Apostila de Novo Testamento III (Epístolas Gerais e Apocalipse)
Prof. Humberto Macharetti
STBC – Seminário Teológico Batista Carioca Ltda ME Rua Ferreira Borges, nº 54 – Campo Grande – RJ – CEP: 23.052-350 Tel.: 2412-2308 – e-mail: teologica@gmail.com CNPJ: 10.946.666/0001-90
2 SUMÁRIO
CADERNO DE LITERATURA JOANINA 1. A COMUNIDADE JOANINA E SUA LITERATURA ........................................ 7 1.1. Que é uma comunidade? .............................................................................. 7 1.2. História da comunidade joanina .................................................................... 9 1.1.1. Período precedente à composição do quarto evangelho (ca. 50 - 89) ....... 9 1.1.2. A época em que foi escrito o evangelho (ca. 90 d.C.) ................................ 10 1.1.3. A época em que foram escritas as epístolas .............................................. 11 2. GNOSTICISMO ................................................................................................ 12 2.1. O que é Gnosticismo? ................................................................................... 12 2.1.1. Quando o Gnosticismo foi importante? ...................................................... 13 2.1.2. Quais foram as principais escolas gnósticas? ............................................ 13 2.1.3. Quais foram as principais obras literárias do Gnosticismo? ....................... 14 2.1.4. Quais foram as principais doutrinas gnósticas? ......................................... 15 2.1.5. Ritos e práticas gnósticas........................................................................... 18 2.1.6. Os pais anti-gnósticos ................................................................................ 19 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 20 3. O QUARTO EVANGELHO .............................................................................. 22 PARTE 1: O LIVRO DOS SINAIS ........................................................................ 22 3.1. O problema da autoria ................................................................................... 22 3.1.1. O Corpus Joanino ...................................................................................... 22 3.1.2. Evidências internas .................................................................................... 22 3.1.3. Evidências externas .................................................................................. 23 3.1.4. Outros nomes ............................................................................................. 23 3.2. Data e local de composição .......................................................................... 23 3.3. Objetivo teológico e mensagem central......................................................... 24 3.4. O livro dos sinais ........................................................................................... 24 PARTE 2: O LIVRO DA PAIXÃO ........................................................................ 26 3.5.. Abrangência ................................................................................................. 26 3.6. Texto em discussão: o livramento da mulher pecadora (João 7.53-8.11) ..... 26 ESBOÇO DO LIVRO ............................................................................................ 27
3 4. AS EPÍSTOLAS JOANINAS ............................................................................ 28 4.1. O Problema Joanino - A dependência literária entre as epístolas joaninas e o quarto evangelho.................................................................................................. 28 4.2. O problema da autoria ................................................................................... 29 4.3. A dissidência joanina e sua heresia .............................................................. 30 4.4. A resposta do autor das epístolas ................................................................. 30 4.5. A escatologia das epístolas ........................................................................... 31 4.6. Texto em discussão - o Coma Joanino ......................................................... 31
CADERNO DE LITERATURA APOCALÍPTICA LITERATURA APOCALÍPTICA DO NOVO TESTAMENTO ............................... 34 1.1. Apocalíptica, uma revisão ............................................................................. 34 1.1.1. A literatura apocalíptica do Novo Testamento ............................................ 35 1.1.2. O pequeno apocalipse dos evangelhos sinópticos ..................................... 35 1.1.3. Ideias apocalípticas em Paulo .................................................................... 36 1.1.4. Ideias apocalípticas na literatura joanina.................................................... 37 1.1.5. Apocalipse de João .................................................................................... 37 O APOCALIPSE DE JOÃO ................................................................................. 38 2.1. AUTORIA ...................................................................................................... 38 2.1.1. Evidências externas ................................................................................... 38 2.1.2. Evidências internas .................................................................................... 38 2.1.3. Tempo de composição ............................................................................... 39 2.1.4. Destinatários .............................................................................................. 40 2.1.5. Objetivo Teológico ...................................................................................... 40 2.1.6. Estrutura ..................................................................................................... 40 2.2. Parte epistolar profética................................................................................. 40 2.3. Parte apocalíptica .......................................................................................... 41 DIVISÕES DO APOCALIPSE (conforme bíblia vida nova) .............................. 42 DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA ESCATOLOGIA CRISTÃ ..................... 43 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 43 3.1. A escatologia do período sub-apostólico ....................................................... 43 3.2. A escatologia agostiniana ............................................................................. 44 3.3. A escatologia da Reforma Protestante .......................................................... 44 3.4. A escatologia futurista ou pré-milenista. ........................................................ 45
4 3.5. O método da formação histórica ................................................................... 46 3.6. A escatologia pós-milenista ........................................................................... 46 3.7. Posição dos batistas brasileiros .................................................................... 46 UM ENSAIO DE INTERPRETAÇÃO DO APOCALIPSE - OS NÚMEROS ......... 48 4.1. OS NÚMEROS INTEIROS ............................................................................ 48 4.1.1. Um, o número de Deus .............................................................................. 48 4.1.2. Dois, o número do testemunho .................................................................. 48 4.1.3. Três, o número da obra completa .............................................................. 48 4.1.4. Quatro, o número do mundo ...................................................................... 50 4.1.5. Sete, o número da plenitude ...................................................................... 51 4.1.6. Dez, o número do homem .......................................................................... 51 4.1.7. Doze, o número do povo de Deus .............................................................. 52 4.1.8. Seiscentos e sessenta e seis, o número do mal ........................................ 52 4.1.9. Mil, o número das coisas inumeráveis........................................................ 53 4.2. OS NÚMEROS FRACIONÁRIOS ................................................................. 53 4.2.1. Um quarto, o número da menor parte ........................................................ 53 4.2.2. A divisão assimétrica (um terço e dois terços) ........................................... 53 4.2.3. A divisão simétrica: três e meio .................................................................. 54
