Funes

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FUNDAÇÃO ARMANDO ALVARES PENTEADO FACULDADE DE ARTES PLÁSTICAS

FUNES

Céline Bourdon de Araujo

SÃO PAULO 2013

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FUNDAÇÃO ARMANDO ALVARES PENTEADO FACULDADE DE ARTES PLÁSTICAS CURSO DE BACHARELADO EM EDUCAÇÃO ARTÍSTICA HABILITAÇÃO EM ARTES PLÁSTICAS

FUNES

Trabalho de Graduação Interdisciplinar, vinculado à disciplina Desenvolvimento de Projeto Integrado II, apresentado como exigência parcial para obtenção de certificado de conclusão de curso.

Aluna: Céline Bourdon de Araujo

Orientador: Prof. Dr. Thiago Honório

SÃO PAULO 2013

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BOURDON, Céline Funes. Céline Bourdon de Araujo Trabalho de Graduação Interdisciplinar – FAP/FAAP São Paulo, 2013 1. Arte contemporânea 2. Jorge Luis Borges 3. Grade 4. Miniatura 5. Paradoxo FUNES | CÉLINE BOURDON


RESUMO

Este Trabalho de Graduação Interdisciplinar – TGI, Funes, consiste num trabalho plástico-visual, bem como na reflexão textual que constitui esta monografia e na dimensão processual relacionada à sua elaboração.

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sumário

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APRESENTAÇÃO

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1 ETIMOLOGIAS E ORIGENS

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[ 1. 1 ] Definições e etimologias

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[ 1.2 ] “Funes, o memorioso”

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[ 1.3 ] Museu do Sabão

28

[ 1.4 ] Modular piece T

32

2 INDAGAÇÕES EM FUNES

34

[ 2. 1 ] A grade

40

[ 2.2 ] A miniatura

43

[ 2.3 ] O módulo

49

[ 2.4 ] Força centrífuga e força centrípeta

50

[ 2.5 ] A gramática da grade

52

[ 2.6 ] O paradoxo da narrativa

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3 A CONSTRUÇÃO DE FUNES

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

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5 GLOSSÁRIO

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6 REFERÊNCIAS

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agradecimentos Aos tão amados filhos, Bruno e Sofia, por sempre entenderem minhas ausências. Ao maravilhoso companheiro de estrada, Leandro, por sempre me apoiar, incondicionalmente. À querida mãe, Maria Alice, por todos os colos. À linda madrinha Stellinha, por sempre trazer leveza. À irmãzinha Carol, por me fazer sentir especial Ao querido pai, Christian, pelos puxões de orelha.

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Ao querido mestre e orientador, Thiago Honório, pela carinhosa dedicação. Aos professores da FAAP, em especial Marcos Moraes, Felipe Chaimovitch, Ronaldo Entler, Mário Saladini, Galciani Neves, Nancy Betts e Fernando Oliva, por instigarem minhas questões. À professora Regina Johas, por me apresentar Jorge Luis Borges. Ao Studio Marton, principalmente a Marton e Paulo Renato, pela meticulosa execução de Funes. À amiga e vizinha Georgea, por me fazer acreditar.

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À querida Elisângela, por cuidar tão bem de mim e dos meus. Aos colegas e amigos de sala Laís, Renata, Bárbara, Katherina, Ligia, Roberta, pelas memoráveis conversas e discussões que tanto enriqueceram minha vida nos últimos anos. Aos amigos Cibele, Waguinho, Patricia, Silvia, Paula, Haidé, Camila, Beatriz, Ana Paula, Ana, Hélène, Simone, Denise e Márcia, por estarem sempre presentes. Aos inesquecíveis avós, Adinole e José, por tudo, para sempre.

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apresentação FUNES | CÉLINE BOURDON


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APRESENTAÇÃO

Funes1 é o título de uma instalação composta por aproximadamente 14 mil caixinhas de papelão coladas umas nas outras, na cor branca, perfurada cada uma com um ilhós em alumínio prata, enfileiradas, inseridas e distribuídas em 12 caixas de acrílico, formando um grande painel medindo um total de 210 x 494 x 18 cm. O trabalho deverá ser exposto na sala 1110 do Prédio 1 da Faculdade de Artes Plásticas da FAAP. Digo “aproximadamente” porque, como será problematizado no capítulo “Construção de Funes”, será possível perceber que, apesar de planejar, calcular e recalcular exasperadamente, de fazer vários protótipos e contratar uma equipe especializada para sua execução, somente após estar montado saberei ao certo o número de caixinhas que comporão Funes. Esta falta de precisão acontece pela própria natureza das caixinhas, o papelão, que, submetido à umidade da cola, so-

1  Para não haver problemas de interpretação, neste texto usarei Funes em itálico para me referir ao meu trabalho plástico-visual, “Funes” e “Funes, o memorioso” entre aspas para o conto de Jorge Luis Borges, e Funes ou Irineo Funes, sem destaques, para o personagem borgiano.

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APRESENTAÇÃO

fre deformações, expansões. Acredito ser no paradoxo entre a tentativa obsessiva de controle e, em contrapartida, no descontrole inerente à própria natureza do trabalho, que reside a espinha dorsal de Funes. No entanto, existem outros paradoxos e/ou ambivalências que constituem o trabalho, alguns presentes em obras literárias ou plástico-visuais e outros inerentes ao próprio Funes. Creio que o conto “Funes, o memorioso” (1944), de Jorge Luis Borges (1899-1986), encontra-se num lugar de destaque, afinal, é nele que recai a maior referência sobre obsessividade. Irineo Funes, o protagonista, após uma queda de cavalo, recobra a consciência com memória absoluta, sendo capaz de gravar em sua mente cada detalhe de cada instante com uma minúcia e riqueza sem precedentes. No entanto, esse excesso de preciosidade nos detalhes o impede de ordenar suas memórias, de formar um pensamento, tornando-as, assim, inúteis. O Museu do Sabão (1998), de Mabe Bethônico (1966-), também é uma referência para a pesquisa. Trata-se de um museu itinerante de saponáceos e suas embalagens, que vive o conflito de aumentar seu acervo e tornar-se cada vez mais insti-

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APRESENTAÇÃO

gante, mas, consequentemente, ao incrementar cada vez mais seu peso, resultar um dia em sua imobilidade, destruindo, assim, sua principal característica, a de ser um museu itinerante. Outras referências importantes são algumas obras tridimensionais de Sol LeWitt (1928-2007) e em especial Modular piece T (1971), em que a tensão recai sobre a contradição entre o conceito da obra em relação ao método de execução, pois, se por um lado o trabalho deveria ter “uma aparência dura e industrial”2, por outro lado, para tal, ele fora executado minuciosamente de forma manual. No entanto, foi durante a elaboração e construção de Funes que surgiram as principais reflexões e tensões que o constituem. Acredito que, pela própria disposição linear das caixinhas e em seguida pela necessidade dos módulos em acrílico, a grade tenha sido a primeira fonte de reflexão do trabalho, pois, como se depreende das questões problematizadas por Rosalind Krauss (1941-) em seu

2  “O artista queria que seu trabalho parecesse ‘duro e industrial’” (BATCHELOR, 1999, p. 39).

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APRESENTAÇÃO

ensaio Grids3, a estrutura em grade permite reunir, a um só tempo, questões lógicas e absurdas de forma ambivalente. Estando inseridas na grade, as caixinhas, que são miniaturas em papelão e, portanto, em sua natureza, carregam uma condição de bibelô por suas dimensões reduzidas, também exercem função de módulo, como objeto produzido industrialmente e unidade básica da grade. No entanto, como observado durante a construção de Funes, o próprio papelão, sofrendo deformação no contato com a cola que o mantém na estrutura, constitui a miniatura ou módulo e, ao mesmo tempo, impede a ortogonalidade perfeita das linhas, corrompendo, assim, a própria grade. Como a caixinha foi reproduzida aproximadamente 14 mil vezes, as reflexões internas ao trabalho em torno da repetição também constituem um dos pilares de Funes, tanto nas forças centrípetas e centrífugas que elas proporcionam como, também, em um papel análogo ao morfema numa estrutura gramatical, já que os

3  KRAUSS, 1978.

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APRESENTAÇÃO

dois são a unidade básica de suas estruturas, o módulo na grade e o morfema na sintaxe, como analisou Robert Morris (1931-)4. Apesar de a grade ter a intenção de não permitir uma narrativa, pois, como observou Rosalind Krauss (1978, s.p.), ela é composta por repetições e, portanto, sem linearidade cronológica, em Funes a principal referência é um conto. Mesmo parecendo contraditório, ao analisarmos novamente a já citada obra borgiana, perceberemos que há mais de grade em “Funes, o memorioso”, com a repetição incessante do mesmo verbo, e, por outro lado, muito do protagonista Irineo Funes em minhas tentativas frustradas de controle do que uma abordagem mais superficial poderia presumir. Por fim, pressionada pelo limite dado pela necessidade de emancipação deste trabalho plástico-visual ao momento mesmo de finalização desta monografia e, também, ao próprio limite relacionado ao prazo de entrega desta – para além das

4  BATCHELOR, 1999, p. 39.

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APRESENTAÇÃO

reflexões que acompanharam todo a processo de pesquisa, elaboração e construção de Funes, enfim, a dimensão processual mesma dele –, apresento também, numa espécie de excurso, algumas questões que tangenciam outras áreas do conhecimento, ainda que mais superficiais neste momento, mas que poderão ser desenvolvidas no futuro, complementando, enriquecendo e desenhando novos e inesperados caminhos.

