também apanhou muito. Mas não engoliu o desaforo. Não era raro ela perder o controle. Mas não era culpada por isso, pois estava no sangue. Ela aprendeu a lição, agora sabia se virar e impor respeito. Essa era uma marca dos Sá. Seu Zeca era um doce, uma figura extremamente generosa, mas não mexessem com ele, senão a violência vinha à tona. O pai de Adísia era imponente. Alto, forte e sempre sorridente. Estava sempre presente, mesmo quando distante. Na sala, logo perto da entrada, tinha um cabide. E o interessante era que, quando ele viajava, o chapéu ficava lá, quieto. Didisa não entendia o porquê. Um dia, perguntou: — Pai, por que quando o senhor sai deixa o chapéu aí? Por que não leva? — Que é para quando chegarem aqui, saberem que nesta casa tem ordem. Que é casa de homem, lugar de respeito e ordem. Era de caráter rígido, mas coração mole. Tinha uma bodega, em Sobral, que faliu de tanto ele fazer caridade. Era capaz de dar o próprio prato de comida se alguém chegasse dizendo estar com fome. E se alguém viesse sem camisa, ele tirava a dele e ficava sem. Tinha hábitos simples. Seu único defeito era guardar dentro de si um ser violento, um simples aborrecimento ou insulto o dominava. Aí, ele esbravejava e partia para o ataque. Quando se dava conta da sua ira, já tinha feito besteira, se arrependia tanto, procurava justificar a violência. Dona Mimosa usava os cabelos curtos e bem penteados. Andava muito arrumada e cheirosa. Também trazia sempre um sorriso no rosto para recepcionar os hóspedes. Era diferente do marido quando se tratava de ajudar os outros. Achava o marido muito mão aberta. Ela queria crescer, trabalhar muito e estava sempre economizando. “As minhas coisas são para mim e meus filhos!”, dizia ela sem remorsos. Era muito financista: se ganhava seis contos de réis, gastava só três.
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A VIDA NA PENSÃO SOBRAL
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O casal tinha uma pensão em Sobral, mas queria melhorar de vida. Assim, veio tentar a sorte em Fortaleza. Inicialmente, os Sá se instalaram na Senador Pompeu, rua onde ficavam os jornais da época, que, com o tempo, transformou-se na rua da imprensa. Essa primeira morada ficava entre o Correio do Ceará e o Unitário. Depois, se mudaram para outro imóvel que era vizinho ao O Estado, na mesma rua onde funcionava a Gazeta de Notícias. E se o local irritava dona Mimosa porque as gráficas dos jornais viviam lhe sujando as roupas que pendurava no varal, para Didisa seria o prenúncio para a descoberta da sua vocação. Mudar é sempre bom, mas dona Mimosa parecia estar sempre incomodada. Buscava incessantemente o melhor, era ambiciosa. Seu Zeca era viúvo quando conheceu dona Mimosa. Chegaram a passar dificuldades financeiras. Já dona Mimosa vinha de uma família rica, mas nem por isso o abandonou quando ele perdeu a bodega. Também não quis pedir ajuda a ninguém. Era com seu Zeca que tinha que ficar, na riqueza ou na pobreza. Em busca de melhor sorte, saíram de Cariré, depois foram para Sobral fugindo da grande seca de 1932. E foi em Fortaleza que fincaram raízes. Seu Zeca tampouco gostava dessa estória de viver mudando de um lugar para outro. Pensou até em se separar da mulher quando ela cismou em vir para Fortaleza. Ele queria formar seu ninho num canto e pronto. Na sua simplicidade, qualquer lugar podia ser bom, estando com a família. Bastava uma camisa para vestir, um teto e um prato de comida, não tinha ambições. Mas o amor foi maior que as diferenças, e eles continuaram juntos, indo de um lugar a outro, batalhando para sustentar os quatro filhos. A pequena Didisa crescia no meio de comerciantes. De tanto ver o pai fazer negócios e a mãe trabalhar na pensão, botou na cabeça que tinha que arranjar uma forma de ganhar dinheiro. Matutou, matutou. Correu no quintal, abriu um livro, olhou pela janela...Respirou. — Pai, eu quero montar um negócio! — O que minha filha?- Disse Seu Zeca, fechando o livro de Caixa da Pensão. — Quero ser engraxate! Seu Zeca deu uma gargalhada. “ Que idéia dessa menina, nem saiu dos cueiros, e já tem essas idéias!” disse para si mesmo. — Pois, então, me diga o que vai precisar... — passando a mão na ca-
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becinha da filha em sinal de apoio. A partir de então, ela não sossegou até ganhar uma caixinha com graxa e escovas. E lá foi ela toda satisfeita com a caixinha debaixo do braço. Os primeiros anos da pensão Sobral, em Fortaleza, foram muito difíceis. O dinheiro era curto, só custeava as necessidades básicas. Vendiam comida para poder comer, alugavam quarto de dormir para poder ter onde dormir. Seu Zeca, um grande provedor, Dona Mimosa, a mãe lutadora. Didisa e seus irmãos tiveram de se acostumar com poucos brinquedos. Mais valiam as idéias. Era Arlindo que inventava as brincadeiras. Didisa, que era a única menina da turminha, ficava sem escolha. Rapidinho teve que se adaptar às brincadeiras dos meninos. Se iam brincar de caminhão, toda cidade precisava de uma bodega para vender cachaça. Não precisava lavar as mãos, só boa vontade de catar algumas frutas do quintal e fazer umas garapas. O quintal era enorme, uma verdadeira floresta. Didisa era a bodegueira e cuidava de servir as “lapadas de cana”. Mas, era mimada também! Vez ou outra “encarnava” uma Cleópatra. Se transformava em rainha: toda faceira sentada em cima de uma pá, sendo carregada pelos meninos, com direito a abanador de folha de bananeira. E tudo era farra. Brincavam de Tarzan, de guerra de bolinha de areia... Havia horas em que ficava quieta. Não era sempre que aprontava. Bastava dar-lhe um livro que a interessasse. Podia ser até dos irmãos mais velhos. Isto é, se ela quisesse, porque era muito geniosa, para fazer qualquer coisa que não quisesse. Havia momentos de ser moleca e outros de reclusão, quando fazia dos livros sua companhia e viajava nas estórias. E tinha um preferido: As Aventuras de Tibiguera, de Érico Veríssimo. Se a noite estava bonita, de céu estrelado, Seu Zeca ia se sentar na calçada. Didisa, se aconchegava e ficava a admirar o pai. E quando menos percebiam se transportavam para um outro mundo de fantasia. Seu Zeca era um grande contador de causos e estórias, tão vivas e reais, coloridas, com cheiro de mato. A voz grave, ora ficava fina, os gestos largos, expressivos. Se o pai dizia que via almas passando por debaixo da rede ou um navio navegando no meio da floresta, era porque ele realmente via. A fala do pai era verdade para ela. Ele vivera durante dezoito anos no Pará, e era de lá que vinha a inspiração para tantas narrativas. As imagens se formavam e iam ficando cada vez mais nítidas, era possível tocá-las. As descrições e sensações abriam a imaginação de Didisa
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para a fantasia. Com o tempo, ia desenvolvendo também o gosto pela leitura, e, como conseqüência, a habilidade para escrever estórias. Com os livros, a mãe não economizava dinheiro. Pegava os meninos pelas mãos e “iam catar conhecimento” pelos sebos do centro da cidade. Nem precisavam ir tão longe. Há algumas quadras da pensão, ficava a Livraria José de Alencar. O Seu Edísio Gurgel, proprietário do estabelecimento na rua Guilherme Rocha, já conhecia os Sá, pois os irmãos mais velhos de Didisa sempre apareciam por lá. Não importava se tinham dinheiro ou não, Seu Edísio Gurgel vendia-lhes fiado, trocava revistas, fazia qualquer negócio. Didisa se perdia entre as prateleiras, se achava entre as letras e livros, passava horas e horas lendo o que queria. Todas aquelas estórias que o pai lhe contava, aquela imaginação colorida, encontrava-se impressa nas páginas dos livros. Mas isso não ficava guardado na cabecinha da menina. As suas fantasias ganhavam os papéis, pois quando menos se esperava, Didisa tinha escrito mais uma estória. Era um rabiscado sem fim. E tudo ganhava vida, ganhava letras e estórias, até em folhas de papel para embrulhar o pão, ela escrevia. Arlindo, o irmão mais gaiato, costumava perguntar-lhe: “Quantos quilos de papel você escreveu hoje, Didisa? E as folhas ganhavam formas e até diagramação. A menina começou a produzir, escrever e a editar o seu próprio jornal: o MABS (Maria Adísia Barros de Sá). Foi um sucesso. Ele era todo manuscrito e tinha apenas uma leitora: ela mesma. Era a imaginação que “pautava” esse jornal, a partir de tudo que acontecia ao seu redor, as estórias da pensão e da vizinhança. Ela guardava para si por timidez. Mas não era como um diário, pois nunca gostou desse tipo de coisa. Ela parecia ter algo de muito precioso, secreto. Era muito ensimesmada, o que a fazia parecer madura para a idade que tinha. Talvez por ter crescido no meio de tanta gente e, ao mesmo tempo, ser tão só. A mãe sempre falava em privacidade. Não é porque viviam numa pensão que todos os hóspedes deviam saber o quê se passava com a família dos donos. Então toda briga, todo sentimento, era muito guardado, silenciado. À medida que crescia, Didisa percebia que era diferente das outras meninas. Não sabia dizer o porquê, apenas sentia. Não compartilhava dos mesmos sonhos e brincadeiras das crianças da sua idade. Até mesmo porque na rua da imprensa, a maioria das crianças eram meninos. E era no meio dessa agitação que ela virava moleca. Gastava energia em brin-
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cadeiras ativas: subir em árvores, correr, pular, puxar caminhãozinho, guerra de areia. As idéias e os seus pensamentos iam além, por causa das suas leituras e vivências. Ivinha era delicada e doce, enquanto Didisa era violenta e muito ativa. Comparações entre irmãos são inevitáveis. E não paravam por aí. Mas Ivinha podia castigá-la por ser mais velha. Quando voltava para passar o fim de semana em casa, era a alegria dos pais, mas sofriam os couros de Didisa e Arlindo, os mais novos. Dona Mimosa era muito ocupada, não tinha tempo de ficar cuidando dos filhos, era cada um por si. A Pensão Sobral estava sempre cheia de gente, tanto de hóspedes, quanto de jornalistas que vinham apenas fazer as refeições. Quando Ivinha estava em casa, sobrava para ela assumir os afazeres domésticos. Depois de um dia inteiro de muita brincadeira no quintal, Didisa e Arlindo entravam em casa imundos. A “madrasta — temporária” ordenava: “Já para o chuveiro!” E ela não perdoava sujeira, nem banho mal tomado. Com ares de mandona, tratava de botá-los embaixo do chuveiro e esfregar suas costas com um caco de telha. “Como são selvagens meus irmãos! Não sabem nem tomar banho direito!”, dizia enquanto lhes “propiciava” alguns beliscões. Um dia, Ivinha tomou para si a responsabilidade de ensinar “modos” a Didisa. — Vamos lá, pequena! Vou te ensinar como sentar à mesa e comer. — Não. Agora não, depois você me ensina, Ivinha... — Não, Maria Adísia! Sou sua irmã mais velha, estou cuidando de você. Precisa me obedecer! — Mas, Ivinha... — Sem mais nem menos. Vamos lá. Estavam sentadas à mesa. Ivinha de frente para Didisa, que a fitava com um olhar fulminante. — Faz de conta que sou um espelho, Adísia. Tudo que eu fizer você repete... — Eu quero brincar! Vou contar para a mamãe! — Se você contar, eu te dou um beliscão. Senta aí e vê se me obedece. — Tá bom — disse a menina engolindo o choro. — Vamos lá. Essa mão pega no garfo e a outra na faca... Didisa estava assustada, pois Ivinha se impunha muito e vez ou outra lhe dava uns beliscões. Meio desajeitada, a menina imitava cada gesto, sem questionar se estava certo ou errado. Resultado: o que para Ivinha era mão
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direita para ela era esquerda. E foi imitando e treinando e acabou aprendendo tudo trocado.4 Foram muitos “carões” e cocorotes. Mas um dia, Didisa conseguiu se vingar. Coisa sem maldade, um sem querer amarelo. Foi só a irmã voltar para o colégio, que Didisa sentiu uma vontade “inesperada” de brincar de boneca. Pegou uma cadeira, empilhou algumas caixas sobre ela até alcançar em cima do guarda-roupa e lá encontrou as bonecas queridas e bem cuidadas de Ivinha. E havia mais: cadeirinha, caminha... A pequena mexeu, espalhou, bagunçou, sentou nas cadeirinhas e ops! Sem querer acabou quebrando as cadeirinhas. E olhe que foi um “carão” tão grande... E uma pisa segura da Ivinha. Seu Zeca e dona Mimosa nunca bateram na menina, não que ela não merecesse, mas era do feitio deles. Nem sequer gostavam de brigar com a caçula. A segunda vingança ocorreu alguns anos mais tarde, quando a irmã viajou para casar e eles foram deixá-la no porto da Praia de Iracema. Dona Mimosa chorava demais, soluçava, abraçava a filha com força. Por mais que Ivinha passasse a maior parte do tempo longe da família, no internato, era difícil essa separação. Ela já não era mais uma menina, ia casar e fazer a sua vida no Acre. Dona Mimosa não queria, mas sabia que uma hora ou outra isso ia acontecer. Didisa ria, mas era um sorriso debochado. Quando viu o barco longe, distanciando-se, já sem mais jeito da irmã poder desistir e voltar, Didisa subiu um pouco o vestido e ajoelhou-se no meio das pessoas para desabafar “Graças a Deus, essa desgraçada foi embora!”. Dona Mimosa não a perdoou por muito tempo. “Como podia a menina falar assim da própria irmã?”. Nesse dia, foi tanto “carão”...
TEMPOS DE ESCOLA, RASTROS DE GIZ De joelhos no milho! Quanto pesar, lamúrias. Castigo por ser desobediente. Didisa apenas observava o irmão Orestes de castigo no canto da parede. Engolia seco, ela era danada, mas sabia ficar quieta para não merecer tal penalidade. O professor Luiz Felipe, da escolinha de Sobral, era carrasco. Os meninos tremiam só de ouvir o nome dele. Na base dessa pressão ela aprendeu o bê-á-bá. “Os Sá são maravilhosos, são uns cordeirinhos quando calmos. Mas, não mexam com eles, que ai viram uns leões.” Dizia o professor Edílson Brasil Soárez, do Colégio Sete de Setembro, dando aquela gargalhada. Ele tinha
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um enorme carinho pelos “Sá”, que estudaram apenas um ano nesse colégio. Foi um período de muita malinação, mas como era uma escola de protestantes, os meninos foram obrigados a sair por causa da família, do lado paterno, que era muito católica. O trio de leõezinhos aprontava todas por aqueles pátios e salas, eram conhecidos por todos. E a fama de serem zangados corria o colégio. Didisa causava rebuliço, não era de agüentar insultos. Certa vez, uma coceirinha no pé resolveu incomodar. Ela sentou num batente e tirou o sapato, para resolver o incômodo, discretamente. Na hora do recreio, umas meninas começaram a rir quando a viram. Didisa não gostou. E assim, sem mais nem menos, Ivone Queiroz disse que o pé era feio e a chamou de pé de papagaio. Didisa virou uma fera, apesar da garota ser bem maior que ela. Como uma leoa raivosa, esperou a encrenqueira se virar e a empurrou de cara na parede. Pá! O nariz da garota começou a sangrar. As outras ficaram chocadas, não tiveram como reagir. E a “vítima” gritava desesperada: “Olha o que você fez Adísia! Você vai me matar!” E foi aquele estardalhaço. Um corre-corre de menina para lá e para cá. Didisa correu e se escondeu. Ela e sua turminha tinham um esconderijo. Era um velho sótão, onde a “gangue” se reunia para fazer planos, brincar, tentar fugir da aula. A cada dia, os meninos inventavam uma “marmota” diferente. Eles tinham mania de sair catando pedacinhos de giz pelas salas e guardavam dentro das calças. Todos tinham que fazer isso. Se Arlindo fazia, Didisa repetia. Eles saiam à caça de giz. Ainda estava na hora do intervalo e as outras crianças estavam brincando no pátio. Passos leves. Um vigiando a porta. Foram surpreendidos pela professora de português da terceira série, uma senhora muito gorda. Saíram atropelando tudo, perceberam que vinha encrenca e correram para o esconderijo. Esbaforida, a professora desistiu da perseguição no meio do caminho e foi chamar o professor Edílson. Passos rápidos, o paletó desabotoando, olhos de águia, suava horrores, percorria os corredores como quem corre numa olimpíada. Ouvia pisadas. Nem foi difícil achar a “gangue”: estavam todos no velho sótão, denunciados pelo rastro de pedaços de giz... Inesquecível também, o professor de Ciências, o professor Rubens Soares, que era irmão do professor Edílson Soares, e “o homem mais bonito que eu já vi no mundo!”, confessa Adísia. O professor Edílson transmitia às crianças uma noção de civismo muito forte, ensinava o amor à pátria,
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os hinos. Havia hasteamento da bandeira toda semana e os tradicionais desfiles na Semana da Pátria. Os ensaios, antes do grande dia, a prova das roupas, as emoções, cores... Didisa, tão pequena, vinha no batalhão de enfermagem, segurando um carneirinho. Orestes, o comandante do batalhão, estava muito vaidoso na sua farda branca. Arlindo era muito orgulhoso, mas se machucou antes do desfile e foi atendido pela enfermaria. Tudo muito organizado e bonito, muitas pessoas vinham acompanhar o desfile. As meninas assanhadas, suspiravam e não tiravam os olhos do comandante do batalhão de enfermagem, Fábio Girão. “Ele era a paixão de todas as meninas inclusive a minha!” Afirmava Didisa. De lá, os meninos foram estudar no Liceu. E Didisa foi para o Colégio da Imaculada Conceição, onde ficou interna. Sempre que ia visitar a filha, Seu Zeca morria de dó, parecia que a menina estava cada vez mais magrinha, pouquinha. Ficava até preocupado, se estavam cuidando bem da filhinha dele, se tinha comida bastante, ou se era ruim... “Tão matando a minha filha de fome!”, dizia o pai cuidadoso. Acabava levando Didisa para passar o final de semana em casa, para ver se ela engordava um pouco. Tanta coisa se passava na cabeça de Seu Zeca, chegou até a levar a pequena no médico. Não era por rebeldia, porque ela até gostava de estar ali. Irmã Simas Cola, a diretora do Colégio, tinha uma simples explicação: “Senhor José Escolástico, essa sua menina é muito danada! Não pára nem na hora da missa! Não se concentra, não respeita nada!” Ele saía meio desconfiado, conhecia a filha que tinha. Seu Zeca acabou tirando Didisa do internato, ela continuou estudando no Colégio da Imaculada Conceição, mas voltando todo dia para casa. Didisa vivia com intensidade a cada momento, agia por impulso. E se divertia nas pequenas coisas, na sua imaginação. Era uma criança cheia de personalidade, autêntica, sabia o que queria e não havia quem a desviasse daquilo que tinha em mente. De nada adiantavam pressões externas nem querer lhe ensinar ou colocar qualquer coisa na sua cabeça, que ela não quisesse, que não fosse de sua natureza. Moleca, preferia subir nas árvores que fazer um bordado. Diferente da irmã mais velha, Ivinha, que era interna do Colégio da Imaculada Conceição. A diferença entre as duas era de oito anos. Didisa era livre, feliz, por ser quem ela era. “Para quê bordado? Eu não! Prefiro ler, brincar...”. Nos colégios católicos da época, a educação para as meninas era completa. As irmãs da Imaculada Conceição ensinavam as matérias de escola
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comum, mas as moças também eram educadas para as tarefas e prendas domésticas, além da base moral religiosa. A educação era rígida. Ivinha era uma verdadeira lady. Tão prendada que orgulhava a mãe. “Minha filha é tão prendada, sabe bordar, sabe cozinhar! E você não sabe fazer nada!” Dizia dona Mimosa, condenando as danações de Didisa. Seu Zeca partia em defesa da outra filha: “Deixa a minha filha ser como ela é”. E realmente naquela época a menina só sabia ser danada, ler muito... e ser mais danada ainda. Na sala de aula, Didisa queria distância de números. Nunca gostou de matemática ou aritmética. Preferia leituras, principalmente as de História e Língua Portuguesa. A educação era rígida, as cadeiras bem enfileiradas. A Irmã Josefa era uma mineira muito agoniada. Exigente, todos os dias, ela fazia uma “vistoria” nas meninas, parava na porta e examinava uma a uma. Olhava se as unhas estavam limpas e bem cortadas, se não tinham piolhos, se a farda estava bem limpa e engomada. Cada menina com seu “Álbum Seriado” de português sobre a mesa. Eram livros grandes, cheios de figuras coloridas onde as alunas desenvolviam todas as habilidades da escrita. As crianças tinham que escrever, interpretar, compor e ler em voz alta. As impressões individuais eram muito levadas em conta. A professora escolhia a figura e dali cada aluna tinha que interpretar o que via naquela figura, fazer uma descrição minuciosa. Depois, escrever uma estorinha contando o que se passava naquela cena. E, por fim, tinham que fazer uma cópia e um ditado. A Irmã Maria fazia sorteios e escolhia algumas alunas para ler seus textos a fim de que a sala inteira ouvisse. O que para a preguiça de algumas era terrível, para Didisa era quase uma diversão. Mas quando se tratava de ficar quieta na aula de matemática... Paciência tem limite! E um dia, “o último fio de paciência” da pequena se perdeu entre tantos números e contas. E começou a cochichar com Ivone Queiroz — depois da briga, ficaram grandes amigas. Irmã Maria reclamou, foi grosseira e ainda pediu para Didisa responder umas contas na lousa. A menina disse que não. E ficou de castigo. Passou o recreio inteiro escrevendo cem vezes: Eu estou aqui para obedecer às irmãs, Eu estou aqui para obedecer às irmãs, Eu estou aqui para obedecer às irmãs... E se, antes, a matemática era o pesadelo. Agora, surgiam outros três bichos papões: Física, Química e Biologia. “Ou seja, não gostava de estudar quase nada!”, afirma com uma sinceridade! Constancinha Teles (hoje, Távora) era sua grande amiga, muito inteligente e aplicada, sempre ajudava
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Adísia com esse “fardo”. Estudavam juntas.”Devo a ela ter passado no segundo científico. Minhas notas eram baixíssimas! Quase reprovei!” Quando fazia o terceiro científico, de novo o suplício, mas dessa vez, ela tinha ferozes advogados. Se ela não se formasse não haveria festa de conclusão de curso, dizia a turma em coro. Adísia era a oradora da cerimônia. E quem sabia mais, a ajudava, dava força, conversava com os professores. Com muito sacrifício, ela conseguiu. Foi uma fase difícil, sempre ficava de “segunda época”. E a aversão era tão grande a algumas matérias, que valia de tudo para fugir das aulas. Se refugiava nos Encontros da Ação Católica. Quem não gostava dessa estória era o professor de matemática, o Aristides Ribeiro, desse tamanhozinho, mas carrasco que só ele. Já era uma mocinha, não tinha mais por que sair somente acompanhada dos irmãos. Chegou um dia que ela disse: “Minha mãe, vou ao cinema!” E para o espanto da adolescente, Dona Mimosa que era tão protetora, falou naturalmente: “Pode ir, mas volte assim que acabar!” A partir daí, rompeuse um vínculo, aquela dominação de prender a filha na barra da saia. E Adísia ganhou o mundo.Tinha entre quatorze ou quinze anos. Ir ao cinema passou a ser o seu programa preferido. Foi com Dona Mimosa assistir ao filme de estréia do Cine São Luiz, Balalaica, um musical que contava a estória de um cantor muito bonito. As pessoas iam assistir aos filmes como quem vai para um desfile ou festa de gala. As senhoras e damas iam todas de chapéu, os homens de paletó e gravata. Às vezes, Adísia ia sozinha ao cinema ou combinava com as colegas. Saíam da escola, ainda de farda. No São Luiz, na Praça do Ferreira, local de muito flertes. Os rapazes, muitos deles cadetes, ficavam reunidos esperando as garotas num local bem estratégico: a “Esquina do Pecado”. E quando dava uma ventania, as meninas saíam naquela bagunça rindo para os garotos. Adísia paquerava, tímida. Os rapazes retribuíam, mas era coisa muito passageira. “Era a maior anarquia! No fundo, a gente queria que a saia levantasse mesmo! Paquerava muito? Não. Todo mundo tinha seu namoradinho. Eram coisas muito passageiras. E eu estava mais preocupada em ser gente! Em estudar e ter minha independência.”, confessa Adísia dando a maior gargalhada.