EPÍSTOLAS GERAIS EPÍSTOLA AOS HEBREUS ................................................................................ 56 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 56 1.1. Autoria ........................................................................................................... 56 1.2. Evidências externas ...................................................................................... 56 1.3. Evidências internas ....................................................................................... 57 1.4. Destinatários ................................................................................................. 58 1.5. Data ............................................................................................................... 58 1.6. Propósito - uma advertência contra a apostasia ........................................... 58 O CONTEÚDO DA EPÍSTOLA (segundo a bíblia vida nova) ........................... 59 EPÍSTOLA DE TIAGO ......................................................................................... 60 2. AUTORIA ......................................................................................................... 60 2.1. Destinatários ................................................................................................. 61 2.2. Tempo e local de composição ....................................................................... 61 2.3. Estilo literário e propósito teológico ............................................................... 61 ESBOÇO .............................................................................................................. 62
5 PRIMEIRA EPÍSTOLA DE PEDRO ..................................................................... 63 3. AUTORIA ......................................................................................................... 63 3.1. Autoria Petrina ............................................................................................... 63 3.2. Pseudonímia ................................................................................................. 64 3.3. Destinatários ................................................................................................. 64 3.4. Data e local de composição .......................................................................... 64 3.5. Objetivo teológico .......................................................................................... 64 ESBOÇO .............................................................................................................. 65 EPÍSTOLA DE JUDAS E SEGUNDA EPÍSTOLA DE PEDRO ............................ 62 4. DEPENDÊNCIA LITERÁRIA ........................................................................... 62 4.1. Autoria ........................................................................................................... 67 4.2. Objetivo Teológico ......................................................................................... 67 4.3. Canonização ................................................................................................. 67
CADERNO DE LITERATURA JOANINA
Prof. Humberto Macharetti Semin谩rio Teol贸gico Batista Carioca Rio de Janeiro 2010
1. A COMUNIDADE JOANINA E SUA LITERATURA Objetivos Instrucionais 1. Conceituar Literatura Joanina. 2. Conceituar comunidade e escola como unidades estruturais básicas no Cristianismo primitivo. 3. Expor resumidamente com suas próprias palavras a história da formação da comunidade joanina. 4. Explicar o que entende por baixa cristologia e alta cristologia. 5. Identificar a origem da alta cristologia joanina e caracterizar o tipo de conflito que ela originou no relacionamento dos crentes joaninos com os judeus. Leituras Recomendadas BROWN, R. E. Introdução ao Novo Testamento, São Paulo, Paulinas, 2004. Capítulo 11: Evangelho segundo João, Capítulo 12: Primeira epístola (carta) de João. CARSON, D. A., MOO, D.J & MORRIS, L. Introdução ao Novo Testamento, São Paulo, Vida Nova, 1977. Cap.5 – João. HALE, B. D. Introdução ao estudo do Novo Testamento, Rio de Janeiro, JUERP, 1983. Cap. 7 - O Evangelho Segundo João. KÜMMEL, W. G. Introdução ao Novo Testamento, São Paulo, Paulinas, 1982. Parágrafo 10 - O Evangelho de João. TENNEY, M. C. O Novo Testamento, sua origem e análise, São Paulo, Vida Nova, 2a edição, 1989. Cap. X - O Evangelho de João.
Leituras Adicionais BROWN, R. E. A comunidade do discípulo amado, São Paulo, Paulinas, 1983, 209 pp. COTHENET, E.; DESSAULT, L.; LEFORT, P. & PRINGENT, P. Os escritos de São João e a Epístola aos Hebreus. São Paulo, Paulinas, 1988. 360 pp.
1.1. Que é uma comunidade? Ao conjunto de livros formado pelo quarto evangelho e pelas epístolas joaninas (I João, II João e III João) chamamos de Literatura Joanina. A interpretação desta literatura tem como requisito natural o estudo do processo histórico de sua formação e este, por sua vez, tem como requisito o estudo da história do nascimento, crescimento, apogeu, declínio e colapso da comunidade joanina. Para entendermos o que designamos por comunidade, em geral e por comunidade joanina, em particular precisamos rever nossa conceituação de Cristianismo Primitivo. A comunidade cristã do primeiro século nunca foi, como vinha se acreditando há muito tempo, formada por um grupo unitário de igrejas em termos de doutrinas e de práticas religiosas. Pelo contrário, os cristãos do primeiro século formavam um grupo heterogêneo que estava estruturado em comunidades - grupos de igrejas - que guardavam em comum, além de sua origem histórica, o respeito a um mesmo líder e um repertório limitado de doutrinas e de práticas religiosas. 1 Esse repertório doutrinário de cada uma das comunidades diferia bastante dos repertórios das outras comunidades congêneres com as quais ela se identificava apenas pela 1
A maior parte dos livros do Novo Testamento foi escrita no último terço do Século I. Este período, que Brown, R.E. (As Igrejas dos Apóstolos,
São Paulo, Paulinas,1986) chama de "período sub-apostólico", se caracterizou pela organização das igrejas em comunidades centralizadas na pessoa de um apóstolo. Mais tarde as igrejas locais foram adquirindo maior autonomia.
aceitação de um núcleo doutrinário comum denominado kerygma apostólico, uma espécie de profissão de fé primitiva que definia um programa mínimo de Cristianismo. Moule2 nos declara que: Um viajante, logo depois da metade do primeiro século, por exemplo, lá pelo ano 60, que fosse de Jerusalém para Éfeso, encontraria uma variedade notável de doutrina e prática entre comunidades que, não obstante, reivindicavam todas estar relacionadas com Jesus de Nazaré. Em qualquer lugar da Judéia, ele poderia encontrar o círculo de Tiago, irmão do Senhor, que ainda prestava culto numa sinagoga cristã, formada de judeus praticantes, que também criam em Jesus como o Messias de Deus, mas que podiam ter progredido muito pouco com respeito à formulação da doutrina da divindade de Jesus: o cristianismo do tipo ebionita caracterizava-se por uma reduzida cristologia. E que podemos dizer a respeito do tipo de cristianismo que se desenvolveu em Samaria? Provavelmente, tinham lá em alta conta o nome de João Batista (cuja missão tinha sido intensa naquela região, e cujo túmulo talvez eles orgulhosamente custodiavam) e recolheram tradições, muitas das quais estão agora incorporadas no Quarto Evangelho. Eles concebiam Jesus como aquele que estava para vir, isto é, o profeta como Moisés. Na cosmopolita Antioquia (ainda que para julgar a partir de não mais que as referências a ela no Novo Testamento, sem considerar a sua história posterior) poder-se-ia encontrar uma notável variedade de tipos de comunidade, ou seja, gentílicas, judaicas, judaizantes, helenizantes, com diferentes formas de cristologia; enquanto que, se nosso viajante seguisse pelo vale do Lico, encontraria uma estranha amálgama de astrologia oriental, de legalismo judaico e de crenças cristãs (cf. a carta aos Colossenses e comentários a respeito). Ao fim de sua viagem, ele estaria preparado para a fervilhante diversidade de Éfeso, onde as igrejas paulinas estavam sendo invadidas rapidamente pelo antinomismo, pelo cristianismo do tipo joanino (Cf. Atos 20.29ss, Apocalipse 2.1ss, O Evangelho e as Epístolas de João). Se, depois tomasse um navio de Mileto para Alexandria, ele mesmo podia ver-se confrontado ali com uma ulterior variedade de comunidades cristãs, ou, se ele já as tivesse encontrado em Éfeso, ou em qualquer outro lugar, nesta cidade elas estariam até mais concentradas e com uma fisionomia mais definida (cf., por exemplo, Hebreus e Atos 18.24ss). Finalmente, em Roma, ele poderia encontrar toda a sorte de tendências se acotovelando umas às outras; eram as sinagogas cristãs judaizantes; as espécies de gnósticos mais liberais dentre os liberais, muito mais próximas do culto de mistérios do que do Israel de Deus; congregações petrinas e paulinas, e tudo mais (cf. Fl. 12.17 e as impressões de Rm. 15.20).