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[ 1. ] etimologias e origens

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ETIMOLOGIAS E ORIGENS

[ 1.1 ] definições e etimologias Paradoxos ou ambivalências são parte da estrutura deste trabalho. As duas palavras têm definições parecidas, com nuances de significados, mas com etimologias bem diferentes. Definem-se como: Ambivalência: s.f. Caráter daquilo que possui dois aspectos radicalmente diferentes, opostos até. / Psicologia. Simultaneidade de dois sentimentos opostos. [...] Paradoxo: s.m. Contradição, pelo menos aparente. (Ex.: falo melhor quando emudeço.) / Opinião contrária à opinião comum. / Filosofia. Contradição a que chega, em certos casos, o arrazoamento abstrato.5 Têm como origem e formação:

5  DICIONÁRIO AURÉLIO ONLINE, 2013.

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ETIMOLOGIAS E ORIGENS

Ambivalente: Criada a partir do Latim AMBI, “ambos, ao redor”, mais VALENTIA, “força”. [...] Paradoxo: Do L. PARADOXUM, do Grego paradoxoS, “incrível, contrário ao que se espera”, de PARA-, aqui “oposto”, mais DOXA, “opinião”, de DOKEIN, “parecer, pensar”.6 No paradoxo, um dos conceitos é pautado pelo senso comum, entendido socialmente como o correto, mas que convive com seu oposto. Na ambivalência, as duas ideias diferentes ou opostas convivem em um mesmo lugar, exercendo forças antagônicas, entretanto, equivalentes, sem que uma delas necessariamente seja o senso comum. Portanto, considerando essas definições e etimologias, tentarei distinguir entre as ideias caras ao meu trabalho aquelas que são paradoxais e ambivalentes. Todavia, adianto que em muitas situações tal separação talvez seja imprecisa, ante o caráter abstrato e subjetivo dos assuntos abordados.

6  ORIGEM DA PALAVRA, 2013.

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ETIMOLOGIAS E ORIGENS

[ 1.2 ] “Funes, o memorioso” O conto “Funes, o memorioso”, de Jorge Luis Borges, relata as habilidades de Irineo Funes, um homem excêntrico que, após sofrer uma queda de cavalo, perde a consciência e, ao acordar, percebe-se capaz de relembrar com uma riqueza minuciosamente prodigiosa de detalhes e nitidez tudo aquilo que ocorrera anteriormente em sua vida. Logo após entender o peso quase insuportável de suas lembranças, Irineo Funes percebeu que havia ficado paralítico, mas, para ele, esse era um preço mínimo diante da dádiva da memória absoluta, pois agora sua percepção e memória seriam infalíveis. Nós, num relance, percebemos três copos numa mesa; Funes, todos os brotos e cachos e frutos que uma parreira possa conter. Sabia as formas das nuvens austrais do amanhecer do dia 30 de abril de 1882 e podia compará-las na lembrança com os veios de um livro em papel espanhol que ele havia olhado uma única vez e com as linhas de espuma que um remo levantou no rio Negro na véspera da Batalha de Quebracho. (BORGES, 2007, p. 104)

No entanto, Irineo Funes vivia cada instante como se fosse único, não conseguia entender como, por exemplo, um cachorro visto de frente poderia ter o mesmo PAG 24 | 124

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ETIMOLOGIAS E ORIGENS

nome ou símbolo genérico do mesmo cachorro visto de lado, instantes depois. Podia reconstruir a lembrança de um dia inteiro, mas, para isso, essa reconstituição durava vinte quatro horas. Por diversas vezes, tentou ordenar suas lembranças, criou vários sistemas de catalogação, organização, conseguiu agrupá-las, uma vez, em setenta mil experiências, mas as categorias lhe pareciam ambíguas e imprecisas. Para ele, como todos os fatos eram singulares e equivalentes, era impossível agrupá-los ou simplesmente priorizar ou hierarquizar alguns em detrimento de outros. Funes era incapaz de pensar, segundo Borges, pois pensar é esquecer diferenças, generalizar, abstrair. Portanto, um dos paradoxos de Funes consiste em ele deter um número de informações jamais alcançado por alguém, mas, para tanto, ele perde a capacidade de processá-las, tornando-as inúteis nesta condição.

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ETIMOLOGIAS E ORIGENS

[ 1.3 ] museu do sabão De maneira sutil, esse paradoxo de Funes me remete à obra Museu do Sabão7, na qual a artista Mabe Bethônico cria um museu itinerante de saponáceos e suas embalagens. O trabalho consiste numa espécie grande carrinho, com vários compartimentos, cujo acervo – os saponáceos e suas embalagens –, em constante ampliação, é disposto de forma ordenada. Quanto maior o número de peças no acervo, ou quanto mais novidades são adquiridas para ele, mais completo ele fica, tornando-se assim mais rico e instigante. Como se trata de um museu itinerante, acredito que, ampliando-se seu acervo, talvez ele também seja mais solicitado para exposições, podendo exibir com mais frequência sua coleção e, assim, cumprir sua vocação de “existir” como museu. No entanto, o mercado de saponáceos encontra-se em eterno movimento. São lançados anualmente muitos modelos e/ou marcas que, se forem incorporados ao acervo deste museu, comprometeriam sua mobilidade e, consequentemente,

7  MUSEU DO SABÃO, 1998-.

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ETIMOLOGIAS E ORIGENS Mabe Bethônico, Museu do Sabão, 1998-. Madeira, vidro, saponáceos, embalagens de saponáceos.

acabariam com sua razão de existir, já que sua característica móvel, constantemente em trânsito, seria comprometida. Como em “Funes, o memorioso”, o que alimenta a obra, no caso do Museu do Sabão os saponáceos e suas embalagens, ou a alma de Irineo Funes (as lembranças) é, a um só tempo, sua razão de ser e sua morte, tornando o paradoxo, ou a ambivalência, a meu ver, o ponto nevrálgico de cada uma dessas obras.

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ETIMOLOGIAS E ORIGENS

[ 1.4 ] modular piece T De certo modo, os paradoxos encontrados no conto de Jorge Luis Borges também me remetem a algumas obras de Sol LeWitt, pois, apesar das naturezas distintas, singulares, eles são, nos dois casos, a meu ver, seus pontos centrais. Para LeWitt, apesar de a importância maior da obra estar na ideia e não no objeto em si, o artista desejava que seus trabalhos tivessem um aspecto duro e industrial, portanto, que eles apenas parecessem ter sidos feitos industrialmente e em grande escala, mas não que fossem, necessariamente, assim produzidos. No entanto, como observou David Batchelor (1955-), objetos duros e industriais não necessariamente produzem um aspecto duro e industrial: Materiais duros e industriais não produzem necessariamente um aspecto “duro e industrial”. Para obter esse aspecto, LeWitt precisou livrar-se de certos tipos de acabamento (mais do que certos materiais) e, em particular, de certos tipos de composição. “Duro e industrial” é mais do que literal; é também um conjunto de expectativas e associações. (BATCHELOR, 1999, p. 39)

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ETIMOLOGIAS E ORIGENS

Para obter o resultado esperado, LeWitt precisou dissociar a ideia da obra de sua execução8, conferindo a uma o sentido contrário à outra, pois, para que o objeto parecesse o mais “industrializado” possível, o artista recorreu à mão de obra artesanal e não industrial. Portanto, pelo objeto ter sido manufaturado e não industrializado, ele também jamais será repetível, como parece, e, sim, único, como também jamais será duro e, sim, frágil. Estes aspectos da obra de LeWitt podem ser observados em Modular piece T (1971)9, em que o objeto parece resistente e ter sido feito em metal pois, afinal, normalmente este tipo de estrutura também remete à construção civil, sustentação, suporte, entretanto, contrariando tais pressupostos, ele é construído em madeira e, portanto, é leve e frágil.

8  David Batchelor (1999, p. 37) chega a usar a expressão “divórcio entre a ideia da obra e sua forma física”. 9  Foto obtida no catálogo Sol LeWitt: A wall drawing retrospective, da exposição homônima organizada pela Universidade de Yale, pelo Williams College Museum of Art, e ocorrida no Mass MoCa, em Massachusets, EUA, em 2008.

