Nada Nunca é Igual

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Nada nunca ĂŠ igual


Gerente editorial Roger Conovalov Projeto Gráfico Lura Editorial Diagramação Rodrigo Rosalis Capa Lura Editorial

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Todos os direitos reservados. Impresso no Brasil. Segunda Edição. São Paulo: Lura Editorial, 2016.

Catalogação na Fonte do Departamento Nacional do Livro (Fundação Biblioteca Nacional, Brasil)

Azevedo, Juliana Marcia Ramos Nada nunca é igual, Juliana Marcia Ramos Azevedo. ISBN: 978-85-86261-66-4 1.  Romance 2 . Ficção I.  Título.

Índice para catálogo sistemático: 1. Ficção 869.3


Juliana Ramos

Nada nunca ĂŠ igual



Dedico este meu filho literário à minha família, com todo amor que há no universo e aos amigos queridos e amados de todos os tempos e situações... Escrever para vocês é uma dádiva! Recebam o meu amor em palavras...



Prefácio

U

m livro é mais que a reunião de folhas impressas ou manuscritas em um volume, ele é a aquisição de uma ideia, um conhecimento e em suma, uma boa história. Escrever é um ato genuíno, inquietante e belo. Mas escrever é uma responsabilidade imensurável. O cotidiano é sem dúvida o ato mais peculiar a ser narrado. A autora consegue descrever este cotidiano, sem transformá-lo em um discurso rotineiro. As palavras aproximam as personagens dos leitores e os comportamentos destes, preenchem nosso pensamento ao nos enveredarmos pela leitura prazerosa. Ler esse Livro é um deleite. Não é um mero romance, é o romance! É singular e um convite a um imaginário fabuloso. Percam-se nesses deliciosos enigmas! Aline Lopes Escritora e Professora de Artes

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Notas sobre um romance...

N

ada Nunca é Igual é um romance lírico e filosófico sobre as questões cotidianas. É a envolvente temática dos encontros e desencontros da vida moderna, do valor exagerado que damos ao tempo, da conceituação que temos das pessoas e de nós mesmos. O caráter humano, as escolhas, as verdades inacessíveis e as desdenhosas mágoas que se acumulam nas relações sociais, são a base das quatro histórias contadas nesse romance.  Não há personagens só bons ou maus. O medo, o ódio, a inveja, o desejo, flutuam em busca de um portador e por consequência se confundem aos sentimentos de cada um. Todos são envolvidos pela louca aventura que designa a existência humana. Como um retrato da sociedade hipócrita em que se afogam os seres, os personagens vão abrindo seus corações, exibindo com certa cautela e às vezes com fervor, todo desejo de mudança e necessidade de amor que têm em suas vidas. Demonstrando desde os sentimentos mais puros até as falhas de caráter mais graves, em busca da felicidade que julgam merecer.  O centro do livro está nos problemas gerados por conclusões precipitadas. A rotina dos casais é alterada uma vez que a relação mais sólida entra em conflito. O pensamento corroído pelo ciúme e uma suspeita de traição desencadeia em toda uma história distorcida, cada um se vê diante

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do próprio destino, buscando unir os desejos de uma vida feliz às realizações profissionais. O casamento e a fidelidade tornam-se temas relevantes, tanto quanto a inveja e a vingança.  Ângelo (diplomata) e Édna (enfermeira), cujo casamento é construído sobre o amor tornando mais difícil a partida dele a cada viagem, são a chave para as dúvidas do livro e a parte base para o dominó de relações que se desvendará com o desenrolar da trama. Impossibilitada de acompanhar o marido diplomata em suas viagens pelo mundo, Édna se vê usufruindo uma liberdade que não deseja, num momento em que atravessa uma crise existencial e o profundo desejo de mudança.  O desconforto da saudade, o intenso ciúme que sente da esposa e a situação surpresa em que a flagra ao chegar, faz com que Ângelo desencadeie uma série de conflitos.  A existência da relação começa a ser questionada e todas as mágoas guardadas até o momento da crise são colocas em discussão, revelando um lado de Ângelo que Édna desconhecia. As questões de posse, desejo e mudanças que nunca se efetuam, emprestam à Édna uma realidade semelhante aos conflitos existenciais em debate no mundo hoje, colocando interrogações em terrenos da mente que não são analisáveis. Um clima de tensão e dúvida onde quase tudo o que parece não é.  Rafael é infeliz. Jovem, sem filhos, de caráter honroso incontestável, preso a um casamento frustrado de quase dezoito anos com a mulher de seus sonhos. Dono de uma empresa de materiais de limpeza, cuja dedicação se torna exclusiva desde que a relação com Ellen entra em crise, facilitando a fuga para o trabalho. A inevitável tarefa de amar sem ser amado, de compreender e se doar a uma relação unilateral, exatamente quando Ellen percebe e passa a declarar não haver um nível de felicidade superior ao de sua realização profissional.  Ellen é fria, inteligente, famosa, bonita, de percepção aguçada.  Sua natural visão das relações humanas empresta a seu caráter algo de peculiar, tornando duras quaisquer de suas palavras em comparação com os outros personagens do livro, em especial seu marido.  A distância que é imputada a Rafael pelo trabalho da esposa, produz uma rotina prazerosa na companhia de Édna, para ele uma amiga muito doce, que compreende as agruras da distância de quem ama. Não perce-