Essa heterogeneidade doutrinária fica bem patente quando examinamos a vida de igrejas de grandes metrópoles como a de Corinto3 cuja congregação era composta de crentes de diferentes origens e diferentes práticas religiosas: Uns eram de Pedro, outros de Paulo (igreja apostólica), outros de Apolo (comunidade joanina) e outros de Cristo (I Co 3.1-7). Na sua primeira epístola aos Coríntios o apóstolo Paulo tentou, por meio de restrições e de concessões parciais, estabelecer um denominador comum que permitisse a irmãos que divergiam com tal intensidade conviver e comungar sob um mesmo teto4. Para atingir tal objetivo era estritamente essencial saber distinguir o cerne da doutrina cristã dos seus ramos supérfluos que 2 3
Moule, C.F.D., "As origens do Novo Testamento", São Paulo, Paulinas, 1979. v. pp. 175 -177. Das formas de vida dos cristãos resulta um espectro que se estende desde um hebraico-cristianismo aramaico, passando por um cristianismo
judaico-helenista até um cristianismo gentílico-helenista. Sob o ponto de vista sociológico, porém ele não se apresenta geralmente como distribuição temporal e espacial sobre comunidades e grupos de comunidades, mas como correntes que, em grande parte, correm paralelas. Como se podem constatar nos partidos de Jerusalém (At. 6.1) e de Corinto (I Co. 1.11 s), essas correntes surgiam, na maioria das vezes, em um mesmo lugar. Leonhard Goopelt, "Teologia do Novo Testamento", São Leopoldo, Sinodal/Vozes,1982, 2o Vol. p. 313.
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Paulo foi o grande artífice da unificação do Cristianismo primitivo. Por ser homem de formação eclética, versado tanto na filosofia dos gregos,
quanto na sabedoria dos judeus, conseguia entender e aceitar sem preconceitos crentes das mais diversas raças e culturas. Para ele não poderia haver diferenças na igreja porque: não há grego nem judeu, circuncisão nem incircuncisão, bárbaro, cita, escravo ou livre, mas Cristo ‚ tudo em todos (Co 3.11). Pois quem faz injustiça receberá a paga da injustiça que fez; e não há acepção de pessoas.(Co 3.25)
podiam ser podados sem prejuízo para ninguém. Aceita-se hoje que a existência de várias comunidades - diríamos em termos atuais, a existência de várias denominações - dentre os cristãos primitivos foi um dos fatores determinantes do surgimento e da canonização da literatura constituinte do Novo Testamento. Cada comunidade contribuiu pela composição de um ou mais livros. A contribuição particular da comunidade joanina está constituída pelo quarto evangelho e pelas três epístolas que levam o nome do apóstolo do amor. Cada comunidade era constituída por uma igreja-mãe onde ficava o seu líder principal e de várias igrejas-filhas onde ficavam líderes regionais. O primeiro líder de cada comunidade foi um apóstolo - no sentido mais amplo do significado desta palavra, um missionário cristão - o qual, após sua morte, foi sucedido por um bispo ou um presbítero. O apóstolo e os seus sucessores eram os guardiões da fé‚ num tempo em que ainda não havia um Novo Testamento escrito. Em seu conjunto, os líderes da comunidade formavam uma escola5. Aceita-se hoje que o discípulo amado (João 21.24) foi o fundador da escola joanina e que seu primeiro sucessor foi o presbítero (II João vs.1). Esse panorama - um cristianismo dividido em comunidades - perdurou durante o século primeiro. A partir do segundo século, em decorrência da distância cada vez maior que os cristãos ficavam dos primitivos, tanto no tempo quanto no espaço, e também por causa do desenvolvimento de uma palavra escrita resultante da junção dos diversos corpi, as igrejas locais foram se tornando cada vez mais independentes ficando as responsabilidades de interpretação da palavra escrita com o bispo de cada uma delas. 1.2. História da comunidade joanina A história da comunidade joanina não ficou explicitamente registrada em nenhum livro. Ela é reconstituída pela leitura das entrelinhas do quarto evangelho. Esse fato faz com que o conhecimento dos problemas tratados no quarto evangelho seja indispensável à interpretação das epístolas joaninas que são um ‘instantâneo' de um período de vida da comunidade. Vários autores têm tentado a recomposição dessa história e, infelizmente, em decorrência da exigüidade de dados, não tem chegado a resultados absolutamente concordantes embora todos eles usem metodologias de trabalho absolutamente corretas. Alguns pontos, entretanto, estão bem firmados nesta história. Vejamos a reconstituição de Brown:6 1.1.1. Período precedente à composição do quarto evangelho (ca. 50 - 89) 1. A semente primitiva da comunidade joanina está constituída por discípulos de João Batista. Eles eram judeus palestinos (hebreus) que atenderam ao apelo profético de João e que, diante da indicação deste (Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo), não tiveram qualquer dificuldade em aceitar Jesus Cristo como o Messias. 2. Muito cedo esse grupo foi engrossado por egressos da comunidade de Qumran,7 que viviam às margens do Mar Morto. A adesão desses discípulos à comunidade pode ser explicada tanto pela proximidade geográfica quanto pela 5
O fenômeno de transmissão de verdades religiosas por meio de escolas está muito bem estudado para o profetismo veterotestamentário. Elias
e Eliseu foram profetas de uma mesma escola. Fala-se hoje no livro da escola do profeta Isaías (V. Joseph Schreiner, "O livro da escola de Isaías" in Schreiner, J., Ed., "Palavra e Mensagem - Introdução Teológica e Crítica aos Problemas do Antigo Testamento", São Paulo, Paulinas,1978.
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Brown, R. E. "A comunidade do discípulo amado", São Paulo, Paulinas, 1983. Para maiores informações sobre a comunidade de Qumran, consultar as seguintes obras: 1- Talmon, Shemariahu, The New Covenanters of
Qumran, Scientific American, 225(5), 72 - 81, 1971. 2- Orrú, G., Os manuscritos de Qumran e o Novo Testamento,São Paulo, Vida Nova,1993. e 3- Poully, J. Qumrã, São Paulo, Paulinas, 1992.