CORAÇÃO DE ESTUDANTE “Aquilo me doía muito. Aqueles meninos injustiçados... Tinha a estória
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do meninozinho rico e do meninozinho pobre que se encontravam em um banco de jardim. O menino rico vinha com sua empregada, e o outro com um senhor. E o menino rico se exibindo para o menino pobre: — Olha as minhas botas como são bonitas! — E o outro menino calado. — Olha a minha roupa! — disse se levantando do banco e o menino caladinho. — Você não está vendo?! Olha o meu relógio, você não tem relógio?! — Já aumentando o tom de voz. Foi quando o homem que estava com o menino falou: “Ele não fala porque é cego!” Nunca me esqueci dessa estória. Dói-me ainda hoje.” Os olhos úmidos transparecem, quase que sem querer, um desabafo. Adísia cita uma passagem de “O Coração”, de Edmundo de Amicis, seu livro da juventude. Pois nunca, nunca, lhe saiu da mente e do coração. Não foi fácil para Didisa entrar no Colégio da Imaculada Conceição. Não estava acostumada com tanto rigor. E quanto mais o tempo passava, mais ela sentia que lá não era o seu lugar. A distância social era muito grande. Aquelas meninas eram todas filhas da alta sociedade, enquanto ela era uma garota simples. E isso criou uma separação muito grande. Enquanto as colegas iam nos seus carrões para o bairro Aldeota, Didisa ia e voltava a pé da escola. Sempre havia a pergunta: “Você é parente de quem?”. E ela não era parente de nenhuma figura importante, era somente a filha do Seu Zeca e da Dona Mimosa, donos da Pensão Sobral. As diferenças sociais eram algo que lhe doía, mas ela não sabia como conceituar, mas parecialhe que aquilo não era correto. Às vezes, as Irmãs utilizavam dessas diferenças sociais para intimidar algumas alunas. Isso tornava a situação dos menos afortunados mais difícil, pois o preconceito era estimulado por aquelas que deviam educar e dar o exemplo. Como Didisa era muito levada, era comum ela ir parar na sala da diretora, Irmã Simas Cola. “Que menina é essa? Ela é tão diferente porque foi criada aí...”, dizia a Irmã, sem piedade. Certa vez, Maria Olívia tomou as dores da irmã e foi reclamar, que aquilo não passava de perseguição a uma criança inocente. E aquilo ia remoendo por dentro, machucando a alma, impregnando o coração da menina. Mas isso também foi formando o seu caráter. Didisa sentia a discriminação muito sensivelmente nos primeiros anos. Era uma coisa velada, mas que podia ser percebida pelos olhares, pelas palavras duras. As Irmãs organizaram uma sabatina de História, ganharia a aluna que
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acertasse mais respostas. Didisa era fascinada por História, lia muito e resolveu se inscrever. Tinha uma semana para se preparar. O teste seria na próxima sexta-feira. E justamente no dia marcado, ela precisou faltar porque Dona Mimosa estava muito adoentada. Na segunda-feira, a menina foi recebida com a cara fechada pelas Irmãs. Antes de começar, Irmã Germana Colares comentou os resultados da competição e perguntou a Didisa por que ela tinha faltado. A menina justificou. A freira parecia não ter ouvido, seus comentários foram ríspidos: “Isso acontece com gente que não é do mesmo nível!” E a pequena foi humilhada na frente das garotas. E o coraçãozinho dilacerado por tão inconseqüentes palavras. E disse para si mesma que jamais faria isso com quem quer que fosse. Sobre as pernas de Didisa, sempre havia livros abertos, suas eternas companhias. Sempre debruçada sobre leituras profundas. Tinha uns quinze anos, quando descobriu “O Coração”, de Edmundo de Amicis, que trazia estórias edificantes, sobre amizade, sobre injustiças. E se as lágrimas caíssem, molhariam também as páginas de “Alma de Criança” de Dostoievski. Não aceitava aquilo. Didisa nunca aceitou injustiça e discriminação. Uma pessoa não pode ser um sobrenome, seu caráter não pode ser definido por sua classe social, ou pelo que ela ostenta. Gente é alguém com caráter. E era isso que dona Mimosa queria dizer quando afirmava que os filhos deviam crescer para tornar-se “gente”. “Filho meu vai ser gente, para sair daqui!”, afirmava dona Mimosa. E ela achava que só poderiam ser gente e dar esse salto se tivessem estudo. E Didisa gostava muito de estudar. Menos aritmética. Devorava os livros socialistas dos irmãos, que estudavam no Liceu, lugar onde o ambiente era de muita efervescência cultural em função do Jáder de Carvalho.5 Tinha quase tudo para ser uma comunista, a mente aberta através das leituras, os debates com os irmãos... No Colégio da Imaculada Conceição, não havia espaço para esse tipo de atividade. Por que ela não quis ser comunista? Até concordava com algumas idéias dessa ideologia, mas não era de sua natureza engajar-se em política, pelo menos naquela época. Religião também não lhe despertava muito interesse. Apesar de ter estudado em colégio de freiras, a religião não a influenciou. Nunca fez parte desse mundo. Nunca foi religiosa. Os pais não tinham costumes religiosos. Dona Mimosa passou quinze anos sem pôr os pés numa igreja. Adísia não sentia no seu coração, nem nos seus pensamentos, nenhum sentimento religioso. Enquanto as freiras faziam orações, o pensamento de Adísia via-
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java, questionava aquilo tudo. As dúvidas começaram no terceiro científico, quando estava participando de um retiro espiritual. O pregador era um padre que também era cientista, Arquimedes Bruno. Ele falava de Deus, sobre a sua imagem, que Ele era onipresente. E que bastava uma só palavra, “Faça-se”, e tudo se fazia, porque a palavra d’ Ele é eterna. E tudo isso era dito para uma adolescente. Tão obscuro e tão misterioso, em uma mente que não conseguia entender o quê isso significava. Perguntava-se “como pode ELE estar presente em tudo? E ao mesmo tempo? Que Deus é esse que eu estou aprendendo aqui? E este homem está dizendo que este é que é o Deus...”. E, a partir daquele momento, ficou procurando Deus em todas as coisas. Mas não encontrava respostas. A grande lição que Adísia aprendeu com a Igreja foi a da humildade para com os miseráveis. Quando fazia o ginásio, a diretora era a Irmã Elisabeth Silveira, por quem Adísia tinha uma enorme admiração. Toda semana, a Irmã Maria Montenegro, que era professora de religião, levava algumas alunas para se confessarem com o padre Hélio Campos, que morava no Pirambu. E ela fazia questão de aproveitar o “passeio” e mostrarlhes a comunidade, o modo miserável como viviam seus semelhantes. O mundo da “alta sociedade” parecia sórdido diante de imagens tão chocantes. Algumas meninas ficavam muito tocadas com essa situação. Era um outro mundo, cruel e absurdo.“Vocês pensam que o mundo é só o bairro da Aldeota? O mundo é isso aqui também! Isso aqui é vida! São nossos irmãos e devemos cuidar deles!”, explicava Irmã Elisabeth. Essas imagens marcavam-lhe a consciência, o coração e a alma. Ver outra realidade, tão próxima e ao mesmo tempo tão distante, tão seca, deprimente. Adísia importava-se pela sorte dos outros, crescia nela um senso de solidariedade muito forte. E refletia, não concordava com tantas injustiças. Queria fazer algo. E fazia. Quando começou a cursar a Faculdade de Filosofia, Adísia já trazia esses valores dentro de si. Um dia, houve uma festinha de uma colega da faculdade, e sobrou muito bolo, muita comida. Na época, uma grande seca assolou a cidade de Fortaleza, que deixou muitos flagelados no bairro do Alagadiço. E ela disse: “Vamos levar essa comida para o pessoal do Alagadiço!”. E para seu espanto, aquela turminha da Juventude Universitária Católica (JUC) se recusou, afirmando que não faziam esse tipo de trabalho. Ela ficou chocada com a indiferença. Como podiam elas se denominarem
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pessoas tão boas e caridosas e se negar a ajudar aqueles miseráveis? Uma moça, vestida elegantemente, aproximou-se dela, e disse: “Nós não fazemos esse tipo de trabalho! Isso aí tem quem faça. Nós somos os pensadores, estudamos a palavra!”. Ela não desistiu: “Mas eles estão precisando!”. Não obteve resposta. Sem dizer mais nada, arrumou os pacotes e levou os alimentos para os necessitados. Naquele momento, ela rompia mais uma vez com toda a hipocrisia, dos falsos santos e assemelhados. Que caridade era aquela? Que irmandade? Quanta falta de humanidade, para quê tanta leitura se faltam sentimento e compaixão? O laço com a Igreja seria rompido definitivamente.
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É um invólucro que contém um pequeno pergaminho com um texto sagrado. Segundo os costumes, ele traz proteção, saúde e sucesso financeiro. 2 “Fomos criados muito dentro de casa. E isso foi muito interessante porque criou um senso de família muito grande e de poucas relações. Daí por que eu posso dizer que sou uma mulher pública, mas de pouquíssimas amizades. Porque ela não aceitava, não admitia”. Explica Adísia. 3 Uns trinta anos depois, Adísia conta que estava no avião quando um senhor a abordou e se identificou: “Você lembra daquele menino que disse que você tinha pé de papagaio e você foi lá e deu uma pisa? Aquele menino era eu!” Era o Antônio Romcy. 4 “Ela foi responsável por um grande erro meu! Eu não sei pegar a faca com a mão esquerda, ainda hoje eu só corto com a mão direita”, confessa Adísia. 5 Poeta, jornalista, advogado e romancista. Sua biógrafa, a jornalista Ângela Barros Leal, o define sinteticamente: ‘’Polêmico, contraditório, romântico, panfletário.” 1
Se você for um jornalista, que seja verdadeiramente um jornalista. Se começar dizendo que ganha pouco e que tem que ficar no emprego, nem que para isso venda a “alma”, então se prepare.Você vai ter a cela, os estribos, o bridão e não será um jornalista.Nunca! Nunca!!
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Adísia Sá em palestra na Universidade Federal do Ceará, em 1983, tendo na platéia o professor e filósofo Francisco Auto Filho e a jornalista Virgínia Crisóstomo que faz anotações para reportagem no jornal Diário do Nordeste
Capítulo 2
Vocações e paixões O QUE VOCÊ VAI SER QUANDO CRESCER?
inexplicável, aquele barulho das enormes rotativas dos jornais embalava os sonhos da menina que escrevia o MABS. O cheiro forte do chumbo das linotipos, lhe invadia as narinas, apossando-se do seu coração. “Aquilo me dava um prazer tão grande quanto o cheiro do pãozinho feito na hora, da padaria Palmeira, que ficava na esquina da Senador Pompeu com Guilherme Rocha, e que tinha como proprietários os srs. Firmino e Albano Ferreira da Silva”, revela Adísia. Era uma atmosfera inspiradora, aguçando-lhe os sentidos. A mãe reclamava da fuligem da gráfica, mas a curiosidade da menina aumentava a cada dia. O entra e sai de jornalistas da Pensão, suas conversas, os jornais. Ela escrevia muito, sempre. As letras e frases escorriam-lhe com facilidade pelas mãos, ganhavam vida nas folhas soltas. A inspiração era uma constante nas suas descobertas cotidianas ou nas poesias de mocinha. Na escola, todos elogiavam as suas redações. Irmã Elizabeth Silveira percebia isso e sempre a apoiava para que continuasse a escrever e cada vez mais desenvolvesse a sua habilidade de escritora. Um dia, uma simples pergunta fez com que ela despertasse por completo para sua vocação. Fazia o terceiro científico, precisava decidir que carreira seguir. O Colégio da Imaculada Conceição recebeu a visita do padre Nivaldo Monte, escritor e psicólogo, muito amigo da Irmã Maria Montenegro. Em certo momento, perguntou o que cada uma delas pretendia fazer quando se formasse. A maioria respondeu que queria ser mãe e dona de casa. Adísia deu um pulo e de “supetão”, orgulhosa, disse: “Eu quero ser jornalista e escritora!”. Então, ele quis saber se ela escrevia todos os dias. Respondeu que não, mais por timidez do que por não querer lhe mostrar o que já havia escrito. “Então, você vai escrever todos os dias uma matéria, todos os dias. Tenha ou não tenha assunto, você vai escrever pelo menos uma página por dia!”, aconselhou-lhe o escritor. E, desde então, não ficou um dia sem escrever. Às vezes, era uma carta, um artigo ou um texto qualquer. Seus textos eram sempre elogiados mas,
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assim como vinha o reconhecimento, era natural que também viessem as críticas. No entanto, nem sempre se está preparado para ouvi-las. Qualquer palavra mal calculada, áspera, pode destruir um sonho. Sabendo que Adísia queria ser escritora, Irmã Maria Montenegro pediu para ler alguns contos que ela tinha escrito. A menina saiu empolgada, tinha grande admiração pela Irmã. Pegou uma pastinha, preparou uma coletânea de contos e os levou para a Irmã, que os recebeu com a maior alegria. No outro dia, Adísia foi falar com a Irmã Maria para saber a sua opinião. — Que tal meus contos, Irmã Maria? — perguntou-lhe a menina com o sorriso aberto, ansiosa. — Eu os rasguei! — respondeu-lhe a Irmã. Adísia engoliu a seco. — Como, Irmã?! Não entendi — perguntou ela angustiada. — Eu rasguei seus contos — disse-lhe com um olhar que lhe pareceu cruel. — Por que a senhora fez isso? Por que a senhora os rasgou? — questionou com farpas na língua. — Porque você escreveu sobre coisas que você não conhece! Adísia ficou muda. Daí por diante, ela ficou muito inibida para escrever contos. Criou-se um bloqueio. A Adísia contista morreu naquele instante, entre os papéis rasgados. Aquilo foi marcante para ela. Saiu indignada e magoada, como se naquele momento tivesse se quebrado algo de muito precioso entre elas, toda aquela admiração e amizade. Ela não tinha o direito de rasgar aquilo que não era dela, pensou. Até porque, por ela ser uma professora, deveria apontar os erros e corrigi-los, não pôr fim naquilo tudo. “Ela não tinha o direito de rasgar. De destruir o trabalho de uma profissão. Quem sabe eu tivesse sido até escritora?”, lamenta Adísia, com uma entonação que ainda denuncia mágoa. Quando terminou os estudos no Colégio da Imaculada Conceição, chegou a hora de conquistar o mundo. De uma coisa ela tinha certeza: não queria ser igual às outras moças, casar e ter filhos. Não era de sua natureza. Seu objetivo era estudar e ser independente, seguir a carreira do magistério e do jornalismo. Queria ser “gente”, como dizia dona Mimosa. Em busca de respostas dos mistérios da vida e de Deus, influenciada pelas leituras dos livros de dois filósofos que admirava, São Paulo e Santo Agostinho, resolveu estudar Filosofia. Passou no vestibular para bacharelado em Filosofia
Pura, na Faculdade Católica de Filosofia do Ceará, em 1951.
Sua vivência tornou-se mais rica, o crescimento do seu mundo interior misturava-se ao ambiente da Pensão. Muitos jornalistas passavam por lá para tomar um café, outros eram hóspedes. Nesse vaivém de gente, Adísia aproveitava para conversar com eles. Um dia, conheceu Jerônimo do Vale, gerente do jornal O Estado, e resolveu mostrar-lhe algumas crônicas. Jerônimo gostou e a convidou para escrever uma coluna para o jornal. No começo, ficou confusa. Expôr seus escritos... O medo da crítica ainda a atormentava. Resolveu arriscar. A coluna se intitulava O Julgamento de Eva e tratava de temas atuais, principalmente de política. O ano era 1950. Na faculdade, editava e escrevia o jornalzinho do Centro Acadêmico de Filosofia. Mais tarde, também passou a redigir uma coluna universitária no jornal Gazeta de Notícias. Se antes ela mal tinha pisado na redação de um jornal, agora surgia a oportunidade para conhecer melhor um mundo que a fascinava. A partir de então, passou a ter um contato direto com o cotidiano do jornalismo. Na Gazeta de Notícias, logo ficou conhecida pelos colegas de redação. Quando ia deixar os seus textos, aproveitava para visitar todos os departamentos, conhecer todas as etapas de produção do jornal, conversar com os mestres das oficinas. E a idéia de ser escritora persistia e amadurecia. Adísia passou a freqüentar a Casa de Juvenal Galeno, um centro de intelectuais, inspirados nos clubes europeus. Era um espaço onde se realizavam conferências, debates, trocavam-se conhecimentos. Quem sabia tocar piano tocava, quem quisesse declamar um poema... Os saraus literários, que animavam as noites da Casa, eram prestigiados por escritores famosos como Leonardo Mota, Quintino Cunha, Jáder de Carvalho, Fernandes Távora, Raimundo Girão, Moreira Campos, Mozart Soriano Alderaldo, políticos, poetas e interessados em arte. Entre as mulheres, Jandira Carvalho, Maria de Lourdes Gondim e Geraldina Amaral. “E o interessante é que era um lugar onde as portas nunca ficaram fechadas, tanto no sentido material como no metafórico. Elas eram abertas a quem quisesse freqüentar. Não se perguntava:“De onde você veio? Quem é você? ”Não! Todo mundo chegava lá, e entrava, assistia às palestras.” Os saraus se apresentavam como lugar propício para o debate, análise e divulgação das suas idéias. Então, sempre que podia, Adísia aparecia
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carregando seus contos e artigos nas reuniões da Ala Feminina, além de colaborar com a revista Jangada. Sua presença e determinação chamaram a atenção de Henriqueta Galeno, fundadora e patronesse da Casa. Foi uma época muito rica da literatura feminina, no Ceará. Todo primeiro domingo do mês, cada senhora tinha que levar uma produção, fosse crônica, conto, poesia ou resenha. “Eu citava mais autores do que escrevia texto meu. Eu tinha que mostrar que eu era uma pessoa lida, né? Intelectual! Bobagem!”1 explica Adísia. Dona Henriqueta Galeno via na jovem de vinte e três anos muito talento, e tinha por ela muita estima. Chamava Adísia de “minha menina prodígio”. “Dê a mão a essa menina! Essa menina promete! Eu quero que você “dê a mão” a essa menina!”, disse uma vez dona Henriqueta ao então vice-governador do Estado, Stênio Gomes. E ele “deu-lhe a mão”. E ela passou a ministrar aulas particulares aos filhos do político. Ainda não tinha terminado a licenciatura, na Faculdade de Filosofia do Ceará, quando começou a dar aulas de História e Filosofia nos colégios Rui Barbosa, Santa Lúcia e Farias Brito. Naquela época, a docência passou a ser a sua principal ocupação. A atividade jornalística ficou em segundo plano, por algum período. Mas isso não perturbou a convicção da sua vocação, cada dia maior: queria ser jornalista. Por uma coincidência do destino ou não, ninguém sabe explicar esses mistérios da vida, ela ficou sabendo que a redação da Gazeta de Notícias tinha aberto uma vaga. O ano era 1955. Como ela ainda colaborava para a coluna O Julgamento de Eva, resolveu participar da seleção e passou. Quando recebeu o resultado do teste, chegou a casa tão alegre que não cabia em si. A emoção era tão grande que teve que tomar remédio para o intestino. — Mãe! Mãe! Preciso te contar uma coisa! — Fala, menina, o que foi? Por que está tão eufórica? — Deixa o papai vir que eu te conto. Dona Mimosa largou a vassoura e ficou olhando para a filha. Será que ela arranjou um namorado? Será que vai casar? — Pensou a mãe. Quando Seu Zeca apareceu na porta de casa, ela não se conteve e falou de uma vez: — Vou ser jornalista! — O quê, menina?! Não vai, não! Jornal é lugar de homem! — disse-lhe, chocada, a mãe.
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— Mas, mamãe, eu passei no concurso da Gazeta de Notícias... — De jeito nenhum. Eu não posso permitir! Você escrever alguns textos e publicar, vá lá, mas filha minha trabalhando num jornal?! — replicou dona Mimosa, aumentando o tom da voz. — Que é isso, Mimosa! A menina quer ser jornalista? Então deixa ela ser o que quiser. Adísia vai ser jornalista, sim. — interveio o pai. — Não e não! Vá ser professora ou tomar conta, aqui de casa, da Pensão, administrar... — Mas eu não quero ser dona de casa. Eu gosto do magistério, mas agora apareceu a oportunidade e não posso, nem vou perdê-la... — Mas, filha, aquilo não é ambiente para você! — insistiu a mãe. — Que é isso? Por que esse drama todo? Ela sabe se defender. Ela é filha de homem e ninguém vai mexer com ela. Adísia vai ser jornalista e pronto! Parabéns, minha filha! — disse estendendo-lhe os braços. Naqueles anos, a presença feminina nos jornais ainda era rara. Em geral, elas participavam de forma irregular na imprensa com algumas colaborações, crônicas e contos. As mesmas que Adísia já vinha fazendo. A conquista dessa vaga na redação, não apenas permitiu-lhe escrever regularmente para um jornal, mas também lhe permitiu entrar para a história da imprensa cearense como a primeira mulher a trabalhar como jornalista em uma redação. Tinha carteira assinada e batia o cartão-de-ponto. Dava-se bem com todos os seus colegas. Não sofreu preconceito. “Eles tinham por mim um carinho! Não era carinho paternalista, de ‘quiqui-qui, qui-qui-qui’, não! “Frescurite” não. Era um respeito, uma atenção; gostava dos meus companheiros porque eles também tinham uma origem muito simples.”2 Adísia destacou-se logo, embora Dona Mimosa, no início, dificultasse as suas saídas da Pensão para trabalhar na redação. Com o tempo, diante da determinação da sua filha caçula, Dona Mimosa começou a ceder. Depois, passou a ter um orgulho tão grande por Adísia, que a todos dizia que a filha era letrada e jornalista. Seu Zeca sempre apoiou as escolhas de Adísia. Percebeu cedo que se a deixassem seguir o seu próprio caminho, algum dia seria “gente”, sairia do anonimato. Na Gazeta de Notícias, ela não começou como repórter, passou um tempo escrevendo somente uma crônica diária. Seu Olavo Araújo, diretor do jornal, achava que ela era mais uma intelectual querendo aparecer. E não se cansava de repetir: “Jornal não é para dar nome a ninguém! Você é
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quem tem que dar nome ao jornal!” E ele não ia dar nome a ninguém que não merecesse. Meio desconfiado, propôs que Adísia escrevesse as crônicas sob o pseudônimo de Moema. Seu Olavo Araújo dizia que mulheres gostavam de ler crônicas. Ela também selecionava as notícias que os repórteres traziam da rua. O diretor foi um dos grandes mestres de Adísia, que a ajudou a desenvolver a ética profissional. Era um homem de princípios rígidos, não admitia nenhum deslize, nem mentira, nem essa estória de jornalista ganhar presentes. Esses agrados eram comuns de políticos em relação aos repórteres. Mesmo gostando muito de fumar, ela não se dobrava, um dia ganhou um pacotão de cigarros americanos e não teve dúvidas, repartiu com todos os funcionários da redação do Gazeta de Notícias. Bomba! Ranger de dentes e choro. A primeira matéria de Adísia foi sofrida. Editoria de Polícia, faltou um repórter e lá se foi Adísia. A pauta: policiais civis estão em greve e reivindicam aumento de salário, “Vá até lá e entreviste o inspetor Laranjeira.” E lá foi a “foquinha” (jargão que designa os novatos na profissão) para a Secretaria de Polícia. — Bom dia, inspetor! O que o senhor acha deste movimento dos policiais por aumento? — Você tá ficando maluca de publicar isso? Isso não vai sair no jornal... — De forma alguma inspetor. Desculpe-me, mas estou apenas cumprindo minha função... — Você não vai publicar isso, senão te dou uma surra e vou te fazer engolir esse jornal! Como se defender diante de tal afronta? Ela saiu chorando. Entrou aos prantos na redação: “Fui agredida! Fui agredida!”. Seu Olavo Araújo, a consolou e, ao mesmo tempo, já pensava alto. — Você fez bem menina! Vamos “lascar” esse inspetor. Ninguém agride jornalista meu. Aliás, ninguém pode agredir jornalista! Veja só a manchete: Jornalista agredida. O choro passou. Foi o seu batismo de repórter. Nas mãos, o jornal, manchete principal de capa, ficou conhecida. Tomou fôlego e não se amedrontou, seu papel era o de denunciar e cumprir sua função social de informar aos cidadãos. E ela ficou trabalhando na editoria de Polícia.3 Ou seja, a primeira repórter policial feminina! Viu muitas tragédias, crimes, sangue. Percebeu que ali não era o seu lugar. Mas resistia calada, era mais um teste.“O repórter policial realmente levava uma vida extremamente perigosa, porque ele ia buscar a notícia. No nosso jornal, o seu Olavo Araújo
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não admitia que a gente colhesse informações pelo telefone ou que fôssemos à polícia só para ver os registros policiais!” Se ela pensou em desistir diante das dificuldades? “Em nenhum momento, pelo contrário. Era aquilo que eu queria fazer. Não houve em nenhum momento, em nenhum minuto, em nenhum segundo. Um minuto sequer da minha vida que eu tenha dito: Ah! Eu não vou mais fazer isso, não!”, afirma Adísia, com uma paixão quase cega pelo jornalismo. Um dia, ela foi cobrir um caso na periferia, de um pai que violentou o próprio filho de poucos meses. Ela voltou de lá arrasada e disse que perdia o emprego mas, que não queria mais ficar na editoria de Polícia. Seu Olavo Araújo achou por bem transferi-la para a Editoria de Política, pois percebeu que ela não parecia muito à vontade e não fazia o seu estilo. Chamou a jornalista, e disse-lhe olhando nos olhos: “Você vai trabalhar na Assembléia Legislativa. Espero que a senhora nunca peça dinheiro e jamais aceite presente de deputado!”, advertiu-lhe o editor. Mas, ela continuava escrevendo artigos e fazendo pequenos “sueltos”, ou seja, pequenos editoriais.4 Ele falava de orgulho, de jornalista impor respeito, nunca baixar a cabeça diante de nenhuma autoridade. “Olhe, você pode ser filha da dona Mimosa e do Seu Zeca, donos da Pensão Sobral. Mas, como jornalista, você não fique na ante-sala do Governador. Você tem que ser respeitada”. Ele afirmava com firmeza. Depois dessas orientações, ela saía da redação destemida, sentindo-se poderosa, com uns dez metros de altura. Os jornais cearenses passaram por uma verdadeira revolução na década de 50. A linha editorial passa a ser mais noticiosa, dando destaque ao jornalismo esportivo e policial. E se antes eram veículos político-partidários, passam a ser aos poucos vitrines para anúncios publicitários, há uma considerável preocupação em superar os lucros. Passou a ser jornalismo empresarial informativo. Houve uma modernização, com a troca do maquinário de composição manual. As máquinas de escrever5 ganham as redações, embora alguns jornalistas mais tradicionais, se recusassem a usá-las. Quanto à técnica jornalística, os textos passam a ser mais cuidados e precisos, há uma busca pela objetividade. Pode-se afirmar que o jornalismo se tornou mais profissional.6 A concorrência era grande. Nessa época, havia nove jornais no Ceará; Unitário, Correio do Ceará, O Democrata, O Povo, O Estado, O Nordeste, Tribuna do Ceará, O Jornal e a Gazeta de Notícias. Era preciso inovar ou, pelo menos, copiar, para tentar sobreviver nessa guerra dos impressos. Seu
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Olavo Araújo queria fazer umas modificações no jornal, colocar uma coluna social. E no meio da reunião sugeriram: “Por que Adísia não toma conta dessa parte?” E ela respirou fundo e foi sincera: “ Seu Olavo, eu não gosto de sociedade! Eu nem tenho condição de freqüentar as altas rodas da sociedade! Eu não vou! Não nasci para isso!”. E não foi mesmo. A sorte foi que apareceu um “menino de calças curtas, muito bem-aparentado e que queria entrar no jornal.” Seu Olavo Araújo e Adísia tiveram uma conversa com “o menino”. No mesmo dia, a jornalista teve que ir a contragosto a uma festa no Ideal Clube, para mostrar a esse “menino” como ele deveria fazer. Apresentou-o a todos como colunista do Gazeta de Notícias. O nome dele era Newton Cavalcante, que adotou o pseudônimo de Lúcio Brasileiro. O Gazeta de Notícias era um jornal pequeno, mas muito correto, que denunciava os erros e desmandos dos poderosos e dos órgãos públicos. Prezava pela liberdade, evitava ser mantido apenas com as verbas oficiais. Mas, Adísia sonhava mesmo era em trabalhar no jornal O Povo, que era bem mais estruturado, moderno, a sua linha editorial prometia mudanças no estilo jornalístico, através de uma linha de ação mais moderada. Adísia diz não ter sofrido, na década de 60, o peso da ditadura militar com a autoritária censura sobre a imprensa. Até mesmo porque muitos veículos cearenses se adaptaram àquela realidade. As diretrizes de linha editorial eram dadas pelo poder dominante, e não pelos donos de jornal. “Os jornalistas que sofreram o peso da ditadura foram aqueles que eram engajados. Não era por serem jornalistas. O jornalista não tem censura, é a empresa que tem, é ela quem censura o jornalista. É o jornalista que é livre ou não. Num momento de exceção (sic), quem sofre repressão é a empresa e não nós. Os jornalistas que sofreram foram aqueles que quiseram escrever. Eles foram perseguidos porque tinham a sua ideologia, contrária ao momento” explica Adísia. Alguns dos seus amigos sentiram na pele a repressão, como Blanchard Girão, Francisco Auto Filho, Durval Ayres. “Poucos souberam o que era a repressão. Mas eram homens que nós sabíamos que eram de esquerda. Não é porque eram jornalistas, não! Não é porque eram jornalistas que iam escrever... Não tem nada a ver uma coisa com a outra! Posso dizer isso com muita segurança. Posso até chocar. Não eram por ser jornalistas, mas por serem jornalistas de esquerda”. Isso foi mais duro em outros estados. Já que nessa época, Adísia estava cuidando da Editoria do Interior, que não sofria muita dessa interferência. No rádio, o controle foi mais forte e cruel. Adísia participou de manifesta-
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ções de solidariedade a amigos presos, e uma vez, foi quase parar na cadeia. Vida particular e profissional se confundem. O jornalismo era uma família para Adísia, era seu todo. E quem é jornalista o é 24 horas por dia. Ela era 48. Não havia espaço para pensar em fugir disso, para sair pelas festas ou aventurar-se em namoricos. Apesar de que, vez ou outra, ia curtir uma praia, seu passeio preferido. No jornalismo, estava o seu futuro. Não pensava em desistir, muito menos em casar ou deixar o jornalismo de lado. Provou a uma sociedade masculina, e por vezes machista, que a mulher tem seu papel de destaque e merece respeito. Que não precisava estar casada e com uma “penca” de filhos para ter seu valor. Uma vida agitada, e por vezes de abdicação. Não tinha hora para sair. Quantas vezes, os colegas da Gazeta de Notícias saíam para tomar um café, no Abrigo Central, da Praça do Ferreira e só faltavam não voltar, o mestre da oficina cobrando o material. E ela, meio desesperada, fazia tudo, senão o jornal não era impresso. Despediu-se da Gazeta de Notícias em 1970. O magistério estava lhe tomando muito tempo. Mas não se afastou totalmente. Nessa época, Adísia produzia e apresentava um programa semanal na TV Ceará, canal 2, “Vida Universitária” que fornecia aos estudantes informações sobre cursos e carreiras. Continuou colaborando com a imprensa, escrevendo sobre educação para O Unitário, e depois, para O Estado. “O Unitário era um jornal extremamente independente, panfletário. Posso dizer que esse foi o último jornal panfletário, fora o Diário do Povo, do Jáder de Carvalho.” O Estado era um jornal muito independente. O jornalista Venelouis Xavier era atrevido, tinha seu jornal, O Estado e escrevia o que achava que tinha que dizer ao povo. Fazia críticas severas em seus artigos a tudo e a todos. Por causa da linha do jornal, levou uma surra grande de uns oficiais da Polícia Militar. Toda a imprensa ficou solidária ao companheiro, que foi covardemente calado, massacrado. Muitos jornalistas se ofereceram para dirigir o jornal. E Venelouis o confiou nas mãos de Adísia, que, na hora mesmo assumiu o compromisso. Somos tão frutos das circunstâncias, afirma Adísia, citando Ortega y Gasset. “E as circunstâncias nos levam a caminhos inimagináveis”. Finalmente, foi contratada pelo jornal O Povo, em 1984. Estava na redação, tinha ido entregar uns artigos. Entra na sala, Dona Carmem Lúcia Dummar Azulay, diretora da rádio, vem numa carreira, nervosa. Parecia procurar por alguém. Ela procurava um jornalista. E lá estava Adísia. Por que não?