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be nenhuma gravidade na forma como delicadamente se relaciona com a amiga, e se permite a companhia dela sempre que deseja aconselhar-se ou mesmo estudar novas possibilidades para sua relação com Ellen. Édna e Rafael têm o grande entrave de suas vidas, a ferida aberta que os assemelha e aproxima em suas relações matrimoniais.  Paralelo a esses desencontros, ao desenfreado fervor da realidade, estão, Cristina e Arthur.  Sobrevivendo a um casamento contrapondo as desilusões da realidade que ela sente pesar somente sobre seus ombros. Ex-noivo de Édna e também um grande amigo, Arthur passa os dias dedicando-se ao trabalho e a educação dos filhos, o maior bem de sua vida. Quase um sacerdote em sua conduta, atormenta-se diante das problemáticas de sua união com Cristina, a mulher que ele ama sem desejar e que deseja amar. Para Arthur o casamento é sagrado, não carnal. Cristina é desejo, fogo e carne. Um passo para o desvio de um homem que deve manter-se bom e justo. O passado o assombra e o afastamento do sacerdócio faz com que Arthur tenha medo dos castigos divinos. Não é possível à ela alegrar-se somente com o pouco amor que o marido lhe oferta. Há dezessete anos permanece esperando por retribuição de todo seu afeto. A cadeia de relações onde amor e posse tornam-se empecilhos para a evolução individual, Rudolf e Clara estarão também dividindo suas dúvidas com as discussões sobre os filhos e o desejo humano de tornar-se perfeito.  Há formas diversas de demonstração de afeto e para descrevê-las criei Enigmas, narrações de encontros amorosos, que acontecem sem ambientação, datas ou mesmo nomes. Os enigmas criam uma curiosidade necessária na observação das características de cada personagem durante todo livro. Não revelarei os personagens que dão origens a eles, aumentando a necessidade de retornar, mesmo depois da leitura concluída, a partes do texto que ajudem a desvendar os personagens de cada enigma. Nada Nunca é Igual é um romance do real, de como é difícil seguir em frente em face de uma realidade em constante mutação e sobre a qual pairam todos os desejos e sonhos humanos.  “Nada nunca mais seria igual...  nunca é quando se mente, quando se diz o que não se sente ou se excede em dizer claramente, sem polimento, cuidados, precauções, aquilo que se pensa... quando se finge e engana a

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quem se ama ou a quem nos jura amor. Tudo é sempre diferente a cada dia... buscando alegria o homem encontra a si...  sabe que em sua caminhada pode estar muitas vezes só, porém respeita as leis da desilusão. ” A autora

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Sumário

Prefácio .................................................................................................. 07 Notas sobre um romance ....................................................................... 09 Falas....................................................................................................... 15 Dádiva.................................................................................................... 34 Manhã.................................................................................................... 53 Surpresas................................................................................................ 71 Outra...................................................................................................... 85 Dia.......................................................................................................... 96 Enigma 1............................................................................................. 115 Noite..................................................................................................... 118 Sensações............................................................................................. 135 Luz........................................................................................................ 148 Poderes................................................................................................. 174 Valores ..............................................................................................187 Flores.................................................................................................... 212 Palavras................................................................................................. 230 Enigma 2............................................................................................. 240 Só......................................................................................................... 243 Promessas............................................................................................. 256 Nada..................................................................................................... 274

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Enigma 3............................................................................................. 293 Nunca................................................................................................... 296 Igual...................................................................................................... 316 Dúvida.................................................................................................. 331 Enigma 4............................................................................................. 347 Distância............................................................................................... 350 Perigo.................................................................................................... 371 Enigma 5............................................................................................. 384 Sessenta dias depois... ......................................................................... 387 Depois.................................................................................................. 399 Discurso................................................................................................ 420 Horas.................................................................................................... 430 Desejos................................................................................................. 459 Navegantes........................................................................................... 486 Beleza................................................................................................... 511 Encontros............................................................................................. 534

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Falas

O

olhar era frio e distante, Rafael aguardava ansioso pela resposta da secretária. Sentado no escritório balançava-se na cadeira atrás da mesa. A mão esquerda acariciava o anel de brilhante em uma caixinha de veludo azul, bem diante de seus olhos. Havia milhões de motivos para que estivesse ansioso, parecia um menino, sorrindo com o mesmo frescor e juventude. Por mais que desejasse estar em silêncio seu coração desejava saltar em direção ao fone. Aguardá-la era sempre tarefa árdua e ligeiramente satisfatória. Sua imagem invadiu com arroubo os campos cerebrais e o riso dela pareceu invadir todo espaço da sala. Perdido em meio aos quilômetros de amor que podia dedicar a uma única mulher, foi chamado à realidade sempre pela voz ao telefone...  sua ninfa encarnada.  − Alô! − a voz viva e forte foi ouvida e apesar da distância o rosto dele iluminou-se ao ouvi-la. Era ela, a única e intocável imagem que se projetava naquele momento em sua mente. − Bom dia, amor! − Rafael proferiu como se adoçasse sua vida ao dirigir as palavras a ela.  − Bom dia, Rafael. Não esperava que você ligasse tão cedo. − a voz formal e sem ternura fez o brilho no olhar dele começar a se modificar. Sempre era assim agora.  − Por que? − Rafael ajeitou-se na cadeira. − Está tão ocupada assim que não pode atender seu marido? − a pergunta era clara e áspera. Uma mudança de humor comum nos últimos meses de casamento.

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− Não é isso, Rafael. − Ellen respirou fundo do outro lado da linha, as vezes era difícil conversar com ele e ter paciência para àquela carência desmedida que demonstrava sempre. − É que você sempre me liga à noite quando estou no apartamento, por isso estranhei. Não é hábito nos falarmos a essa hora.  − Hoje é quinta-feira. Você virá para casa à noite e por isso eu quis ligar cedo. − justificou-se, mesmo acreditando não precisar. Afinal, que marido precisaria justificar-se por uma ligação feita com alegria por à esposa?  − Não, tudo bem, não tem nenhum problema. − a voz dela saiu fraca.  − Mas se estiver no meio de uma reunião ou se preferir podemos conversar à noite. − ele continuou a conversa fechando a caixinha do anel. − Em casa temos mais liberdade. − sorriu com seu jeito menino e elegante.  − Eu... − Ellen suspirou e tentou manter a voz firme. Era como se fosse anunciar algo que tivesse medo. − Eu não vou hoje... − a voz saiu entrecortada e tão baixa quanto cruel. Respirou fundo sabendo que as reações de Rafael eram imprevisíveis e que ele poderia tanto xingá-la por uma hora no telefone, como desligá-lo imediatamente.  − Não vem hoje? Como assim não vem hoje? − Rafael questionou como se precisasse confirmar aquela notícia tão desagradável. Moveu-se na cadeira com chateação, Ellen sempre podia ser portadora de más notícias.  − Rafael... − respirou fundo mais uma vez e reiniciou a conversa da maneira que ele mais odiava. − Tivemos problemas com a defesa de um de nossos clientes e vamos ter que encontrar provas que revertam essa situação desagradável, não podemos perder a causa!  − respirou acreditando que ele estava ouvindo tão em silêncio que poderia terminar de explanar a situação. − Eu tenho uma reunião hoje à noite, duas amanhã pela manhã e uma à tarde. Por favor, me desculpe, não foi minha intenção passar todo esse tempo aqui e... − O aniversário de Karen... − Rafael proferiu ignorando-a, como se falasse para si mesmo.  − Desculpe-me, querido, mas não poderei mesmo ir. Não tive culpa, essas reuniões foram marcadas de última hora. Por favor, Rafael... − Ellen solicitou nervosa em busca da voz dele. − Rafael! Ele ficou em silêncio por alguns instantes, depois respondeu.  16