afinidade doutrinária. Essa comunidade se constituía de uma população dissidente formada no período de governo dos Asmoneus (Século II a.C.) que se acreditava ser o único e legítimo Israel de Deus e que aguardava a chegada de dois messias, um levítico e outro davídico. No meio deles se encontrava um discípulo dotado de virtudes naturais de liderança que ficou sendo conhecido pelo cognome de discípulo amado. Provavelmente este discípulo assumiu a liderança no meio dos cristãos de sua comunidade depois da morte de Jesus Cristo. É hoje largamente aceita a hipótese de trabalho que afirma que o discípulo amado não era outro senão o apóstolo João, filho de Zebedeu. A contribuição teológica deste grupo à comunidade joanina foi, especialmente, o dualismo que aparece freqüentemente no quarto evangelho: Luz e trevas, cristãos e mundo, verdade e falsidade, o que está em cima e o que está em baixo etc. Alguns historiadores admitem, com base na proximidade geográfica, que o próprio João Batista, antes de sua chamada profética, teria sido um participante da comunidade de Qumran (um essênio). 3. O terceiro contingente que se juntou aos dois originais está constituído pelos judeus helenistas da diáspora. Eles eram chamados de helenistas porque sua língua de nascimento era o Grego, não conheciam nem o Hebraico (Língua primitiva dos judeus) nem o Aramaico (Língua oficial no período da dominação Persa). Eles diferiam dos judeus palestinos por não mostrarem qualquer apreço pela religião oficial estabelecida em Jerusalém (templo e sacerdócio) e por não compartilharem com eles nenhuma aversão pelos samaritanos. Muitos deles, depois de convertidos, entraram em conflito com a liderança política e religiosa de Jerusalém e se mudaram para Samaria onde iniciaram uma campanha evangelística que resultou em muitas conversões. Isso ocorreu depois da morte de Estevão. O líder na evangelização da Samaria foi o helenista Filipe. 4. Os samaritanos se constituíram no quarto contingente formador da comunidade (João 4). Sua contribuição especial à teologia do grupo foi a sua alta cristologia 8. Eles, da mesma forma que os helenistas, aguardavam um messias celestial preexistente que dominava toda a sabedoria e que viria comunicar essa sabedoria aos homens (João 4.25, 12.34, 16.30). Essa aceitação da alta cristologia provocou uma dissensão irreconciliável entre os joaninos e os líderes do Judaísmo Palestino. Estes acusaram os crentes joaninos de estarem adorando outro Deus (politeísmo) em desrespeito às escrituras (Deuteronômio 6.4) e, por esse motivo, os expulsaram das suas sinagogas. 1.1.2. A época em que foi escrito o evangelho (ca. 90 d.C.) No tempo em que o quarto evangelho foi escrito a Comunidade Joanina, sediada em Éfeso, província da Ásia, estava enfrentando os efeitos de um problema muito sério: Seus constituintes - que não haviam ainda compreendido a necessidade de deixar de serem judeus, tinham sido expulsos das sinagogas sob a acusação de politeísmo, isto‚ de estarem adorando outro Deus porque ensinavam a pré-existência de Jesus, como referido acima. No quarto evangelho, mais que em qualquer outro escrito neotestamentário, encontramos a defesa da alta cristologia pela afirmação da encarnação do Verbo eterno (João 1.1-14). Pela leitura deste evangelho entendemos que Jesus, embora humano, é perfeitamente divino. O quarto evangelho mostra Jesus envolto em uma atmosfera gloriosa do princípio até o fim de 8
Chamamos de alta cristologia a concepção teológica que admite a pré-existência de Jesus Cristo e, por conseguinte, a sua divindade. Por
outro lado, a baixa cristologia só admite a sua humanidade. A diferença fica evidente quando comparamos os testemunhos de João Batista a respeito de Jesus que podem ser recuperados dos evangelhos sinópticos e do quarto evangelho. Neste último, a diferença dos sinópticos, João declara que Jesus era maior do que ele porque já existia andes dele ter começado a existir.
suas narrativas. Muito embora nessa época os joaninos já houvessem adotado, de conformidade com a sua tradição teológica, uma visão dualista do mundo que dividia os homens em apenas dois grupos - os que estão nas trevas e os que estão na luz - eles já faziam distinções em cada um dos grupos mencionados. Eles criam ser os cristãos mais perfeitos (e quem não o crê?) mas admitiam a existência de outros grupos de cristãos que compartilhavam com eles algumas de suas doutrinas e que precisavam ser instruídos para chegar ao completo conhecimento da verdade. Os que estão de fora, precisando, portanto ser ou evangelizados ou combatidos, também podem ser divididos em vários grupos. Vejamos como os joaninos faziam estas divisões. A leitura atenta do quarto evangelho nos permite identificar quatro grupos de cristãos: 1. Os crentes joaninos, como o discípulo amado, que eram os mais nobres porque nunca abandonaram o Mestre. 2. Os crentes da Igreja Apostólica, ligados a Pedro, que não eram to perfeitos quanto os joaninos porque não ficaram ao lado de Cristo no momento de seu sofrimento, mas o negaram e se afastaram dele (João 13.36-38). 3. Os cripto-cristãos, como José de Arimatéia (João 19.38), que criam em Jesus, mas não revelavam sua crença publicamente por medo de serem expulsos da sinagoga (João 12.42). 4. Os cristãos de fé inadequada, como os irmãos de Jesus (João 7.3-5) que não aceitavam toda a liturgia convencional e como aqueles outros que se afastaram de Jesus depois de haverem ouvido o discurso a respeito da eucaristia (João 6.60-66). Alem dos cristãos, que eram aliados, havia os adversários. Uma vez que o que o quarto evangelho tem um propósito apologético, a identificação dos adversários ‚ essencial à sua compreensão. De sua leitura podemos inferir a existência de alguns grupos de adversários, que ainda permaneciam nas trevas: 1. Os batistas - discípulos de João Batista que ainda não haviam se convertido e que faziam oposição aos membros da comunidade. Entendemos a sua oposição pela ênfase do evangelho em afirmar que João era menor que Jesus. 2. Os judeus não convertidos que perseguiam os crentes (João 9), em sua maioria, líderes das sinagogas que foram responsáveis pela expulsão dos Joaninos. 3.
O mundo - gentios não convertidos que fazem oposição ao evangelho.
1.1.3. A época em que foram escritas as epístolas O período em que foram escritas as epístolas joaninas está marcado pelo surgimento de uma dissidência muito grave dentro da própria comunidade. Surgiram homens que abraçando uma teologia gnóstica, ensinavam que Jesus Cristo não tinha experimentado uma vida real na carne, que sua vida carnal foi apenas uma aparência. É o que conhecemos pelo nome de docetismo. Além disso, os dissidentes ensinavam a doutrina da impecabilidade do crente e levavam os crentes ao desespero ensinando uma escatologia plenamente realizada que não lhes deixava nada a esperar. Essa dissidência levou à dissolução da comunidade. Os inimigos de dentro são mais perigosos que os de fora.
2. GNOSTICISMO Objetivos Espera-se que, ao final da leitura deste texto, você seja capaz de: 1.
Conceituar Gnosticismo e Docetismo.
2. Delimitar o período histórico em que esta religião interagiu com o Cristianismo, 3.
Listar as principais escolas gnósticas evidenciando suas particularidades,
4.
Listar os principais autores gnósticos com suas obras,
5.
Descrever sucintamente as principais doutrinas práticas e ritos gnósticos,
6.
Listar os principais anti-gnósticos com respectivas obras.