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ETIMOLOGIAS E ORIGENS

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ETIMOLOGIAS E ORIGENS Sol Le Witt: Modular piece T, 1971 Madeira pintada de branco 61,6 x 61,6 x 61,6 cm

Outro aspecto a ser observado é que, por parecer ter sido produzido industrialmente, talvez possamos ser induzidos a acreditar que o trabalho de Sol LeWitt possui uma “função objetiva”, por assim dizer, como, por exemplo, o de um tipo de estrutura usada na construção civil, mas, na realidade, ele não tem utilidade efetiva outra que não a de propiciar uma reflexão, uma fruição e/ou uma experiência estética, afinal, trata-se de um objeto artístico.

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[ 2. ] indagações em funes

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INDAGAÇÕES EM FUNES

[ 2.1 ] a grade Acredito que poucas estruturas comportam com clareza um grande número de paradoxos e ambivalências como a grade pois, tanto espacial quanto conceitualmente, ela parece atender à lógica da razão, mas sem excluir a irracionalidade. Na grade não há narrativa. Grades são estruturas visuais que rejeitam uma leitura sequencial, dotadas de princípio, meio e fim, como afirma Rosalind Krauss em Grids (1978)10, mas é nesta condição que reside a oportunidade da convivência dos paradoxos e das ambivalências. No campo espacial, a grade mostra sua racionalidade por meio de uma estrutura geométrica bidimensional ordenada. São linhas, ângulos, formas geométricas que se repetem submetidos a uma ordem própria e rígida, determinada por aspectos estéticos. Essa rigidez, que também aparece no campo temporal, impossibilita na grade uma narrativa evolutiva com princípio, meio e fim claramente demarcados, impondo a repetição de um instante e provocando uma espécie de

10  Grids foi escrito por Rosalind Krauss para uma exposição homônima que ocorreu entre dezembro de 1978 e janeiro de 1979, na Pace Gallery, em Nova York, na qual foram reunidos vários trabalhos que tomavam a grade como objeto central de indagação, de Eadweard Muybrige (1830-1904) a Chuck Close (1940-).

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INDAGAÇÕES EM FUNES

suspensão no tempo. No entanto, essa regularidade é antinatural e corresponde a um procedimento antimimético, no sentido oposto da busca pelo real. Como afirma Rosalind Krauss: No campo espacial, a grade afirma a autonomia da arte: bidimensional, geométrica, ordenada, ela é antinatural, antimimética e se opõe ao real. É o que a arte parece quando vira as costas à natureza. Pela planificação que resulta de suas coordenadas, a grade permite repelir as dimensões do real e de recolocá-las pelo desdobramento lateral de uma superfície. A total regularidade de sua organização é o resultado, não de imitação, mas de um mandato estético. Na medida em que sua ordem é de relação pura, a grade é uma maneira de abolir a pretensão dos objetos naturais de terem uma ordem própria. No campo estético, a grade mostra que as relações se encontram em um mundo à parte e que, em relação aos objetos naturais, eles são ao mesmo tempo anteriores e finais. (KRAUSS, 1978 [s.p.])

Assim, as relações estabelecidas entre os objetos dentro da grade pertencem a um mundo à parte, ou seja, ficcional, porém obedecem a regras rígidas e lóFUNES | CÉLINE BOURDON

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gicas, como também ocorre com os mitos, em que a maioria dos personagens é ficcional mas responde a ordens sociais reais estabelecidas pelo homem. É neste sentido que Rosalind Krauss atribui à grade as características do mito, quando afirma: No espaço culto da arte moderna, a grade não serve apenas como emblema, mas também como mito. Como todos os mitos, ela trata do paradoxo e da contradição, ocultando-os de muitas maneiras para que eles pareçam (somente pareçam) desaparecer. O poder mítico da grade nos faz pensar que estamos sobre o terreno do materialismo (algumas vezes de ciência, de lógica), ou nos faz ao mesmo tempo pisar no mundo da crença (da ilusão, da ficção). (KRAUSS, 1978 [s.p.])

Portanto, ao atribuir à grade um papel análogo ao mito, é possível, dentro de sua estrutura, conjecturar relações paradoxais como as propostas pelo meu trabalho, Funes, pois se nos mitos as formas sagradas de crenças são mantidas (como o homem advindo de vegetais), elas coexistem com regras lógicas, como acordos sociais tais como justiça, hierarquia e outros. Segundo Krauss PAG 36 | 124

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(1978, [s.p.], tradução nossa), “A função do mito é de permitir que duas concepções (paradoxais) sejam mantidas em um modo de suspensão paralógica [...] o mito reconcilia paradoxos”. A grade, com sua estrutura espacial rígida e arbitrária, confere uma lógica a um conteúdo ficcional através de um sistema lógico de módulos, construídos e dispostos de forma precisa. A grade de Funes atribui às miniaturas uma aparência de algo racional e objetivo, sendo que sua principal característica é alimentar a imaginação. Mais precisamente, supõe-se logicamente que, para realizar uma estrutura tão meticulosa como a de Funes, esta deveria ter uma função objetiva no “mundo real”, como armazenar, por exemplo, porém, esta estrutura é composta por miniaturas, esvaziadas de objetividade por suas pequenas dimensões, tornando a estrutura um todo inútil. Por outro lado, se a grade não tende a uma resolução dos conflitos gerados pelos paradoxos ambivalentes, permitindo que convivam em uma realidade paralógica, eles permanecem reprimidos em uma espécie de subconsciente do mito, como explica Krauss: FUNES | CÉLINE BOURDON

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Nós poderíamos fazer uma analogia entre este processo e o da psicanálise, onde consideramos igualmente que a “história” de uma vida é uma tentativa de resolver as contradições primárias, que, entretanto, residem na estrutura inconsciente; e que, porque se encontram sob forma de elementos reprimidos, promovem incessantes repetições do mesmo conflito. (1978, [s.p.])

Portanto, a não solução dos conflitos e a ausência de narrativa permitem a repetição ad eternum dos elementos da grade. Na intenção de se certificar do poder repressor da grade, Krauss remonta aos estudos sobre a luz, no século XIX, de vários pesquisadores, tais como Chevreul (1786-1889), Rood (1831-1902) e Goethe (1749-1832), e percebe que todos afirmam a existência de uma tela fisiológica através da qual a luz chega ao cérebro humano e que não é transparente, provocando distorções, funcionando como um filtro, um abismo intransponível, que separa a cor “real” e a cor “vista”. Curiosamente, todos esses tratados sobre a luz e a cor eram ilustrados com grades, a fim de demonstrar a interação de partículas específicas de um camPAG 38 | 124

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INDAGAÇÕES EM FUNES

po contínuo, que era analisado com a ajuda de uma estrutura modular e repetitiva de grade. Assim, para o artista que desejava aumentar sua compreensão científica da visão, a grade operava como uma matriz do saber. Pela sua abstração, a grade transmite uma das leis básicas do conhecimento: existe uma separação entre a tela perceptiva e a do mundo “real”. (KRAUSS, 1978, [...]) Portanto, podemos sugerir que a grade talvez tenha sido também um dos possíveis emblemas de algo como uma espécie de lógica científica na arte, um “portal” para um mundo abstrato artificial, onde o que vemos não é real, onde realidades opostas convivem gerando conflitos que alimentam sua razão de existir. Em Funes, a grade encontra um outro fator de repressão, a duplicidade, pois há a grade que é formada pelas miniaturas agrupadas, mas existe também a grade formada pelas caixas de acrílico empilhadas que envolvem as miniaturas. Portanto, as duas grades coexistem e reforçam os aspectos lógicos uma da outra, mas também aspectos absurdos, como a inutilidade de proteger com caixas de acrílico objetos também inúteis, como as tais miniaturas isentas de um valor de preciosidade, por exemplo. FUNES | CÉLINE BOURDON

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[ 2.2 ] a miniatura Um primeiro conflito encontrado em Funes advém da relação entre as dimensões da miniatura e a escala arquitetônica do trabalho. Entendo que tal conflito pode se traduzir por uma ambivalência. A miniatura é uma reprodução de um objeto já existente mas que, devido às suas dimensões diminutas, é desprovida de sua função original. Diante dessa condição, talvez somente a imaginação seja capaz de devolver sua função original, ou, até mesmo, conceder-lhe uma nova utilidade. É como se, através da imaginação, a miniatura renascesse como objeto independente de seu original, tornando possível o absurdo de sua existência. No entanto, a imaginação é subjetiva, adquire formas, contornos e narrativas muito particulares a quem a exerce, transformando, assim, cada miniatura em um objeto único. Talvez, também, por poder provocar possíveis idiossincrasias, caprichos e devaneios tão singulares, a miniatura receba o tratamento de bibelô, como um objeto de desejo frágil, alvo de colecionismo. Na instalação Funes, as miniaturas têm em sua origem a ideia de compartimento, um tipo de objeto cujas principais funções são abrigar, ordenar e proteger, PAG 40 | 124