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Ela precisava de um jornalista que substituísse um debatedor no Debates do Povo. E não era para amanhã, era para agora! “Eu nunca fiz esse tipo de trabalho! O que eu sei fazer é escrever artigo que é mais tranqüilo”, falou a jornalista ainda meio acanhada. Mas, aceitou. Quando pegou no microfone, surgiu outra mulher. “Porque eu quando falava no microfone, eu não era Adísia. Eu enlouqueci. Porque eu sou pacata, por incrível que pareça. Eu, Adísia, sou uma mulher calma, feliz, tranqüila. E de repente, na atividade pública da Adísia, eu sou outra mulher. No Magistério, eu sou outra mulher, no rádio, eu sou outra mulher. Quer dizer, eu sou mais agressiva, mais incisiva. Ou seja, sou duas pessoas”, confessa. Ela que antes via o rádio como um “vitrolão”, encantou-se pelo calor e a proximidade com seus ouvintes. “O rádio é o veículo mais aberto, mais democrático, mais atual e presente até do que a televisão. (...) Quando eu quero falar com alguém no rádio, basta pegar um telefone ou um celular. Televisão não! Daqui que cheguem aquelas máquinas todas em cima de mim... (...) No rádio, é na hora e isso dói às vezes. Ele incomoda. Infelizmente, descaracterizaram o rádio quando permitiram gente não habilitada”, explica assim sua paixão pelo rádio. Diante do microfone, ela se transformava, falava, esbravejava. Era panfletária e briguenta. Tinha liberdade de dizer, podia falar o que lhe viesse à cabeça. E isso tudo lhe conferiu muita credibilidade junto a sociedade cearense. “Esses debates ficaram no inconsciente do povo daqui. Até hoje, eu encontro com as pessoas e elas têm como referência a “Adísia do rádio”, afirma a jornalista. Suas denúncias causavam mal-estar a políticos, empresários e poderosos. O que gerou muita confusão e até processos. Do rádio, fez um palanque para defender suas idéias inflamáveis nos Debates do Povo. Tanto que chegou a receber muitos convites de partidos para se candidatar a vereadora, deputada e até prefeita de Fortaleza. Mas, preferiu não seguir por esse caminho. “Eu tive convite, mas não é a minha vocação. Eu faço política como cidadã, no meu trabalho... Não faço partidarismo. Eu não tenho partido. Quando você ingressa num partido, abdica da sua liberdade de opinião, tem que cumprir com regras do partido, às vezes, contra você”. A pressão era muito grande para tirá-la da rádio. Mas a direção da rádio AM do Povo lhe dava total autonomia, e ela não se calava. Adísia foi nomeada diretora-executiva da rádio AM do Povo, nos anos de 1992 e 1993, mas nunca mais se distanciou do microfone. Foi também ombudsman da rádio em 1998. O próximo desafio foi levar seu trabalho crítico à televisão. A convite
“A MÃE DA COMUNICAÇÃO”7 Mesmo exercendo o jornalismo, continuava lecionando e envolvida com a Educação. Enquanto trabalhava na Gazeta de Notícias, dava aula de História, Filosofia e Didática em vários colégios: Rui Barbosa, Santa Lúcia, Farias Brito e Justiniano de Serpa. Mas, sua estréia no Magistério se deu graças à irmã do educador e grande amigo de Adísia Sá, Lauro de Oliveira Lima. Lucimar de Oliveira Lima, ao ver aquela jovem estudando muito e participando ativamente da política estudantil, indicou-a, e Adísia conseguiu seu primeiro emprego como professora. Assumiu a direção geral do Justiniano de Serpa em 1968. Assumiu em 1969, uma vaga para professora adjunta da Faculdade de Filosofia do Ceará (Fafice) na área de Metafísica e, em 1970, como professora-assistente do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará. Permaneceu como professora da Fafice até 1984. Sua dedicação lhe garantiu a chefia do Departamento de Filosofia da então Fafice em 1972, e a chefia do Departamento de Comunicação Social e Biblioteconomia da UFC, em 1976. Lecionou Introdução à Filosofia, na Universidade de Fortaleza, Unifor, de 1973 a 1976. E se aposentou como professora-titular da UFC
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do jornalista Tancredo de Carvalho, que era diretor da TV Jangadeiro, em 1995, foi ser comentarista do jornal, junto com o Augusto César Costa e Carlos D´Alge. Ela conta que “(...) houve um desentendimento na alta cúpula da televisão por volta de mais ou menos um ano. E, então, eu fui dispensada. (...) foi justamente aquele que me levou, que me anunciou, pois, a empresa infelizmente não tinha gostado de um comentário feito por mim e por isso mesmo eu estava dispensada”. Tudo por causa de um comentário que Adísia fez sobre o então governador, Tasso Jereissati. Liberdade ela tinha de fazer seus comentários no jornal. Até mesmo porque não gostava de script, não preparava texto, a análise saía espontaneamente. “Eu nunca tive empresa que dissesse isso para mim: Tais assuntos você não pode falar. De repente, eu falei de um assunto que não era de interesse da empresa e aí eu fui para fora”. E gostou da experiência na televisão. Trabalhou como comentarista diária na TV COM de 1996 a 1997. Em 1998, foi ser comentarista semanal na TV Manchete, a convite de Augusto Benevides (Guto Benevides). Adísia foi ouvidora da AM do Povo de 1989 a 1999.
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e Uece, em 1984. E, como era a Adísia professora? Ela se define como intransigente e exigente, principalmente, com os alunos da faculdade. Era linha-dura e não bajulava ninguém:“Eu nunca entrei numa sala de aula, se não tivesse preparado a minha aula. E não chegava atrasada. Não aceitava que o aluno não estivesse presente naquela hora, que o aluno não estudasse, como eu estudara para ser a professora deles, né? No entanto, ao mesmo tempo em que eu era muito rígida, eu me dava muito bem com os jovens”. “Mas, isso não pode ser uma letra morta!” falou Adísia, indignada ao ver que no Estatuto da ACI, já se falava na criação de uma escola de jornalismo e nada tinha sido feito. Lendo alguns documentos e atas da Associação, descobriu que já existia um projeto com o apoio da Faculdade Católica, mas que foi esquecido. Estudando a história da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), leu que desde o primeiro congresso em 1918, se fala nessa escola específica, nessa formação técnica e teórica para os jornalistas, e desde aí tornou-se apaixonada pela idéia. “E por que não podemos fazer isso?”, perguntou aos colegas de profissão. E fez o que pregavam os Estatutos da Entidade, lutando pela criação do curso, um verdadeiro “desafio e ato de fé”. A efervescência crescia quando ela freqüentava congressos e encontros de jornalistas pelo Brasil afora e via que essa luta também era igual. “Saí com esse entusiasmo, essa paixão, essa loucura visitando os companheiros. No primeiro momento, a coisa foi muito mal recebida. Acharam que era loucura, que nós íamos alimentar nossos futuros concorrentes”.8 O curso tinha uma mãe zelosa, uma loba que ama e cuida com unhas e dentes de sua cria, faltava um pai, ou melhor vários pais. Encontrou apoio de alguns colegas, que disseram: “Vamos em frente!” O Sindicato disse: “Pode enfrentar que nós damos cobertura, você coordena”. E com um pouquinho de paciência e política, ela foi conquistando aliados. “Vamos lecionar, um dia isso vai virar faculdade, nós vamos ser professores!” dizia a jornalista. E eles começaram a se animar com essa possibilidade. Os primeiros professores do Curso de Jornalismo para principiantes foram grandes profissionais de redação como: Felizardo Mont´Alverne, Antônio Carlos Campos de Oliveira, Flávio Ponte, Teobaldo Landim e Cid Carvalho. O curso tinha curta duração: de 15 de janeiro a 29 de fevereiro de 1964. “Pegaram corda” e fizeram logo o segundo curso, que também foi um sucesso. Os organizadores não imaginavam que houvesse tanta gente que-
UMA DIRETORA MODERNA Liberdade com responsabilidade. Esse era o lema da diretora da Escola Normal Justiniano de Serpa durante os anos de 1967 e 68. Com metas a cumprir na ponta do lápis ela assumiu o cargo e deixou sua marca. Implementou mudanças organizacionais e logísticas que transformaram o modo de educar. Não apenas organizando um pouco as coisas, fazendo instalação de almoxarifado, e de arquivo escolar. Mas, modernizando todas as estruturas. Ela seguia à risca um manual escolar “Didática Geral” do catedrático
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rendo ser jornalista. Tanto que o reitor da UFC, Antonio Martins Filho, se empolgou: “Então, vamos criar o Curso Livre, você vai visitar as faculdades convidando palestrantes para esse curso livre”. Em muitas cidades, já havia cursos de jornalismo como Pernambuco, Brasília, São Paulo... Adísia viajou pelo Brasil visitando todos os cursos de jornalismo, conversou com professores e coordenadores. Conseguiu mobilizar muita gente, convidou inclusive alguns professores para ministrar palestras em Fortaleza, como o professor Ely Carvalho e Carlos Rizinni, do Rio de Janeiro. Sem esquecer de grandes nomes como o professor Luiz Beltrão, e o professor José Marques de Melo, que orientaram e ajudaram a organizar o que viria a ser o Curso de Jornalismo da UFC. Finalmente! Depois de dois cursos para principiantes e um curso livre, surgia um Curso de graduação em Jornalismo na UFC. Em 1964, a “mãe do Curso de Comunicação”, Adísia Sá, tinha alegria de ver que tanto esforço valeu a pena. “Foi uma caminhada penosa, sofrida, mas tocada pelo entusiasmo, o sonho e o compromisso. O grupo fundador era constituído por jornalistas profissionais e foi semente disso que, hoje, é orgulho para nós9”, desabafa a professora. Foram muitas as dificuldades, nem sede própria o curso possuía. O curso funcionou em uma sala improvisada na ACI até 1967, quando começou a crescer, uma parte da turma foi transferida para a Faculdade de Farmácia. Daí, os alunos foram para o prédio do Curso de Letras, até a UFC, por pressão dos estudantes, passou a Faculdade de Farmácia para o novo Campus Porangabuçu, e cedeu o antigo prédio ao Curso de Comunicação. Foi em 1975, que o curso conseguiu enfim um prédio novo, sua sede definitiva na Avenida da Universidade, onde até hoje funciona.
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Luiz Alves de Mattos10, que defendia idéias escolanovistas baseadas nas concepções de John Dewey. Era dessa fonte que ela tirava inspiração para atividades em sala de aula, relação com os alunos, a participação da comunidade e práticas pedagógicas. Para muitos, ela desafiava a ditadura. “Eu abri, em plena ditadura, o grêmio estudantil. Coloquei representante de aluno na congregação. Diziam que eu queria fazer uma República Comunista. Os de Direita diziam que eu era da Esquerda, e os da Esquerda diziam que eu era da Direita. Mas, eu sempre transitei muito bem nisso tudo”11, relembra Adísia. O colégio era aberto à comunidade no primeiro domingo do mês, as alunas organizavam feiras culturais e de ciências, teatro... O Grêmio Estudantil foi reaberto com o nome Grêmio Literário Estudantil Adísia Sá, GLEAS, escolhido pelas próprias alunas. As representantes de sala faziam cursos de liderança. Adísia ministrava um curso de jornalismo para as garotas. Uma atividade polêmica que Adísia introduziu, seguindo os princípios do Mattos, foi de unir funcionários e alunos nos sábados à tarde para varrer e limpar as salas. O educador pregava que isso criaria um espírito de solidariedade entre a comunidade escolar. As coisas não deveriam ser feitas a seu modo, e sim da maneira como as alunas achassem melhor, atendendo às suas expectativas e interesses. Nada melhor que ouvi-las para conhecê-las. Adísia ouvia sempre, conversava, dava conselhos. Era uma amiga. Dedicada às atividades, cuidava de tudo como se fosse a própria casa. “O que fiz materialmente aí está. Mas, do bem, da dedicação e do amor que dediquei a esta casa, não posso falar. Porque bem não se enumera. Dedicação não se pinta. Amor não se retrata. Estou feliz em me ver aí nesta moldura: tal qual sou, casmurra, sim, mas sem ressentimentos ou mágoas”.12 O Justiniano de Serpa era colégio-modelo, figurando entre os poucos estabelecimentos de ensino a mandar planos para o currículo e representantes junto à Comissão Técnica da Secretaria de Educação. Bem diferente do colégio que recebeu. “(...) recebi uma casa em crise emocional, jamais desarticulada: as infra-estruturas não apenas foram lançadas, como solidamente montadas-tudo aqui foi planejado racionalmente, sob o aspecto substancial e funcional.” Uma das inovações que Adísia fez foi a realização de uma pesquisa de opinião com todas as alunas, abordando os quesitos de estrutura à didática. Através dessas conclusões, ela poderia traçar boa parte dos planos de metas para o semestre seguinte.
“Queremos Adísia Sá! Queremos Adísia Sá!”, gritavam os estudantes em protesto, numa das maiores mobilizações do movimento feminino no Ceará. Era maio de 1968. À tarde, o grito que ecoava era outro: “Queremos Adísia Assada!” De um lado, alunos do turno matutino e noturno e, do outro, secundaristas do turno vespertino e estudantes do Liceu do Ceará. A Polícia Militar foi chamada para conter os ânimos dos revoltosos. A revolta estudantil foi uma resposta à expulsão da presidente do Grêmio, Mirtes Nogueira, pela então diretora da Escola Normal Justiniano de Serpa, Adísia Sá. As duas haviam discutido por causa de uma quantia em dinheiro arrecadada pelo Grêmio, que foi usada para a compra de uma mesa de jogos, enquanto os estudantes pretendiam custear um jornalzinho. A decisão da diretora desencadeou uma série de passeatas e manifestações, estudantes do Liceu do Ceará fizeram um enterro simbólico de Adísia, carregando um caixão pelas ruas do centro da cidade. A confusão foi tamanha que Adísia renunciou ao cargo de diretora. Quanto à aluna, dizem que ela não conseguiu vaga em colégio nenhum. Segundo Maria do Carmo Serra Azul, a Cacau, que na época era uma das secundaristas do movimento pró-Mirtes, “Mirtes fazia o segundo ano e não terminou os estudos. Era a aluna mais brilhante da Escola Normal, mas saiu do Ceará aos 16 anos, caiu na clandestinidade e ficou rolando pelo Brasil. Não quer falar dessa história até hoje”13 Os argumentos de Mirtes, na época, eram que Adísia tinha se apropriado do dinheiro e que obrigava as alunas a limparem a escola. “Quando ela disse isso, só não bati no rosto dela porque eu era muito pequena e meu birô muito grande. Mas, quando ela falou isso, eu disse NÃO e estendi a mão para bater nela, teria sido uma tragédia. A minha intenção, não vou mentir, era a de agredi-la. Aí eu disse para a Nair, que era minha secretária-geral, “Bata a expulsão dela!”, e a própria Mirtes disse: “Tenha coragem de me expulsar!”. E eu respondi que batesse a expulsão da aluna Mirtes por desacato à diretora. A verdade é essa14”, relata Adísia. Ela descreve a garota como sendo “muito italiana”, histérica e que falava aos gritos, cheia de autoridade. Ficou na história apenas a versão de Adísia, que diz que “ela era extremamente agressiva e chegou a me ameaçar dizendo que ia comunicar a todos os alunos que eu tinha ficado com o dinheiro arrecadado pelo Grêmio. Ora,
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estava me chamando de ladra.” Para Adísia aquilo foi a gota d’ água, que culminou com a expulsão. Ela diz ainda que Mirtes Nogueira foi contra o regimento interno do colégio por desacato à autoridade e injúria, e que estaria incitando a rebeldia dos outros estudantes. A ex-diretora afirma que entregou à aluna um documento que permitia que fizesse a transferência para outra escola: “O Colégio Farias Brito daria a vaga à aluna se eu retirasse da ficha dela que tinha sido expulsa. As forças da repressão do Serviço Nacional de Informação (SNI), queriam enquadrá-la no artigo 477, que a excluiria de todo ensino público, até da universidade”. A União Brasileira dos Estudantes Secundaristas emitiram apoio a Mirtes Nogueira, questionando o “autoritarismo” dos diretores no tratamento dado aos estudantes que eram “oprimidas”. Foi um mês de maio bastante conturbado e permeado de polêmicas, o que culminou com a renúncia do cargo de diretora. O recado de que ela deveria fazê-lo, veio do amigo, professor Odilon Braveza. Adísia estava em casa, era dia das mães, a campainha toca. — Olá, minha querida! — Dr. Braveza, o senhor na minha casa no dia das Mães?! — Quem a senhora ama mais: sua mãe ou a escola? — Claro que minha mãe! — Então, deixe a escola agora, porque você não amanhece diretora. Faça como os matutos, almoce antes que jante. Fui informado que já tem um sucessor... Daí a professora não teve escolha e ligou para todos os secretários, para que eles também deixassem seus cargos. Os professores do Colégio queriam a diretora de volta, 106 dos 180 educadores assinaram um memorial encaminhado ao governador do Estado, Plácido Castelo. As mais de duas mil alunas declararam greve. Ela finalizou o discurso de renúncia do cargo em maio de 1968, deixando um carinhoso recado às alunas: “Queridas alunas, levem com vocês uma certeza: ninguém as amou como eu, só suas mães. Acredito na juventude e sei que, mesmo nos momentos de rebeldia, vocês buscam a verdade, porque só a verdade liberta. Continuem, minhas jovens, não apenas buscando a Verdade, mas vivendo a Verdade”.