Bibliografia sugerida BOCK, D. L. Os Evangelhos Perdidos: A verdade por trás dos textos que não entraram na Bíblia, Trad. Emirson Justino, Rio de Janeiro, 2007. 275 p. Gnosticismo,
http://www.mb-soft.com/believe/ttnm/gnostici.htm
HISTÓRIA DO CRISTIANISMO I – FTBC - UM BLOG PARA OS ALUNOS DA FACULDADE TEOLÓGICA BATISTA DE CAMPINAS DO CURSO DE HISTÓRIA DO CRISTIANISMO I COM O PROFESSOR LUIS FELIPE MENDES DO NASCIMENTO -
http://historiadocristianismoiftbc.blogspot.com/ KRUM-HELLER, A. , A Igreja Gnóstica – Tradição Huiracocha, Tradução de Ziéde C. Moura, São Paulo, Madras, 2007. 158 p. PAGELS, E. Os Evangelhos Gnósticos, Tradução de Marisa Marta, Rio de Janeiro, Objetiva, 2006. 246 p.
2.1. O que é Gnosticismo? O nome Gnosticismo deriva da palavra grega “gnosis” (gnosis) que significa conhecimento revelado de caráter esotérico, em contraste com o conhecimento empírico e experimental (episteme)9. Podemos conceituar o Gnosticismo como um sistema filosófico e religiosos no qual a salvação é alcançada pelo conhecimento de nomes e fórmulas mágicas que o adepto usará após a morte, na viagem de retorno para suas origens. O Gnosticismo da atualidade é organizado na forma de sociedade secreta de cunho esotérico, análogo e relacionado à Ordem Rosa-cruz, à Teosofia e à Maçonaria. Ensinavam os adeptos deste sistema religioso que o homem, cujo espírito se origina do pleroma10, deve após a morte, quando se libera da escravidão da matéria, empreender uma viagem de retorno às suas origens. Nessa viagem ele deverá
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Procurando salvar o homem não pelo reconhecimento e submissão a Deus, mas pelo conhecimento e pela "ciência do bem e do mal", a gnose
ao mesmo tempo é um ateísmo prático e uma forma de racionalismo. "Concretamente, escreve o prof. Drago Romano, o gnosticismo que contaminou nossa civilização é uma forma herética do Cristianismo. Os gnósticos tinham conhecimento do dado revelado mas dele serviam-se como matéria a ser informada pela racionalidade e até pela imaginação para [...] produzir cosmologias e antropologias fantasiosas" A GNOSE E A "MORTE DE DEUS" Hélio
Drago Romano http://www.permanencia.org.br/revista/filosofia/drago3.htm Pleroma é considerado como Plenitude, o Todo, Tao. Acredita-se que sua definição esteja além da compreensão humana, pois os antigos 10 gnósticos o descrevem como o Nada. Entretanto não é o mesmo Nada que nós estamos acostumados a idealizar, mas sim algo que está além da percepção humana, um Estado de não-ser, algo divino, além do Ser. Daonde os Deuses nascem, são conscientes da sua divindade e começam a ter noção da grande obra do Inefável, o Infinito, o Universo e do mesmo. Por fim, denotando o pleno, ou campo transcendente da realidade divina, do qual, por emanação, toda existência manifesta-se, originou e para onde está destinada a volta (www.wikipedia.org)
enfrentar a oposição dos governantes das sete esferas celestes11, os arcontes, que tentarão impedir a sua reintegração no pleroma12. Para ser bem sucedido nesta viagem o espírito deveria conhecer os nomes dos arcontes e as fórmulas mágicas que seriam usadas para iludi-los e conseguir a passagem para a esfera superior. Essas fórmulas mágicas, segundo os mestres gnósticos, haviam sido reveladas aos primeiros líderes pelo “redentor que veio do céu”, atravessando as sete esferas, e que só poderiam ser reveladas aos iniciados de sua escola. Dessa forma, o Gnosticismo pode ser conceituado essencialmente como uma religião de mistério, ou esotérica, que distinguia os iniciados dos não iniciados. 2.1.1. Quando o Gnosticismo foi importante? O Gnosticismo floresceu especialmente entre os séculos II antes de Cristo e o século V da era cristã. Suas influências no Cristianismo se fazem sentir especialmente a partir das três últimas décadas do primeiro século. O Gnosticismo propagou-se no mundo helenístico praticamente à reboque do Cristianismo e interagiu com ele ativa e passivamente. É possível encontrar alguma influência gnóstica na igreja de Corinto por volta do ano 50, mas seu desenvolvimento mais expressivo só se deu no final do primeiro século. Em decorrência de sua tradição sincrética o Gnosticismo interagiu ricamente com o Judaísmo do segundo templo e com o Cristianismo nascente. É interessante considerar que o Gnosticismo identificou o seu “redentor que veio do céu” com figuras do messias judaico e com o próprio Jesus Cristo. A escola docética13, especialmente, mostrava Jesus como um personagem que desceu do céu para esclarecer a humanidade. Essa escola deixou a sua influência marcada especialmente na literatura joanina14 onde Jesus é apresentado como o “salvador do mundo”.15 2.1.2. Quais foram as principais escolas gnósticas? São descritas duas origens para o pensamento gnóstico: Antioquia (Síria) e Alexandria (Egito). Estas foram duas metrópoles importantes no período de influência helenística que se sucedeu à morte de Alexandre, o grande. A partir destes centros de influência política e filosófica da antiguidade surgiram quatro escolas de pensamento gnóstico: Siríaca, Alexandrina, Dualista e Antinomiana. Cada uma destas escolas desenvolveu nomenclaturas, doutrinas e práticas particulares. O Gnosticismo, da mesma forma que o Cristianismo primitivo, apresentava uma grande diversidade de doutrinas e de liturgias. 1.
11
A escola siríaca, originada na Ásia ocidental, é a mais antiga de todas. Dela participaram pessoas como Simão mago, Menandro, Cerdo e Cerinto16. Os grupos conhecidos como ofitas, naasenos17 e ebionitas também se filiavam a As sete esferas correspondem aos sete corpos celestes conhecidos na ocasião: Lua, Sol, Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno, Para os
gnósticos cada um deles é governado por um príncipe ou arconte cuja função é dificultar a reintegração do espírito ao pleroma a qual ocorre após a morte.
12
Efésios 6.10-12 - Quanto ao mais, sede fortalecidos no Senhor e na força do seu poder. Revesti-vos de toda a armadura de Deus, para
poderdes ficar firmes contra as ciladas do diabo; porque a nossa luta não é contra o sangue e a carne, e sim contra os principados e potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões celestes.
13
Esta escola é chamada docética por não admitir a realidade da humanidade de Jesus Cristo. Para eles, essencialmente dualistas, o espírito do
“redentor que veio do céu”, essencialmente bom, nunca poderia habitar em um corpo de matéria que era essencialmente má. Dessa forma, a vida de Jesus na carne não era real ma s apenas aparência (Gr. Dokéo).