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mas, devido ao absurdo de sua natureza de cópia com dimensões reduzidas, incapazes de as exercerem em sua plenitude, transformando-as, assim, numa espécie de imenso microarquivo inútil. Ademais, se a existência da miniatura se justifica pela sua natureza singular, esvaziada de função mais pragmática e objetiva, por assim dizer, a cópia de tal objeto reforça o aspecto absurdo de sua existência. Para Gaston Bachelard (1884-1962), a imaginação provocada pelas miniaturas é um tipo de retorno à infância, em que era possível construir uma realidade paralela, a dos brinquedos. Ele explica que a imaginação miniaturizante é natural: “Na verdade, a imaginação miniaturizante é uma imaginação natural. Ela aparece em qualquer idade no devaneio dos sonhadores natos.” (BACHELARD, 2008, p. 158) O autor explica que existe uma razão psicológica para a necessidade da imaginação. Para ele, quanto mais repressor o meio, mais forte é a necessidade de fuga para uma realidade paralela, como a miniatura. “Em caso de necessidade, o absurdo, por si só, liberta.” (BACHELARD, 2008, p. 159). Diante do poder repressor da grade, como apontado anteriormente, parece-me que a miniatura surge como FUNES | CÉLINE BOURDON

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uma solução absurda o suficiente para também se libertar de algum modo relativo da rigidez da grade. Outro aspecto importante da miniatura é a sensação de domínio que exercemos sobre ela, devido à escala desproporcional em relação a nós, ou seja, por estar em escala reduzida, a miniatura nos permite ter uma visão completa do objeto. Apesar de em Funes tratar-se da miniatura de um compartimento e não de uma casa, por exemplo, mesmo assim poderíamos segurá-la em uma mão, ver quase todas as suas faces de uma só vez, numa apreensão totalizante, se ela estivesse fora da grade. No entanto, a miniatura em Funes encontra-se presa na grade, fora de nosso alcance, e somente com algumas de suas faces visíveis. Ademais, por ser o módulo da grade, ela pode ser repetida indefinidamente, deixando de ser única e tornando-se uma estrutura gigantesca, invertendo a desproporção a nosso desfavor.

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[ 2.3 ] o módulo A reprodução em grande quantidade desta cópia miniaturizada das caixinhas em Funes resulta esteticamente numa primeira grade branca e monocromática, atribuindo às miniaturas, consequentemente, a qualidade de módulo. A própria natureza destas miniaturas, que é de caixinhas de fósforos produzidas em escala industrial por empresa multinacional, traz em si uma lógica contundente. Afinal, elas são fruto de um projeto de otimização de espaço e função, mas também são objetos banais, de baixo valor monetário. Segundo Sol LeWitt: Quando um artista usa um método múltiplo modular, normalmente escolhe uma forma simples e prontamente disponível. A própria forma tem uma importância limitada; ela se torna a gramática para a obra como um todo. De fato, é melhor que a unidade básica seja deliberadamente desinteressante, de modo que se torne com mais facilidade uma parte intrínseca do trabalho inteiro. (COTRIM, FERREIRA, 2006, p. 178)

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Drawing series, 1968 - Detalhe

Em Drawing series, de 1968, LeWitt toma um conjunto de quadrados formados por linhas ortogonais e diagonais como módulo. Estes só poderiam existir naquela estrutura em escala mural, numa grande quantidade em repetições, juntamente com a estrutura modular para formar a grade que dá vida à obra. Neste caso, o módulo não tem valor sozinho, apenas como estrutura para o trabalho. Se por um lado as miniaturas se fundem na estrutura da grade de Funes, por outro lado elas ainda guardam suas identidades múltiplas e complexas. A lógica rígida acerca da disposição das miniaturas e de sua função original não invalida as questões conceituais sobre a miniatura e suas cópias, pois esses conceitos são ambivalentes em Funes. Afinal, as miniaturas carregam de forma equivalente as identidades de módulo, mas também de objeto singular dotado de um forte aspecto imaginário.

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SOL LEWITT, Drawing series - Composite, Part #1–24, B’, 1969 Grafite sobre parede FUNES | CÉLINE BOURDON


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Este conflito gerado pela identidade singular da miniatura e sua qualidade de módulo pertencente a um todo é reforçada neste trabalho pelo próprio material do qual são feitas as caixinhas pois, embora se trate de um material mais ordinário e barato, produzido em escala industrial e com utilidade banal, é composto por papelão, material flexível e que sofre ondulações com a umidade. Portanto, a grade que foi idealizada com riqueza de detalhes acerca das dimensões e dos custos torna-se imprecisa em sua realização, pois o contato do papelão com a cola ou a própria pressão dos módulos vizinhos já impossibilita a exatidão do alinhamento das fileiras, das colunas e, até mesmo, do número de caixinhas. Aqui ocorre um paradoxo, pois o projeto de Funes visa à ortogonalidade, em que as linhas horizontais e verticais correspondentes às larguras e alturas das caixinhas encontrem-se perfeitamente, formando linhas retas precisas. Entretanto, a escolha do material flexível foi proposital, inviabilizando tal feito e permitindo reflexões acerca dessa ordem obsessiva de organização.

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[ 2.4 ] força centrífuga e força centrípeta Por apresentar estrutura antinarrativa e, portanto, sem começo e fim claramente demarcados, a grade não encontra limites e pode ser expandida indefinidamente em todas as direções. Essa possibilidade gera uma espécie de força em direção ao exterior, uma força centrífuga na obra, em que nada impede sua expansão, como se nós mesmos acrescentássemos mentalmente novos módulos à instalação. Por outro lado, tratando-se de uma eterna repetição, a grade fala sempre de si mesma, um mundo à parte, a um só tempo lógico, absurdo, nonsense e irreal, sujeita também a uma força centrípeta, ou seja, em direção ao seu interior, tanto espacial quanto conceitualmente. Essas forças são ambivalentes na estrutura da grade e alimentam mais um entre os inúmeros conflitos coexistentes: se a força centrífuga tem um apelo lógico espacial com uma regra simples que se repete indefinidamente, a força centrípeta, ao contrário, alimenta o lado espiritual, com a grade voltada para si mesma, parcialmente ficcional, numa realidade paralela.

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[ 2.5 ] a gramática da grade Se a grade é uma estrutura composta por partes e regida por regras rígidas, ela em muito se assemelha à gramática de uma língua, definida como ser um “conjunto de princípios que regem o funcionamento de uma língua”11, portanto, as comparações entre elas parecem naturais. Em seu livro sobre o minimalismo, David Batchelor explica como Robert Morris percebe as semelhanças entre a gramática e a grade: Morris descreveu o cubo ou o bloco retangular, e a grade de ângulo reto, como respectivamente o “morfema” (unidade básica da linguagem) e a “sintaxe” fundamentais para a “premissa cultural de formar”, ou seja, para uma cultura em que as coisas são reunidas a partir de materiais sintéticos mais do que engendradas, entalhadas ou modeladas. A relação da parte para o todo nesse sistema de tijolo-e-grade é mais simples e mais extensível do que qualquer outra forma compositiva. (BATCHELOR, 1999, p. 39)

11  DICIONÁRIO AURÉLIO ONLINE.

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Portanto, segundo Morris, as partes ou módulos que formam a grade são articulados pela nossa cultura, e por isso também conferem “a impressão e o aspecto de abertura, extensibilidade, acessibilidade, publicidade, repetição, equanimidade, franqueza e imediação” (BATCHELOR, 1999, p. 39). Assim, a grade composta por miniaturas de papelão de Funes utiliza-se dessa gramática na sua formação, em que as caixinhas são morfemas que se repetem infinitamente e, juntas na sintaxe predeterminada por mim, lado a lado e divididas em módulos de acrílico, adquirem novos significados, que se adicionam aos significados individuais das miniaturas e que apenas através de nossa cultura adquirem algum sentido.

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[ 2.6 ] o paradoxo da narrativa Na grade não há narrativa, como afirma Rosalind Krauss, pois trata-se de uma estrutura visual que rejeita uma leitura sequencial de início, meio e fim, em que os módulos que a constituem são articulados por meio de nossa cultura, de forma não natural. No entanto, em meu trabalho, a grade é fortemente associada ao conto “Funes, o memorioso”, de Jorge Luis Borges, narrativa aparentemente linear que começa em 1884, ano em que o narrador conheceu o protagonista Irineo Funes, e termina em 1889, ano em que este faleceu. Nesse ínterim o narrador relata seus encontros com Funes, um após o outro, e as percepções e reflexões deles decorrentes de forma linear. Apesar de aparentemente parecer um relato contraditório e sem sentido, há vários pontos em comum entre o conto de Borges e a estrutura de grade, como a de Funes, meu trabalho. Em primeiro lugar, na própria estrutura do conto há momentos de repetição incessantes, como uma espécie de tautologia, quando o narrador relata suas primeiras lembranças do protagonista:

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Recordo-me dele (eu não tenho o direito de pronunciar esse verbo sagrado, só um homem na Terra teve esse direito e esse homem morreu) segurando uma sombria flor-da-paixão, vendo-a como ninguém a viu, ainda que a olhasse do crepúsculo do dia até o da noite, por toda uma vida inteira. Recordo-me dele, a cara de índio taciturna e singularmente remota, atrás do cigarro. Recordo (creio) suas mãos afiladas de trançador. Recordo, perto daquelas mãos, uma cuia de mate, com as armas da Bandeira Oriental; recordo na janela da casa uma esteira amarela, com uma vaga paisagem lacustre. Recordo claramente a voz dele; a voz pausada, ressentida e nasal do suburbano antigo, sem os sibilos italianos de agora. (BORGES, 2007, p. 99, destaques nossos)

Nesse trecho, Borges usa repetidamente o mesmo verbo – “Recordo” – para começar suas frases e reforçar a tentativa de uma lembrança mais precisa, mesmo que desconexa uma da outra. São flashes de memória únicos e sem sentido, sem uma sequência natural, e que juntos, agrupados uns após os outros, formam um conjunto capaz de descrever o retrato físico e emocional do personagem. Assim como as miniaturas, os flashes tornam-se módulos nesta grade que é a tentativa de relembrar e descrever Irineo Funes. FUNES | CÉLINE BOURDON

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Ao ler o conto com mais atenção, percebe-se que a narrativa não é exatamente linear, com princípio, meio e fim claramente demarcados, pois o conto começa pelo meio, em que o narrador descreve seus encontros com Irineo Funes, se mantém fiel à ordem cronológica até pouco antes de descrever sua morte na última frase, quando, no penúltimo parágrafo, remonta ao seu nascimento e até mesmo sua aparente origem longínqua: Irineo tinha dezenove anos; nascera em 1868; pareceu-me monumental como o bronze, mais antigo que o Egito, anterior às profecias e às pirâmides. [...] Irineo Funes morreu em 1889 de uma congestão pulmonar. (BORGES, 2007, p. 108)

Desta forma, o conto de Borges mantém uma narrativa, porém não linear, ou não natural, de natureza mais elíptica, em que o nascimento precede a vida, que precede a morte. No entanto, acredito que esteja na estrutura mental de Irineo Funes a maior proximidade com Funes, meu trabalho, pois, assim como neste, Irineo Funes apresenta um controle obsessivo através da tentativa de armazenamento de todas PAG 54 | 124

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as lembranças com toda minúcia de detalhes e, por outro lado, a perversão da incapacidade de encontrar uma lógica de arquivamento eficiente para elas, tornando-as preciosamente conservadas e inúteis. Tais como as miniaturas agrupadas e conservadas cuidadosamente em caixas de acrílico, em que tudo é controlado, inclusive a ação do tempo sobre elas, as lembranças de Irineo Funes também são cuidadosamente guardadas em sua mente, mas ambas são sujeitas ao acaso, ao inesperado, ao descontrole a elas inerente. No conto, quando o protagonista parecia conseguir desenvolver uma regra de catalogação com a lembrança de um cachorro, por exemplo, como o animal mudava de posição, por consequência apresentava novas informações, desviando ou desvirtuando e, sobretudo, impossibilitando a precisão da catalogação, criando novas categorias para cachorro e formando, assim, uma rica malha de informações preciosas, repetidas, únicas, sem lógica e inúteis. Esta malha se assemelha em muitos aspectos à construção de Funes, em que a meticulosidade e a minúcia de detalhes, a tentativa de controle das etapas e dos processos que o integram, estão sempre sujeitas ao acaso inesperado, obrigando a execução de novos planejamentos, protótipos e cálculos que, por sua vez, gerarão novos acasos, e assim por diante, neste ciclo obsessivo de controle versus acaso.

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Com efeito, Funes não apenas se recordava de cada folha de cada árvore de cada morro, mas ainda de cada uma das vezes que a tinha percebido ou imaginado. Resolveu reduzir cada uma das jornadas pretéritas a umas setenta mil lembranças, que logo definiria por cifras. Foi dissuadido por duas considerações: a consciência de que a tarefa era interminável, a consciência de que era inútil. Pensou que na hora da morte ainda não teria acabado de classificar todas as lembranças da infância. Jorge Luis Borges

[ 3. ] a construção de funes

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A CONSTRUÇÃO DE FUNES

Este trabalho foi apresentado pela primeira vez em 2012, com o estatuto de projeto, no âmbito da disciplina “Desenho VI”, no sexto semestre do curso de Educação Artística com Habilitação em Artes Plásticas da FAAP, ministrada pelo Prof. Thiago Honório (1979-). A proposta era apresentar um projeto de trabalho, em todas as suas camadas, que poderia não se realizar, mas que fosse viável e exequível. Pela primeira vez, desde o início do curso, estava sendo proposta apenas a realização de um projeto, com a exigência de que ele fosse claro e generoso o suficiente para que outra pessoa pudesse realizá-lo somente com o projeto em mãos. Talvez tenha sido a oportunidade de me dedicar exclusivamente ao projeto sem, num primeiro momento, precisar me preocupar com os prazos da execução o que me trouxe uma sensação de liberdade muito grande, permitindo trabalhar com uma outra escala de projeto, até mesmo com dimensões e custos que não havia experimentado anteriormente.

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A CONSTRUÇÃO DE FUNES REGISTRO DO PROTÓTIPO 1 REALIZADO PARA O PROJETO

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A CONSTRUÇÃO DE FUNES

REGISTRO DO PROTÓTIPO 1 REALIZADO PARA O PROJETO

REGISTRO DO PROTÓTIPO 1 REALIZADO PARA O PROJETO

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A CONSTRUÇÃO DE FUNES

A princípio, a ideia era fazer um grande painel formado por caixinhas em miniatura, como uma espécie de arquivo meticuloso, extremamente ortogonal, organizado e monocromático. Porém, esse painel traria grandes paradoxos em sua estrutura, bem como em seus conceitos também. Portanto, a escolha dos materiais foi uma parte fundamental e estruturante do trabalho em si. Por exemplo, as caixinhas deveriam ser produzidas industrialmente para que fossem absolutamente iguais, mas seu material tinha que ser flexível para permitir o amolecimento do desenho da grade provocada por sua disposição ortogonal no painel. Outro paradoxo importante acontecia na escala dimensional, em que a miniatura perde o estatuto de bibelô quando repetida quase infinitamente. Assim, a caixinha deveria ter dimensões pequenas o suficiente para poder ser considerada uma miniatura, mas não a ponto de parecer uma superfície texturizada, anulando sua identidade como caixa, quando fosse multiplicada 22 mil vezes nos painéis. A fixação do ilhós no centro das caixinhas no lugar de um puxador de madeira, também foi uma escolha importante para o trabalho. Ao pesquisar sobre os puxadores em miniatura disponíveis no mercado, encontrei como opções alguns importados, que eram também repletos de pequenos ornamentos e volutas, carFUNES | CÉLINE BOURDON

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regados de um estilo mais “rococó”, o que traria informações consideradas mais externas ao trabalho. Outra opção, facilmente encontrada em casas de material para artesanato, seria o puxador de madeira em formato esférico, mas que também faria uma referência excessivamente explícita à miniatura como item artesanal, com aspecto de “casinha de boneca”, desviando o trabalho para outras reflexões, igualmente externas ao escopo de interesses centrais a ele. EXEMPLO DE MODELO DISPONÍVEL DE PUXADOR EM MADEIRA

Assim, o ilhós surgiu como uma solução que atenderia às questões do trabalho, uma vez que ele é fabricado industrialmente e reflete essa característica no seu aspecto, com forma circular simples e cor neutra devido ao seu material aparente, o metal, evocando até mesmo certo cinetismo. PAG 62 | 124

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A CONSTRUÇÃO DE FUNES ILHÓS EM ALUMÍNIO

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Portanto, em outubro de 2012, apresentei esse projeto e um pequeno protótipo, formado por doze caixinhas de fósforo, que permitia melhor compreensão do trabalho. Àquela altura, muitas decisões importantes já haviam sido tomadas: eu havia definido que as caixinhas seriam de fósforos longos Fiat Lux, com as dimensões 4 x 6 x 1,7 cm. Havia definido, também, que essas caixinhas seriam coladas com cola branca em uma placa de MDF “tamanho padrão”, mas da qual seriam retirados exatos 3 centímetros da altura e também do comprimento, para que coubessem perfeitamente 45 caixinhas na posição horizontal e 160 na posição vertical. O painel de MDF por trás das caixinhas fortaleceria a estrutura de papel, garantiria um alinhamento possível e possibilitaria a fixação do painel através de uma estrutura de encaixe (sobre a qual discorrerei mais adiante). No entanto, para que esse MDF fosse suficientemente resistente e não envergasse sob efeito da cola ou da umidade, e considerando que seriam feitas perfurações para a sua fixação na parede, ele precisaria ter uma espessura adequada. Com essas diretrizes, foi escolhida a placa de 15 mm, que, segundo o vendedor especialista, seria suficiente.