− Pode falar, ainda estou te ouvindo. − respondeu frio.  − É que esse cliente é muito importante e eu preciso... − Ver o André! − proferiu com ódio. Talvez fosse melhor desligar o telefone.  − Ah, Rafael, por favor! André é um advogado, mais que isso, meu amigo! − a voz dela estava irritada. Era o primeiro momento que perdia a calma e justamente o homem que Rafael mais odiava no mundo.  − Não gosto dele! −  a irritação estava preparando para momentos perturbadores logo em seguida.  − Ah, por favor! − enfim ela estava irritada. − Espera que eu lhe dê motivos para odiá-lo ainda mais, não é mesmo? É o que espera de sua mulherzinha vulgar e omissa! − concluiu secamente. − Às vezes, acho que você... deixa pra lá!  − Por que não concluiu? Eu sou tão segundo plano em sua vida que até quando discute comigo economiza nas palavras? − esbravejou para irritá-la.  − Esse complexo de inferioridade está piorando. − a voz dela agora era baixa, mas ainda intensamente irritada e cansada daquela conversa.  − O que você chama de complexo de inferioridade eu digo que é senso de realidade. − ele também estava mais calmo.  − Esqueça isso, Rafael, vamos terminar a conversa. − suspirou cansada daquela discussão inútil. − Você marcou terapia para amanhã?  − Não precisamos de terapia. − a voz dele estava chateada e cheia de raiva.  − Mas você concordou!  − Não precisamos de terapia, Ellen! − chamá-la pelo nome com aquela veemência, era sinal de que algo não estava nada bem. − Precisamos de sexo! − vomitou cheio de uma cobrança em sua voz, que com certeza faria Ellen ferver de ódio se estivessem frente a frente. Ao invés disso, ela explodiu num choro violento. Rafael teve a estranha sensação de que se estivesse diante dela acabaria por ser violento, quanta falsidade nas lágrimas e nos soluços.  − É só disso que precisa, Rafael? − a voz chorosa e melodramática não o fez recuar.  − Essencialmente e no momento, preciso apenas não me sentir tão só e... − suspirou.  17


− Acha que traio você? − a voz dela apresentava uma real decepção.  − Eu não sei, Ellen, não vamos piorar as coisas! Pare de chorar, por favor!  − Não estou fingindo! − o choro cessou de repente.  − Ellen, chega! Você já me deu tempo demais do seu precioso dia. Não quero falar mais nada. − em seguida desligou o telefone e nem se preocupou em tirar do gancho, sabia que ela não ligaria de volta.  Sentiu uma dor profunda, agonia sem explicação. Era complicado amar alguém mais do que a si mesmo. Por quanto tempo amava assim a Ellen... era louco por ela desde o primeiro dia em que colocara os olhos sobre ela, mas era sempre tão difícil estar perto. Rafael não tinha do que se queixar, sua empresa era responsável pela distribuição de 15 % de todo sabão em pó consumido no país, além de todos os produtos de limpeza necessários para o consumo de mais de quarenta por cento da população. Poderia se considerar um empresário promissor.  A M/S limpeza fora construída por ele e dois amigos há dez anos e já era uma das marcas mais conhecidas em todo país. Tinha uma bela casa, carros, propriedades, dinheiro fora do país e apesar disso não se mostrava um homem de posses, era sempre muito simples. Não havia motivos para trabalhar todos os dias, nem para que Ellen passasse tanto tempo advogando. Por dezessete anos estavam casados e por oito trabalhavam como dois loucos para, como ele gostava de dizer, aumentar o patrimônio. Para que? Para quem? Ele se perguntava naquele momento, se não tinham filhos e nem mesmo perto da família viviam?  Rafael olhou mais uma vez para o anel que comprara para Ellen e abrindo a gaveta encontrou outra caixa, dentro dela também um anel, esse com apenas um brilhante, para a jovem Karen Galvão, sua afilhada e cúmplice. Olhou mais uma vez por às duas caixas e com solidão segurou-as. Ergueu-se da cadeira e partiu carregando em seu peito mais frieza e dor do que seria capaz de descrever em palavras... − Entre, querido! − a mulher branca, de olhos cor de mel e cabelos pretos, o convidou a entrar com um sorriso meigo.  − Olá, Édna! − Rafael beijou carinhosamente o rosto dela e entrou.  − Está abatido, Rafael. O que houve? − ela perguntou conduzindo o amigo até o sofá.

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− O de sempre, Édna! O de sempre... − a voz saiu atravessada... quase em choro.  Os olhos de Rafael se entristeceram completamente. Era um homem moreno, alto, olhos de um castanho enigmático, sedutor e vivo. Os olhos envolventes e carinhosos da mulher pousaram sobre ele. Suas solidões se completavam e a cada encontro sentiam-se mais semelhantes, pares, abandonados em comum acordo por seus respectivos cônjuges.  − Não quer me contar o que houve? − ela aproximou-se dele.  − Estou cansado dessa distância, Édna! Cansado! − Rafael segurou carinhosamente as mãos dela sentada ao seu lado. − Ellen vivendo longe como se fossemos estranhos, como se precisássemos tanto assim desse dinheiro que ela ganha... − Eu o compreendo... − Édna quase permitiu que uma lágrima rolasse, mas Rafael precisava de seu apoio e não seria boa hora para dividir frustrações.  − Sei que compreende e é por isso que estou aqui. − acariciou o rosto da amiga. − Você não merece passar tanto tempo sozinha. Às vezes me pergunto o que a faz esperar tanto por Ângelo.  − O mesmo que o faz esperar por Ellen. − ela sorriu. − Você sabe a resposta.  O melhor que tem a fazer é tentar conversar abertamente com ela quando voltar. Dizer que está sentindo muito a falta dela.  − Ellen não está aberta a nenhuma conversa! − ele ficou de pé como se de repente diagnosticasse algo que lhe desse medo. Conhecer a fundo uma pessoa pode tornar-se complicado. − Édna recostou-se no sofá. − Ela sempre diz que não pode largar a maldita empresa agora. − a voz saiu embargada e raivosa. − Prefere trabalhar sozinha. Disse que a deixo tensa e que não consegue trabalhar sob meu olhar. Prefere a companhia de qualquer um, menos a minha. − os olhos de Rafael transpareceram uma dor que ela podia compreender bem.  − Não fique assim. − Édna sorriu para ele. − Você não tem com o que se preocupar. É um homem maravilhoso e Ellen só está tentando resolver tudo antes das férias. Aí poderão ficar juntos e sem preocupações. − o sorrir dela o acalmou como sempre podia fazer.  − Espero... − Rafael agradeceu sorrindo e sentou-se ao lado dela. Os olhares se cruzaram e, de repente, um sorriso os envolveu.  − O que mais sente falta quando Ângelo não está aqui?  19