14 15 16 17
“Eu sei, respondeu a mulher, que há de vir o Messias, chamado Cristo; quando ele vier, nos anunciará todas as coisas.” (João 4.25). João 4.42 e I João 4.14. Cerinto foi contemporâneo do autor do quarto evangelho e parece ter sido o motivador de sua composição. Adoradores de serpentas.
esta escola. Sua cosmogonia18 ensinava que o mundo havia sido criado por 7 anjos demiurgos a partir da matéria (hylos) pré-existente e que o homem foi feito por um deles que identificavam como Deus dos Judeus. O Bom Deus, por piedade, dotou-o com a centelha da vida que é o espírito. 2.
A escola helenística, originária de Alexandria no Egito, era essencialmente dualista. Seus representantes mais conhecidos foram Basileus e Valentino. Eles ensinavam a existência de uma divindade andrógena que era, ao mesmo tempo “O Bom Deus” e “A mãe luminosa”. Essa divindade gerava emanações aos pares ( Um macho e uma fêmea) que eram divindades menores (hipóstases) que ajudavam a preencher a distância entre o Bom Deus e o homem.
3.
A escola dualista teve como principais representantes Potitus, Basiliscus e Lucanus que eram discípulos de Marcion, aquele que, pela primeira vez elaborou uma lista com os livros sagrados do Novo Testamento. Eles ensinavam que o Deus de Jesus Cristo não era o mesmo Deus do Antigo Testamento. Enquanto este era um demiurgo, o Deus de Jesus era o Verdadeiro Deus.
4.
A escola antinomiana (adversária da lei) é representada pelos nicolaítas citados no Apocalipse de João19. Ensinavam que a Lei e a Moral foram impostas pelo Deus dos judeus que, segundo eles, não era o verdadeiro Deus. Por esta razão não estavam obrigados a observar nenhuma das duas. Suas vidas eram completamente desregradas e libertinas.
2.1.3. Quais foram as principais obras literárias do Gnosticismo? Muitas das obras que hoje conhecemos como pseudepígrafas20 do Novo Testamento são de natureza gnóstica: O evangelho de Tomé, chamado Dídimo, O evangelho da Verdade e o Evangelho de Valentino são as mais conhecidas.
18 19 20
1.
O evangelho de Tomé - Era o evangelho canônico dos gnósticos. É constituído por uma série de ditos que Jesus teria dado a Tomé que, segundo os gnósticos teria sido seu irmão gêmeo. A estrutura deste evangelho lembra o da fonte de ditos conhecido como documento Q. Reproduzimos abaixo alguns de seus versículos iniciais: Estes são os ensinamentos secretos que Jesus falou e que Dídimo Judas Tomé registrou. 1 - E ele disse “Quem descobre a interpretação destes ditos não provará a morte”. 2 – Jesus disse: “Aqueles que buscam não devem desistir da busca até que achem o que é procurado. Quando eles acharem ficarão perturbados. Quando estiverem perturbados eles se maravilharão e reinarão sobre todos [e depois que reinarem eles descansarão]”. 3 – Jesus disse: “Se seus líderes lhe disserem, ' vejam o reino (do Pai) está nos céus' então os pássaros precederão vocês.
2.
O evangelho de Maria Magdalena O evangelho de Maria Madalena foi publicado em 1955, após o aparecimento da Biblioteca de Nag Hammadi. O texto sobrevive em dois fragmentos gregos do século III e numa tradução mais longa para o copta datada do século V, nos quais o testemunho de uma "mulher" precisou pela primeira vez ser defendido. No texto fragmentado, os discípulos fazem
Cosmogonia – Explicação para a origem do universo e do mundo em que vivemos. Apocalipse 2.6, 2.15. Chama-se pseudepígrafo um escrito não canônico no qual o autor se identifica pelo nome de uma personalidade conceitua da dos cristãos
primitivos, em geral, pelo nome de um apóstolo.
perguntas sobre o Salvador ressurreto e recebem respostas. Depois eles se lamentam, dizendo: "Como poderemos ir aos gentios e pregar o Evangelho do Reino do Filho do Homem? Se nem Ele foi poupado, como o seremos nós?" E Maria os incita a ter coragem: "Vamos antes louvar sua grandeza, pois Ele nos preparou e tornou-nos homens." Depois ela traz uma visão do Salvador que ela tinha tido e relata a sua conversa com Ele, o que mostra influências Gnósticas. A visão dela não encontra aprovação universal: "Mas André respondeu e disse aos irmãos, 'Digam o que vocês pensam com respeito ao que ela disse. Pois eu não acredito que o Salvador tenha dito isso. Pois certamente tais ensinamentos são de outras ideias'.". "Pedro também se opôs a ela com relação a esses assuntos e perguntou-lhes sobre o Salvador. 'Teria ele, então, falado secretamente a uma mulher de preferência a nós e não abertamente? Devemos nós voltar e escutá-la? Terá Ele preferido ela a nós?' Uma grande parte do fundamento é expresso como um diálogo entre Maria e os discípulos onde Maria é a pessoa que responde às perguntas. Após a partida de Jesus, conforme o texto, a autoridade da igreja foi dada a Maria, indicando que o texto se tenha originado em uma corrente que tinha em Maria sua fundadora e a considerava mais importante que os outros apóstolos. Parte desse favorecimento da única discípula conhecida pode ter sido devido à sua habilidade como mulher de representar a importante figura de companhia feminina de Cristo, conforme o evangelho gnóstico mostra 21. 3.
O evangelho de Judas Iscariotes – Descoberto recentemente, narra uma conversa em que Jesus teria dado revelações especiais a Judas e louva o fato de o apóstolo o haver ajudado a se livrar do corpo de matéria no qual estava aprisionado
4.
O evangelho de Valentino - Escrito por volta do terceiro século, começa com as seguintes palavras: 1. Quando ressuscitou dentre os mortos, Jesus passou doze anos falando com os seus discípulos. 2. E ensinava-lhes os lugares não somente dos primeiros preceitos como também do primeiro mistério, o que está no interior dos véus, no interior do primeiro preceito, que é o próprio vigésimo quarto mistério, e assim também as coisas que se acham mais além, no segundo lugar do segundo mistério, que está antes de todos os mistérios.