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Ficou definido, então, que seriam três painéis de MDF, totalizando 5,4 x 2,72 x 0,75 m, com 22 mil caixinhas. No entanto, caso o projeto fosse inviável nessas dimensões, também havia sido planejada uma outra opção, com 3 x 2 x 0,75 m, totalizando 8.775 caixinhas. Desde o início considerei que o trabalho seria monocromático, pintado de branco nas laterais para encobrir as lixas das caixinhas de fósforo e a lateral do MDF. Por um breve instante, porém, me questionei se deveria pintar as caixinhas com cores semelhantes às usadas nas aquarelas Organismo (2012), que vinha produzindo, mas rapidamente abandonei essa opção por receio de aproximar demais o trabalho de questões mais presentes no âmbito da pintura e tornar menos visíveis outras reflexões que me pareciam mais pertinentes e cruciais a ele naquele momento.

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Céline Bourdon, Organismo 90 x 70 cm Aquarela sobre papel 2012

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Pouco tempo após a entrega do projeto, surgiu a oportunidade de uma visita à DIA Beacon12, durante uma viagem a Nova Iorque. A experiência estética que vivenciei ao me deparar com obras com grandes dimensões, como as Drawing series (1968), de Sol LeWitt, provocou impacto significativo em mim e ao olhar para minha própria produção. Também embebida e sensibilizada pelas obras da DIA Beacon, decidi rever meu projeto das caixinhas e transformá-lo em um projeto modular, que se adaptaria a qualquer dimensão. O módulo básico seria o painel de MDF com 7.200 caixinhas e o trabalho não poderia ter menos do que três módulos. A disposição e a quantidade de módulos variaria conforme o local que abrigaria o trabalho, possibilitando, assim, sua maior interação com o espaço, já que este passou a ser um elemento estruturante do trabalho em si.

12  Trata-se de uma fundação situada em Beacon, estado de Nova York, EUA, que apresenta obras em grande escala de Sol LeWitt, Dan Flavin e Richard Serra, entre outros.

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Com a chegada de 2013, ano de realização do Trabalho de Graduação Interdisciplinar – TGI, novas indagações, reflexões e incertezas surgiram e, em meados de março, senti a necessidade de executar um protótipo do módulo. Fiz um protótipo, e não uma maquete, pois não tinha interesse em trabalhar o módulo e as caixinhas em escala menor. No entanto, havia vários benefícios em se fazer o protótipo com os materiais em escala 1:1, mesmo que este tivesse as dimensões correspondentes a uma fração do módulo, pois eu poderia testar os materiais escolhidos (caixa de fósforo, ilhós, MDF, cola branca, tinta látex...) e, também, refletir melhor sobre possíveis questões conceituais advindas do próprio trabalho. Portanto, após alguns estudos, decidi que o protótipo seria o equivalente a 1/6 do módulo, ou seja, comportaria 1.188 caixinhas e a mesma quantidade de ilhoses, mediria 92 x 88 cm, utilizaria um pote de 500 ml de cola branca, e um pequeno galão de tinta branca seria suficiente para realizá-lo. Essa quantidade deveria ser comprada em atacadistas. Pesquisei e descobri que 1.188 caixinhas de fósforos correspondem a 10 pacotes com 20 embalagens de 6 FUNES | CÉLINE BOURDON

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caixinhas de fósforos cada, e que na região do Morumbi e Santo Amaro, na cidade de São Paulo, apenas um revendedor trabalhava com esse produto. Em seguida, fui atrás de lojas que vendem MDF natural ou branco. Apesar de o branco parecer mais assertivo, pela possibilidade de economizar na tinta, ele é muito liso, o que dificulta a ação da cola sobre a superfície. Portanto, comprei o natural e adquiri, além da tinta branca, também uma base preparadora de madeira, que protegeria o MDF da umidade, mas sem retirar totalmente a porosidade do material, o que dificultaria a aderência da cola. Para o ilhós, encontrei um vendedor atacadista, um pequeno fabricante com show room no bairro de Perdizes, também em São Paulo. Diante dos modelos disponíveis e após uma rápida eliminação por formato e cor, fiquei com duas possibilidades: ilhós de ferro ou ilhós de alumínio. O ilhós de ferro custaria menos, mas sua durabilidade seria curta por conta da ferrugem e o esforço para aplicá-lo seria maior, devido à dureza do material. Diante da força necessária que exerci testando os dois, acabei optando pelo de alumínio.

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No próprio show room do fabricante de ilhoses havia uma ferramenta de aplicação com qualidade muito superior à minha. Ela permitia aplicar diretamente o ilhós, sem precisar perfurar a caixinha antes, através de um pequeno sistema hidráulico, diminuindo o tempo e esforço na aplicação. Adquiri a máquina.

MÁQUINA ADQUIRIDA PARA COLOCAÇÃO DE ILHOSES

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Com todo o material em mãos, estipulei um prazo de 48 horas para a realização do protótipo, afinal, apesar de serem 1.188 caixinhas, eram movimentos bastante simples. Errei. Nesse tempo, não havia colado nem a metade das caixinhas. Somente para esvaziá-las foi necessário um dia inteiro.

REGISTRO DA CONSTRUÇÃO DO PROTÓTIPO 2

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A CONSTRUÇÃO DE FUNES REGISTRO DA CONSTRUÇÃO DO PROTÓTIPO 2

REGISTRO DA CONSTRUÇÃO DO PROTÓTIPO 2

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REGISTRO DA CONSTRUÇÃO DO PROTÓTIPO 2

REGISTRO DA CONSTRUÇÃO DO PROTÓTIPO 2

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A CONSTRUÇÃO DE FUNES REGISTRO DA CONSTRUÇÃO DO PROTÓTIPO 2

REGISTRO DA CONSTRUÇÃO DO PROTÓTIPO 2

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Logo no início da colagem surgiu um erro de cálculo: nos 88 cm que deveriam comportar exatamente uma fileira de 22 caixinhas, só cabiam 21,5. Faltavam 2 cm. Logo, tive que fazer com 21 caixinhas. Teria sido este espaço tomado pelas finas camadas de cola? Ou o papelão das caixinhas teria se deformado? Ou a largura da caixinha não seria 4 cm exatamente? Esta será uma questão decisiva no momento da execução dos módulos, pois cada um deles deverá ter as mesmas dimensões e o mesmo número de caixinhas.

SOBRA NA LARGURA DO MDF NO PROTÓTIPO 2

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Durante a execução do protótipo, outros pequenos problemas surgiram com a tinta, cuja textura trincou na lateral do MDF, conferindo a ele um aspecto rústico considerado externo ao núcleo de interesses do trabalho.

TRINCAS DA TINTA NO PROTÓTIPO 2

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Diante do tempo e esforço físico para a execução do protótipo, e pelo resultado técnico insatisfatório, decidi que o trabalho seria executado por profissionais especializados, relacionados a uma empresa de engenharia que já estava considerada para a execução da maquete virtual e possível reforço estrutural da parede da sala da FAAP onde será apresentado o trabalho. No entanto, apesar desses pequenos defeitos apresentados na execução, a realização do protótipo foi de suma importância para uma melhor compreensão do trabalho, confirmando hipóteses anteriores, como a escolha precisa dos ilhoses ao invés dos puxadores de madeira, e trazendo novas reflexões como, por exemplo, sua referência a uma verticalização identificada nos prédios de uma grande metrópole como São Paulo.

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REGISTRO DO PROTÓTIPO 2 REALIZADO PARA O PROJETO


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Com o protótipo em mãos, comecei a procurar empresas que poderiam executá-lo e, conversando com esses prestadores de serviço especializado, percebi que teria que rever alguns aspectos. Primeiramente, se deixasse as caixinhas sem nenhuma proteção contra poeira e umidade, eu teria um resultado completamente diferente em poucos anos. O trabalho mudaria completamente de aspecto, o branco seria alterado pela poeira, ficaria com aspecto de sujo e talvez até sofresse com depósitos de mofo. Com isso, novas questões teriam que ser abordadas, como a perecibilidade do próprio trabalho, e isso estava fora de questão. Cheguei a poucas opções como forma de proteger o material. A primeira seria a aplicação de um verniz, porém este também alteraria a textura do papel das caixinhas, além de atribuir-lhe um aspecto plastificado, que interferiria de maneira não produtiva nas questões conceituais abordadas. Além do mais, o verniz não o protegeria da poeira.

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Outro modo de proteger o trabalho seria acondicioná-lo em caixas de acrílico transparente. Esta solução teria impacto visual, mas acredito que traria novas reflexões que reforçam as questões conceituais abordadas, tais como uma segunda grade formada pelas caixas de acrílico e, também, uma nova estrutura que abriga uma outra estrutura inútil, destituída de funcionalidade positiva, por assim dizer, reforçando o aspecto absurdo da obra. Para que a nova grade formada pelas caixas de acrílico se conectasse às questões abordadas, tanto plástica quanto conceitualmente, ela deveria responder a alguma regra arbitrária minha. Portanto, decidi que seria composta por módulos múltiplos das caixinhas e que as proporções entre os módulos da grade das caixinhas e da grade de acrílico teriam que necessariamente se manter. Após alguns cálculos, decidi, então, criar 12 módulos de acrílico, cada um com 70 x 123,5 x 18 cm e que abrigaria 1.166 caixinhas, formando um painel de 210 x 494 x 18 cm, contendo 14 mil caixinhas no total.