SINDICALISMO Seu gênio briguento e a sede de justiça a atraiam para estar sempre
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participando das entidades de classe, ainda na Faculdade de Filosofia e na União Estadual dos Estudantes. Ela quase virou advogada. Desistiu porque tinha que estudar latim para prestar vestibular. Era jornalista de fato, mas precisava ser também de direito. Estava naquela função há um ano, precisava regulamentar sua situação. Além de conquistar e fortalecer seus direitos como profissional, sentia necessidade de ter uma vivência sindical. Já freqüentava a Associação Cearense de Imprensa, ACI, e foi em busca do registro profissional no Sindicato dos Jornalistas do Ceará, Sindjorce. Durante um ano, ia a todas as reuniões, assembléias, e sempre ouvia uma desculpa. Foi um tempo de muita insistência e conversa, até convencer o presidente do Sindicato, Antônio Pontes Tavares, que ela era realmente uma jornalista e merecia aquele registro, que não era uma diletante ou intelectual querendo ter a carteirinha para usufruir as benesses. Era uma jornalista de verdade, vocacionada e batalhadora na defesa de uma informação ética e de qualidade. E ela conseguiu: foi a primeira mulher a sindicalizar-se no Ceará. Passaram-se quinze anos até outra mulher conseguir uma carteirinha de jornalista (a segunda foi a jornalista Ivonete Maia). Para Adísia, que sempre incentivou seus alunos a sindicalizarem-se, esse tipo de órgão é fundamental: “Não entendo jornalista sem militância, como também não entendo professor sem militância. Fui militante como jornalista e somos militantes como professores. Como é que você cria consciência de classe fora dela, né?”15 Na visão dela, o sindicalismo é algo apaixonante, uma obrigação de todo trabalhador. “Quem pensar que sindicalismo é o ponto a que se chega, engana-se. Sindicalismo é sempre o ponto inicial. Mesmo quem não acredita nisso, quem não tiver o sentido de fidelidade-união no tempo, ou seja, com os que lutaram, com os que lutam e com os que lutarão, deve continuar no Sindicato. Pois, Sindicato é Sindicato e, por mais omissa, por mais acomodada, por mais dócil que seja uma Diretoria, é sempre retomada a vista, é sempre lareira prestes a acender-se, é sempre luz que ilumina o trabalhador.”16 É tanto que em 1984, escreveu a “Biografia de um Sindicato”, que resgata a história do Sindjorce. Adísia acredita que o trabalhador tem que fazer do Sindicato uma extensão do seu trabalho, e do seu trabalho uma extensão do Sindicato. O sindicalismo está tão fortemente impregnado em Adísia que ela o classifica como uma “atração irresistível” para a qual tendem os trabalhadores mais conscientes e para onde devem ser levados todos os
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trabalhadores.“Se bem que as atividades de um Sindicato sejam rotineiras, elas são surpreendentes e até mesmo apaixonantes. (...) Não há vitórias permanentes, conquistas constantes a se comemorar. Há, isto sim, uma persistente busca de solução para problemas que se repetem. Há discussões que se arrastam por anos a fio, reivindicações perseguidas por gerações de sindicalistas, não atingidas sim, mas também não abandonadas. Nisso o entusiástico do sindicalismo: a fidelidade à luta. Luta reivindicatória, assistencial. Luta política. Luta revolucionária.”17
LUTAS E ENFRENTAMENTOS Na década de 50, muita gente queria ser jornalista, não por amor à profissão ou por qualquer aspiração tão nobre. A profissão, naquela época, era um “passaporte para a vida pública”. Quem sabia escrever, tinha algum amigo ou conhecido trabalhando num jornal, conseguia uma vaga, escrevia, aparecia e se projetava como jornalista. Para a classe baixa e média era a oportunidade de ascensão social. Eram, geralmente, jovens estudantes de Direito, ex-seminaristas, pessoas que tinham conhecimento da língua portuguesa. Era o aspecto dessa geração. O jornalista Demócrito Rocha, que era baiano, veio para o Ceará e fundou, a 7 de janeiro de 1928, o jornal O Povo, conseguiu se eleger deputado. Paulo Sarasate, se elegeu deputado, governador e, depois, senador. Foi nessa época em que começaram a aparecer as assessorias, comitês e secretarias de imprensa. Havia também muitos diletantes metidos a jornalistas, ou de olho nas benesses. Os jornalistas pagavam meia-passagem de navio e até de avião. Assistiam a filmes nos cinemas de graça! Bastavam mostrar a carteirinha. Mas, muitos desses registros não eram do Sindicato dos Jornalistas, saíam da Associação Cearense de Imprensa, apenas para alguns privilegiados terem as regalias da lei. A ACI era como um clube social, era sinal de status alguém dizer: “Eu sou sócio da ACI”. A entidade recebia tanto os profissionais como os patronais. Adísia denuncia que tinham muitos associados que fazendo seis artigos tiravam a carteira. E isso criou uma “indústria de jornalistas”.“Não eram profissionais: eram tanto da classe empresarial como da classe média mesmo, pessoas que queriam a carteira social para ter as benesses. Sindicato não! Sindicato era os jornalistas profissionais mesmo, aqueles que tinham carteira do Ministério do Trabalho, vínculo empregatício. Eles eram
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extremamente rígidos na presença de pessoas que queriam ser jornalistas. Então, o Sindicato é eminentemente profissional.”18 Foi uma luta muito grande dos jornalistas da Federação Nacional dos Jornalistas — Fenaj até conseguir acabar com esses benefícios, que tornavam alguns “profissionais” muito dependentes e “bonzinhos” com o governo. Acabados os benefícios a ACI esvaziou-se. Não era uma profissão só de glamour. Os jornalistas compravam briga, e, muitas vezes, se davam mal. Adísia sempre gostou de escrever artigos de opinião, a maioria eminentemente políticos. E os amigos eram do grupo “mais saliente, mais visível”, tinham a mesma ideologia, libertários. Era hora do almoço, 8 de dezembro de 1954. Adísia recebe um telefonema e corre, aflita: uma funcionária da polícia avisando que ela seria presa se não fugisse dali. Seu Zeca, que estava muito doente, quase tem um “troço”. Adísia segurou nas mãos de Dona Mimosa, e tentou acalmá-la, tudo ficaria bem. “Minha mãe quase morre, meu pai quase morre, aí eu falei no rádio que se o meu pai morresse, eu matava esse governo.”19 (risos) Correu para a casa do Bonaparte Pinheiro Maia, que era dono do O Jornal. E para a surpresa dela, encontrou seus companheiros todos, eles também tinham recebido o tal aviso. “Quando cheguei lá, já estava aquele povo, foi aquela farra, aquela alegria! Parecia que nós estávamos em um picnic. Um bando de meninos todos muito felizes. Aí, imediatamente, conseguiram um habeas-corpus para todos nós. Eu até há pouco tinha esse habeascorpus guardado e deve estar por ai. Então, quando recebi o habeas-corpus eu andava com aquilo com uma honra muito grande, porque ninguém podia me deter, porque eu tinha um habeas-corpus na mão. Éramos todos jovens, muito cheios de vida, muito cheios de entusiasmo.” Relembra, sem saudade. Eles se livraram da prisão, enquanto isso confusão de patentes entre os policiais. Na hora de efetuar as prisões, o coronel Severino Sombra disse: — Vamos prender alguns jornalistas para mostrar a esse pessoal ai! Fulano, você vai prender Blanchard Girão. Você, sicrano, vai prender Armando Vasconcelos. Você, Wanderlei Girão, vai prender a jornalista Adísia Sá... Wanderlei Girão nervoso, mas de consciência limpa falou: — Não, eu não vou prender a moça! Você me desculpe, mas, eu não vou obedecer a sua ordem! Não prendo essa mulher. — Isso é uma desobediência! — disse o Coronel Severino Sombra já ficando irritado. — O senhor pode me prender, mas eu não vou prendê-la! — questionava
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Wanderlei Girão. O Capitão Matos Dourado interveio: — Pois eu vou prender. Ele não vai, mas eu vou cumprir a ordem. Eles foram prender Adísia e, ao chegarem lá, foi o lugar mais limpo do mundo... Em 1958, outra quase-prisão. O governador era Paulo Sarasate, que renunciou ao governo para disputar uma vaga na Câmara Federal. Em seu lugar ficou o vice Flávio Marcílio. O terror daquela época era o coronel Severino Sombra, que era secretário de Segurança. E a mando de Flávio Marcílio, ele perseguia e prendia jornalistas ligados às oposições. No rádio, a palavra é instantânea, poderosa, ganha as massas com muita facilidade, o que fez com que fosse o principal alvo da polícia. Os radialistas da Dragão do Mar deram muito trabalho: falavam, criticavam e não mediam palavras. O governador mandou fechar a emissora e prender alguns funcionários. E toda a imprensa ficou solidária aos companheiros. Eles se reuniram para decidir sobre a melhor forma de conseguir convencer o governador a libertar os radialistas. Quem estava à frente era o presidente da ACI, jornalista Perboyre e Silva, que era colega do Flávio Marcílio — ambos eram professores da Faculdade de Direito. Ele estava certo de que seria recebido bem, o grupo seguiu para a casa do governador a fim de ter uma conversa. Flávio Marcílio, muito arrogante e autoritário, se aborreceu e disse que aí é que não soltava mesmo. E ouviu o inusitado: — Pois, então, você considere a imprensa cearense presa! — Disseram os jovens e rebeldes jornalistas. Adísia se diverte com as lembranças. “Ai nós saímos dali todos nos considerados presos! (risos). Fomos tentar falar com o secretário de Segurança, que era Severino Sombra, mas chegando lá, não entramos. E ficamos todos diante dos portões fechados e os soldados armados empurrando a gente com rifle. Então, nós nos sentimos verdadeiros heróis e saímos cantando o Hino Nacional”. Fomos todos lá para o quartel!” Aí fomos para lá para fazer manifestação. Mas a manifestação foi tão forte, que ao sairmos, o rapaz veio com o Doutor Perboyre e Silva!” Ela abraçava muitas causas. Em 1982, foi convidada para ser presidente do Instituto Cultural Brasil/URSS. O Brasil já havia reatado relações com a União Soviética. Ela tinha um grupo de amigos que eram socialistas, Aníbal Bonavides, Oswaldo Evandro Carneiro Martins. A idéia deles era criar esse instituto, que já existia no Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro. Mas
ATALHO PARA A HISTÓRIA “Não vão escrever nunca sobre um sindicato, sobre imprensa brasileira sem que passe por mim. Quer dizer que eu serei sempre um atalho.” A vida não é um mero acaso. Certas pessoas parecem já nascer predestinadas a realizar grandes causas. Adísia mesmo sem querer, tornouse parte da história do jornalismo brasileiro. Diante do reconhecimento como homenagens, placas, troféus, ela luta para que a vaidade não se aposse do seu ego. Embora ache que ainda falte uma rua com seu nome. Ela mantém uma simplicidade bíblica, dos lírios que não tecem, e das aves que não semeiam.20 Não apenas no jeito de se vestir, mas no jeito sereno de ser. Longe de rótulos, e das titulações de “ser olimpiano”.21 Sua voz não soa estranha aos ouvidos de quem escuta rádio AM, principalmente os taxistas. Geralmente, não consegue passar despercebida, seja caminhando na pracinha em frente a seu prédio ou fazendo as compras no supermercado. Nem todos sabem como reagir a esse assédio, a esse reconhecimento, principalmente novas celebridades. Eu questionei: — A senhora se acha importante para o jornalismo cearense? — Não. Eu me acho apenas historicamente bem situada, pelo momento em que entrei acho que fui uma privilegiada. Quer dizer que entrei no momento certo. Talvez, eu tenha sido a pessoa certa, porque eu era apaixonada por aquilo. Mas, não me acho importante não! Acho que fiz coisas importantes para a imprensa, eu não posso tirar isso de mim.(...) A
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não seria bem visto pela sociedade se fosse fundado por um comunista. Então, Aníbal Bonavides sugeriu: “Só tem uma pessoa que pode ser presidente do instituto a Adísia. Porque os comunistas dizem que ela é de direita, e a direita diz que ela é comunista! Então ela é uma pessoa insuspeita”. E a pequena aceitou. Trouxe até o embaixador da URSS, Alexander Soldatov, para a inauguração do Instituto. Na sede, tudo era muito organizado: tinha curso de russo, livros e revistas à disposição. Adísia criou um programa de rádio, “Mundo em revista”, que contava tudo sobre a URSS, tocava músicas tradicionais... O mandato durou dois anos e ela saiu, queria novas experiências. “Eu não gosto muito da burocracia de ficar repetindo, não! É por isso que eu gosto do magistério e do jornalismo porque todo dia é uma coisa nova. A gente não envelhece!”, confessa Adísia.
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circunstância de eu ter ido logo que me aposentei para um jornal que me prestigiou bastante, que me botou em cargos que eu tive que entrar forçosamente na história da imprensa cearense. E é por isso que eu digo, não posso ter o mérito, mas o lugar eu já tenho. Porque por mais que eu não queira, isso é uma coisa fantástica.
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“Fazer análise de jornal é tarefa tão solitária quanto a de escritor. Talvez até mais. O escritor está com a sua imaginação aguçada, cheia de lembranças, imagens, figuras, acontecimentos. O ombudsman22 não tem nada nem a quem recorrer: é ele e o exemplar do jornal, frente a frente.”23 Ela sempre gostou do dinamismo de ser jornalista, e diz que não nasceu para ser burocrata. Quando ela cogitou a hipótese de finalmente se aquietar, Demócrito Dummar, Presidente do Jornal O Povo, lhe chegou com a novidade que ela seria ombudsman do jornal O Povo.“Dirigi a rádio, e quando vi que estava angustiando o presidente (Demócrito Dummar), aí eu saí, pois ele dizia: “Tu vais deixar o debate, vai ser Diretora” e eu respondi: “Tu estás querendo me tirar do microfone?” E quando eu terminei de dirigir a rádio, eu disse: “Então, agora, eu vou voltar ao microfone! E ele me veio com a novidade”, explica Adísia. Em 1993, ela assumiu a função de ombudsman, sendo a segunda mulher a ocupar a função no Brasil, a exemplo da Folha de São Paulo, e a primeira do Nordeste. Agora, ela estava ali, em sua redoma. Intocável, sozinha. Enquanto segurava o jornal, pensava no quê e como fazer, por onde começar: o caos. Não tinha sequer referenciais. Era mais um desafio que ela assumia. “Minha vida toda não foi só como leitora, mas como “fazedora” de jornal. Mas, de repente, me vi consumindo o “meu” jornal sob a ótica do leitor fora de mim. Isto é : eu era e não era eu...” 24 Adísia, que sempre viveu cercada de gente de todo tipo na Pensão Sobral, na Faculdade, ou pelas Redações da vida, de repente se viu sozinha, no décimo segundo andar, cercada de uma parafernália eletrônica: fax, secretária eletrônica e computador! Teve que se livrar da velha e querida Olivetti. Embora estivesse sempre recebendo telefonemas de leitores, aquilo não bastava para preencher o vazio. Ela fez de um quarto de seu apartamento uma verdadeira Redação. Todos os dias, às 5h30min, já deveria ter lido todos os jornais e feito suas
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observações, para repassá-las para os editores utilizarem na reunião das 9 horas. “Por ser a primeira no O Povo, tive oportunidade de cultivar o terreno inculto, imprimi meu traço no texto, na organização do “escritório”. Depois da experiência de quatro mandatos como ombudsman (1994, 1995, 1997, 2000), ela avalia que trabalhar em casa é “Loucura. Nem era Redação... nem era residência... As pessoas também não tinham noção do que fazia a ombudsman, e me ligavam a qualquer hora do dia e da noite...” A função de ombudsman lhe tomava o tempo todo, não tinha mais tempo fazer as coisas que mais gostava: conversar com amigos e familiares, ler literatura policial, meditação judaica. Mas, em compensação, podia ficar à vontade, com merendinha e cafezinho a hora que quisesse, com roupas leves, a inseparável cadeira de balanço e uma redinha para relaxar. Ela escreveu sobre os dois primeiros mandatos: “Dois anos de isolamento me deram uma nova visão, não apenas do jornal e do jornalista, mas, acima de tudo, de mim mesma, como profissional e como pessoa humana. (...) Esta era a sonhada oportunidade de sair do casulo, ver gente e ouvir minha própria voz.” A experiência como ombudsman foi tão rica que ela escreveu o livro “Clube dos Ingênuos”. O qual ela considera o livro mais “fraco” que escreveu. Nesse período, ela vivia um importante momento, numa fase de transição e transformação existencial. Ela passara a ler sobre o judaísmo, passando por um momento próprio e difícil de reflexão sobre Deus, um dilema se se convertia ou não à nova religião. “O livro não saiu como eu gostaria. Contudo é um registro do momento, participativo, pois, como intelectual, jornalista, bem como cita Gramsci, tem que ser orgânico mesmo... Então, o livro tem essa idéia de registro, de experiência, interferindo no momento e sendo interferido. Isso para mim é intelectual orgânico. O intelectual não é só aquele que está apenas na universidade. Ele está lá, mas também, aqui, na prática, na vivência. Este livro vai retratar este mundo de efervescência, daquele trabalho, daquela luta”25, explica a filósofa. Depois daquela luta, a Redação do O Povo, nunca mais foi a mesma. Esse distanciamento foi saudável e menos doloroso para todos os seres que ali trabalhavam. É difícil romper com a estrutura e organização existentes. Logo, que Adísia tanto gostava daquele ambiente de Redação. A solidão era necessária, e como ela mesma diz: “De solidão não se morre, mas que se sofre danadamente”, vou te contar”... E ela é importante quando se buscam respostas, dentro de si e de sua consciência.“A solidão traz uma recompen-
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sa: o indivíduo fica frente a frente consigo mesmo, ele é o que é. A solidão, pela distância com a Redação, serve à objetividade da análise.” Os leitores também não entendiam bem o trabalho do ombudsman: “No começo, muitos achavam que eu era proposta do jornal, mas, ao mesmo tempo, pelo meu passado e pelo nome que tenho na imprensa cearense, sabiam que eu não me submeteria a um joguete. Aos poucos, sentiram que tinham um canal para reclamar, denunciar, provocar. Conseguimos ter um diálogo mais amadurecido com o leitor do que, inicialmente com a Redação.”26 De acordo com o Regimento do Ombudsman O Povo, esse profissional tem a liberdade e a independência de fazer seus comentários, no entanto isso se torna frustrante quando suas críticas morrem no comentário diário ou na coluna. Não há uma autonomia que determine o comportamento da Redação. E não foi nada fácil, Adísia sofreu muitas rebeldias. Quem aceita bem as críticas? Imagine um profissional que vive de vigiar e apontar todos os seus erros, e muitas vezes você acredita que ele exagera, conseguindo vê-los onde não existem? Para alguns colegas, Adísia era uma espécie de “bedel”, “dedo-duro”, sempre a criticar duramente e apontar somente os erros dos próprios colegas de profissão. “Me arrependo de não ter tido a naturalidade de me aproximar mais da Redação. Eu sempre convivi com gente jovem... Não sei. Me fechei muito. Mas me doía quando entrava na Redação e me davam as costas, me davam rabissaca. E me doía mais ainda quando via ex-alunos fazerem isso”, admite. Houve muitos embates, discussões, reuniões. Um relacionamento tortuoso e, por vezes, conflituoso.“ (...), mas tudo terminava bem porque havia um ponto de convergência: todos queriam um produto de qualidade, ficando, então de escanteio, amor próprio, vaidades, controvérsias e outros sentimentos que permeiam, não apenas o coração do homem, como a atividade jornalística (...)” constata. No final de 95, ela passou a receber telefonemas ameaçando-a de morte: “Vai explodir uma bomba no seu prédio!” “Cuidado! Você pode ser atropelada!” “Seu carro vai pegar fogo!” Quando a direção do O Povo foi comunicada instalaram um bina no telefone, e para surpresa da ombudsman, o número era da própria Redação do jornal!
PERSPECTIVAS “Eu sempre dizia que, quando fizesse 25 anos de magistério, iria me afastar. Primeiro, era tempo suficiente e, segundo, tinha que ficar com ou-
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tros.” Em 1984, Adísia se aposentou do magistério. Gerações e gerações de jornalistas e futuros jornalistas reclamaram a perda. Mas ela continuou na ativa, escrevendo nos jornais e publicando livros, além do rádio. Nunca se afastou do jornalismo, nem mesmo enquanto estava atribulada com os problemas de direção do Justiniano de Serpa. Este ano de 2005, completa meio século de contribuição para o jornalismo. E mais uma vez, Adísia quer se despedir: diz que vai se afastar da imprensa. “Nunca abandonei o jornalismo. Ele sempre me acompanhou mesmo no magistério. Foi aquela companhia permanente. Daí porque todo ano eu digo, não vou voltar para imprensa, vou me afastar. E como eu disse, tenho impressão de que este ano, eu encerro mesmo, porque já tenho outros projetos. Então, acho que quando seu coração começa a sair daquele tesouro, já não há mais razões dele estar ali.” Eu, que não tive a sorte de ser sua aluna, questiono: — A senhora vai sentir muita falta... — Não. Porque é um traço meu, quando eu me proponho a uma coisa, eu me proponho. Vivo intensamente aquela coisa. Se aquela coisa desapareceu, ela não existe mais. Até em relação às minhas pessoas, aos meus familiares que morreram, eu não sou de ficar chorando. Não, não é do meu temperamento, eu me dou tão intensamente que esgotei tudo que eu podia dar àquela pessoa. Então, eu não tenho saudade, já lhe disse uma vez. É esquisito, sim. Não tenho, porque não há uma lacuna naquela relação que eu tenha dito assim: “Eu falhei! Ah, que pena não estar aqui...” Então, no magistério, eu cumpri com a minha missão. A única de que eu não me separei foi o jornalismo, porque nunca me separei mesmo, nunca o abandonei. Ela se aposentará do jornalismo,27 sim, mas em parte. Seu tempo será dedicado a uma causa nobre, ela irá continuar a escrever livros. A seu ritmo, a seu tempo. Até mesmo, porque ela diz que odeia formalidades e cobranças. “Eu não gosto de fazer as coisas porque eu tenho que fazer, porque os outros querem que eu faça. Não, não! Não faça isso, porque eu não faço! Coincidentemente eu posso, também não sou destruidora de valores. Eu não gosto que nada me seja imposto. Eu quero uma coisa que na hora em que eu quiser, eu saia dela.” Seu projeto no momento é concluir um livro sobre ética filosófica no jornalismo, mas lhe falta tempo disponível. Ela se desdobra entre ler jornais e revistas, dar a opinião no rádio, escrever artigos regulares para dois jornais, palestras, congressos, a Cátedra Adísia Sá de Jornalismo (na Faculdade Nordeste) estudos e orações judaicas... “Esse projeto de filosofia
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ética do jornalismo para mim é um trabalho gigantesco. Não posso fazer isso da noite para o dia. É mais uma reflexão do que um trabalho qualquer. Eu tenho impressão de que ali estou dando uma linha de pensamento meu”. “E depois disso eu mudei completamente. Hoje, para eu citar um autor só se for uma obra filosófica, mas eu podendo nem citar, eu já tenho o meu pensamento. Só quando há necessidade de recurso é que eu cito algum. Mas, antes não dizia A que não fosse de fulano, nem B que não fosse de sicrano. Era muito engraçado!” Confessa Adísia. 2 PONTE, Sebastião Rogério (Coord.). História e Memória do Jornalismo Cearense. Fortaleza: Núcleo de Documentação Cultural – NUDOC, 2004 3 Segundo Adísia, o jornalismo policial daquela época era bem diferente do de hoje, não havia muito sensacionalismo. 4 “O que eu gostava de ser e ainda gosto de ser é articulista eu fazia reportagens mais eu via que nem estilo eu tinha de repórter. Eu era curiosa mas, o que eu gostava mesmo era de texto, comentário, de dar opinião. E realmente ai eu me soltei e fiz a minha carreira!” confidencia Adísia. 5 Quando Adísia chegou à Gazeta de Notícias, ela já sabia datilografar. Seu Zeca tinha presenteado a filha com uma Remigthon, já que ela escrevia muito mas, não tinha letra muito legível. 6 SÁ, Adísia. Biografia de um sindicato. Edições UFC,1981. 7 Apelido carinhoso dado por Gutinho à Adísia, em entrevista ao jornal O Estado. 8 PONTE, Sebastião Rogério. ( coord.).Fortaleza: Núcleo de Documentação Cultural - NUDOC,2004 9 VALE, Naara. In 40 anos da Comunicação. Revista Fale! Ano III, Nº 34 10 Ex- catedrático e ex- diretor da Faculdade de Educação da Universidade do Distrito Federal. 11 MELLO, Valéria Maria Sampaio. O destinatário de uma educadora-jornalista, uma experiência dialógica. (Artigo) 12 Trecho do discurso de renúncia do cargo de diretora do Colégio Justiniano de Serpa, em 25 de junho de 1968. 13 Jornal O Povo, 22 de Maio de 2004. 14 MELLO, Valéria Maria Sampaio. O destinatário de uma educadora-jornalista, uma experiência dialógica. (Artigo) 15 PONTE, Sebastião Rogério (Coord.)História e Memória do Jornalismo Cearense. Fortaleza: Núcleo de Documentação Cultural – NUDOC, 2004. 16 SÁ, Adísia.Biografia de um sindicato.Fortaleza: Edições UFC, 1981. 17 SÁ, Adísia.Biografia de um sindicato.Fortaleza: Edições UFC, 1981. 18 Informou a biografada. 19 PONTE, Sebastião Rogério. (coord.).Fortaleza: Núcleo de Documentação Cultural — NUDOC, 2004. 20 Mt 6, 26-28: “ Olhai para as aves no céu; não semeiam, não colhem, nem ajuntam em celeiros, e, contudo, o vosso Pai celestial as alimenta.Não tendes vós muito mais valor do que elas? (...) Quanto ao vestuário, porque andais ansiosos? Observe como crescem os lírios do campo.Eles não trabalham nem fiam.” 21 Termo cunhado pelo filósofo Edgar Morin para designar as “celebridades”, como artistas, cantores, modelos e políticos que brilham na mídia e mexem com o imaginário dos “plebeus”. 22 Onbudsman é o profissional que faz a leitura diária e crítica do jornal e dos jornalistas. Aponta erros e encaminha sugestões, emitindo relatórios para a presidência e editorias. Além de escrever uma coluna semanal. Atende às solicitações e reclamações dos leitores. Ou nas palavras de Adísia: “O onbudsman sendo jornalista- (...) é tão impregnado da ideologia da profissão (auto-suficiência, arrogância), que sabe quanto a crítica pesa e quão grande é o esforço que se faz para aceitá-la. Noutras palavras: o onbudsman sabe repassar para a redação o que vem do leitor, na linguagem que ele conhece e com a emoção que o toca...” 23 SÁ, Adísia. Clube dos Ingênuos - Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 1998. 24 Idem. 25 LIMA, Maria Érica de Oliveira. Ensaio da Trajetória do Pensamento de Adísia Sá. ( Ensaio) 26 Jornal Unidade, março de 2000. 27 Eu até confesso que duvido um pouco que ela se aparte tão “rápido” assim, tão bruscamente, porque jornalismo é um vício incurável. Você nasce jornalista, assim morrerá. E quanta falta fará seus comentários nos jornais e no rádio. 1
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Eu me controlo muito. Minha mente é como um jumentinho correndo que você tem que segurar. Não pode prender. Mas, ele pode lhe levar para um despenhadeiro. Você pode levar uma queda né? Você tem que ter a mente sob controle. Você não é dono de você. Na hora em que você perde esse controle, você não é mais racional. E a mente é muito doida. Ela voa demais né? Então se você vai nos devaneios dela, você se perde. E eu guardo minha cabeça debaixo de um tacão muito forte. Ela é muito doida, muito trepidante. Adísia Sá
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Entrevista Coletiva do presidente JK em 1956, no entรฃo Palรกcio da Luz, sede do Governo do Estado do Cearรก quando da sua visita a Fortaleza. Presentes jornalistas da imprensa nacional e local
Capítulo 3
Inquietação existencial “Eu não sou mulher de sentir saudades. Eu me entrego tão absolutamente ao que faço e vivo, que não fica vazio para lamentar... relembrar... chorar... Não sinto falta daqueles tempos. Eu me sinto uma mulher do tempo: estou nele engajada, numa tridimensionalidade indissolúvel: passado, presente e futuro. Eu estou no tempo, sou do tempo, para o tempo”. Adísia Sá
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dísia me olha nos olhos, íris, pupila, coração. Fala com firmeza, franze a testa, tenta me convencer de que não sente saudades, que não guarda em si frustrações... Quem sou eu para adentrar sua alma, ler seu coração? No entanto, me questiono se isso é possível, não sentir falta de alguém ou de algo. Não ter uma lembrança triste no fundo do peito, uma ausência. Ou até mesmo sentir um desejo meio louco de querer voltar no tempo. Eu mesma, na minha juventude tenho isso comigo, por que ela não? Como uma pessoa pode viver o hoje, somente o hoje e para o hoje e nem por um segundo se quer deixar vir aquele ar nostálgico que abate e deprime? Como explicar isso, se nem ela mesma consegue fazê-lo? Ela insiste. “Eu não tenho saudade. Eu não sei o que é ter saudade...” fala em tom sereno. Questiono. — A senhora não sente saudade de ninguém? Nem da sua mãe ou de um parente que faleceu? — De nada, de nada. Nem de meu pai, nem de minha mãe. Nem de um fato, nem das minhas viagens eu tenho saudade. (Silêncio). Esquisito. Eu faço força... E até digo brincando que se eu botasse música de corno, de dor de cotovelo, talvez eu sentisse saudade de alguma coisa. Eu não tenho saudade de NA-DA. Eu acho que eu vivo tão intensamente cada momento que esgoto o momento nele mesmo. Deve ser por isso, porque eu não tenho saudade. Quando a minha irmã telefona para mim, chora, que parece que
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QUE SAUDADE?