Édna nem precisou ir a fundo em suas lembranças. É tão fácil se dizer o que mais faz falta quando o amor está longe... − É horrível sentar à mesa e sentir que há um espaço vazio, mesmo que alguém se sente lá. Sentar à noite no sofá e ver tv sozinha... mas a cama é o lugar onde mais sinto falta de Ângelo. É horrível virar para um lado e para outro e não sentir ninguém... − os olhos dela vagaram pela sala.  Era difícil falar daquele assunto. Seu marido era diplomata e mudava de país a cada três meses, mas agora estava quase se aposentando. Nas últimas viagens, Édna decidira não o acompanhar, ficando, então, no Brasil com a filha Karen de 15 anos, que precisava concluir seus estudos. Durante três anos ela instalara em sua vida aquela rotina estranha de ver seu marido a cada três meses. Havia as longas conversas por telefone e as correspondências, além de toda a preocupação que ele exauria em ser o chefe da família e zelar para que tudo desse certo... Mesmo assim, a distância era um problema real. Para Édna, os últimos anos eram de muita paciência e amor sincero, já que Ângelo passava a maior parte do tempo longe dela e de Karen. Faltavam apenas seis meses para que ele se aposentasse, os planos eram de fazer um cruzeiro por todo o mundo. De volta à realidade, Édna olhou novamente para Rafael, tão indefeso e solitário ao seu lado, necessitado de uma atenção tão simples e comum... − Mas e você, do que sente falta?  − Ovos com bacon de manhã... − Rafael sorriu como se pudesse experimentar seu prato preferido só em pronunciá-lo.  − Mas Lola sabe fazer isso tão bem. Ela é ótima cozinheira. Já ouvi Ellen dizer que a única coisa que sente falta em suas viagens é dela. O dela não serve? − o olhar atento dela já demonstrava saber a resposta.  − A Lola cozinha dez vezes melhor que Ellen, mas ela sempre fez ovos com bacon para mim. Não é a comida é a atenção da pessoa em fazer para você e na sua companhia.  Sinto falta dos carinhos dela e daquelas mãos macias e cheirosas que ela tem.  Os dois se recostaram no sofá, um olhando para o outro.  − Só disso? − Édna sorriu maliciosa querendo fazer o amigo sorrir um pouco.

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− Claro que não. − sorriu também. − Sinto falta do sexo sim, se é o que quer saber. − Rafael analisou o rosto fino e delicado de Édna para ouvir a resposta. − E você?  − Sinto muita falta de sexo! − a voz saiu calma ao confessar sensações tão íntimas. − Sentia muito mais antes, mas ainda sinto muito. Três meses não são três dias e você sabe que fome é essa. Não dá para enganar comendo outra coisa... − os olhos dela recaíram sobre os olhos dele, estavam perdidos e baixos. De repente Rafael percebeu a doçura no olhar dela e a olhou como se nada mais houvesse naquela sala além deles dois.  − Você é tão linda, Édna, não devia permitir que Ângelo a deixasse sozinha.  − Eu não permito. − respondeu próxima a ele. − Mas ele deixa assim mesmo.  Rafael aproximou sua mão do rosto dela e delicadamente acarinhou-a.  Os dois abraçaram-se, era como dividir aquelas dores que tanto os sufocava. O abraço apertado durou uma eternidade, tempo o bastante para que uma pessoa se aproximasse sem que nenhum dos dois percebesse. A voz firme e grossa fez com que saíssem do transe emocional em que se encontravam.  − Édna... − a grave ressonância os assustou fazendo a saia verde e sensível que ela usava escorregar, deixando boa parte da perna à mostra, quase como uma oferta a seu visitante.  − Ângelo? − Édna parou surpresa, desenlaçando-se de Rafael que sorriu um pouco desconcertado por sua posição no sofá, mas sem o menor constrangimento. Eram amigos de longa data e ele confiava em Ângelo, assim como acreditava que o amigo confiasse nele.  − Não quis interromper. − as palavras e o sorriso cínico de Ângelo provavam o quanto estava irritado, mas apenas Édna percebeu e, imediatamente, levantou-se para falar com o marido.  − Você disse que não viria hoje, Ângelo, o que houve? − pronunciou se ajeitando e vendo-o se afastar sem nem mesmo beijá-la.  − Resolvi fazer uma surpresa... −  o sorriso dele era frio, o olhar direcionado a Rafael. − ... e acho que fiz.  − Conte-me, amigo, como foi sua viagem ao Marrocos? − Rafael falou sorrindo e demonstrando o quanto sentira falta dele.

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− Foi uma boa viagem! Vou contar tudo a você, Rafael! Tudo com detalhe, mas estou exausto. − Ângelo deu um meio sorriso. Era a discreta forma que encontrara de pedir que se retirasse.  − Eu compreendo, nos veremos então no aniversário. − Rafael ergueu a mão e Ângelo o puxou para um abraço demorado, comprovando o sentimento que um nutria pelo outro. Depois, um breve encarar e mais um sorriso confiante.  − Estou mesmo precisando tomar uma daquelas bebidas que só você sabe preparar e comer comida de Ellen. − Ângelo sorriu e acompanhou o amigo até a porta. − Até mais, Rafael!  − Obrigada por tudo, querida Édna. − Rafael deu um novo abraço na amiga que estava na porta com eles.  − Não precisa agradecer, estarei aqui se precisar. − o sorriso dela iluminou-se.  − Obrigada. − Rafael se voltou para Ângelo − Até breve, amigo, e bom descanso. − sorriu malicioso. Rafael terminou de falar olhando carinhosamente à amiga, estava vermelha de vergonha.  Ângelo apenas sorriu meio seco. Os dois permaneceram na porta, até que Rafael entrou no carro e deu partida...

