Algumas coisas são difíceis de acreditar. Toda vez que eu ia embora, eu me despedia de você como se fosse ser a última vez. De certa forma, eu sabia que isto estava próximo de acontecer. Você foi ficando mais magrinha com o tempo, como se a vida estivesse se esvaindo do seu corpinho. Ainda me pego pensando em um jeito de ter te curado. A vida que é um bocado bonita, também pode ser um bocado cruel.
VocĂŞ dormiu pra sempre.
Quando você chegou, já não era tão pequenininha. Ainda sim, eu tinha a sensação de que você caberia na minha mão e que desse modo todo o susto que você carregava nos olhinhos iria embora... Você tinha menos idade do que eu. Te contei meus segredos, compartilhei meus silêncios, até tentei aprender a falar cachorrês... Acreditava que, se eu pensasse com o coração algo pra te dizer e latisse ao mesmo tempo, eu conseguiria falar no seu idioma. Crescemos juntas.
Seu primeiro amor, aquele dálmata charmoso por quem você esperava no portão, apareceu mais ou menos quando eu achei, pela primeira vez, alguém bonito. Eu tinha 11 anos e você quase 1 ano. Aí apareceu o Ratinho, no meio da noite, filhotinho de tudo, barrigudo e com o rabo mais longo que o corpinho inteiro. Ele ia ficar só aquela noite, mas continou conosco. Tornou-se seu melhor amigo, seu companheiro.
Fazia pouco tempo que brincar de boneca não fazia mais sentido pra mim e você engravidou. Eu ainda me sentia uma criança, talvez você também, e te vi se tornar uma das mães-cachorrinhas mais dedicadas que já conheci. Era madrugada, você estava em sua casinha, chovia bastante e também choveu filhotes. Você e o Ratinho tiveram uma ninhada de 5. Aos poucos, virei sua filhotinha também.
Tudo passou tão rápido... Uma coisa a gente tem que saber e isso não diminui a saudade de ninguém, mas te torna consciente e mais respeitoso: quando alguém se torna companheiro de um animalzinho, tem que levar em consideração que se o curso da vida acontecer como pretendem as estatísticas, você vai vê-lo crescer, até que seja mais velho que você e um dia parta. O tempo não é palpável, não te poupa, mas te palpa. Eu não tinha essa dimensão quando você chegou, Madona, mas você me ensinou. Confesso que quando você se foi, isso mexeu muito comigo. O amor não impede ninguém de morrer, assim como a morte não impede ninguém de continuar amando, de fazer florescer.
Nós, humanos, sabemos um tanto que quase nada é. No entanto, dentro da finitude que todo limite exerce, queremos mais do que tentamos aprender. Talvez nem a morte nos dê o céu como a vida deu aos passarinhos... Para onde você foi? Eu sinto falta de quando estar com você era esquecer da vaidade do mundo.
Obrigada pelo companheirismo mais sincero. Descanse em paz.
escrito e ilustrado por
Lumina Pirilampus