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não me vê há cem anos. “Ai, que eu tô com saudade...” (Faz voz chorosa). Ela chora demais. Os meus sobrinhos, também têm uns que choram demais. Mas, eu não sou chorona. Minha mãe não era saudosista. Eu nunca ouvi minha mãe dizendo que estava com saudade. Às vezes, ela dizia: “Minha filha está longe”. Mas ela estava sempre tão ocupada. — Então, a senhora acha que é por isso, por estar sempre com a cabeça tão ocupada? — É pode ser, pode ser. Eu nunca tive vontade. Com toda a pureza da minha alma é como se fosse uma confissão: eu nunca tive vontade de que tal tempo voltasse. Que a saudade é querer trazer o tempo que foi para o hoje. Eu nunca tive. Eu nunca tive. (Silêncio). É impressionante. E eu digo: meu Deus, do que eu sou feita? (silêncio) Eu não tenho saudade. Ficar lembrando como estaria minha mãe. Não, eu não faço isso. Não há como. No colégio, a aula, como era boa... Eu conto como era bom. Mas, para mim, tudo é uma estória que se conta. Lembrança para mim é uma estória que eu conto. (Pausa) Mas, não é uma coisa que eu estou lembrando com falta. Não é. E às vezes eu fico pensando: meu Deus, vivi tão intensamente cada momento, não neguei a minha presença, nada. Sinceramente, eu não tenho saudade. (Pausa) Será que sou insensível? Não. Eu me dou toda, eu quero muito bem. Não tenho saudade. Não sei nem o que é SAUDADE. Se é lembrança com falta, eu não sei o que é saudade. Esquisito, não é? Mas, é a verdade. Eu não tenho saudades. (Pausa) Incrível, mas é a verdade. (Silêncio) (Ela fala pausadamente. No diálogo, há silêncios reveladores. A voz sai baixinha, introspectiva.) — Nem tem vontade de voltar no tempo para consertar alguma coisa, fazer de novo? — Não, não. A minha cabeça também foi sempre muito racionalizada. Eu sempre trabalhei muito com a cabeça. Mas, acho que não é por ter trabalhado, acho que é da minha natureza. Eu penso assim. Hoje, eu tenho absoluta consciência que é isso que eu sou. Quem não a conhece, diria: “Quanta frieza na alma!” Engana-se. Ela é terna, carinhosa, a seu modo. Toda a sua trajetória foi humana, seus sentimentos mais nobres, se preocupou em fazer denúncias, em brigar pelos direitos dos cidadãos. O problema parece ser o tempo que lhe foge rapidamente. A vida urge. Já está aqui há setenta e cinco anos e tem muito ainda há fazer! A mente é inquieta, fazendo uma coisa e já pensando em outra. Ela sempre procura estar dentro dos próprios limites. Mal escreve um arti-
A IMORTAL A jornalista se diz uma mulher do agora, mas sabe valorizar o ontem, a memória. Tanto que tomou para si a responsabilidade, pesquisou a história da Federação Nacional dos Jornalistas, a Fenaj, escrevendo O Jornalista Brasileiro, que é uma obra de referência. “ Eu acho isso muito importante para as novas gerações.(...) porque alguém vai escrever sobre isso um dia. E vão lembrar dos livros da professora Adísia Sá. Acho que tenho isso como uma missão”, fala sem falsa modéstia, mas com consciência da herança que nos deixa. Em 1992, publicou seu único romance. Polêmico. Ela se atreveu a decifrar um dos maiores enigmas da literatura brasileira deixado por Macha-
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go e já tem outro prontinho na cabeça. Perguntei-lhe se, depois dos nossos encontros e das entrevistas, quando eu saía, se ela ficava relembrando aquelas coisas todas. Adísia me respondeu que não, tratava de já se ocupar com outros afazeres, que aquilo já passou, foi só um momento. E que não costuma sonhar quando dorme. “Sonho uma vez na vida e não tenho saudade. É um fenômeno que eu não sei justificar.” Dificilmente lê um livro completo. Na sua estante, muitos livros têm papéis ou marcadores saindo, registrando uma passagem lida. Ela costuma ler até quatro livros ao mesmo tempo. No seu escritório, é tudo muito organizado: as prateleiras, gavetas, o armário. Ela guarda, somente, todos os seus documentos, papéis, em pastas. O que denota sua personalidade transparente. “Cada coisa minha está no seu lugar”, faço como Manuel Bandeira. No meu armário, é tudo transparente, organizado. Se um dia eu morrer, qualquer um encontra os documentos, tudo. “Atentei para um detalhe curioso em seus álbuns de recortes das suas matérias e artigos: foram guardados, mas por um descuido, a maioria não tem data nem o jornal em que foram veiculados. É como se devessem ser guardados, sim, mas com uma certa pressa, para que não se apossem do hoje. Embora para Adísia a vida seja o hoje, essa preocupação em guardar tudo, vem de longe, desde a década de 50, quando começou a escrever os artigos para o jornal O Estado. Em uma de nossas conversas, ela me revelou: “ Eu tinha dentro de mim a certeza de que um dia seria falada. Daí porque guardei tudo. Porque eu achava que um dia eu seria alguém como mamãe falava: Gente!”
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do de Assis. Escreveu Capitu conta Capitu,1 a estória de Dom Casmurro, pela visão feminina — talvez feminista — a própria personagem contando como tudo aconteceu, seu caso de amor com Escobar, e desmistifica a face de sedutora, cruel e mercenária.“Se ganhar, ganho eu. Se perder, perde a Academia!” Disse Adísia na época, sonhando com uma cadeira ACL, mas nem padrinho a jornalista tinha. A escritora se candidatou à vaga deixada por um grande amigo e também jornalista, Durval Ayres. Houve um impasse muito grande, a Academia ficou dividida entre Adísia e o escritor César Barros Leal. A primeira votação deu empate. E a confusão foi tão grande que o presidente da ACL, Cláudio Martins, renunciou. Adísia procurou Artur Eduardo Benevides, que substituiu o presidente, e ele disse: “Adísia, você sabe como é: os amigos, as coisas ficam mais ou menos acertadas, as pessoas começam a trabalhar muito cedo...”. Ela não gostava daquela coisa de ter que fazer visitas, pedir votos. E na segunda votação, César Barros Leal foi o vencedor. Adísia não se conformou, porque ela queria aquela cadeira, que fora de Durval Ayres, pelo valor simbólico. E foi uma luta que ela perdeu, ou melhor, desistiu de conquistar. “Eu me desencantei e nunca mais procurei me candidatar. Vejo gente com muito mérito, mas eu não vou dizer com rancor, mas como uma crítica mais severa... Há pessoas que absolutamente não deveriam estar na Academia... Não é porque eu não tenha entrado, embora eu ache que poderia ter conseguido. Mas, eu também não vou ficar com complexo de inferioridade, merecer eu merecia, porque eu já produzi coisas que me dariam o direito de entrar para a Academia. Não só pelos livros que publiquei, mas pela minha atuação jornalística ao longo desses anos. Mas academia é academia. Agora, eu mesma pleitear outra vez, eu não pleiteio. Há belos nomes, há grandes, há belas figuras lá dentro, há medíocres figuras e figuras que não deveriam estar na Academia, porque não produziram, e porque não representam nada na vida social”, desabafa. (Adísia gesticula, franze a testa, aumenta o tom de voz, ajeita os óculos. Parece que evoquei lembranças nada agradáveis...) E solta suas farpas, porque o conhecimento é algo maravilhoso, mas que deve ser compartilhado, trocado, renovado. Não apenas algo hermético, egoísta:“Porque eu acho que um intelectual não é só aquele que escreve. Ou só escreve. É aquele que tem uma atuação, uma posição na sociedade, que não foge de dar o seu testemunho. Então, eu não gosto de intelectual na sua igrejinha, na sua panelinha. Intelectual é aquele que está na luta, no
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cotidiano. E também, por eu ser jornalista, acho que o jornalista tem uma linha de intelectual.” Para Adísia, hoje, ser uma imortal significaria “apenas a certeza de que futuramente o meu nome seria lembrado. É a única coisa que faz a academia. A imortalidade da academia é porque cada vez que alguém assume uma cadeira tem que lembrar os antigos ocupantes.” Confessa. É como se essa necessidade de ficar guardada na história fosse uma característica dela. Ou até vaidade, talvez. Mas, ela já é parte da história sim, está imortalizada no jornalismo cearense. Essa questão de transmitir a história, sempre esteve nela. E, inclusive, a ajudou no momento de escolher a profissão. Ou melhor, as suas profissões. Ela diz ter nascido vocacionada para o jornalismo. “O fato de ter abraçado uma profissão que é da transitoriedade, que é o jornalismo, mas ao mesmo tempo é da perpetuidade daquele transitório. Porque fica e a minha cabeça gosta muito da coisa que está passando e da certeza de que aquilo que está passando vai ficar”, filosofa. Essa sede de perpetuidade é uma característica nata dos homens pela certeza que têm da sua transitoriedade, acredita Adísia. E isso é muito forte, mais em uns que em outros. E cada um à sua maneira encontra uma forma de ser eterno.“Por que não escrever um livro? Não é no sentido em que se diz: “ Todo homem tem que escrever um livro, ter um filho e plantar uma árvore”. Não é nesse sentido tão primário, porque no judaísmo tudo é muito metafórico. É criar raiz para poder se sustentar. Então, você tem que ter filhos, tem que ter algo para transmitir, continuar. Ter uma estória para ser contada”, ela afirma, acomodando-se na cadeira de balanço. É um desafio não deixar morrer uma história. A filosofia judaica tem essa preocupação. E é isso que atrai Adísia, pois há uns cinco anos, pesquisa e lê livros sagrados judeus, embora não tenha se convertido. Os judeus têm o compromisso de não deixar a memória se apagar, ou ficar vazia: as pessoas estão sempre contando as estórias para que outras pessoas saibam o que aconteceu e que assumam o compromisso de também repassá-las. Sobre ser biografada “Eu achava que alguém iria escrever. Mas, não agora. Achei quea biografia só viria depois de eu morta”, Ela já é imortal. Há um pouco de Adísia em Cariré, em Sobral e na antiga Pensão (depois, Hotel Sobral), no antigo Colégio Sete de Setembro (principalmente no seu porão), no Colégio da Imaculada Conceição, em tantos profissionais que foram seus alunos e nos privilegiados que hoje
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ainda o são, no calor dos Debates da AM do Povo, nas páginas de opinião dos jornais, nos seus livros e polêmicas, no jornalismo brasileiro. Mas ela não deixa herança genética, não deixa filhos. Vai ficar nos livros e, para Adísia essa é a melhor herança que pode nos deixar: “ Eu acho isso fantástico. Para mim aí está a perpetuidade da pessoa. Não é o meu filho, não é o meu neto que eu não tive. Eles iriam transmitir uma história, a história da família. Eu estou transmitindo a estória de uma cidade, repassando a história de um sindicato. É mais do que minha família, do que aquela tribo, aquela aldeia só. É uma aldeia maior.” “ Chega a ser uma obsessão minha preocupação com o julgamento da história. Não a perco de vista ao falar ou ao escrever, que estou sendo ouvida, que serei lida e que responderei um dia por tudo que disse. Tenho o maior cuidado para não vir a me arrepender, principalmente, do que deixei de dizer. Agora após tantos anos de trabalho, já posso dizer que não só plantei árvores, escrevi livros, como deixei muitas dezenas de filhos espirituais, que são todos os meus alunos. Posso morrer tranqüila. Mas, ‘ vou virar no caixão’ se quando morrer não derem pelo menos meu nome a uma rua; se não for em Fortaleza, que seja em Cariré. Eu bem que mereço.” 2
A MORTE “A morte é uma coisa metafísica, e me faz pensar no viver em idade avançada. É viver todos os seus dias, mas também é chorar seus mortos. É a metáfora de Oscar Wilde. Não estou só como Dorian Gray porque ainda tenho muitas pessoas que amo ao meu redor, mas começo a pagar caro por viver muito”.3 A morte é dor, é perda. Mas, também é o caminho natural das coisas. Adísia não teme a morte, embora não goste de falar sobre isso. Ela aceita tranqüila a possibilidade de morrer. “Eu acho que ela virá e, quando vier, é porque faliu tudo, né? É a falência absoluta das coisas. Cada coisa cumpriu o seu tempo, né? (Pausa) Tudo tem seu tempo: tempo para nascer, tempo para morrer... Está no Eclesiastes, uma das frases mais bonitas do livro sagrado. Às vezes, as pessoas dizem:“ Adísia, você mora sozinha. E se você sentir alguma coisa? ”Imagina uma coisa: se eu me sentir mal e tiver alguém, impede? Então, eu não vou pensar nisso. Eu não gosto de pensar em tragédia. E, se eu morrer, é porque eu já vivi, o que tinha que ser vivido”. E é com pressa de viver, antes que tudo se esvaia, se dissolva no ar, que Adísia vive. Cada dor e alegria a seu tempo, cada sentimento na pele. Se
CARBONÁRIA
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aconteceu, é porque tinha que ser. Deve ser vivido, sentido. Nunca se sabe quando será o dia em que fecharemos os olhos de vez. Perguntei o que faltava para ela fazer antes de morrer: “Viver, continuar vivendo. O que falta fazer é só continuar vivendo”. E se soubesse que ia morrer amanhã, o que faria? “Me esconder? Eu ia fazer o quê? Correr atrás de quem? Ficava no meu canto. Passava a vista talvez na minha vida. Não sei, não sei nem imaginar como seria isso. Nunca parei para pensar e nem quero”. Essa passagem, da existência à não-existência marca muito, ou deixa traumas e reflexões. A única coisa eterna é a mudança, segundo Adísia. “Então, é uma benção divina, ter uma pessoa que a gente ama e vai desaparecendo aos poucos. A morte é tão brutal, né? A morte, de repente. O meu pai também morreu devagar, e você ia se acostumando a perdê-lo. Isso é muito forte, ir se acostumando àquilo. E você tem a noção de que tudo é perecível, tudo é factível. Tudo é transitório. Daí, eu digo que a única coisa permanente é a transitoriedade”. Foram quatro anos com Dona Mimosa deitada numa cama, sem andar e sem falar, depois de sofrer um acidente vascular cerebral, AVC. Ela só movimentava o lado esquerdo do corpo.“Acho que foi um momento muito importante, a doença da minha mãe. Porque eu sempre fui muito autoritária, queria muito que as pessoas me entendessem. E com a doença de minha mãe... Que ela não podia falar, mas ouvia. Ela só movimentava um lado dela. Eu aprendi a ler o que ela queria dizer, a famosa empatia. O que é que ela está querendo dizer? Eu me punha muito no lugar dela. (...) Foi para mim uma experiência muito rica, porque eu passei a compreender até o conhecimento do outro. Com a doença de minha mãe, eu aprendi muito a conviver com o silêncio”, desabafa Adísia. “Eu faço questão de sofrer a dor da morte de minha mãe. Eu não quero ser dopada”. Era agosto de 1976. Dona Mimosa partia. Adísia precisava sentir aquela dor. Acompanhou tudo desde o velório até o enterro, chorando muito. “Há coisas que são suas, da sua natureza humana. Você não é capaz de sofrer a sua dor? (Pausa) Você não é capaz de viver a sua alegria? Então, você não é gente”. Quando Seu Zeca falecera em 1962, Adísia ficou muito abalada, não aceitava. Deram-lhe muitos tranqüilizantes. Ficou praticamente dopada, durante todo o enterro. Ali não era ela mesma.
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Adísia guarda algo de muito precioso da infância, dentro do coração. Uma vivência que lhe deixou um senso de justiça muito forte. A ponto de quase fazer faculdade de Direito, se não fosse ter que fazer a prova de latim no Vestibular. Tudo por uma coisa que traz dentro de si, de querer defender os outros, de não aceitar qualquer injustiça. O jornalismo lhe dá esse poder, a sua ética lhe faz lutar pelo cidadão, pelo direito dele ser bem informado. Não aceitar injustiça sempre foi uma constante nas suas reflexões e na prática de vida, seja como jornalista ou como professora. E foi com essa visão romântica que ela se entregou ao jornalismo: de querer ir contra as injustiças e não admitir que as pessoas sejam humilhadas. Adísia acredita que o jornalista faz parte do “Quarto Poder”, porque ele é a voz dos que não têm, mas que isso não seja usado irresponsavelmente. “(...) porque sempre que a gente se desencanta do Executivo, se desencanta do Judiciário, do Legislativo, você só tem uma porta. Agora, que a imprensa não se julgue acima desses Poderes, não queira ser o juiz de todos”. Não é porque os jornalistas são tão ‘poderosos’ que vão poder se julgar acima do bem e do mal, ou pessoas ‘especiais’. Como querer dizer que “fulano” não vai preso porque é jornalista! Porque não é uma pessoa comum! “Que sociedade é essa de desiguais? Desiguais nós já somos, nos nossos direitos. Mas eu dizer que sou especial só porque sou jogador de futebol, advogado ou jornalista?”, indigna-se. O Conselho de Jornalismo é um exemplo, segundo Adísia, de como os jornalistas se julgam superiores, porque acham que nenhum código de ética deve tê-los sob orientação, “(...) como se não estivessem sobre o tacão da própria empresa, das regras da própria empresa. Eu duvido que eles infrinjam as regras da empresa!” Adísia argumenta que não existe liberdade do jornalista, e sim diretriz da empresa. E que os jornalistas são “mercadorias descartáveis”. Essa paixão pelo jornalismo vem desde a infância. Admirava jornalistas panfletários como João Brígido, Jáder de Carvalho, que criticavam, denunciavam. Seguiu esse exemplo. E na experiência de quem dedicou cinqüenta anos ao jornalismo, ela compara épocas, e diz como é fazer parte desta nova geração, que ela chama de científica.“Eu fui da geração que acabou com o panfleto, acabou com os carbonários. E, hoje, vocês não são nem carbonários, nem nada. Vocês são assépticos. Para vocês, a informação é uma coisa mais tranqüila, mais científica. Hoje, o jornalismo é mais científico. Como você deve dizer, em que hora.”
Ela sempre foi independente, dona de si e das suas idéias. Segura a mente inquieta dentro dos seus limites, a rédeas curtas. “É como a paixão, você tem que ter as rédeas dela. Coisas do coração”. Até então, se mantinha discreta quanto a esses assuntos. Aproveitei a deixa: Adísia disse nunca ter tido uma paixão avassaladora. “Eu digo sempre, eu explorei muito uma pessoa na minha vida, que fui eu mesma. Explorei em todos os sentidos, inclusive a exploração da renúncia. Você tem um objetivo, um fiel objetivo que você acha que é a sua forma de libertação e de crescimento. Então, você tem o direito sobre a sua vida”, afirma Adísia, sem muito revelar. Ela fala superficialmente, não quer comentar o assunto. É discreta.4 Adísia nunca quis casar, para tristeza de Dona Mimosa, que queria ver a descendência da filha caçula, uma “penca de meninos”. Definitivamente, o coração dela não estava “naquele reino”. (Essa frase é típica dela, vem da linguagem judaica) “Ela perdeu o tempo dela! Ela era paradoxal, queria que eu me casasse, mas dizia que homem era cachorro. Queria que eu tivesse filhos, mas dizia que eu fizesse isso estava com um pé na tumba e outro no chão. Então, ela era muito paradoxal”. (Ela ri muito quando comenta esse assunto, ainda tentou ficar séria para falar o restante da frase, em vão.) Eram os valores da sociedade da época, as idéias que eram passadas para as mocinhas. A maioria dos colégios tinha uma rígida direção religiosa, e ensinava ou só meninos ou só meninas. Adísia estudou o primeiro ano do primário e o primeiro e segundo científicos em colégio misto. “Fui para o Colégio São João, e, 1949, e achei ótima a experiência de estudar com moças e rapazes ao mesmo tempo. Incutia-se naquela época, na cabeça das mulheres, um terrível medo dos homens. Nunca nutri esse medo porque além de ter um pai maravilhoso, vivi quase toda minha vida numa casa sempre cheia de homens”.5 Ter ficado sozinha é uma opção, estilo de vida. “Eu nunca quis ter alguém que ficasse perto de mim, me cobrando. Porque as pessoas que vivem juntas têm que cobrar uma da outra, senão para quê estar junto? Não quero isso. E tive duas profissões que cobram muito da gente. O jornalismo cobra muito da gente principalmente quando você quer ser“aquilo”. Alguma pessoa no meu espaço é muito difícil, não daria. Há momentos em que quero ficar
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totalmente comigo, e os outros querem saber o quê você está pensando? Mas, aquilo que satisfaz é a família. Você vai lá quando quer ou a família vem quando quer. Mas “aquele negócio” de cotidiano, é demais para o meu gosto.” Ela, que vez ou outra se isola das pessoas como uma eremita, nem imagina ter que dividir seu espaço com outra pessoa, nem mesmo com seus familiares, que tanto ama. A solidão é a companhia dessa senhora na quietude do seu apartamento. Três quartos, cama, rede... E ela só. No dia–a-dia, a companhia, durante um expediente da comadre, Antonete, sempre calada, cuidando dos afazeres da cozinha. Escolha própria, como se estivesse em busca de uma privacidade que não teve. Viveu num entra e sai de gente, de caras, caráteres. Lidava com as diferenças quando começava a viver no mundo.“Cedo, aprendi a olhar os outros nos olhos e a sentir o faro de decência e safadeza a muitas léguas de distância. Sem perder, entretanto, a fé, a confiança nas pessoas. Pois essa era a mensagem de meu pai; homem crédulo, puro e único, para quem amigo era coisa sagrada, e palavra, dogma de fé. Farejar a alma, perscrutar o íntimo do próximo, foram coisas que aprendi com minha mãe; mulher forte para quem a vida foi dura”. Ela que constantemente dá palestras e mais palestras em muitos lugares, para multidões, confessa: “Às vezes, a presença das pessoas me sufoca um pouco. Irrita-me um pouco. Eu gosto, até certo ponto. Depois de certo ponto, cada um vá para seu canto. Acho que é porque tive uma vida muito cheia de gente.(...) Eu gosto da rua para trabalhar, eu gosto de gente quando eu vou trabalhar, depois disso, a vontade que eu tenho é de sair de perto. As pessoas ficam: ”Professora! professora!”, e pegam aqui e ali e para mim é um mal-estar. Gosto de que as pessoas me procurem e me ouçam, me agradem, mas na hora em que ficar aquele joguetezinho eu saio, eu não gosto”. Adísia não gosta de gente lhe arrodeando. Quando ela vai ministrar uma palestra, chega na hora marcada e começa no horário, mesmo que só tenha uma pessoa no auditório. “Eu não gosto de ficar sendo objeto de atenção. Eu não sei o quê conversar com as pessoas. E, então, fico tão angustiada, que, às vezes, me torno até ríspida. Então, eu digo: Oi, tudo bem? Muito prazer! E faço questão de sair”. Ela se mostra sincera, eu tento fugir das personas... — Professora Adísia, me diga uma coisa: a Adísia que está aqui, agora, é a mesma lá de fora na profissão? — Muuuuito. A mesma, inteira. Até porque eu não sou duas Adísias. Só
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quando tem muita gente olhando para mim e eu fico inibida ou então exibida sei lá, depende do momento. Eu sou muito eu. Muito eu mesma. Acho que muita gente pode pensar que eu sou até arrogante. Tem hora que eu falo com muita arrogância, muita ênfase. Mas eu sou aquilo. Vão me fazer justiça um dia que disserem: “Ela pode ter sido agressiva, pode ter sido violenta, pode ter sido amorosa, mas ela era aquilo”. Agora, se disserem que eu fazia de conta, estão sendo injustos. Da mesma forma lhe farão igual injustiça se afirmarem ou insinuarem que por ela ser e viver sozinha, não seja alucinada pela família. Foi a sua experiência e relação mais rica e duradoura. “A família é a base de tudo. Seus valores estão na família, porque não são doutrinados, mas ensinados, são vividos, penetram na sua essência. É onde somos o que somos, não há artista nem fingimento. São valores que você leva para a vida toda. Papai criou muitas noções de justiça (...) Minha mãe, me deu uma noção muito grande de liberdade(...).” E de discrição também. Adísia prefere sua “toca” a “freqüentar a sociedade”. Recebe muitos convites para festas, não vai. Só mesmo quando é inevitável. Quando foi receber o Troféu Sereia de Ouro, foi acompanhada pelo sr. Demócrito Dummar e por Dona Lúcia Dummar: “Eu fui receber a estatueta da Sereia de Ouro, porque tinha que receber, com roupas completamente diferentes das que eu uso. Quando me sentei à mesa para jantar, a primeira coisa que fiz foi tirar os sapatos, estava me incomodando, aquele “baita” salto.” [risos] Quem não a conhece pensa que é uma desfeita, mas é seu jeito de ser. Não é sempre que Adísia comparece a homenagens em seu nome, muitas vezes, manda representantes, como a sobrinha Luciana. O assédio das pessoas pode ser bom, é sinal do quanto ela é querida e admirada, até a agrada de certo modo, mas alimenta um defeito: a vaidade. Adísia é avessa a bajulações e elogios rasgados. “O elogio me enche, me infla a vaidade. No fundo, eu sou extremamente vaidosa. Eu gosto muito dessas coisas e, ao mesmo tempo, luto contra. Eu acho que tudo isso é muito passageiro e você não pode perder as suas referências porque estão lhe parabenizando, porque estão lhe louvando...”, confessa. “Eu mesma me considero um paradoxo: sou tímida por natureza e adoraria estar quieta no meu canto, mas tive sempre uma vida pública e vivo cercada de gente; sou da paz e vivo brigando; normalmente, custa-me um esforço enorme o falar e até gaguejo, se o que falo não for motivado por alguma coisa que me inflame. Desejo o anonimato, mas fico terrivelmente
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frustrada se noto que alguém não me reconhece pelo nome. Adoro estar no silêncio da minha casa, entre meus livros, mas quando ligo a chave do meu carro, sou outra pessoa.”6
SENTIMENTO
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Seria mais feliz se tivesse mais um palmo de altura, o rosto e os olhos da Betty Davis, ou o corpo escultural da Marlyn Monroe, e ainda uma conta milionária no banco? Nada disso importa, o ser humano é essência e não apenas “embalagem”. Na sua pequenez de tamanho e grandeza de pensamento ela é feliz, realizada, agradecida a Deus por tudo que lhe deu e permitiu realizar, acha que tem até mais do que merece. “Sou feliz no sentido de que estou em paz comigo mesma. Acho que aquele talento que Deus me deu, na linguagem bíblica, eu não enterrei. Fiz com que ele rendesse. (pausa) paz comigo mesma é isso, né? Como São Paulo, combati o bom combate, fui fiel a minha fé”. No auge dos seus setenta e cinco anos, ela diz manter o coração vazio de mágoas e frustrações. Fez tudo que tinha que ser feito, com paixão, e se não tivesse feito tudo que fez, seria hoje uma pessoa infeliz. Arrependimentos só de alguma violência com palavras que tenha cometido, algum comentário no rádio e de seu jeito autoritário. Mas, se cometeu “alguma grosseria ou injustiça com alguém foi sem querer, não foi de propósito.” Um dos seus maiores defeitos é o gênio forte e explosivo, traço característico dos Sá. Ela tem suas opiniões e pontos de vista e os defende com muita veemência, até o fim. É muito crítica, mas, hoje, admite esse defeito e quando é muito dura com alguém, já procura brincar para atenuar. Reflete: “Meu Deus, eu não posso mais ficar falando assim, já sou uma mulher de 75 anos. Quando menos espero, tenho um impulso, mas eu procuro me segurar. Quando eu vou dar uma opinião e menos espero, eu estou toda dentro da opinião. Sou muito apaixonada pelo que escrevo, pelo que penso, pelo que falo”. Enquanto faço as perguntas, confiro se o gravador ainda está funcionando, tento rabiscar algumas informações e percepções no caderno. Seu olhar não permite, me prende, olha no fundo dos meus olhos. Esqueço papel, caneta, tudo. Ganho sua confiança, ao deixar que ela observe “as janelas da minha alma”.Tento ver além das máscaras, além do que ela diz. Quase que como confissão contada na cadeira de um analista, ela me revela mágoas, mesmo negando. As diferenças entra ela e a irmã mais ve-
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lha, Maria Olívia, eram grandes, duas personalidades distintas. Adísia era muito apegada ao pai, que sempre defendia suas “diferenças”. Dona Mimosa se gabava da outra filha. E isso criou uma ciumeira na cabeça de Didisa. Adísia confessa, de mansinho mesmo que sem querer. — Eu tenho certeza de que ele, meu pai, queria bem à outra, que era a filha mais velha. — A senhora acha que ele tinha um querer maior por Maria Olívia? — Acho que sim. E havia uma coisa que às vezes ele falava, quando perguntavam por mim, muito desagradável. Ele dizia: “Essa menina não é minha filha! Essa menina, nós a encontramos durante a seca de 1932, debaixo de uma oiticica.” 7 Aquilo para mim foi horrível. (Ela imita uma voz grossa, com uma entonação de desdém, enquanto gesticula) — Mas, ele não falava brincando? — Ele falava brincando. Mas, às vezes, eu ficava me perguntando, será que eu não sou filha dele? Eu olhava para ele, olhava para ela e aquilo ficou. Será que eu sou filha mesmo? Porque palavra de pai e de mãe se eles pensassem, eles não brincavam com essas coisas. Para criança, não há distinção entre a brincadeira e a verdade. — Tudo que eles falavam era uma verdade... — Para mim, ouvir meu pai e essas estórias de alma que passava por debaixo da rede dele, que olhava para a floresta e via navio... Aquilo para mim, era verdade... O que é fantasia? Eu podia fantasiar... Mas, ele não! Era muito forte a presença dos pais, certas coisas eles não deveriam dizer. Porque a repercussão é mais difícil. — E a senhora guarda alguma mágoa em relação a isso? — Não. De maneira alguma. Porque aquilo no momento eu fiquei triste. Mas, eu ficava me questionando: Será que eu sou filha deles mesmo? E quem seriam meus pais? Aquilo no momento, né? 8 Mas, eu não parava, não tinha uma reflexão filosófica existencial... 9 De maneira nenhuma. Como Maria Olívia vivia mais tempo no internato e depois se casou e foi morar no Acre, as duas irmãs não conviveram muito juntas. Hoje, são grandes amigas apesar da distância. São poucas as pessoas que Adísia considera amigas, de verdade. “Eu tenho pouquíssimos amigos, que mal dá para contálos nos dedos de uma mão”, afirma ela, mostrando a mãozinha miúda aberta. Mas prefere não citar nomes. Sei que entre eles está Ivonete Maia, ex-aluna e companheira de sindicalismo; Dona Lúcia Dummar, filha do jornalista Demócrito Rocha, fundador do O Povo; professor FranciscoAuto Filho...