Q

uando a porta se fechou, Ângelo olhou para Édna daquela maneira que só os maridos ciumentos e possessivos conseguem olhar. Carregado de dúvida, seu olhar pousou sobre ela em domínio e recado. Que espécie de cena se promovera em sua frente? Não conseguindo conter a voz, soltou sua pergunta sem a preocupação com o estrago que causaria.  − O que estava acontecendo nesse sofá? − falou sério caminhando em direção ao bar, ignorando a expressão de espera que ela lhe ofereceu, desviando-se dela para não se sentir tentando esquecer a cena. Não naquele instante.  − São dez da manhã, não prefere começar mais tarde? − Édna desviou tentando ganhar tempo. Tudo o que não desejava era uma discussão naquela manhã. − Como foi de viagem? − o olhar cobrou a atenção que ele não havia lhe dado até aquele momento.  Ângelo a olhou sério, preparou uma dose de vodka, mas não bebeu, e se aproximou mais sério. −  Ângelo! − Édna chamou irritada e recostou no sofá.  22


− Onde está Kaká? − Ângelo se sentou em frente a ela.  − Na escola. Ela tinha prova de matemática hoje. − Édna acompanhou o olhar dele, envolvido, direcionado para seu corpo. Depois de meses longe de casa, ela podia perceber o desejo dele no simples olhar que direcionava a suas pernas e seios.  − Não tinha como adiar? − perguntou, esquadrinhando as curvas bem formadas de sua mulher.  − Ela preferiu fazer a prova e, como tudo estava tão calmo pela manhã, achei que não haveria problemas. − olhou-o, estava mais bonito, o perfume de homem podia envolvê-la mesmo estando no outro sofá. Havia em Édna uma pueril cobrança. Ângelo se levantou irritado, a voz dele denotava cinismo e desconfiança. Aproximou-se dela com desejo. − Por que não me avisou?  − Está cansada de saber que quando chego em casa de viagem a única companhia que desejo é a sua! − segurou firme o corpo dela e a beijou com desejo e uma cobrança que não parecia justa, aos olhos dela.  − Se tivesse me avisado eu teria providenciado um momento exclusivo para você, mas resolveu chegar sem avisar, como um marido que desconfia da esposa... Exatamente como era previsto, Ângelo irritou-se e se desvencilhou dela após ser empurrado para longe.  − Não gosto desse joguinho. Mas se você quer ter um ataque de recém-casados. − deu de ombros, pegando a vodka e tomando de uma só vez... concluindo logo em seguida. − Eu topo discutir com você no dia do aniversário de 16 anos da nossa filha, só porque não quer uma transa no sofá... A palavra "transa" surtiu, sobre Édna, efeito contrário, pejorativamente aplicada para definir o que, para ela, sempre era um encontro de amor. A nomenclatura do casamento pode, muitas vezes, quebrar alguns degraus, tirar o amor da fila e colocar a casualidade.  − Uma transa no sofá! − Édna repetiu estranhamente atingida com as palavras dele. − Isso foi o que eu virei para meu marido. Uma transa no sofá! − estava preocupada com o julgamento dele enquanto sentavase no sofá.

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− E como quer que eu me sinta se chego em casa depois de três meses longe e você nem ao menos quer transar? − Apresentou uma face fadigada, estava mesmo chateado.  − Em outra época você não desistiria tão fácil. − Édna o interrogou, colocando as pernas sobre o sofá e inclinando o corpo de modo a deixar os seios bem à mostra, provocando-o. − Já teria arrancado minha roupa e não estaríamos discutindo.  Ângelo se sentou no outro sofá em frente a ela.  − Qual é o problema? − o olhar desejoso era para ela.  − O problema é que eu não quero ficar 15 dias com você e depois esperar por três meses ou mais. Satisfazê-lo, acompanhá-lo, tratá-lo bem e depois ficar só! Quem cuida de mim? − o olhar dela trocou a indignação pelo desespero. Édna partiu silenciosa em direção ao quarto.  Ângelo observou Édna desaparecer de seu olhar e percebeu o quanto devia ser difícil passar tanto tempo só. Levantou-se, foi até o quarto, abriu a porta lentamente e caminhou até ela na cama. Como estava triste... e como era possível ver dor em seu olhar lacrimejante. Não estava chorando, mas isso era só uma questão de toque. Assim que Ângelo colocasse suas mãos carinhosas sobre ela, tudo estaria consumado e as lágrimas seriam consequência. Ângelo se sentou e ao lado dela, lenta e delicadamente segurou em seu queixo erguendo-o.  − Eu já estou quase me aposentando, Édna, vamos ficar juntos! Vamos fazer nossa viagem pelo mundo e ter nossa vigésima lua de mel. − acariciou os cabelos dela e observou as lágrimas que caíam delicadamente do rosto alvo. Era uma mulher maravilhosa e Ângelo sabia disso... − Por favor, meu bem, não chore... − a abraçou. − Podemos falar sobre isso outra hora. Hoje é aniversário de nossa filha!  − Não existe amanhã com você, Ângelo. Eu posso acordar e não ter meu marido ao meu lado. − olhou séria para ele, já parando de chorar.  − Por que não volta a viajar comigo como antes? − ele sorriu, parecia ter encontrado uma solução.  − Não quero mais correr o mundo, como se eu não tivesse paradeiro. Sou brasileira, quero ficar no meu país. Apesar de já ter conhecido metade do mundo, é aqui que quero ficar. Além do mais, Karen... − Karen nada, podemos pagar uma preceptora. Estou cansado de ouvir você dizer que é por causa dela. Está pensando só em você. − Ângelo 24