2.1.4. Quais foram as principais doutrinas gnósticas? 1.Teologia O Gnosticismo é essencialmente politeísta. Os gnósticos admitem a existência de um Deus superior, absolutamente transcendente que não pode ter nenhum contato com a matéria, nem mesmo no ato da criação. Seu Deus é tão transcendente que eles não conseguem desenvolver uma teologia. É um ser andrógino também conhecido como Deusa mãe22. Dele emanam divindades menores, geralmente aos pares, uma masculina e outra feminina que são suas hipóstases. Dentre estas divindades destacam-se os arcontes: 21 22
Wikipedia:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Evangelho_de_Maria
Outros textos em Nag Hammadi apresentam uma diferença marcante entre as fontes “heréticas” e as ortodoxas: as fontes gnósticas utilizam, de
modo constante, o simbolismo sexual para descrever Deus ... No entanto, em vez de descrever um Deus masculino e monístico, muito desses textos falam de Deus como uma díade que abraça tanto elementos masculinos quanto femininos. Pagels, E. Os Evangelhos Gnósticos, Trad. Marisa Motta, Rio de Janeiro, Objetiva, 2006. Pág. 54.
governantes tirânicos das esferas celestiais que se apresentam como se fossem deuses e que fazem oposição ao espírito desencarnado que empreende sua viagem de retorno ao pleroma. 2.Cosmogonia e antropologia Como ocorre em qualquer outra doutrina, inclusive no Cristianismo, os mestres gnósticos acreditavam ter respostas para as três grandes perguntas do ser humano: De onde viemos, quem somos e para onde vamos? 23 A resposta para as duas primeiras perguntas exigem a elaboração de uma cosmogonia24 e de uma antropologia25, respectivamente. A resposta para a terceira exige a elaboração de uma escatologia26 e de uma soteriologia27. A visão gnóstica de Deus e do mundo é essencialmente dualista. Seu deus é um ser andrógino compreendendo os princípios masculino e feminino, respectivamente. Os gnósticos o cultuam como o “Bom Deus” e como a “Deusa mãe” simultaneamente. Para eles o cosmos ou universo é formado por dois princípios. O primeiro é o princípio numinoso ou espiritual, o segundo é o princípio hílico ou material. Os dois se opõem sendo o princípio espiritual essencialmente bom e o material essencialmente ruim28. O princípio material precisa passar por purificações periódicas no final de cada era. Essas purificações são feitas com fogo. Os dois princípios não podem conviver harmoniosamente. O Bom Deus, essencialmente bom, não pode ter qualquer tipo de contato com a matéria, essencialmente má, nem mesmo no ato da criação. O homem compartilha a natureza do universo. Ele é um duplo formado por um espírito de natureza divina e por um corpo, de natureza hílica. Três classes de homens são definidas: Os hílicos ou materiais nos quais predomina a matéria, os pneumáticos ou espirituais nos quais predomina o espírito e os psíquicos (com alma) nos quais matéria e espírito se equilibram29. 3.Escatologia e soteriologia Após a morte, a parte divina de cada ser humano (espírito) deve empreender a viagem de retorno à sua origem (o pleroma) para atingir a salvação. Esse conceito de salvação é totalmente desvinculado da maneira como o homem vive e, portanto, não envolve nenhuma formulação de caráter 23
Este conhecimento ou gnose, por si só, opera a redenção de todo o mal, tornando o homem um ser imortal (pela disciplina iniciática). Já as
principais características do gnosticismo atual podem ser resumidas da seguinte forma: A gnose é o conhecimento do que fomos (vidas passadas), do que somos (ontologia), de onde viemos (cosmologia), de onde estamos (conhecimento científico) e para onde iremos (escatologia). Isso implica em mergulhar profundamente dentro de nós mesmos para buscar o auto-conhecimento e o resgate da consciência de nossas vidas passadas, do que temos dentro de nós, em recônditas profundezas, em forma de qualidades, virtudes, dons e material psicológico para ser usado, trabalhado e transformado.
http://rsguimaraes.wordpress.com/teologia-gnostica/ Cosmogonia – a doutrina da criação. 24 Antropologia – a doutrina do ser humano. Preocupa-se com a natureza divina do homem e com a existência de uma alma imortal dentre outras 25 coisas.
26
A escatologia é a doutrina que trata do futuro, do que acontecerá no fim. Ela se divide em escatologia individual e escatologia cósmica. Na
escatologia individual estudamos o que acontecerá o fim da vida do homem: morte, juízo, ressurreição. Na escatologia cósmica nos ocupamos com o que acontecerá no fim deste mundo: Volta de Cristo, Juízo final, ressurreição de mortos, arrebatamento da igreja etc.
27 28
Doutrina da salvação. O mundo se fez manifestado quando o bem e o mal se uniram. Quando Deus e o diabo, ou melhor, quando os deuses e os diabos se fundiram
como arquitetos; pois, em um princípio, e antes que as coisas fossem absolutas, o Bem e o Mal não eram compreensíveis (enquanto não tomaram a forma humana).Krum-Heller, A., A Igreja Gnóstica, tradição Huiracocha, São Paulo, Madras, 2007. Pág. 94.
29
Os Gnósticos dividem, ainda, os seres humanos em três condições distintas (que são como uma trindade), a que dão os nomes de: physikoi
(materiais), psichikoi (anímicos) e pneumatikoi (espirituais). Krum-Heller, A., A Igreja Gnóstica, tradição Huiracocha, São Paulo, Madras, 2007. Pág. 83.
ético ou sacramental. Se o que produz a perdição do homem não é seu pecado e sim a sua ignorância, em contrapartida o que produz a sua salvação não é o arrependimento que possibilita o perdão e sim o conhecimento que bane as trevas da ignorância. Existe certa predestinação nesta doutrina. Os homens hílicos (materiais) nunca serão salvos. Os homens pneumáticos (espirituais) serão sempre salvos. Os homens psíquicos, por fim, poderão alcançar a salvação se eles se submeterem, durante a vida terrena, a um aprendizado no qual adquirirão o conhecimento dos nomes dos arcontes que terão de enfrentar na viagem de retorno após e a morte e os nomes e as fórmulas mágicas, ou encantamentos, para imobilizá-los e obter passagem para a esfera imediatamente superior até que alcancem o pleroma. Observa-se que nesta doutrina não existe nada semelhante ao juízo e que, em nenhuma instância, o homem pode ser questionado ou responsabilizado pelas coisas que fez ou deixou de fazer durante a vida. Os gnósticos modernos passaram a admitir um caminho para a salvação de todos, o caminho da re-encarnação, por meio do qual um homem hílico poderia voltar ao mundo como psíquico ou como pneumático após a sua morte. 4.Cristologia – o docetismo A cristologia predominante no Gnosticismo nos tempos bíblicos foi o docetismo, palavra que significa aparência. Os gnósticos identificavam o Cristo da Bíblia com o “Redentor que veio do céu” de natureza essencialmente divina. Em decorrência dessa natureza divina, diziam eles, o Cristo jamais poderia ter sido envolvido em um corpo de matéria porque a matéria é essencialmente má e corrupta. Ensinavam eles que o corpo de Cristo era imaterial, razão porque gozava de propriedades muito particulares tais como atravessar paredes para penetrar em recintos fechados, caminhar sobre as águas do mar, andar sem deixar pegadas e se apresentar com aspectos diferentes para duas ou mais pessoas ao mesmo tempo. Enquanto um discípulo via Cristo com a aparência de um menino, o outro, ao mesmo tempo, o via com a aparência de um velho. O corpo de Jesus Cristo era, para eles, algo semelhante a um holograma. Esta cristologia é inaceitável para cristãos autênticos porque se acreditamos que Jesus Cristo não viveu em um corpo verdadeiramente de carne teremos que aceitar que sua morte também foi apenas de aparência. O quarto evangelho coloca a tese contrária. No prólogo lê-se “o verbo (Jesus) se fez carne”30e o testemunho de Tomé, reconhecendo a divindade do Cristo foi dado depois de tocar o seu corpo, ver e sentir as marcas dos ferimentos deixados pela execução na cruz. Também a primeira epístola de João começa declarando a realidade da humanidade de Jesus Cristo e conclui declarando e que qualquer pessoa que negue esta realidade não senão o próprio anti-cristo. 5.Hamartologia – pecado e perdão Um problema sério apresentado pelos mestres gnósticos aos cristãos do final do primeiro século consistiu em sua maneira de interpretar o comportamento humano. Para eles não existia nada nem mesmo parecido 30
João 1.14.