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O MUNDO
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Converso com Adísia e esqueço que o gravador está ali registrando tudo. Não quero estar presa a uma ordem cronológica, ou me ocupar de falar de datas, números. Deixo um pouco a pauta de perguntas de lado, e a entrevista fica livre, solta a devaneios, busco visões de mundo. “Você não precisa perder a alma para ganhar o mundo”, afirma Adísia, com a certeza de que sempre foi autêntica e nunca mudou seu jeito de ser. Mas, o que quero saber dela é o quê realmente importa nesta vida. — Uma pergunta meio vaga. O que a senhora mais quer do mundo? — A vida, a vida. A coisa mais importante que se tem no mundo é a vida. O mundo não existiria se não fosse a vida humana com a razão de ser. Olhe, que o livro sagrado é muito sábio, quando ELE fez tudo, fez a Lua, fez os astros, fez os animais, fez as plantas, ELE fez tudo. Mas, ai ELE viu que não tinha razão de ser se não existisse o ser humano.(...) o ser humano é quem vai dar nome as coisas e, portanto, somos nós que damos sentido à vida. — Qual seria o sentido da vida? — Dar sentido às coisas. Por que viver por viver? As coisas em si não têm sentido. (...) Se você observar daqui, as coisas estão paradas, as coisas são paradas. O que dá mobilidade e sentido à vida é o ser humano. (...) Isso é o que a gente aprende em jornalismo, o fato está ali, mas o fato só começa a ter sentido quando ele é tornado público dentro da visão do jornalista, com as palavras do jornalista. Ai, ele tem vida, ai desencadeia um processo nas cabeças dos que lêem. Ele foi vida transmitida para os seres vivos, deu sentido para aqueles fatos. A vida é mesmo uma caixinha de surpresas. Estamos soltos entre as circunstâncias, os fatos e o meio. Como Adísia não é uma mulher apegada a lembranças, também não é de sonhar. Sua palavra de ordem é projetar, daí seu senso de organização. O passado já foi, já era. E se tivesse sido diferente? Dona Mimosa insistia que a filha casasse e queria deixar a Pensão sob a responsabilidade de Adísia, porque era um negócio que dava dinheiro, pensando que a filha poderia ficar rica.“Minha filha, você é mulher solteira, vá ganhar dinheiro!” E me dava exemplo de outras senhoras: a dona do Fortaleza Hotel, que era uma moça solteira e rica. E eu dizia: “Mamãe, eu não quero ser rica, eu quero ser jornalista!” Quem acabou cuidando da Pensão foi
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o irmão mais velho, Orestes Sá, que havia sido expulso dos Correios, durante a Revolução de 1964. Já pensou se ela tivesse seguido os conselhos da mãe? — A senhora não pensa em como sua vida seria totalmente diferente? — Mas não tinha nada a ver comigo. Eu seria uma mulher muito rica e só. Não me arrependi e nem me imagino rica. — E o que é dinheiro? O que significa ter dinheiro? — É ter a vida que eu tenho. Dinheiro para mim é isso, quis viajar pude, ter meu conforto dentro da minha simplicidade e das minhas possibilidades... Eu acho que dinheiro para mim é isso, para movimentar e você ter seu conforto. Dormir sem se lembrar de dívida, né? Então, ter dinheiro para mim é isso, nada mais. A segurança de você ter uma reserva. — Por que a senhora não se imagina rica? Dinheiro não traz felicidade? — Não, não é assim. Porque eu me sinto uma pessoa abençoada viu? Na minha idade, eu sou uma mulher sadia, cada coisa está no seu lugar. Estou na vida que eu planejei, chegar a essa idade. Meu sobrinho Jacob Barros de Sá me disse uma coisa: “tia Adísia, a sua vida é toda planejada.” E eu digo: “ Sim, meu filho, porque a gente também tem que se traçar, né ? Porque você ficar só e deve ser uma coisa terrível você chegar e ficar dependendo dos outros.” Então, eu sempre tive essa preocupação e é pouco o que eu ganho mas, eu tenho que ter cuidado com isso, não a ponto de sacrificar a minha mesa. Eu não tenho luxo, começa por aí. Dinheiro, luxo, bobagem, aparência, eu não ligo, não. — A senhora não liga pra aparência? — Não ligo. Eu tenho muita blusa, se eu tiver comprado umas três ou quatro comprei muito, geralmente foi presente. Mas, entra ano e sai ano são as mesmas blusas, tenho um monte de blusas. Mas, eu sair da minha casa pra comprar, não, dificilmente. Eu gosto mesmo é de sapato. — A senhora tem muito sapato? — Não. Porque é muito difícil tamanho meu, né? Ah! Mas, eu adoro sapato. Eu adoro carro novo, hoje, eu não faço mais extravagância. Eu me endividava para ter um carro novo. Mas hoje eu digo: meu Deus, eu não devo nada, pra quê que eu vou me endividar só pra dizer que tenho um carro novo? Já controlei essa vaidade de carro novo, mas eu adoro carro. — O mais importante é ser do que ter... — Ou, então, eu ia precisar chegar: “Você sabe com quem você está falando? Sou a professora Adísia!” Eu digo: meu Deus, se ele não sabe pra me reconhecer que eu sou a professora Adísia, se eu disser que sou a professora
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Adísia pra ele não estou dizendo nada. “Ora, se a senhora fosse tão importante significativa, eu já lhe tinha reconhecido, né?” Mas precisar dizer quem é, acho isso ridículo. Enquanto conversamos, procuro discretamente o celular dentro da bolsa, tateando. Quero verificar as horas, e se devo ir correndo para a emissora de televisão em que estagio, Rede TV! Adísia me olha atentamente, observa cada movimento meu. Pego na chave do carro. Ela muda de assunto. — Você estranhou ontem que eu guiasse? Eu guio há muitos anos. Tem quarenta anos que eu tenho carro. Contei-te que quando eu quis comprar um carro com a minha mãe, e ela disse: “Eu te dou o carro desde que você me devolva aquela casa que lhe dei...” ? Ela era muito negociante. Desde aquele tempo que eu dirijo. Adísia sempre foi muito independente, trabalhava e, foi só juntar um dinheirinho, que comprou um carro. Ela morava no Centro da cidade. A casa nem garagem tinha. E, em um belo dia, um vizinho bêbado esmigalhou seu lindo Doulphini... Desde aí, ela nunca deixou de ter carro. Mas, não era moça de viver passeando, pelas festas da cidade. Seu interesse era outro. Poucos e discretos amores. Sua afetividade era maior pelo trabalho, que pela vida pessoal, mundana. Tinha 29 anos. A vida passou, já não era tão moça, não tinha mais tempo de ir ao cinema que tanto gostava. Embora nunca deixasse de curtir uma praia. Mas, quando ela trabalhava, na Gazeta de Notícias, tinha um grupinho animado. Se juntavam Luiz Campos, Arabá Matos, Wildo Celestino e Alfredo Sampaio e se mandavam, no final de semana, para Pacajus. Iam tomar banho no reservatório e provar uns “birinaites”. Eu não vou negar, eu gostava de uma boa cerveja. Ainda hoje eu gosto, mas não abuso, porque depois de tantos anos, os médicos descobriram que eu tenho um hemagioma no fígado. Então, eu tenho muito cuidado e sigo as recomendações: manerar nas bebidas e não lutar boxe!” diz, rindo muito. Seu jeito ríspido, muitas vezes, dá lugar a uma doce e bem humorada senhora. De voz calorosa, por vezes, agitada. A conversa se torna animada, as idéias são jovens, a mente é fresca. Ela mesma diz que não gosta de conversar com pessoas da idade dela: “Quando eu me lembro de gente na minha idade, quando eu falo da minha idade, eu tomo um susto. Que idade? Eu não tenho nada com essa idade! Eu não tenho nada com o ontem dessa idade! Porque a atividade ela é muito viva, ela é palpitante, ela está nascendo todo dia, você vê aquilo nascer todo dia. Então, me dá uma juventude per-
manente. Idade para mim é apenas uma idade cronológica, não tem nada a ver com a minha cabeça.”
Porta, mesa, sofá. Nada é visto tão simples quanto um objeto, nada é somente um móvel. Não se trata de curiosidade desmedida, mas, desde a primeira vez que entrei no apartamento de Adísia, observo cada detalhe e sempre descubro alguma coisa nova. Tudo é muito significativo. Há elementos que revelam traços fortes da personalidade e expressivos símbolos judaicos. A religiosidade aparece nas mínimas coisas, como a mezuzá sobre o umbral. Na estante, junto aos livros, (muitos inclusive, de judaísmo), a Menorá, que é o candelabro de sete pontas. Adísia traz no pescoço a medalhinha com a estrela de Davi. Quando segura o anel que tem a Menorá, ela faz a oração do Shammah: “Escuta Israel, eterno é UM, eterno é o nosso Deus. Bendito seja aquele cujo glorioso nome é eterno”. Tudo tem seu porquê. — Professora Adísia, o que significa ter essa mezuzá? O que ela traz? — Para mim, nada. Eu apenas cumpri um dever. Um dever que está no Levítico para você ter nos umbrais da sua porta, algo que lhe defina como tal. Lembra muito aquela passagem da matança dos inocentes em que mataram um cordeiro e cada judeu pinçou na sua casa que é para a morte passar ao lado, né? Eu tenho impressão de que no fundo há uma lembrança desse fato. — É um dever e não algo que traga uma bênção? — Não, nada disso. Nada de amuleto, superstição. Para mim, é um dever religioso. É um dever ritualístico. Quem entender, fica sabendo que aqui mora um judeu. Não no sentido de que, às vezes, as pessoas faziam um amuleto, para dar vazão a superstições. Para mim, não tem esse aspecto não. Aliás, eu nunca fui supersticiosa. Na minha cabeça, eu nunca fui. Mas, não deixo de olhar debaixo da rede, debaixo da cama... (Ela fala e não contém o riso) — O que é que a senhora olha tanto? — Nada. É que o pessoal dizia que podia existir alma. Ô, e existe alma? (Diz, fazendo uma voz bem engraçada!) — E ainda hoje a senhora olha? — É coisa de menina, e ainda hoje eu me pego olhando. E eu digo: Que
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cabeça besta! E eu morro de rir das minhas coisas... — E a chinela emborcada também? — A chinela emborcada, né? Ninguém pode ter coisa emborcada, no guarda-roupa ao avesso... Então, aquilo que eu aprendi ao longo da vida, não sei nem quem me ensinou aquilo, eu respeito. — É respeitar, não acreditar? — É engraçado como certas coisas se prendem ao nosso ser, costumes, crenças e que não mudam com o tempo. E que já fazem parte do nosso jeito de ser, e que não há filosofia, ciência ou até mesmo maturidade que tire.
RELIGIÃO Adísia teve sua formação escolar em colégios católicos, mas seu coração nunca pertenceu a essa religião. A família, tanto do lado dos Barros quanto do lado dos Sá, eram de tradição católica. Havia fortes vínculos, embora que em casa, Seu Zeca e a Dona Mimosa não fossem de tradição católica. “Acho que é porque eu não via isso, minha mãe, passou quinze anos fora da igreja. Depois que a minha sobrinha chegou com paralisia, foi que ela criou a idéia que tinha cometido algum pecado e que estava pagando. Para mim, religião não é isso, né? Mas, eu não era, não freqüentava, não fazia rituais. Dentro de mim, eu não era aquilo, é uma coisa esquisita. Você viver numa vida e vê que aquilo não é você que está ali. O seu tesouro, como diz a Sagrada Escritura, meu coração não estava naquele tesouro. Aquele tesouro não era o meu coração”, confessa a biografada. Eram muitos os questionamentos, poucas as respostas. Não concordava com certas coisas, outras, não conseguia entender. Tanto que chegou a romper várias vezes com a Igreja. Diz que nunca foi religiosa, e que desde 1951,10 procura Deus. Há uns oito anos, ela se encontrou no judaísmo, principalmente, no que diz respeito à sua ética. Mesmo tendo convicção disso, não se converteu ainda, já vieram dois rabinos para convertê-la, mas, Adísia acredita não estar pronta. Todos os dias, ela lê o Torá e faz as orações e reflexões diárias, principalmente na manhã de sábado, que é toda dedicada ao judaísmo. — Professora Adísia, quem é Deus para a senhora? — Uma vez, perguntaram a Einstein: “Você acredita em Deus?” ele respondeu com uma pergunta: “ A que Deus você se refere?” Porque praticamente cada um tem uma visão de Deus.
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— Estou perguntando justamente a sua visão... — A minha visão é justamente o desconhecido. Porque o ser humano sempre criou deuses para ele. Tem aquele que acredita em Deus como aquela divindade geradora de tudo, os outros não passavam de ídolos. Então, o que seria Deus? É a explicação do inexplicável, você tem sempre que ter uma resposta. Essa ansiedade e saciedade humanas é que dá um sentido as coisas, porque é que existem às coisas. Nós marchamos para causas e efeitos, então damos sentido a tudo isso que existe com essa figura que nós chamamos de Deus. Quer dizer, Deus, a última elaboração mental do ser humano na busca de encontrar um sentido para as coisas, sentido para o mundo que está ai, sentido para a minha existência. Então, eu acho que Ele é o coroamento para o pensamento do homem em tentar explicar algumas coisas. — Qual seria a importância Dele na sua vida? — Ele é extremamente importante porque se eu quero dar sentido à palavra, eu dou sentido porque eu tenho esse banco aqui, qual é o sentido dele estar aí, a funcionalidade dele. Então, se tudo tem sentido, para que Deus? Que sentido Deus tem na sua vida? Ele não é aquele que preenche uma indagação porque eu não tenho resposta, Ele é a própria resposta. — Por que a senhora sente no seu coração o judaísmo, mas não se converte? — Não é fácil você romper. E o que eu acho de toda ruptura, né? É o que o velho Freud dizia, as rupturas, por exemplo, do parto é uma coisa terrível para a criança que saí do aconchego para o mundo. Depois, você vai ter uma ruptura da vida adolescente para a vida adulta. E a minha foi essa, embora eu não fosse uma católica, você sentia o ritual do colégio, mas não era de dentro de mim. E, de repente, você se encontra lá. Porque eu me encontrei no judaísmo, sem sombra de dúvida, não tanto a sua teologia, mas a sua ética. E, de repente, você está no momento de se converter, mas os vínculos são muito profundos. Não é só você dizer, pois eu vou me converter, não! Enquanto eu achar que ainda tenho vínculo, àquela religião, àquelas tradições, daquela minha família, é muito difícil eu me converter. Mas, dentro de mim, eu sirvo o judaísmo. — Mas, a senhora lê muita coisa e até cumpre alguns costumes... — Eu não quero me engajar em grupo não! Eu não quero pertencer a grupos que estejam me cobrando coisas: você tem que estar tantas horas no shabat para a oração das dezoito horas, antes que chegue a primeira estrela; você tem que comer a comida cortada à direita, à esquerda...Não!
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Eu não gosto muito daquilo que me impõem por impor, não gosto. O judaísmo é muito mais severo do que o catolicismo.
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“Capitu conta Capitu é outra face de Adísia, que não se conhecia. Sensível, imaginosa, mas coerente e verdadeira. Ao se expor, denota, uma vez mais, a sua opção, corajosa opção, de não guardar para si mesma, os frutos de sua inteligência, os sinais de sua inquietações. Assim foi no magistério. Assim é no jornalismo. Assim será na literatura.” Ivonete Maia, na orelha do livro Capitu Conta Capitu. 2 Tribuna do Ceará. 28 de janeiro de 1984. 3 O Povo. 20 de agosto de 1998 4 É o conflito entre informação relevante e curiosidade banal. Não insisto, ela deixou bem claro que não gosta de falar de sua intimidade. E também porque minha intenção é mostrar como ela é, e um pouco de sua vida, e não procurar informações que não sejam de interesse do público, que só digam respeito à vida particular. 5 Tribuna do Ceará. 28 de janeiro de 1984 6 Tribuna do Ceará.28 de janeiro de 1984. Deparo-me com pensamentos antigos soltos, palavras coerentes. Transcrevendo minhas gravações, vejo idéias que são as mesmas de 20 anos atrás. 7 Ela imita uma voz grossa, com uma entonação de desdém, gesticulando. 8 A voz é tão fininha como uma criança magoada falaria, quase que revelando sem querer. 9 O tom de voz fica mais alto, com um pouco de agressividade. Meio aborrecida. 10 Quando ela cursava o científico e participou de um retiro espiritual. 1
Eu sou assim mesma arisca às amizades, esquecida de manifestações de carinho, aos gestos de cativar as criaturas. Ou gostam de mim com esta cara que Deus me deu, ou não gostarão de outra maneira.
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Adísia Sá como secretária geral do XIV Congresso Nacional dos Jornalistas Profissionais, em São Paulo, em outubro de 1972
Capítulo 4
Outros Olhares O BOM COMBATE DE ADÍSIA Por Lúcia Dummar1
A
em Messejana, a pedido de minha filha Albanisa Lúcia Dummar Pontes. Ela precisava de dados sobre minha irmã Albanisa Sarasate, de quem guardava um sentimento de gratidão pelo modo como agira a seu respeito quando quiseram afastá-la do rádio: “ Na Adísia, aqui ninguém bole!” dissera ela. E a partir desse esse momento, Adísia decidira escrever um livro sobre minha irmã. Não era do meu agrado evocar o passado de minha família mais uma vez. Eram recordações que feriam muito o meu coração. Todos já tinham partido, e só restara mesmo a minha pessoa. Por que atiçar as cinzas de um tempo que não volta mais? Acontece que estava eu no meu trabalho diário do sítio quando Adísia me apareceu com papel e caneta na mão e também um gravador. Com sua habilidade de jornalista, foi anotando fatos marcantes do meu convívio com minha irmã e meus pais. E dessa troca de dados, surgiu o livro “Traços de União”, que foi lançado meses depois. Melhor do que o livro, surgiu também uma amizade muito grande entre nós duas. Hoje, somos irmãs de fato pelo coração. Falar sobre Adísia é muito fácil. Basta recorrermos às qualidades principais de uma pessoa humana. Ela tem todas. Defeitos, ela deve tê-los, mas, desconheço-os. E mesmo quem não tem defeitos neste mundo cão? Gosto muito do número sete. Por ser o símbolo da perfeição e eu vou escolher sete qualidades que retratam bem quem é ela: inteligência, honestidade, lealdade, solidariedade, justiça, sabedoria e generosidade. Precisa mais? É uma pessoa de poucas amizades. Viveu sempre em um lar cujo ambiente era fechado a estranhos. Faziam parte desse convívio os irmãos: Arlindo Sá, inteligência brilhante, e Ivinha, cearense destemida, duas vezes primeira-dama do Acre, mãe de senador, verdadeira heroína naqueles rincões distantes. E, é nesse ambiente familiar, que Adísia impera como rainha ajudando e orientando uma prole bem nascida.
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PRIMEIRA VEZ QUE CONVERSEI COM Adísia foi em minha casa,
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Adísia procurando conhecer melhor seus pais e sua descendência, veio saber que tinha raízes judaicas. A partir daí, com seu irmão Arlindo Sá, passara a pesquisar a veracidade de sua origem e ambos se entregaram ao estudo da cultura do povo judeu. Hoje em dia, parte de seu tempo é dedicado à leitura do Torá, livro sagrado dos israelitas. E mais uma afinidade alicerçou a nossa amizade, enquanto ela se deliciava com o Antigo Testamento, eu me entregava de corpo e alma ao Novo. Aquelas mulheres heróicas como Ester, Judite e Rute se misturam com Maria e com os apóstolos de Jesus.Tardes inteiras de descobertas nos 73 livros de nossa Bíblia. Ela dedicou-se a fazer palestras para gregos e troianos. Já assisti a várias, e fico pensando como uma baixinha daquela sem enfeites, nem adereços, pode comover a todos e levantar platéias com aplausos e palmas.
ADÍSIA SÁ, A GIGANTE Por Regina Marshall2 Conheci a jornalista Adísia Sá no ano de 1959 quando ela, ainda jovem, já se destacava brilhantemente escrevendo na Gazeta de Notícias. Eu já era admiradora de seus escritos, sinceros, honestos e totalmente descompromissados. Adísia nunca fez questão de agradar, nunca saiu de sua pena uma palavra cuja intenção era simplesmente jogar confete, fazer “oba-oba”, seja lá com quem fosse. Doesse em quem doesse, ninguém poderia dizer que Adísia não estava sendo correta. Ela era e sempre foi um exemplo de jornalista. Por isso, eu, mesma sem conhecê-la, era sua assídua leitora e por ela nutria uma grande admiração. No ano de 1959, a ACI, como já vinha fazendo, lançou o concurso para escolher a Rainha da Imprensa e eu fui candidata indicada pelo Clube Líbano Brasileiro e pelo jornalista Hermenegildo de Sá Cavalcante, cronista social do jornal O Estado. Adísia era repórter e foi à minha casa me entrevistar. Tive, então, o prazer de estar frente a frente com aquela mulher franzina, “mignon”, mas um portento de fibra, inteligência e dignidade. Após muitos anos, depois que honrosamente fui eleita Rainha da Imprensa, por dois anos consecutivos, casei, tive três filhos, morei no exterior e em São Paulo, ficando ausente do Ceará treze anos, voltei em 1975 a residir na minha querida Fortaleza. Resolvi fazer faculdade. Entrei para o Curso de Comunicação da UFC e novamente encontrei Adísia. Desta vez,
SOBRE A VIDA E A VELHICE Por Francisco Auto Filho3 Num curto ensaio intitulado Como Envelhecer, escrito quando tinha 72 anos, o filósofo Bertrand Russel escreveu: “Se tivermos vivo interesse pelas coisas e amplo campo de atividades em que possamos ainda ser eficientes, não há razão para que pensemos no fato meramente estatístico no número de anos que já vivemos, e menos ainda na provável brevidade de nosso futuro.” Se abstrairmos o contexto específico no qual foi feita essa reflexão, poderíamos dizer que retrata, com absoluta perfeição, o perfil de Adísia Sá. “Vivo interesse pelas coisas” e “amplo campo de atividades” fizeram de Adísia Sá uma figura realmente singular na cultura cearense contemporânea. Primeira mulher jornalista numa atividade que, entre nós, foi quase sempre masculina nas décadas de 50 e 60 do século passado; professora no mais autêntico sentido da palavra, isto é, aquela pessoa dotada de uma intuição especial em descobrir talentos, animar os discípulos a superar a mestra e apoiá-los com espírito maternal na vida profissional; sindicalista ativa e formadora de quadros dirigentes para o movimento dos trabalhadores; criadora de instituições novas; e, finalmente, espírito experimental, capaz de passar, com o mesmo brilho e energia, de uma atividade exercida convencionalmente para algo inteiramente novo, seja no âmbito prático da vida profissional, seja no terreno mais etéreo da cultura espiritual. Ela soube como ninguém combinar tradição e inovação, sem perder o
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ela como professora e eu como aluna. Conheci então a grande mestra que ela é. Amiga dos alunos, justa e sempre movida a corretas atitudes. Na faculdade, Adísia era um exemplo para quem ali galgava os primeiros degraus para ingressar no difícil, exaustivo e, muitas vezes, incompreendido mister da vida jornalística. Sempre me espelhei na sua maneira de exercer a profissão. Afinal, quem não desejaria ser destemida, ética, digna e brilhantemente como esta grande mulher, tão simples quanto sábia, humana e destemida? Hoje, tenho grande orgulho em dizer que a pequenina Adísia, a jornalista, a mestra e minha particular amiga, esta mulher de fibra, respeitada, admirada e querida, é a Gigante que toda a imprensa do Ceará reverencia.