olhou sério para ela. − Acha que é fácil pra mim? Fazer tudo sozinho, viver, representar meu país sozinho? Deixar minha filha e minha esposa sozinhas neste país que é, para mim, mais estranho do que qualquer outro, apesar de ter nascido nele? Como acha que me sinto? − segurou carinhosamente nos braços dela e delicadamente aproximou-se e começou a beijá-la.  Édna não mais resistiu. Sentiu a mão forte e decidida de Ângelo suspender rapidamente sua saia, enquanto intensificava o beijo. Meses sem sentir aquele homem viril, fogoso, tocá-la com força e vontade. Como ele poderia passar tanto tempo assim longe dela, se quando chegava sua fome de prazer era sem limites? Ângelo sempre fora ávido por conhecimento, interessado em aprender, conhecer o mundo e os povos, mas, intimamente, ela sabia que nada era para ele mais intenso e necessário que o sexo! Não como manifestação de necessidade de qualquer outro homem, mas como princípio básico de sobrevivência. Ângelo era ambicioso, visionário, inteligente, mas tinha em mente, cada vez que buscava uma promoção, a felicidade de sua família.  − Eu senti tanto sua falta nessa viagem... − As mãos dele pareciam quatro, tamanha necessidade em acariciar.  A blusa já estava aberta, Édna acesa e em êxtase, mas, de repente, ocorreu pela mente dele o fato de vê-la abraçada e tão íntima de Rafael... O que afinal havia entre eles? Uma dúvida desorientou seus gestos, o vazio se misturou ao medo de perdê-la. Um ciúme violento cobriu os gestos firmes, transformando todo desejo em frieza. Édna continuou o beijando ardentemente, requisitando todo amor para si, envaidecida e envolvida pelo vigor que emanava dele... até perceber que não estava mais sendo correspondida.  − Ângelo, o que há com você? − ela pronunciou arfante e em desalinho, afastando-se para olhá-lo e entender o gesto frio de repente.  − Desculpe-me, Édna. − passou a mão por sobre a cabeça enquanto se afastava. − Acho que estou um pouco cansado. − a voz dele denotava mentira. Não estava cansado, queria estar com ela, só com ela naquele momento, como sempre fazia quando chegava em casa. Uma leve desconfiança passou pelos olhos dele naquele instante, tentou esconder, só tentou. Ergueu a mão, mas foi inútil tentar tocá-la.  − Não! − a voz dela estava chocada e raivosa enquanto fechava a blusa e se dirigia por à porta. − Eu devo ser mesmo uma idiota, guardando 25


tanto desejo pra você. Esperando que você também guarde por mim. − os olhos ardiam em chamas de ciúme e sensibilidade. − Deve ter pelo menos umas três mulheres em cada país que viaja. E eu aqui esperando... − Édna! − Ângelo gritou, vendo que ela se afastava, mas não a seguiu.  Estava mesmo precisando resolver alguns pontos naquele casamento, que, para ele, ainda era bom e confortável. Seus sentimentos por Édna haviam mudado depois que não mais viajavam juntos. Sentia muito prazer com a companhia dela, admiração pela mulher que era e também mais desejo. Édna estava mais bonita a cada volta. A cada viagem, Ângelo tinha a certeza de que somente ele envelhecera e ela permanecia profundamente jovem, inteligente, pronta para a vida e para o amor. Quem era aquela nova mulher que ele tanto admirava e sentia que a cada dia perdia mais?  O conflito entre os países estava cada vez maior. Tudo que se podia esperar de um mundo em evolução eram guerras e crimes hediondos. Ângelo sabia bem o que representava para ele ter Édna e Karen no Brasil. Era a tranquilidade de poder circular sem se preocupar com as bombas, com ataques... mas era muito duro estar longe. Voltou à sala, olhou para o copo sobre a mesa e o observou. Como podia estar brigando, logo naquele dia tão especial... Como a vida poderia ter preparado tamanha cilada para eles dois?  O barulho de sapatos na escada fez com que erguesse levemente a cabeça e direcionasse os olhos.  − Você precisa comprar um terno para noite. Nada do que você tem aqui está à altura da festa que daremos. − o rosto dela estava sério, como se fosse comum falar assim com ele. A bolsa que Édna segurava demonstrava que estava pronta para sair e providenciar o que fosse preciso para que a noite estivesse impecável, como sempre era.  − Comprei um terno na vinda para cá e acabei comprando uns vestidos para você também. O vermelho é o que gostaria que você usasse essa noite, mas não precisa usar, se não quiser... − a voz dele estava baixa e os olhos levemente pousados sobre a expressão séria que ela insistia em sustentar.  − Se ele estiver adequado à esposa de um diplomata... − um leve tom de sarcasmo foi sentido.

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− Estará adequado a minha mulher... − o olhar era para ela, bem dentro dos olhos. − Seus presentes estão nas malas, no carro. Comprei um para cada dia que estive longe de você.  Édna aproximou-se dele com cautela e o olhou daquela maneira especial que as mulheres têm de olhar seus homens.  − Não quero nenhum presente, Ângelo. − ela respirou tensa. − Então, não vamos precisar comprar nada? Nem uma gravata? − Aguardou a resposta dele, que demorou.  − Édna, por que não olha para mim? − Ângelo permaneceu de pé. Quando Édna se virou novamente sentiu como se, naquele momento, Ângelo estivesse mais alto que o seu normal. − Tenho sentido, nessas últimas duas viagens, que você não está comigo quando volto.  − Eu? − ela permitiu que sua indignação se mostrasse em seu rosto. − Você chega sem avisar, não me beija, nem cumprimenta, expulsa nosso melhor amigo, desconfia de mim, me rejeita e eu é que estou diferente? − a voz alterou-se. − Há quase três anos, Ângelo, que eu vejo você partir para algum lugar do mundo, bem longe de mim, sem saber se você volta ou não, sem saber se está ou não pensando em mim ou em sua filha. Não existe nós, não mais, Ângelo... existe você, eu e Karen. Nosso amor virou o meu amor e o seu amor. Até seu desejo por mim está acabando... antes você não tinha tempo para bobagens e nem dava crédito ao ciúme. Antes eu era a sua mulher e você meu homem, o máximo que somos agora é companheiros.  − Que besteira é essa agora? − a voz firme dele entoou-se em todo espaço da sala. − Você acha que eu... ah! Édna, não dá nem para pronunciar... que loucura é essa? Eu nunca dei motivos para que pensasse isso. Eu... eu... Finalmente as cartas estavam na mesa.  − Está gaguejando, Ângelo, está se comprometendo. Não quero levar essa conversa adiante por nós dois. Não duvide de mim, não faça isso! Você tem mais perguntas a responder do que a fazer. − Édna ia se afastar, mas ele segurou com rapidez o braço frágil e retesado para aproximá-la.  − Eu não faria isso com você. − ele aproximou o rosto dela do seu e a olhou nos olhos, bem dentro dos olhos. − Acha que teria coragem de olhá-la como estou olhando e dizer que nunca faria isso com você e, muito menos, com o amor que sentimos um pelo outro?  27