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MAQUETE VIRTUAL REALIZADA PARA O PROJETO

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Após a definição do formato, das dimensões e dos materiais, era necessário definir a espessura do acrílico, pois este não poderia ser espesso demais, a ponto de se sobrepor às caixinhas e transformar o trabalho em um “trabalho de acrílico”, mas, por outro lado, não poderia ser fino demais e correr o risco de o peso dos módulos superiores deformarem os inferiores, formando uma espécie de barriga na superfície do acrílico ou, até mesmo, tombarem por falta de sustentação. No primeiro orçamento fornecido, o técnico havia estipulado a espessura em 20 mm. Essa seria, segundo ele, a dimensão necessária para executar a obra com segurança. No entanto, essa medida me parecia espessa demais, desproporcional à própria altura da caixinha, que é de 17 mm. Ademais, nas junções dos módulos, esta espessura apareceria duplamente, formando uma linha de 40 mm. Seria, neste caso, realmente um “trabalho de acrílico”, que suscitaria outras discussões, pertencentes a outra poética que não a minha. Após vários encontros com a equipe técnica especializada encarregada pela execução do trabalho, em que foram discutidos os aspectos práticos da execução, conseguimos reduzir a espessura do acrílico para 10 mm nas laterais e 6 mm FUNES | CÉLINE BOURDON

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na frente e verso de cada módulo. Esta redução foi possível após a sugestão de colocarmos quatro duplas de um tipo de ímã mais potente, embutidos na espessura da placa de acrílico superior e inferior de cada módulo. Estes ímãs, com dimensões de 2 cm de diâmetro e 16 mm de altura, apesar de embutidos no acrílico, ficarão imperceptíveis quando os módulos estiverem encaixados e evitarão possíveis deslocamentos, mantendo os módulos firmes uns em cima dos outros com precisão e, portanto, exercendo uma parte da força que seria da espessura extra do acrílico anterior. No entanto, ainda não sei se será necessário colocá-los, também, nas laterais dos módulos a fim de alinhar as colunas da grade de acrílico e, sendo, se haverá algum impacto visual. Somente após a produção do protótipo 3, que será uma das caixas de acrílico, poderemos nos certificar se os ímãs serão invisíveis ou se, caso contrário, quais outras possíveis reflexões eles suscitarão.

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A CONSTRUÇÃO DE FUNES MAQUETE VIRTUAL REALIZADA PARA O PROJETO

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DESENHO TÉCNICO DE UMA VISTA DE UM MÓDULO COM AS CAIXINHAS

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A CONSTRUÇÃO DE FUNES DESENHO TÉCNICO DE UMA VISTA DO PROJETO COMO UM TODO E DE UMA COLUNA COM 3 MÓDULOS

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DESENHO TÉCNICO DE UM MÓDULO

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Durante a elaboração do orçamento final, chegamos (a equipe técnica e eu) à conclusão que sairá menos custoso encomendar as caixinhas de papelão de uma indústria do que comprar as caixinhas de fósforo, esvaziá-las e pintar suas laterais. Esta mudança, em relação ao orçamento feito para o protótipo 2, aconteceu pelo aumento do número de caixinhas, que se traduz por uma diminuição efetiva no custo individual, mas haverá a necessidade de um exemplar desta caixinha para verificar se ela possuirá as mesmas características físicas da de fósforos, ou seja, se ela cederá com o contato com a umidade da cola, afinal, é nesta tensão entre a manutenção da rigidez das linhas da grade e do afrouxamento destas mesmas linhas com a cola que se encontra um dos principais pontos do trabalho. Outro aspecto apresentado pela equipe técnica foi a necessidade de enumerar cada face de cada módulo de acrílico para garantir um encaixe perfeito numa possível desmontagem e montagem futura, pois, apesar de serem todos idênticos no desenho, como serão produzidos manualmente, as partes do módulo não serão absolutamente iguais e, portanto, nem os módulos. Neste momento, lembrei dos objetos de Sol LeWitt e da importância de parecerem industrializados.

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A CONSTRUÇÃO DE FUNES

No dia 9 de outubro de 2013 realizei, então, a primeira visita ao ateliê da equipe técnica encarregada, para aprovação de uma amostra de caixinha de papelão encomendada e de um protótipo em madeira de um módulo de acrílico. A amostra de caixinha de papelão estava nas dimensões exatas, idênticas à de fósforo fornecida por mim, o papelão era perfeitamente branco, o que nos livraria da necessidade da pintura. No entanto, a espessura do papel era mais fina e, caso fosse outra maior, haveria problema na dobradura, em consequência da proporção das dimensões da caixinha em relação à resistência de um papelão mais grosso, conforme explicou o fornecedor. AMOSTRA DE CAIXINHA DE PAPELÃO

Amostra de caixinha de papelão

Amostra de caixinha de papelão

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A CONSTRUÇÃO DE FUNES AMOSTRA DE CAIXINHA DE PAPELÃO

AMOSTRA DE CAIXINHA DE PAPELÃO

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A CONSTRUÇÃO DE FUNES

Diante desta mudança nas caixinhas, novos cálculos e novos protótipos deverão ser realizados, afinal, como prever a diferença no tamanho total do conjunto de caixinhas? Isso certamente resultará em uma sobra de espaço interno nos módulos de acrílico, entre o conjunto de caixinhas e as paredes em acrílico, que tem que ser calculado milimetricamente e distribuído igualmente. Além disso, será necessário prever, também, algum tipo de mecanismo interno que fixe o conjunto de caixinhas no acrílico, para que, em caso de sobra de espaço, ele não se movimente ou desalinhe em relação aos outros. Uma outra consequência deste fato inesperado a respeito da espessura do papelão foi uma certa folga, praticamente invisível, da parte móvel da caixinha em relação à fixa, provocando menos resistência, permitindo que se solte em um movimento mais brusco. Fiquei apreensiva pensando que, talvez, na hora do transporte ou da montagem, uma ou outra parte móvel das caixinhas se desprendesse e ficasse caída dentro do módulo. Pensei, então, que será necessário colá-las, uma a uma, parte móvel e parte fixa, para que seja possível ter controle de sua exata posição. Também imaginei, quase imediatamente, que levarei horas, talvez dias, para colar as 14 mil partes móveis.

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A equipe técnica apresentou, ainda, uma espécie de protótipo em madeira de um módulo em acrílico que era, a rigor, somente o entorno, como uma moldura, equivalente às partes em que o acrílico teria uma espessura de 10 mm e que seria a parte mais importante da sustentação do trabalho. O objetivo de realizar este protótipo era verificar proporções do módulo em relação à caixinha e a sustentação de uma coluna de módulos, mesmo que sem os ímãs.

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PROTÓTIPO DE UMA COLUNA DE MÓDULOS EM MADEIRA

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Em relação à sustentação, o protótipo se mostrou um tanto instável, mesmo sabendo que os ímãs e o peso superior do acrílico trariam uma estabilidade maior. Decidimos, em conjunto, aumentar a profundidade dos módulos em acrílico em 4 cm. Eles passariam de 20 a 24 cm de profundidade, o que, segundo os novos cálculos e a experiência da equipe, seria suficiente para torná-lo seguro. No entanto, a profundidade anterior, de 20 cm, fora calculada a partir da profundidade da caixinha de fósforo, 6 cm, multiplicada por 3, para que possa haver mobilidade da parte interna (móvel) da caixinha, mais os 2 cm de espessura do acrílico: (6 x 3) + 2 = 20. Agora haverá esta sobra de 4 cm, que também é algo inesperado, mas fundamental pois, sem estabilidade, o trabalho não acontece.