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contato com a realidade imediata do meio acanhado e provinciano em que sempre viveu. Suspeitamos que Adísia desenvolveu, a seu modo, aquela combinação dialética entre a virtude e a fortuna que, segundo Maquiavel, é a característica primordial do Príncipe bem-sucedido. Uma última palavra sobre Adísia de hoje, com 75 anos. Russel, naquele ensaio já citado, adverte que há, psicologicamente, dois perigos contra os quais quem chega ao outono da vida deve guardar-se. O primeiro, é deixarse absorver indevidamente pelo passado. “ Nossos pensamentos — aconselha ele — devem voltar-se para o futuro — para coisas em que há algo a ser feito.” O segundo, é agarrar-se aos jovens, na ilusão de se buscar vigor na sua vitalidade. E conclui: “Penso em que uma velhice satisfatória é mais fácil para aqueles que têm fortes interesses impessoais, envolvendo atividades adequadas”. Adísia tem feito tudo isso, naturalmente. Pode-se, pois, dizer, não sem uma ponta de inveja, que ela curte merecidamente essa nova idade plenamente satisfatória sem precisar de demagógica ideologia da “melhor idade”. Ao se dedicar nesta fase da vida, a atividades que tem fortes interesses impessoais, envolvendo atividades adequadas, a sua sabedoria nascida da experiência vem sendo proveitosamente exercida sem que seja opressiva para os outros.
FILOSOFIA Por Angélica Martins4 Dizer que Adísia Sá é uma grande mestra, que tem o dom de ensinar e aprender, que é uma pessoa extraordinária é pleonasmo, se torna redundante. Adísia, numa sala de aula, se agiganta, cresce, se fortalece, transcende. Aliás, no papel de aluna do Curso de Comunicação Social — Jornalismo (1977), lembro de Adísia colocando em prática o que hoje é moda nos cursinhos: ela circulando entre os alunos, fazendo diferente, ensinando Fundamentos da Comunicação, por exemplo, discutindo letra e música de Chico Buarque, dando um “show de Filosofia”. Aprendi a gostar de “Mulheres de Atenas” com Adísia. Nem sei se ela se lembra disso, mas passados 26 anos, aquela aula ainda está “fresca” em minha memória... Tempo bom aquele, quando, sem qualquer preocupação, imaginávamos que poderíamos mudar o mundo, transformar pessoas e realidades...No entanto, de lá para cá, tenho exerci-
NA HISTÓRIA DO JORNALISMO CEARENSE Por Moacir Maia5 Conheci Adísia quando cheguei ao Curso de Comunicação da UFC, em 1980. Fui seu aluno na disciplina Deontologia da Comunicação e Ética, se me lembro bem (não puxe muito pela memória de um quase ancião). A imagem de Adísia para o Curso transcendia para além da função de professora. Uma “mãe” zelosa, uma vigilante profissional, uma exigente professora. Era impossível não ter admiração por aquela figura que transbordava paixão pela profissão de jornalista, por aquele ser extremamente comprometido com valores éticos para a nossa atividade. Completo um quarto de século de convivência com Adísia Sá e, claro, lembro com um profundo sentimento de gratidão pelo que ensinou em sala e fora dela, e também de que em alguns momentos a vi contrariada com alguns fatos pertinentes ao que o destino traçou como habitat comum a nós dois. Eleição do Centro Acadêmico Tristão de Athayde quando nossa chapa venceu por dois votos de diferença. Greve dos Jornalistas em 1988, quinze dias de greve e nossas
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do o jornalismo sempre com ética e honestidade, sem descrer que podemos, sim, formar opinião e multiplicar idéias, mesmo sem o efeito de uma fórmula mágica ou uso de uma varinha de condão, o que tornaria tudo muito fácil e, por conseguinte, insípido. Até hoje, a aluna ouve a professora e amiga: — Adísia, o que você acha disso? Como você avalia tal situação? Minha amiga, eu estou com o projeto assim...assim. Penso que esse privilégio não seja somente meu, pois “a mãe do Curso de Comunicação Social da UFC” soube manter perto seus “filhos”, seus discípulos, mesmo que estes, em determinadas situações, tenham opiniões totalmente contrárias, o que é salutar. (Toda unanimidade é burra, já dizia Nélson Rodrigues). Muitas vezes, discordo de Adísia, penso diferente, mas não dispenso seus comentários. Por que não ouvir a voz da experiência? Tem sido assim como cidadã, como jornalista e, de uns tempos para cá, como professora universitária. Espero que meus alunos também guardem boas recordações a meu respeito e que eu saiba repassar meus poucos conhecimentos: é o mínimo que queremos nesta difícil tarefa de educar, principalmente neste mundo que o Ter, muitas vezes, se sobrepõe ao Ser.
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reuniões de comando de greve na casa da Adísia. Mas o que merece um destaque especial é a sua militância sindical sem nunca ter tido paixão por cargos formais. Fui presidente e busquei reaprender como admirá-la na hora em que lançava posições que, a princípio, pareciam chocar-se com o que fazíamos. Um dia, em Natal, ainda tentou dizer que eu deveria pleitear reeleição. É muito quando reencontro Adísia que num autógrafo em um de seus livros me disse: “você veio para ficar em nossa história”. Alegro-me e contento em ser coadjuvante onde ela figura como principal agente da história do jornalismo cearense. Na nossa formatura, Adísia foi nossa convidada para ministrar a Aula da Saudade. Sinto saudade de suas aulas, mas procuro aprender cada dia em que a vejo ou ouço sua fala. Um ícone que ainda tem coragem de dizer que aprendi alguma coisa em jornalismo. Queria um dia poder ensinar, nem que fosse a milésima parte, do que aprendi com ela.
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Por Tertuliano Siqueira6 A convivência com Adísia na Redação do Sistema O Povo de Rádio foi enriquecedora para este locutor que vos fala, principalmente porque ela nos ensinou que o profissional tem que ser absolutamente ético. E o ensinamento foi dado em exemplos diários na abordagem de fatos muitas vezes polêmicos, que colocavam o jornalista em dúvida do que deveria ser feito. Uma frase curta, um gesto, um olhar, muitas vezes, me conduziram pelo caminho correto da informação. Adísia, na Redação da AM do Povo, tinha o entusiasmo de uma jornalista recém-saída da faculdade. Se preciso fosse, extrapolava o horário de trabalho. Recebia uma informação, checava, procurava novos dados para informar aos ouvintes com riqueza de detalhes. Adísia sem saber desenvolvia a técnica da repetição, um privilégio de poucos profissionais de comunicação eletrônica do Ceará. Foi a grande estrela da emissora. Nos corredores da Rádio formavam-se filas de pessoas que queriam conversar com Adísia. Em certo momento, chegou a se deslumbrar com a popularidade, mas baixou o facho quando alertamos para a necessidade da troca de energia com o ouvinte, de forma dinâmica, mas respeitando
a humildade. Apesar de muitos anos de estrada, confesso que aprendi muito com a Adísia. Acho que ela aprendeu comigo também um pouco de radialismo.
“DURONA DEMAIS”
Li um texto sobre Ética assinado pela jornalista Adísia Sá quando eu ainda morava em Senador Pompeu. Foi a primeira vez que ouvi falar dela. Devia ter uns quinze anos. Naquele dia, decidi: vou fazer filosofia. Aqui, em Fortaleza, realizei meu sonho. Quando entrei na Uece, a professora Adísia Sá estava saindo. Ainda assisti uma palestra dela. Meio tímida, me aproximei e disse que era sua fã. Não houve retorno, somente um olhar meio frio. Foi uma grande decepção. Mas, a admiração pela “baixinha” continuou. Quando ingressei na comunicação, fazia um programa na TVC (na época TV Educativa), Gente de Imprensa. Sonhava com o dia em que iria entrevistá-la. Mas, tinha um receio enorme. Era comum falarem que ela não tinha “papa na língua”. Quase seis meses após o programa, encontrei com ela na Assembléia Legislativa. Prendi a respiração e disse: “A senhora pode ir ao meu programa? Ela enfática respondeu:“Pensei que não ia me chamar!” Combinamos e ela foi. Confesso meu nervosismo. Mas, a entrevista até que rendeu. Ela foi mais simpática. Depois, surgiram outras oportunidades de entrevistá-la. A professora foi comentarista do jornal Telemanhã, que eu apresentava e produzia na extinta TV Manchete. Era o melhor momento do jornal. Sempre um aprendizado. Não saio de casa antes de ouvir o comentário dela, diariamente, na AM do Povo. E fico pensando: como esta mulher é inteligente. Como fala com fluência, passa credibilidade. Não tem temor em falar a verdade. Um dia, ela ligou para dizer que estava ouvindo meu programa na AM do Povo. Gelei, mas depois relaxei. Mesmo com todo o conhecimento há sempre algo a aprender. Se me ouvia, refleti, devo também contribuir com algo. Recentemente, liguei para parabenizá-la pelo aniversário. E a conversa tomou outro rumo. Ela perguntou sobre minha mãe, marido... A Adísia que poucos conhecem é, na verdade, uma mulher-menina gosta de brincar, sorrir, sabe ouvir, fica feliz com a alegria do outro. Tem a verdade na
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sua essência. Às vezes, parece durona demais. Um dia, ela até me disse que gosta de alimentar esse “medo” que alguns têm dela. No entanto, ela tem o maior de todos os sentimentos: é solidária, humana. Sou uma privilegiada de poder fazer parte dos que desfrutam da sua convivência.
A METAFÍSICA DE ADÍSIA LUIZA HELENA AMORIM
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Por Oscar d’ Alva e Souza Filho8 Tive a alegria de conhecer a professora Maria Adísia Barros de Sá em 1968, quando, acadêmico do Curso de Filosofia Pura da Faculdade de Filosofia do Ceará (Fafice) fui seu aluno na disciplina “Problemas Metafísicos”. Mulher pequenina, frágil, de voz pausada, Adísia Sá enfrentou com segurança uma turma de estudantes universitários de esquerda e muito bem formados na doutrina marxista (em voga, na época) e que tinha nomes atuantes no Movimento Estudantil cearense, como foram José Genoíno, Pedro Albuquerque, Bráulio Ramalho, Assis Aderaldo e ainda estudantes aplicados nas discussões de textos filosóficos, como foram Redna Teófilo, Vera Bezerra de Menezes, José Waldir Milhauic e Vicente Possidônio, dentre outros. Adísia trouxe a questão metafísica do discurso e do conhecimento para um centro de “verdades dialéticas” tão definitivas e imutáveis quanto os valores fundamentalistas da metafísica tradicional. Escreveu para seus alunos uma obra polêmica e de grande repercussão “Metafísica para quê?”, na qual conceituou com clareza as grandes interrogações da Filosofia, desde a Grécia até os tempos hordiernos, e terminou convencendo a nós todos, tal qual dizia Voltarie, que ‘‘fazemos metafísicas até quando a negamos”. Além do vigor intelectual indiscutível, a professora Adísia Sá afirmou-se já no primeiro momento como uma intelectual livre e sem dogmatismos ou preferências de Escolas. Propugnava sempre pela livre manifestação do pensamento e nos ensinava que todas as explicações filosóficas, por maiores que sejam, admitem uma complementação advinda de orientação diversa. A professora Adísia Sá sempre nos ensinou, fundamentalmente com seu exemplo ético-profissional o pluralismo político, a convivência com posturas diferentes das nossas convicções e, sobretudo da tolerância com valores e idéias. Essa mesma atitude intelectual fez da professora Adísia Sá uma mes-
INQUIETA ADÍSIA
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tra exemplar da Uece e da UFC, nos cursos de Filosofia e de Jornalismo e Comunicação, foi também positivada em sua atividade profissional de comunicadora, jornalista, debatedora em emissora de Rádio, articulista e autora de obras que a credibilizaram como exemplo e modelo de professora universitária, jornalista e cidadã. Depois de Rachel de Queiroz, o Estado do Ceará não nos deu ainda para os registros da História da Cultura Cearense uma mulher tão notável e tão grande como a nossa querida e pequenina Adísia Sá. Adísia marcou a minha vida e a de minha geração acadêmica com seu exemplo autêntico de profissional e, sobretudo, pela sua coragem ética e pelo carinho com que sempre tratou aos seus alunos e ao seu público (seus verdadeiros amores). É para mim uma honra participar, com meu depoimento, desta Homenagem tão grata e merecida a Adísia Sá, uma mulher grandiosa e modelar, como por exemplo foi a professora Maria Luíza Fontenele e parece-me ser também a prefeita eleita Luizianne Lins. Mas, tudo começou com a trajetória de minha querida professora.
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Maria Adísia Barros de Sá, pequenina e grande mulher, sem favor uma das mais importantes expressões das letras do jornalismo cearense. Irrequieta, contestadora, dotada de aguda inteligência, Adísia Sá reúne os dois predicados fundamentais ao exercício das profissões que adotou no magistério e a imprensa. A essa moça devem o Ceará e o País a formação de gerações de valorosos profissionais das mais distintas áreas de atividade, mas principalmente na imprensa, seja a escrita ou a produzida no rádio e na televisão. Boa parcela lhe cabe na implantação da primeira escola de Jornalismo no Ceará, vinculada à Universidade Federal de nosso Estado. Ali, por muitos anos, exerceu com extraordinária competência, a cátedra sobre a matéria que é mestra por vocação e por formação. Grande jornalista desde a juventude, pontifica também como professora, no nível médio, quando pertenceu aos quadros da Escola Normal Justiniano de Serpa, como no nível superior, na UFC.
Mais antigo ainda do que ela no jornalismo local, pude acompanhá-la desde os primeiros passos crescendo cada vez mais a minha admiração por ela.
TANTOS MOMENTOS... Por Fátima Abreu10 LUIZA HELENA AMORIM
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Se jornalismo fosse verso, com certeza, Adísia Sá seria a maior inspiradora. Mas, não estou aqui descartando o romantismo da forma de ser, na excelência que eu comparo esse romance antigo que eu tenho, de fazer e ser jornalista. Como sempre nos apoiamos e buscamos, obedecendo às nossas aspirações, os melhores modelos. De início, me apaixonei pela forma de ser da repórter Sandra Passarinho, a qual tive uma alegria imensa de revê-la dia desses. Depois, na rotina da faculdade, que me chocou a princípio por não ser o que idealizei, vi uma luz para o meu ideal que me ensinou a refletir sobre a oportunidade da profissão, do profissionalismo e, sobretudo, da ética. O enriquecimento, melhor pra mim, transcendeu. Da Universidade ao mercado de trabalho, fomos colegas durante décadas. Eu, aprendiz, e ela a sempre mestra. Professora, modelo, ícone, guru e pra quem eu corria sempre que as decisões da empresa para qual trabalhava impactava com a minha forma de ser. Quero voltar ao tempo porque me dá um prazer enorme relembrá-lo. Quando fui apresentada à professora Adísia Sá, eu não tinha a menor idéia de quem se tratava. Não tivera acesso aos livros de sua autoria e, devido à educação que recebi, eu era o que se pode chamar alienada, de fato. Mas, isso ao invés de ser razão de desperdício, aproveitei com vigor porque evitou o pré-julgamento. Fumantes inveteradas, chegamos a trocar cigarros. Adísia preferia os tipos longos, que eu por sorte, um dia enquanto a ouvia num seminário, havia comprado. Um dos meus primeiros empregos foi uma dica da professora. Lá fui eu trabalhar numa agência de publicidade sem entender “bulhufas” do que se tratava. Ignorante sim, mas nunca estúpida. Aceitei de pronto e aprendi até a revelar fotos e tive, burlando todos os pré-requisitos, uma coluna assinada no jornal O Povo, ora veja, só. Vale ressaltar que Adísia Sá não contribuiu com a façanha. Foi idéia do meu chefe da época que tinha quatro páginas de um caderno especial, e me colocou ali pra ser “boi de piranha”.
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Casei, tive filhos, mas não nos afastamos porque Adísia mantinha um cadastro de alunos e ex-alunos. Reencontramos-nos na Rádio O Povo, eu copiando telex para os noticiosos, e ela brilhando no programa Debates do Povo, que ia ao ar ao meio-dia. Foi um dos melhores momentos do rádio cearense. Com argumentos científicos, ela se contrapunha a Themístocles de Castro e Silva. Era um embate excelente, muito enriquecedor. Um dia, perguntei à professora qual o motivo de tanto embate? Fome, foi a resposta. “Quando o programa começa, eu estou morrendo de fome, e quando isso acontece, eu brigo”. Não vou precisar datas aqui porque para mim experiência, vivência é atemporal. Mas, só pra clarear, eu sou da turma de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará de 1976, e comecei a trabalhar na rádio Am do Povo (era assim que se chamava) em outubro de 1982, ficando até maio de 2000. Quando Adísia assumiu a Diretoria Executiva, cargo que vim ocupar mais tarde, levada pela diretora institucional das empresas do grupo O Povo de comunicação, Luciana Dummar, mudei de função e passei a produzir programa apresentado por Nonato Albuquerque, do qual sou “tiete” desde o primeiro momento. Também fomos colegas de faculdade e de trabalho. Aliás, a minha vida no rádio começou por indicação de Nonato Albuquerque. A culpa é dele. Da produção de programas à moderadora do Debates do Povo com Adísia ao lado. Ela sempre esteve nos meus melhores momentos. Na Ouvidoria, foi a primeira no rádio. E nós duas, sem embates, com muita disciplina nos microfones da então Am do Povo/CBN, a professora era a voz dos ouvintes, e eu a rádio. Um dia, nos perguntaram se o nosso relacionamento era saudável? Nunca sofreu estremecimentos. Nem mesmo, quando ainda eu, iniciante na rádio, Adísia julgou ter sido prepotente com um convidado que participava do Debates do Povo, e eu lhe respondi que sim. Não foi isso que aprendi com a senhora. Ela defendia que o entrevistado é a estrela, o foco do programa. Só uma relação leal nos permite isso. Os conselhos não se resumiam apenas ao trabalho edificante, mas também ao ombro amigo pra ouvir meus queixumes sobre problemas outros que me atingiam. Eu não venero Adísia Sá. Eu tenho o maior respeito pela mulher que deu vida ao Curso de Comunicação Social da UFC permitindo que nós, aspirantes das letras, das notícias, tivessem um respaldo acadêmico. Certa vez, durante um conflito, encontrei o consolo: “Abreu, era assim
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que me chamava, não se preocupe se te censuram. Antes ser censurada do que se censurar. Jamais se auto-censure. Seja leal consigo”. Essa lição eu jamais esquecerei.
SIMPLESMENTE ADÍSIA
Por Paulo Tadeu11 LUIZA HELENA AMORIM
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(...) Meu primeiro contato com ela foi na Associação Cearense de Imprensa, em 1968, quando fui inscrever-me no vestibular da terceira turma do pioneiro Curso de Jornalismo, uma das suas paixões, e, que depois, foi transformado no atual Curso de Comunicação Social da UFC, onde conclui a terceira turma em 1971. Assim, tornei-me seu aluno e, como tal, tive a alegria de, algumas vezes, freqüentar a sua residência na Rua Senador Pompeu, ali nas proximidades da histórica Igreja de São Bernardo, encontrando-a cercada de livros, pesquisando, preparando aulas, palestras e conferências. Noutro momento, eu, datilógrafo, da então Faculdade Católica de Filosofia ( dos Irmãos Maristas, do Colégio Cearense) e a professora Adísia Sá já era expoente na Filosofia. A Católica deu lugar à FAFICE — Faculdade de Filosofia do Ceará para formar a Universidade Estadual do Ceará. Em tudo isso, está a inteligência da professora Adísia que, por concurso público tornou-se Professora-Titular e eu, na época, trabalhando no setor de registro de diplomas a convite do saudoso padre Luiz Moreira. Depois, o reencontro no jornal O Povo. Ali, atuei por mais de 16 anos na crônica política bem como no caderno “FS — Fim de Semana”, do saudoso Ezaclir Aragão, ou substituindo o bom José Rangel em sua apreciada coluna social. Infelizmente, não vivenciei lá o período em que ela com seu pioneirismo, a convite do presidente Demócrito Dummar, implantou a Ouvidoria do Jornal, e sendo a primeira Ombudsman do Ceará e do Nordeste.... Em compensação, na fase do rádio, fui ouvinte cativo dos “Debates do Povo”, que muita gente chamava de “Debate da Adísia”... Atualmente, tenho a honra de compartilhar, com ela, às sextas-feiras, na página de Opinião do O Estado. No rádio, a escuto diariamente, também na AM do Povo, às 8 horas, no aguardado “Comentário de Adísia Sá”, contracenando com o carismático Nonato Albuquerque... É uma delícia para se começar um dia feliz! Classista por índole, ética, bem informada, atualizada e acima de tudo, apaixonada pelo jornalismo, tendo como norma o amor inquebrantável à verdade factual. É esta Adísia que foi homenageada quando da festa de 80
anos da gloriosa ACI, onde ela ingressou em 12 de agosto de 1954 e, desde lá, tem dado muito de si para a consolidação da boa imagem da entidade máter dos comunicadores cearenses. Ela me-re-ce!!!!
ALGUMA COISA SOBRE ADÍSIA SÁ
Moisés recebeu a Torá no Sinai, transmitiu-a a Josué, Josué aos anciãos, os anciãos aos profetas, os profetas a transmitiriam aos homens da Grande Assembléia. Estes, proclamaram três coisas: sede ponderados no julgamento, formai muitos discípulos e construí uma cerca protegendo a Torá. Adísia ouviu e assim o fez. Quantos discípulos formou! Suas ações sempre foram marcadas pela integridade, confiança e lealdade. Tudo dentro de rígidos princípios éticos. Sempre repudiou qualquer atitude guiada por preconceitos e sempre andou na frente. Sempre enxergou longe. Num momento em que prospera a desonra e crescem as injustiças, num tempo em que os Poderes se agigantam nas mãos dos maus, como falou Rui Barbosa, Adísia Sá é uma certeza de que a espada do guerreiro do bem, continua firme, enfrentando a empáfia dos poderosos. Uma espécie de Joana D’arc dos nossos tempos. Conheci Adísia nos anos 70, já respeitada por suas posições firmes e por seus princípios éticos. Foi a mãe da Escola de Comunicação Social do Ceará. Pariu este filho ainda nos anos 60, com dores. Filho de muitos pais, mas de uma única mãe: Adísia Sá. Se menorzinha fosse, estaria em meu pescoço,como talismã. Que mais posso dizer? Apenas que admiro e quero bem a esta mulher notável, expressão maior do jornalismo cearense.
MULHER GUERREIRA13 Por Luciano Luque14 Por que tantos elogios a Adísia Sá? Hão de perguntar os mais moços. Talvez, não saibam da importância dela como exemplo da vida, de profissional e de guerreira. Uma mulher que serve de lição para todos nós.
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Por Guto Benevides12
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A vida passa, tudo passa, mas o nome Adísia Sá permanecerá e, um dia, a história lhe fará muito mais justiça do que as lembranças de hoje. Uma das maiores virtudes de Adísia é sua defesa intransigente da categoria jornalística. Foi uma das precursoras do nosso hoje consagrado Sindjorce e do Curso de Comunicação Social da UFC. Foi diretora, várias vezes, da Associação Cearense de Imprensa (ACI). Brigou pelos radialistas, publicitários, relações públicas e assessores de imprensa. Adísia é uma mulher guerreira que usa suas próprias armas, táticas, experiências e habilidades. Adísia não precisa aprender a tática do soldado para ganhar a guerra, basta olhar para dentro de si mesma e perceber o quanto dela há no soldado guerreiro. Portanto, meus jovens: as opiniões de Adísia, sempre respeitadas; seus artigos, sempre altaneiros e que mudam pensamentos; suas idéias vanguardistas, sempre analisadas; e sua postura ética, sempre comparada; rendemlhe tantos elogios.
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Por Norton Lima Jr.16 Assim como somente depois da morte podemos julgar se fomos felizes ou infelizes em vida, como nos transmitiu Montaigne, somente depois do dever cumprido é possível avaliarmos se agimos certo ou errado em uma carreira profissional. Adísia ainda vive e ainda cumpre a missão de sua carreira, portanto, nada de julgamentos, é um risco. Quem ainda vive e ainda trabalha tanto pode errar quanto ser feliz. Na vida, nada está concluído, acabado, pronto, terminado. Tudo é início: nada é eterno. Tudo que as religiões chamam de eterno, é apenas início. Foi isso que Adísia mais tentou (e de todas as maneiras) me ensinar quando eu tinha então meus 20 anos e só usava o preto ofuscante da arrogância, da ideologia, do preconceito, do egoísmo — preto que habita em muitos dos nossos de hoje. Olhos não se compram. Maturidade não se implanta. Isso a vida ensina. São forças só adquiridas quando contemplo a realidade com luz crua. Por isso, quem só percebe e não sente, nada cria, assim como quem deixa de sentir, deixa de criar.