Édna sentiu as mãos dele soltarem seu corpo, era como se o gesto também a afastasse dele. Quanto tempo estava se sentindo frágil, feia e sem atrativos para ele. Podia se gabar dos cuidados com todos os bens e propriedades que possuíam e que ficavam sob seus cuidados na ausência dele.  Enfermeira com mais de dez anos de prática, Édna estava sempre atenta a todas as coisas que aconteciam a sua volta. Era uma mãe zelosa e cheia de preocupações, apesar de Karen ser extremamente independente e enérgica. A educação da filha estivera aos seus cuidados, sua primorosa conduta e caráter eram precedentes que a capacitavam para tal função com louvor.  Correta e cheia de exigências consigo e com os outros, sabia como ninguém coordenar ideias, colocar eixo nas coisas e pessoas. Estava longe dos plantões há muitos anos, estava longe de seus sonhos e suas buscas para estar disponível para acompanhar Ângelo em qualquer parte do mundo que ele escolhesse.  Atenta à moda, aos toques de beleza que, bem aplicados, poderiam deixar qualquer mulher com aparência mais jovem. Queria estar bonita, diferente cada vez que ele voltasse para casa, queria, muito intimamente, que ele não se cansasse, que ainda a desejasse e tivesse tempo para ocupar-se do amor. Quando aguardava por ele, Édna sempre parecia ansiosa, não porque tivesse medo da chegada de um homem em sua casa, mas porque temia que ele voltasse e não estivesse igual, que seu olhar sobre ela envelhecesse, como ela estava envelhecendo... Ângelo perdia Édna de seus braços naqueles rápidos segundos. Ela o estava deixando, estava mais uma vez se esquivando de sua presença. Não queria que conversasse ou que ficasse com ele por obrigação. Por que Édna estava sempre tão bonita e tão jovem quando ele voltava? Olhando-se no espelho, Ângelo tinha sempre a nítida sensação de que o tempo só estava passando para ele e só para ele estava deixando marcas que, com certeza, o faria perder sua mulher. Será que ela já havia percebido como estava mais desejável a cada vez que ele voltava? O que ela fazia nas noites longas em que sentia a falta de uma companhia enquanto ele estava longe? Que sonhos tinha? Será que pensava em outros? Saía com outros? Os colegas de Karen sempre estavam na casa, sabia como eram os rapazes da idade deles, sempre olhando para mulheres mais velhas... Édna estava tão fresca 28


aos olhos dos homens, então por que estavam tão distantes e por que era tão difícil tocá-la, se ela estava tão especial?

− Você comeu alguma coisa na viagem? − a pergunta serviu para afastá-los daquele silêncio mórbido e sem precedentes que, por mais curto que fosse, os estava matando.  Uma hora havia se passado no silêncio sepulcral que os aninhava.  − Não. Não comi nada no avião... estava enjoado. − caminhou observando o andar dela em direção à cozinha.  A mesa de vidro e mogno claro estava gentilmente depositada no centro da cozinha, onde Ângelo se sentou enquanto Édna caminhava à geladeira. Antes que ela colocasse a toalha sobre a mesa, a porta bateu.  − Mãe! − a voz firme e carinhosa ressoou por toda casa. O coração de Ângelo acelerou... Quanta saudade estava de sua princesinha, quanta vontade tinha de abraçá-la e colocá-la no colo para cheirar seus bem cuidados cabelos castanhos.  − Estou aqui, Kaká, na cozinha... − Édna respondeu sorrindo, emocionada com as lágrimas nos olhos de Ângelo pela chegada da filha.  − Eu achei que você fosse... − sem pensar, Karen atirou-se nos braços do pai, que já estava de pé para abraçá-la. − PAI! Que saudade de você! Eu pensei que você não viesse! − Abraçava o pai com toda força de sua saudade.  − Minha bonequinha de louça! Te amo muito e senti saudade de você. − o abraço terminou, para que ela o beijasse desesperadamente no rosto, fazendo-o rir. − Calma, deixa um pouco para as outras mulheres do mundo que amam seu pai. − ele sorriu piscando para ela e provocando Édna. Karen sorriu beijando. − Só dona Édna pode beijar você e eu. − mais uma vez os beijos foram sucessivos.  − Filha... − Édna sorriu olhando aquela cena tão incomum aos jovens: amar e demonstrar o amor que sentem pelos pais. − Deixa seu pai respirar.  − Tá com ciúme, mãe? − Karen sorriu indo em direção à mãe, enquanto Ângelo sentava novamente na cadeira. − Eu beijo você também.  − Bom dia, filha! − Édna recebeu os beijos e, carinhosamente, abençoou a filha.  29


− Pai, você veio! − Karen sentou-se no colo do pai. − Mãe, ainda tem aquele bolo de chocolate com avelã que você fez?  − Tem sim, docinho, você quer? − Édna abriu a geladeira e pegou a bandeja de prata com o bolo negro e cheio de calda.  − Dá para o papai. − dirigiu-se então para ele. − Ela fez ontem, pai. Eu comi uns cinco pedaços. Eu não sabia que você vinha, senão tinha esperado para cortar com você. − ela sorriu vendo a mãe colocar o suco sobre a mesa. Karen olhou-a séria. − Você e essa sua mania de suco. Eu quero refrigerante, mãe, sabe que eu adoro.  − Sei, eu sei... vamos tomar suco por hoje. − o olhar dela era severo.  − Édna, meu bem, é aniversário dela. − Ângelo defendeu sorrindo. − Só hoje deixa ela tomar refrigerante. Você sabe que ela gosta.  − E você também, mas sei que os dois têm problemas no estômago por comerem errado e só gostar do que não é saudável. Essas manias de comer porcaria, Karen herdou de você.  − Só hoje, mãe, só hoje... O olhar amoroso de Karen fez com que Édna não tivesse argumentos. Os filhos têm esse poder máximo sobre o coração dos pais. Um olhar, um aceno, um sorriso e não há limites, regras ou reservas para a realização de desejos. Karen tinha os olhos cor de mel, como os de sua mãe, mas o sorriso enigmático herdara do pai e como ele, era muito simpática e generosa com as pessoas. Era uma jovem de bons modos e educação irrepreensível. Sua personalidade forte e decidida, que em muito lembrava Édna, colocava-a sempre à frente das meninas de sua idade. Falava fluentemente o Francês, o Espanhol, o Inglês e agora estava tendo aulas de cultura e língua árabe. Tocava flauta e cantava com leveza.  Estava quase terminando o Ensino Médio e, para alegria dos pais, formar-se-ia Professora, profissão que, aos olhos de Ângelo, era uma das mais dignas do mundo. Karen não necessitava de dinheiro, por isso o pai sabia que a escolha da profissão havia sido por amor, realização profissional e não por grandes lucros. O rosto oval e delicado dava a ela extrema sensação de inocência, mas o olhar e as palavras eram de uma mulher.  − Pode tomar o refrigerante. − Édna sorriu. − Mas só porque seu pai chegou e eu sei, ele vai fazer todas as suas vontades.  − Eu mereço, não é, mãe? − Karen sorriu. − Eu sou uma filha maravilhosa.  30