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A CONSTRUÇÃO DE FUNES AMOSTRAS DE CAIXINHAS

AMOSTRAS DE CAIXINHAS

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AMOSTRAS DE CAIXINHAS

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[ 4. ] considerações finais Contou-me que por volta de 1886 tinha inventado um sistema original de numeração e que em pouquíssimos dias ultrapassara vinte e quatro mil. Não o havia escrito, porque o que pensasse uma única vez já não se apagava de sua memória. Seu primeiro estímulo, creio, foi o desagrado de que os trinta e três orientais1 requeressem dois signos e três palavras, em vez de uma só palavra e um único signo. Jorge Luis Borges

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Irineo Funes participa da minha vida há dois anos, a ponto de se tornar uma característica. “Nossa, isso é tão Funes”, eu disse diversas vezes sobre mim mesma ou sobre algo ao meu redor, quando o excesso de informação, a meticulosidade, a minuciosidade ou o preciosismo impediam a execução objetiva de algo, que seria “natural” minha pesquisa em artes visuais começar pelo conto de Borges. Em meu trabalho plástico-visual Funes apresentado há uma recorrente tentativa de controle absoluto, através de um planejamento minucioso, cálculos precisos e feição de vários protótipos para as verificações necessárias, porém, esses protótipos traziam novos problemas, fatos inesperados que demandavam novas soluções, revisões, adaptações, outros cálculos, planejamentos e replanejamentos. Portanto, muito mais do que a tensão da tentativa vã de controlar o alinhamento das caixinhas, Funes também é submetido a outras tensões inerentes à sua condição, como, por exemplo, as dimensões muito acima da escala de meu cor-

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

po, me obrigando a delegar sua construção a uma equipe técnica especializada, sobre a qual, apesar de submetida a multa contratual por não cumprimento de prazos, não tenho ingerência. Portanto, para atingir o nível de precisão necessário, foi preciso delegar a execução de Funes a outrem e, assim, inserir mais uma possibilidade de descontrole. Outra fonte de tensão é o conflito entre os tempos internos e externos do trabalho. Se ele tem um tempo interno regido por cronogramas, cálculos, construções de protótipos e visitas à equipe técnica, que visam à sua otimização, em contrapartida Funes também é submetido à prazos rígidos desde a entrega e o depósito dos volumes desta monografia, até a apresentação do trabalho à banca, que, se não forem cumpridos, invalidam sua existência neste contexto. Portanto, apesar de toda preciosidade do cuidado da execução de Funes, devido ao prazo de entrega dos volumes da monografia, que se antecede em um mês da apresentação do trabalho plástico-visual em si, o texto está se emancipando

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

antes de Funes, trazendo assim possibilidades para inúmeros acasos, mudanças e novas reflexões. Muitas destas reflexões são impossíveis de serem previstas neste estágio de construção e outras, ainda embrionárias, em estágio prematuro. Muitas dessas novas reflexões não foram incluídas neste trabalho também por ainda estarem num lugar, digamos, mais superficial e, igualmente, por tangenciarem campos de conhecimento diferentes das artes visuais, tais como a psicologia, a filosofia e a espiritualidade, e incorreriam numa espécie de desvio, neste momento, daquele considerado o ponto nevrálgico do trabalho. O que não significa que elas não possam ser exploradas e/ou desenvolvidas em tempo futuro, possibilitando à pesquisa inesperados desdobramentos. No entanto, essas reflexões, ainda que iniciais, estão latentes e alimentam a necessidade de um aprofundamento das minhas pesquisas em artes visuais tornando, assim, Funes o ponto de partida para uma longa e ramificada estrada.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

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[ 5. ] glossário A confecção do glossário surgiu naturalmente, em função da própria pesquisa, como processo do trabalho, diante da necessidade de definir o uso de palavras que possam trazer internamente o sentido da contradição.

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GLOSSÁRIO

Acaso Ocasião imprevista que produz um fato. Fato, esse, que foge ao nosso controle. Ambivalência Caráter daquilo que possui dois aspectos radicalmente diferentes, opostos até. Centrífuga: Que se afasta do centro ou que faz afastar do centro. Centrípeta Que procura o centro ou que atrai para o centro. Conceito Aquilo que o espírito concebe ou entende; ideia; noção. A ideia, enquanto abstrata e geral. Contradição Afirmação em contrário do que foi dito. Incoerência entre afirmações atuais e anteriores, entre palavras e ações. Oposição entre duas proposições, das quais uma exclui necessariamente a outra. PAG 110 | 124

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GLOSSÁRIO

Controle Domínio. Corromper Estragar; viciar; perverter. Descontrole Falta de controle, desalinho, Desvirtuar Distorcer ou deformar a verdade com o fim de depreciar a virtude de; tirar intencionalmente o merecimento a. Epistemologia Teoria ou ciência da origem, natureza e limites do conhecimento. Ramo da filosofia que se ocupa dos problemas que se relacionam com o conhecimento humano, refletindo sobre a sua natureza e validade. Filosofia ou teoria do conhecimento. Espírito Coisa incognoscível que anima o ser vivo. FUNES | CÉLINE BOURDON

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GLOSSÁRIO

Espiritualidade Qualidade do que é espiritual. Estável Em repouso. Que não se desloca. Não sujeito a mudanças. Que permanece firme. Que está bem assente. Diz-se do equilíbrio que resiste a um leve desvio de posição, voltando sempre o corpo, por si mesmo, a essa posição. Duradouro. Seguro. Inalterável. Sólido. Etimologia Estudo da origem e formação das palavras de determinada língua. Glossário Vocabulário que explica termos obscuros por meio de outros conhecidos. Vocabulário dos termos técnicos de uma arte ou ciência. Grade Tudo o que, sem ser cheio ou compacto, mas formado de partes paralelas ou cruzadas, serve para resguardar ou vedar.

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GLOSSÁRIO

Gramática Conjunto de princípios que regem o funcionamento de uma língua. A gramática orienta como as palavras podem ser combinadas ou modificadas para que as pessoas possam comunicar-se com facilidade e precisão. Não é preciso que uma língua possua escrita para ser dotada de gramática. Imaginário Que só existe na imaginação. Que só pela imaginação se pode alcançar. Incontrolável Que não se controla ou que não se pode controlar. Inutilidade Que não tem utilidade. Frustrado, estéril. Vão. Desnecessário. Sem préstimo. Irracionalidade Que não é dotado de razão ou de raciocínio. Lógica Ciência de raciocinar. Coerência. FUNES | CÉLINE BOURDON

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GLOSSÁRIO

Módulo Unidade que se combina com outras, formando um conjunto homogêneo e funcional. Obsessão Ideia fixa. Preocupação contínua. Paradoxo Opinião contrária à comum. Paradoxo do descontrole Fato inesperado e intrínseco à natureza do objeto. Perverter Perturbar a ordem ou o estado das coisas. Racionalidade Particularidade ou característica do que é racional; qualidade daquilo que se baseia na razão. Que se encontra em conformidade com a razão; compreensível logicamente. PAG 114 | 124

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GLOSSÁRIO

Regra Princípio, norma, preceito. Ordem, disciplina. Repetição Reprodução ou imitação do que outrem disse ou fez. Seriação Classificação por séries. Singular Individual; único. Subjetividade Que se passa exclusivamente no espírito. Tautologia Repetição inútil da mesma ideia em termos diferentes. Pleonasmo, redundância Único Sem outro da sua espécie ou qualidade. FUNES | CÉLINE BOURDON

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[ 6. ] referências Irineo começou por enumerar, em latim e espenhol, os casos de memória prodigiosa registrado pela Naturalis historia: Ciro, rei dos Persas, que sabia chamar pelo nome todos os soldados de seus exércitos; Mitridates Eupator, que ministrava a justiça nos vinte e dois idiomas de seu império; Simônides, inventor da mnemotécnica; Metrodoro, que professava a arte de repetir com fidelidade o que escutara uma única vez. Com evidente boa-fé ele se maravilhava de que tais casos pudessem maravilhar. Disse-me que, antes daquela tarde chuvosa em que o azulego o derrubou, ele havia sido o que são todos os cristãos: um cego, um surdo, um aturdido, um desmemoriado. Jorge Luis Borges

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REFERÊNCIAS

BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. Tradução: Antonio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 2008. Coleção Tópicos. BATCHELOR, David. Minimalismo. Tradução: Célia Euvaldo. São Paulo: Cosac Naify, 1999. Coleção Tate – Movimentos da arte moderna. BORGES, Jorge Luis. Funes, o memorioso. In: ______. Ficções. Tradução: Davi Arrigucci Jr. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 99-108. BORGES, Jorge Luis. Outras inquisições. Tradução: Davi Arrigucci Jr. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. COOKE, Lynne; GOVAN, Michael. Dia:Beacon. New York: Dia Art Foundation, 2003.

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REFERÊNCIAS

COTRIM, Cecília; FERREIRA, Glória. (Orgs.). Escritos de artistas, anos 60/70. São Paulo: Jorge Zahar, 2006. CROSS, Susan; MARKONISH, Denise. (Eds.). Sol LeWitt: 100 views. North Adams, MA: Massachusetts Museum of Contemporary Art; New Haven, CT: Yale University Press, 2009. DICIONÁRIO AURÉLIO ONLINE. Disponível em: <http://www.dicionariodoaurelio. com>. Acesso em: 8 jun. 2013. GLIMCHER, Marc. Logical conclusions: 40 years of ruled-based art. New York: Pace Wildenstein, 2005.

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REFERÊNCIAS

KRAUSS, Rosalind. Grids. New York: The Pace Gallery, 1978. Texto em português sem indicação de tradutor. Não paginado. MUSEU DO SABÃO. Módulo itinerante. 1998. Disponível em: <https://www.ufmg. br/museumuseu/museudosabao/>. Acesso em: 8 jun. 2013. ORIGEM DA PALAVRA. Site de etimologia. Disponível em: <http://origemdapalavra. com.br>. Acesso em: 8 jun. 2013. WOOD, Paul. Arte conceitual. Tradução: Betina Bischof. São Paulo: Cosac Naify, 2002. Coleção: Tate – Movimentos da arte moderna.

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REFERÊNCIAS FUNES | CÉLINE BOURDON

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