SOBRE ADÍSIA SÁ Por Eugenio Stone17 Tive o privilégio de trabalhar sob a batuta da professora Adísia Sá, na Rádio AM do Povo, nos idos de 1986, se não me falha a memória. Todo mundo sabia que a Professora disciplinadora e metódica, apaixonada por desafios como o que lhe era apresentado naquela ocasião: dirigir a Rádio AM do Povo. A emissora, reconhecida por sua característica mormente informativa e de prestação de serviço ao ouvinte, passava por algumas mudanças de ordem administrativa e programática. A partir daquele dia, fiquei conhecendo o ser humano Adísia Sá através de seu modus operandi. Um episódio me marcou nessa relação profissional. Eu detinha certa popularidade na emissora. Tinha um programa bem ouvido, e minha imagem era — sem falsa modéstia — simpática. Fazia comerciais de TV e o ouvinte ligava a voz ao personagem, Eugenio Stone. Era uma época PósTancredo Neves, e o mundo político fervilhava. Um evento aconteceria no Theatro José de Alencar. Era a fundação do Diretório Estadual do PFL, e naquele tempo, o então ministro da Desburocratização, Paulo Lustosa, me fez um convite para cerrar fileiras. Apesar do respeito pelo cidadão Paulo Lustosa, para quem eu havia montado uma emissora Fm em Sobral,
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Adísia age em Atalaia, em busca do bem abrir dos olhos, dizendo a eleitos, a cada um e a todos que não podemos derrapar na intolerável outra moral que nos compõe, que não podemos perder os sentidos, seja o palato, o tato, o olfato, a visão, a audição ou o sentido de Estado, da arte, da moral, da ética, da estética. O mais lindo em Adísia é que ela conhece o mundo, da Califórnia ao Japão, indo pela Rússia, sempre vestida como uma mulher do sertão. Adísia é simples, e assim é bonita. Se não cabem julgamentos, pois chega mesmo de semideuses, cabem testemunhos. E de lá até cá, ela, você Adísia, imagino em júbilo, pode todas as noites assistir ao sonho dos justos. Professora, receba essa maçã. É de coração. No nosso pomar, não nascem frutos ruins. É para reconhecer as boas sementes que também serve o talento. E, antes do mais nada, obrigado, pelos elogios e pelas críticas, principalmente naquele dia em que você tanto me orgulhou quando abriu o seu par de asas, e disse para mim: Norton, você também pode voar...”
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declinei; mas me ficava uma dúvida: Será que não seria interessante? Não seria melhor que criticar ou simplesmente fechar os ouvidos, não seria melhor entrar de cabeça? Fui a Adísia, sempre muito equilibrada, e coloquei a questão: O que a senhora acha, professora? Ela me devolveu a pergunta: “O que você acha?” Disse-lhe que gostava da idéia, muito embora considerasse (e considero) Paulo Lustosa um homem de bem, não achava que pudéssemos resolver os problemas de corrupção, de desvios financeiros e outras pragas que ainda hoje há. E ela me ensinou: “Stone, meu caro; Começa-se a limpar uma poça de lama com a primeira gota de água límpida.” O segundo episódio, ocorreu há pouquíssimo tempo. Adísia foi condecorada pela Câmara Municipal de Fortaleza com a Medalha Albanisa Sarasate. A proposição foi da vereadora Débora Soft. Não foram poucas as palavras que ouvi em diversos ambientes, vindas de representantes de segmentos sociais sobre a “audácia” da vereadora. “Quem esta mulher pensa que é? Duvido que Adísia compareça ou que queira receber um prêmio desses da mão de alguém assim...” É... infelizmente nossa cidade, em vários setores sociais, é muito preconceituosa. Mas Adísia foi receber sua Medalha, afinal, ela merece, concorda? E formada a mesa diretora daquela solenidade, a vereadora proponente foi fazer sua saudação à mulher que homenageava. Estreante na tribuna da Câmara Municipal, Débora tremia; coração aos pulos, nervosa, insegura. Pedia desculpas por não ter a estatura do alvo de sua homenagem. Adísia, miudinha, é figura gigantesca na visão de quem quer que a conheça. Deu medo em Débora Soft. E ela se desculpava, se dizia representante de um povo humilde, que aparentemente se desculpava pela “audácia” da homenagem. Findo o suplício de Débora, a homenageada foi à tribuna e iniciou sua fala dizendo que Débora devia manter seu rosto altivo. Que não devia envergonhar-se de ser humilde, de representar uma parcela do povo que sofre os mais agressivos preconceitos, como a própria vereadora; que, pelo contrário, devia elevar a voz e dizer sem medos ou vergonhas de sua alegria e orgulho por representá-los. Adísia agradeceu com humildade (Adísia, em sua grandeza, é humilde, sim) a comenda ofertada. E garantiu sentir-se feliz de recebê-la das mãos de quem, certamente, já havia sofrido muito pelo preconceito de parte da sociedade. Afirmou que Débora Soft devia ser vista agora como vereadora da Cidade de Fortaleza, eleita que foi com esmagador número de votos. E disse que, se a jovem se sentia pequena para homenageá-la, ela, a professora de tantos outros jovens, sentia vonta-
MOMENTOS MARCANTES Por Celso Neto18 Tive dois momentos marcantes da minha vida profissional que contaram com a participação direta da professora Adísia Sá. Primeiro remonta, ainda, o início da década de 90, quando ela era diretora-executiva da Rádio AM do Povo, que foi uma emissora que marcou época e atuou como divisor de águas do rádio cearense. A emissora se caracterizava pela força de seu rádio-jornalismo, com uma numerosa e quantitativa equipe de jornalistas que atuavam sob a batuta da nossa grande maestrina. Mas a que, certamente, mais marcou foi, sem dúvida alguma, a que Adísia foi personagem no ano de 2004. Na época, eu e Norton Lima Júnior, também discípulo da nossa grande professora, no jornalismo de uma emissora de TV. Meu colega havia conseguido a informação de que transações irregulares de mútuo bancário haviam sido efetuadas entre uma empresa estatal e uma agência de propaganda local, caso que passei a investigar e que acabei por comprovar diversas ilicitudes. Esses fatos, aliados a outras matérias que realizamos, acabaram por despertar intransigência e radicalidade de quem não está preparado para conviver com questionamentos e o contraditório, princípios básicos do jornalismo. O ápice dessa situação ocorreu com o atentado desfechado contra a sede da emissora, alvejada por tiros disparados por pessoas até hoje não identificadas. Dias antes, Norton havia sido vítima de agressão física. O atentado não foi apenas contra uma empresa de comunicação, mas contra o
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de de ser dez Adísias para homenagear mil Déboras. O auditório irrompeu em aplausos. Adísia, em sua fala, resgatava a dignidade que deveria ter sido restituída à vereadora Débora Soft desde antes, quando foi considerada por muitos, uma brincalhona eleitoral. De alma lavada, deve ter saído dali a vereadora Débora Soft. Também grande parte das pessoas que ali estavam; dentre elas, eu, que nunca fui aluno dela, mas que, após tantos anos trabalhando juntos, fui esperto o suficiente para beber do que ela ensinava graciosamente. Que meu depoimento possa servir para reforçar a idéia que quem a conhece já faz dela. Mas, especialmente, para quem ainda não teve esse privilégio, possa ir formando uma idéia partindo da opinião e histórias de outras pessoas.
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jornalismo, a democratização da informação e o exercício da profissão. Imediatamente, Adísia ocupou espaço no jornal O Povo para repudiar o fato e solidarizar-se conosco. Além de receber a solidariedade de diversas pessoas públicas traduzida em depoimentos de apoio à atividade jornalística e de condenação à tentativa de inibir nosso mister, passamos a procurar alguns expoentes da área de comunicação para que também se manifestassem sobre o episódio e, qual não foi nossa surpresa, boa parte deles optaram por silenciar, desde dirigentes de entidades classistas das empresas de comunicação até organismos de representação dos trabalhadores em comunicação. Quando entrei em contato com Adísia, imediatamente, ela nos convocou, pois queria expressar sua indignação com o atentado. Ao chegarmos a seu apartamento, beijei-lhe a mão, como um filho que pede à mãe sua bênção protetora. E a professora é, de fato, essa figura materna que ampara sua prole fazendo com que ela se sinta e seja protegida. Câmera ligada, aquela mulher pequenina, de aparência frágil, tornou-se uma fera em defesa do jornalismo. Sua eloqüência e força funcionaram como uma injeção de ânimo e coragem. Ouvir Adísia foi como um bálsamo que me curou as feridas e cessou as dores provocadas pela agressão desmedida. Senti-me forte e protegido. Impossível ouvi-la sem se emocionar, e ali eu estava, como nos ternos tempos de estudante, assistindo a mais uma aula de nossa grande mestra. Saí renovado, bem como a paixão pela minha profissão. Foi inesquecível.
Lúcia Dummar é filha do fundador do O Povo, Demócrito Rocha, e grande amiga de Adísia Sá. Regina Marshall é ex-aluna e colunista social do Diário do Nordeste. 3 Auto Filho é filósofo e professor universitário, foi aluno de Adísia no curso de filosofia. 4 Angélica Martins é professora universitária e assessora de imprensa da Secretaria de Segurança Pública. 5 Moacir Maia é ex-aluno, professor universitário e colunista do Diário do Nordeste. 6 Tertuliano Siqueira é jornalista e radialista. Foi chefe de Adísia na rádio AM doPovo. 7 Ian Gomes é radialista e repórter 8 Oscar d’Alva e Souza Filho é ex-aluno do curso de filosofia, Procurador da Justiça, professor universitário e Diretor da Escola Superior do Ministério Público. 9 Blanchard Girão é assessor de imprensa do Tribunal Regional do Trabalho e articulista de jornais. 10 Fátima Abreu é ex-aluna e jornalista do Departamento de Comunicação da Assembléia Legislativa. 11 Paulo Tadeu é ex-aluno e jornalista. Jornal O Estado, 28 de janeiro de 2005. 12 Guto Benevides é ex-aluno e consultor de comunicação. 13 Publicado no sítio http://www.geocites.com/emoffbr/especial.htm em 18/01/05 14 Luciano Luque é jornalista e Secretário Geral da Associação Cearense de Imprensa 15 Publicado no sítio http://www.geocites.com/emoffbr/especial.htm em 18/01/05 16 Norton Lima Júnior, ex-aluno e jornalista. 17 Eugênio Stone, é jornalista e trabalhou com Adísia na rádio AM do Povo. 18 Celso Neto é ex-aluno e jornalista 1 2
Capítulo 5
Fragmentos
U
M CONVITE À CURIOSIDADE. COMO QUEM abre uma velha
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gaveta, um baú esquecido. E por meio de papéis, recortes, documentos e fotos, descobrir uma vida. São informações que não poderiam ser esquecidas. Estão soltas, porém. São um capítulo à parte, Para não atrapalhar o ritmo das leituras anteriores.
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Adísia Sá concludente do curso Científico no Colégio Imaculada Conceição em 1951 e, em Fortaleza, sempre muito “fechada”. Na página oposta, aluna do Imaculada Conceição em 1950
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Comemoração de aniversário, na residência de Wania Dummar, então aluna de Jornalismo no Curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará
Repórter da Gazeta de Notícias, entrevistando o deputado Chico Monte, de Sobral, tendo ao lado Aldenor Nunes Freire, Francisco Felix e outro prócer do PTB por volta de 1955
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Acompanhada de Lúcia Dummar, entrega convite ao fundador da Universidade Federal Martins Filho, para o lançamento do livro “Traços de União”, realizado na Mansão Castelo, em Messejana, em 1999
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Adísia (ao centro) com turma concludente de 1970, do Curso de Comunicação Social
Confraternização com jornalistas: Venelouis Xavier Pereira, Adísia, Ivonete Maia, Fernando Maia e Colombo Sá e, abaixo, recebendo cumprimentos do reitor Antonio Albuquerque, UFC— quando da outorga do título de Professor Emérito ao lado dos professores René Barreira e Carlos d’Alge, em 1992
Panorâmica feita no terraço da Associação Cearense de Imprensa turma concludente do I Curso Livre de Jornalismo em 1965. Dentre outros: Coronel Murilo Luz, Coronel Petrônio Vieira de Sá, jornalistas Cirênio Cordeiro, Chico Alves, Moema Santiago e Adísia Sá. Na página oposta, em entrevista ao então general Castelo Branco, quando de visita ao Ceará em 1956 e, ao lado, entrega exemplar do livro O Jornalista Brasileiro à Yolanda Queiroz
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Com turma concludente de Filosofia, da então Faculdade de Filosofia do Ceará. Dentre outros, Augusto César Costa,Claumir Rocha.
Com Fátima Sudário, Arlen Medina e Lúcia Dummar e, abaixo, no encerramento do I Curso de Jornalismo para Principiantes, em 1964. Na mesa, entre outros, Padre Landim, Dorian Sampaio, Antônio Pontes Tavares, então presidente do Sindicato dos Jornalistas do Ceará, Nertan Macedo e Arlindo Sá, irmão, então vereador de Fortaleza
Moreira Campos, Adísia, José Caminha de Alencar Araripe, que também receberam o título de Professor Emérito, da UFC e, abaixo, Adísia Sá com a turma de 1970, a segunda turma de formandos do Curso de Comunicação da Universidade Federal do Ceará. Na página ao lado, a Certidão de Nascimento
Mesa Diretora da VIII Conferência Nacional de Jornalistas Profissionais, 1971 Adísia entrega convite ao prefeito Juraci Magalhães, para o lançamento de “Traços de União”, feito na Mansão Castelo-Messejana, residência de sua amiga Lúcia Dummar
Adísia entrega o convite para o lançamento do livro “Traços de União” ao então governador do Ceará Tasso Jereissati e ao Secretário de Governo, Assis Machado Neto, em 1999, acompanha de dona Lúcia Dummar.
Adísia entrevistando o professor Edilson Brasil Soares e, ao lado, na comemoração de aniversário, na residência de Wania Dummar — então aluna de Jornalismo, da Universidade Federla do Ceará
Recebendo troféu das mãos do então presidente da Federação Nacional dos Jornalistas, Joezil Barros (do Recife) na X Conferência Nacional de Jornalistas — Porto Alegre em junho de 1975
Anexo
Discurso de Diretora do Colégio Estadual Justiniano de Serpa, em 25 de junho de 1968:
Esta é uma oportunidade muito especial para mim, razão por que quero aproveitá-la para, com justo orgulho, fazer a prestação do que foi a minha administração de um ano, três meses e dez dias, como Diretora do Colégio Estadual Justiniano de Serpa. Digo que esta é uma oportunidade especial para mim, porque é um momento histórico da minha vida e não seria bom que eu desperdiçasse. Se as horas dos indivíduos não fossem por eles preenchidas, não teríamos a história. E não cabe à criatura humana fugir à sua destinação, sob pena de não mais ter seu tempo e fenecer e desaparecer sem jamais haver sido. Tudo fiz para cumprir fielmente o meu mandato de Diretora desta casa, numa conseqüência natural do que sempre me tracei: ser eu mesma em todos os instantes da minha vida particular e profissional. Talvez nisso resida o meu paradoxo: ser eu mesma, num mundo que flui sem olhar as pessoas como criaturas humanas, mas como meros instrumentos de uma gigantesca máquina em movimento. Sempre tenho olhado a vida e o mundo, os homens e os fatos sob uma perspectiva existência humana, isto é, dando sentimentos e calor ao que passa e ao que nasce. Como educadora vejo esta casa como um fenômeno gerador de um futuro e é assim que olho para estes jovens, nelas vendo aquele porvir que vai nos julgar um dia. Não trabalhei para o hoje, nem em função do ontem, mas perscrutando o amanhã. Daí porque, repito, este instante vai servir para que justifique, ou explique à luz da filosofia, a que me propus seguir, o que foi a minha administração. 1— Aspecto interno — sempre achei que internamente devem ser cuidadas as coisas. Não sou das que vêem a árvore: eu vejo o fruto; não olho a fábrica, mas aquele que está na fábrica. Daí meu zelo com o uniforme e o comportamento das alunas no colégio: o que aqui vivessem, para fora levariam. Era preciso, necessário mesmo, que lá se refletisse a disciplina do
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RECHO DO DISCURSO DE RENÚNCIA DE ADÍSIA SÁ ao cargo
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colégio, para que o seu nome crescesse e cobrisse todas essas jovens com o respeito e a admiração do público externo. Limpeza, organização, tudo era importante para que se cumprisse esse primeiro propósito. Era indispensável que se preparasse esta juventude para o julgamento amanhã: fazê-la viver a liberdade e a concórdia, o diálogo e o entendimento. Daí o clima que sempre mantive com os colegas de magistério, de perfeito companheirismo, para que as jovens sentissem que aqui se trabalhava para elas, sem coação, sem perseguição, sem protecionismo, sem política de grupos. E com elas, procurei ter um ambiente de confiança, ouvindo-as e compreendendo-as, fazendo-me ouvir e compreendida, dentro, naturalmente, dos limites da amizade e da educação. 2 —Aspecto externo — tudo o que aqui se fazia e se vivia, refletia-se lá fora e já era com orgulho que estas jovens vestiam seu uniforme. Este colégio é, não apenas o maior, como o melhor do Ceará e esta mística procurei criar nas jovens do Justiniano de Serpa. [...]
Curriculum Vitae Formação PRIMÁRIO Colégios Sete de Setembro (1940) e da Imaculada Conceição (1941/1943) 1º GRAU Colégio da Imaculada Conceição (1944/1947) 2º GRAU Colégio São João (1949/1950) e da Imaculada Conceição (1951) Nível Superior: Bacharelado em Filosofia Pura, na Faculdade Católica de Filosofia do Ceará (1954) LICENCIATURA Faculdade de Filosofia do Ceará (1962) LIVRE DOCENTE com grau de Doutor em Fundamentos de Filosofia e Comunicação pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (1979) Atividades e funções no magistério PROFESSORA DOS COLÉGIOS Rui Barbosa, Santa Lúcia, Farias Brito (1952/ 1954) e Justiniano de Serpa (1958/1960) DIRETORA GERAL do Colégio Estadual Justiniano de Serpa (1968/1969) Professora da Faculdade de Filosofia do Ceará (1969/1983) Professora da Universidade Federal do Ceará (1970/ 1984)
Atividades classistas Associação Cearense de Imprensa (12 de agosto de 1954) Sindicato dos Jornalistas do Estado do Ceará, Registro número 1969/56 de 9 de maio de 1956 Adísia Sá teve treze obras publicadas Metafísica, para quê? Fortaleza: Imprensa Universitária, 1971. Ensino de Filosofia no Ceará (coordenadora e autora de capítulo) Fortaleza: Imprensa Universitária,1972. Fenômeno metafísico. Fortaleza: Imprensa Universitária, 1975. Introdução à Filosofia. Fortaleza: Imprensa Universitária, 1975. Ensino de jornalismo no Ceará. Fortaleza: Imprensa Universitária, 1979. Biografia de um Sindicato. Fortaleza: Imprensa Universitária, 1981. O Jornalista Brasileiro (História da Federação Nacional dos Jornalistas) (1946/1985) Fortaleza: Imprensa Oficial,1985. Comunicação é o homem (tese de professora-titular da Universidade Federal do Ceará) Fortaleza: Imprensa Universitária,1986. Capitu conta Capitu (novela) Fortaleza: Multigraf Editora,1992. Clube dos Ingênuos (relato dos três anos de ombudsman do jornal O Povo) Fortaleza:Fundação Demócrito Rocha, 1998. O jornalista Brasileiro: edição revista e ampliada. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 1999. Traços de União: biografia de Demócrito Rocha, fundador do O Povo, e de membros da família que dirigiram a empresa nos setenta anos de existência do jornal. (1928/1998) Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 1999. Ombudsman/Ouvidores (organizadora e autora de capítulo) Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 2004.
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CHEFE DO DEPARTAMENTO de Filosofia da Universidade Estadual do Ceará (1972/1973) CHEFE DO DEPARTAMENTO de Comunicação Social e Biblioteconomia da Universidade Federal do Ceará (1976/1978) PROFESSORA de Introdução à Filosofia, da Universidade de Fortaleza (Unifor — 1973/1976)
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Índice Onomástico
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Albanisa Sarasate, 87, 102 Albanisa Lúcia Dummar Pontes, 87 Albano Ferreira da Silva, 37 Alexander Soldatov, 57 Alfredo Sampaio, 80 Antonete Lima e Silva, 74 Antônio Carlos Campos de Oliveira, 48 Antonio Martins Filho, 49 Antônio Pontes Tavares, 53 Angélica Martins, 90 Aníbal Bonavides, 56, 57 Arabá Matos, 80 Arlindo Sá (Lindinho), 11, 19, 20, 23, 24, 25, 27, 28, 87, 88 Aristides Ribeiro, 30 Armando Vasconcelos, 55 Artur Eduardo Benevides, 68 Assis Aderaldo, 94 Augusto Benevides,47, 99 Augusto César Costa, 47 Bertrand Russel, 89, 90 Betty Davis, 76 Blanchard Girão, 44, 55, 95 Bonaparte Pinheiro Maia, 55 Bráulio Ramalho, 94
Durval Ayres, 44, 68 Edísio Gurgel, 24 Edílson Brasil Soárez, 26, 27 Edmundo de Amicis, 31, 32 Einstein, 82 Ely Carvalho, 49 Eugenio Stone, 101 Fábio Girão, 28 Fátima Abreu, 96 Felizardo Mont’Alverne, 48 Fernandes Távora, 39 Firmino Ferreira da Silva, 37 Flávio Marcilio, 56 Flávio Ponte, 48 Francisco Auto Filho, 44, 77, 89 Freud, 83 Geraldina Amaral, 39 Gramsci, 59
Carlos D’Alge, 47 Carlos Rizinni, 49 Carmen Lúcia Dummar Azulay, 45, 75, 77, 87 Celso Neto, 103 César Barros Leal, 68 Cid Carvalho, 48 Cláudio Martins, 68 Constancinha Teles, 29
Henriqueta Galeno, 40 Hermenegildo de Sá Cavalcante, 88 Hermínia Barros de Sá (Dona Mimosa), 11, 19, 20, 21, 22, 25, 26, 29, 30, 31, 32, 38, 40, 41, 43, 55, 71, 73, 77, 78, 82. Ian Gomes, 93 Inspetor Laranjeira, 42 Irmã Elizabeth Silveira, 37 Irmã Josefa, 29 Irmã Germana Colares, 32 Irmã Maria Montenegro, 33, 37, 38 Irmã Simas Cola, 31, 28 Ivone Queiroz, 27, 29 Ivonete Maia, 53, 77
Débora Soft, 102, 103 Demócrito Rocha Dummar, 54, 58, 75, 77, 98, 123
Jacob Barros de Sá, 79 Jáder de Carvalho, 32, 39, 45, 72 Jandira Carvalho, 39
Lauro de Oliveira Lima, 47 Leonardo Mota, 39 Lúcia Rocha Dummar, 8, 45, 75, 77, 87 Luciana Dummar, 97 Luciano Luque, 99 Lucimar de Oliveira Lima, 47 Luiz Alves de Mattos, 50 Luiz Beltrão, 49 Luiz Campos, 80 Luiz Felipe, 26 Luizianne Lins, 95 Machado de Assis, 67 Maria do Carmo Serra Azul, 51 Maria de Lourdes Gondim, 39 Maria Luíza Fontenele, 95 Maria Olívia Sá de Mesquita (Ivinha), 11, 19, 31, 76, 77, 87 Manuel Bandeira, 67 Maquiavel, 90 Marlyn Monroe, 76 Matos Dourado, 56 Mirtes Nogueira, 51, 52 Moacir Maia, 91 Montaigne, 100 Moreira Campos, 39 Mozart Soriano Alderaldo, 39 Nélson Rodrigues, 91 Newton Cavalcante (Lúcio Brasileiro), 44 Nonato Albuquerque, 97, 98 Norton Lima Júnior, 100, 101, 103
Odilon Braveza, 52 Olavo Araújo, 41, 42, 43, 44 Orestes Sá, 11, 19, 26, 28, 78 Ortega y Gasset, 45 Oscar D’Alva, 94 Oscar Wilde, 70 Oswaldo Evandro Carneiro Martins, 56 Padre Luiz Moreira, 98 Padre Nivaldo Monte, 37 Paulo Lustosa, 101, 102 Paulo Sarasate, 54, 56 Paulo Tadeu, 98 Pedro Albuquerque, 94 Perboyre e Silva, 56 Plácido Castelo, 52 Quintino Cunha, 39 Rachel de Queiroz, 95 Raimundo Girão, 39 Redna Teófilo, 94 Rubens Soares, 27 Rui Barbosa, 40, 47, 99 Sandra Passarinho, 96 Severino Sombra, 55, 56 Souza Filho, 94 Stênio Gomes, 40 Tancredo de Carvalho, 47 Tancredo Neves, 101 Tasso Jereissati, 47 Teobaldo Landim, 48 Tertualiano Siqueira, 92 Themístocles de Castro e Silva, 97 Venelouis Xavier, 45 Vera Bezerra de Menezes, 94 Vicente Possidônio, 94 Voltarie, 94 Wildo Celestino, 80
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Jerônimo do Vale, 39 João Brígido, 72 John Dewey, 50 José Escolástico de Sá (Seu Zeca), 11, 19, 21, 22, 23, 26, 28, 29, 31, 40, 41, 43, 55, 71, 82 José Genoíno, 94 José Marques de Melo, 49 José Rangel, 98 José Waldir Milhavic, 94
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Referências Bibliográficas SÁ, Adísia. Biografia de um sindicato. Fortaleza: Edições UFC,1981.
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_______. Clube dos Ingênuos — Um relato de três anos como Ombudsman do O Povo. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 1998 _______. Capitu conta Capitu. Multigraf Editora, 1992. _______.O jornalista Brasileiro: edição revista e ampliada. Fortaleza:Fundação Demócrito Rocha,1999. BOAS, Sergio Vilas. Biografias & Biógrafos: jornalismo sobre personagens. São Paulo:Summus, 2002. _______. Perfis & como escrevê-los. São Paulo: Summus, 2003. LIMA, Edvaldo Pereira. O que é livro reportagem. São Paulo:Brasiliense,1993. MEDINA, Cremilda de Araújo. Entrevista: o diálogo possível.3ª ed., São Paulo, SP:Editora Ática:1995. _______. Páginas Ampliadas: o livro reportagem como extensão do jornalismo e da literatura.2ª ed., Campinas, SP: Editora Unicamp, 1995. PONTE, Sebastião Rogério (Coord.). História e Memória do Jornalismo Cearense. Fortaleza: Núcleo de Documentação Cultural — NUDOC, 2004 FARIAS, Airton de. História do Ceará: dos índios à geração cambeba. Fortaleza: Tropical, 1997.
Outras publicações da Omni Editora
Texto composto em Minion Pro, corpo 11, entrelinha 15, pela Omni. O Minion Pro é uma fonte da Adobe desenhada por Robert Slimbach, e lançada em 2000. A primeira versão do Minion foi lançada em 1990. O Minion Pro é inspirado pelo design clássico que marcam os tipos old style do final da Renascença — elegância, beleza e alta legibilidade. Títulos foram compostos em fonte Antique Type pela Omni Editora, em novembro de 2005. Impresso na Gráfica Halley em papel Polen Soft www.omnieditora.com.br