Ângelo e Édna se entreolharam sorrindo.  − Ela saiu a você, Ângelo, com certeza. − a voz de Édna era de satisfação.  − Pai, queria muito ir para o Marrocos com você desta vez. Estou estudando tanto sobre eles e acho que já poderia me comunicar com as pessoas na rua. − o olhar dela recaiu sobre o do pai, quase em súplica.  − Não, filha, você não pode ir agora, nessa nova viagem, vamos apenas eu e sua mãe. − a voz dele era segura, quando Édna concluiu que não era uma pergunta, e sim uma afirmação. Como ela iria para o Marrocos se não havia sido consultada? O olhar dela procurou com urgência por ele, que se recusou a olhá-la, tinha certeza de que aquele tema geraria muitos conflitos, que não poderiam se desenrolar na frente da Karen.  − Por que só a mamãe vai? Não é justo comigo, pai, ela nem quer ir. Quem vai ser o consultor sentimental de Dindo se mamãe sair do Brasil? − Karen pronunciou sem perceber as armas de que o pai precisava para iniciar sua guerra.  − Seu padrinho tem uma esposa. − a voz saiu firme e o olhar azul intenso estava em Édna. Tudo cautelosamente e de maneira que Karen não percebesse que os dois estavam duelando.  − Mas ele prefere a mamãe. − a voz sem maldade fez a frase ressoar com duplo sentido. O que queria dizer “prefere a mamãe”?  Os olhos de Ângelo estavam em brasa quando Karen deixou seu colo para tomar o refrigerante que Édna colocara sobre a mesa para ela. Olhou para a filha com doçura e tentou disfarçar sua decepção. Por que Édna estava tão silenciosa enquanto Karen vomitava aquelas informações? O que significava aquele silêncio?  Édna sentiu-se esfriar. Que olhar era aquele que Ângelo direcionava para ela? Pensava. A cada palavra de Karen, Édna tinha a sensação de que ele pularia da mesa em cima dela, lhe cobrando explicações.  − Então vocês vão em lua de mel. − o olhar de Karen era de soslaio e lascívia. − Por que não me disse logo, pai, que vocês queriam viajar sozinhos? Eu teria parado de insistir.  − Não vamos em lua de mel... − finalmente quando Édna se pronunciou as palavras eram de negatividade. Ângelo apertou os dedos e serrou os punhos como se desejasse esmagar um inseto em suas mãos. − Seu pai vai trabalhar... 31


Ele interrompeu: − Filha... seus presentes estão no carro. Vá buscá-los!  − Jura?  Ângelo sorriu vendo Karen correr alegre para a garagem. Os olhos dele pousaram então sobre Édna e com mais rancor que antes. Ela não poderia fugir nem se esquivar, não havia ninguém atrapalhando. Édna estava de pé e, com os olhos cheios de uma frieza que assustava, dirigiu-se a ele. A voz dela era exigente. Ele estava ali, pronto para atirar e ela a se defender.  − Pare de me olhar assim! − Édna virou-se raivosa. − Nós nunca brigamos num dia como hoje. Eu não quero que seja assim... Você está diferente, eu também estou, precisamos fazer alguma coisa. − Olhos de desespero foram oferecidos a ele, tinham que solucionar.  − O que mudou, Édna? − a voz continha mais medo que preocupação.  − Tudo mudou, Ângelo, tudo!  Édna ficou em silêncio por alguns instantes, queria encontrar um jeito claro que não fosse brutal de expressar o que estava sentindo, logo depois respondeu: − Acho que você nem me deseja mais... Ângelo sentiu um peso sair de suas costas, um alívio imediato surgiu em sua expressão, esperava que Édna dissesse qualquer coisa, menos que se sentia insegura. Estava justamente pensando que diria que já não o amava e que não mais o desejava. Que o achava velho demais e com muitas limitações para acompanhá-la, agora que a diferença de idade era tão clara entre eles.  Ela era tão jovem, linda, viva, que ele arrastaria caminhões por ela. Seu desespero era que ela estivesse insatisfeita com ele e não consigo mesma. O sorriso brotou nos olhos dele, ouvi-la dizer que estava com medo de perdê-lo, de não mais poder estar com ele, fazia com que sua felicidade fosse aumentada sem que ela pudesse entender a dimensão e alcance de suas palavras.  Os intensos olhos mel, tão claros quanto expressivos, cabelos castanho escuro em cortes que ela alternava a cada volta dele, um corpo que, com a vantagem da pouca altura, conservava boas e acentuadas curvas na cintura, largo quadril, pernas grossas e conservadas, seios que deixariam qualquer menina de quinze anos com vergonha de si mesma estavam lá, como um 32


presente para ele. A voz de Édna estava fria na espera que ele anunciasse um divórcio. Era tão claro o desinteresse dele, estranho e sem brilho.  Ângelo aproximou-se dela e, bem perto, mais uma vez sorriu. Estava mesmo feliz por ser só uma discussão e não a confirmação de um divórcio ou uma traição.  − Conversamos depois... − aproximou-se para beijá-la, mas ele recuou. O silêncio era a única decisão que não esperava ver ali, naquele momento tão decisivo aos dois.

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