com o que chamamos de pecado31. Em conseqüência, o homem não poderia ser responsabilizado por nenhum mal que causasse a alguém ou por nenhum deslize ético que cometesse. Os gnósticos da escola antinomiana se recusavam a obedecer aos preceitos da lei e a observar os mais elementares princípios da ética. Para eles, lei e ética eram coisas de um deus menor, o deus dos judeus. Dessa forma, nada do que o homem fizesse nesta vida, de bom nem de ruim, teria influência na viagem de retorno ao pleroma após a morte. Um dos maiores problemas enfrentados pelo autor da primeira epístola joanina foi, contraditando os mestres gnósticos, enfatizar a existência do pecado e a responsabilidade de cada indivíduo pelo bem e pelo mal que comete. Chamou também a atenção de seus leitores para a necessidade de obter perdão pelos pecados cometidos. Esse perdão teria que vir obrigatoriamente de Deus. 6.Ressurreição – negavam a ressurreição. Os gnósticos acreditavam que a matéria era essencialmente má. Libertar-se dela pela morte era um benefício inestimável. Assim sendo, não haveria nenhuma razão para que um morto ressuscitasse e voltasse a viver sob a escravidão da matéria. Os gnósticos modernos, entretanto, assimilaram dos espíritas a crença na reencarnação. 7.Paracletologia – o espírito democratizado Os mestres gnósticos ensinavam que um só e o mesmo espírito era derramado sobre todos os homens. Em um período em que a estabilidade da igreja dependia essencialmente da autoridade de sua liderança, porque ainda não havia o testemunho escrito contido hoje nos livros canonizados, essa interpretação introduzia um fator de instabilidade social porque, qualquer um membro que se sentisse inspirado pelo espírito, se achava com o direito de questionar os ensinamentos do líder e de ir contra as suas ordens. 2.1.5. Ritos e práticas gnósticas
31
1.
Batismo - Os gnósticos praticavam o batismo que era frequentemente repetido para o mesmo seguidor da seita. Todas as seitas gnósticas possuíam esse rito, de alguma forma; no Mandeísmo o batismo diário uma das grandes práticas do sistema. As fórmulas utilizadas pelos cristãos gnósticos parecem ter variado amplamente. Os Marcosianos dizia : "Em nome do Pai desconhecido de todos, da Verdade, a Mãe de todos, do Cristo, que desceu sobre Jesus []".. Em Irineu de Lyon (I, xxi, 3), encontramos a fórmula: "Em nome de que foi escondida de cada divindade e senhorio e verdade, o que [nome] Jesus de Nazaré foi colocada em nas regiões de luz" e outras diversas fórmulas, que eram, por vezes, em hebraico ou aramaico pronunciados.
2.
Confirmação - A unção dos candidatos com óleo ou pomada odorífera é um rito gnóstico que ofusca a importância do batismo. Simboliza a recepção do Espírito. Alguns estudiosos sustentam que tenha substituído completamente batismo, e foi
A Igreja Gnóstica não aceita pecados; mas, sim, erros; porque parece um absurdo fazer acreditar que os pecados serão perdoados, quando
ninguém pode se arrogar esse poder, nem prestar a menor ajuda nestes problemas, em que só é responsável a personalidade de cada um. Krum-Heller, A., A Igreja Gnóstica, tradição Huiracocha, São Paulo, Madras, 2007. Pág. 108.
o único sacramento de iniciação. Isto, no entanto, ainda não está comprovado. 3.
Eucaristia – A Eucaristia gnóstica era celebrada com a partilha do pão. O uso de sal, neste rito, parece ter sido importante. Ao que se sabe não faziam uso do vinho e sim de água.
4.
O “nymphon”, também chamado “hyeros gamos” (câmara nupcial) é um resquício das cerimônias de adoração aos deuses da fertilidade das religiões primitivas. Hieros gamos (ιερός γάμος ou ιερογαμία, o "casamento sagrado"), é a copula (às vezes casamento), de uma divindade e um homem ou uma mulher, muitas vezes com um significado simbólico e geralmente realizadas na primavera (mais ou menos por volta do equinócio, meados de março). O Hieros gamos surgiu na Suméria há 5.500 anos atrás. Mais tarde se espalhou pela Europa e se tornou culto oficial de várias religiões pagãs ao longo da história.É comum o surgimento do Hieros gamos ser datado de apenas 2.000 anos atrás. Nele, a alta sacerdotisa assumia o papel do Avatar da grande deusa Inanna e fazia sexo com o rei ou imperador, que assumia o papel do deus Dumuzi, para mostrar sua aceitação pela deusa como governante justo daquela região, ou simplesmente para comemorar o poder reprodutor feminino. Isto era feito diante da corte, pois naquele tempo não havia tabus para se praticar sexo em público se fosse em uma cerimônia religiosa. Os homens da corte usavam longas túnicas pretas e as mulheres, vestidos de gaze branca, sendo que ambos usavam máscaras andróginas (brancas e pretas). Eles se posicionavam ao redor de uma circunferência imaginária, deixando o espaço de um círculo entre si. O círculo era o ambiente no qual a alta sacerdotisa e o rei ou imperador realizariam o ato sexual. A corte então se balançava para frente e para trás e entoava cânticos por ora fortes por ora quase inaudíveis.32
5.
As vogais mágicas - os gnósticos acreditavam que as sete vogais do alfabeto grego tinham poderes mágicos uma vez que representavam o universo numinoso anterior à criação da matéria a qual, por sua vez, era representada pelas consoantes. Algumas escolas gnósticas cantavam mantras que eram exclusivamente vocálicas. A expressão alfa e ômega que aprece no livro do Apocalipse de João é, provavelmente de inspiração gnóstica 33. Ela faz referência ao primeiro e ao último elementos de um grupo de sete, o número que representa a totalidade ou o pleroma.
2.1.6. Os pais anti-gnósticos 1. O presbítero – Pouco conhecemos deste personagem. Ele se identifica por este título na segunda e na terceira epístolas que são atribuídas a João. Provavelmente escreveu também a primeira epístola e algumas partes do quarto evangelho, especialmente o prólogo e o epílogo. 2. Justino, o mártir – Viveu no século II da era cristã. Nasceu em Flávia Neápolis. Sua educação inicial incluiu retórica, poesia e história. Mais tarde 32 33
Wikipedia - http://pt.wikipedia.org/wiki/Hieros_gamos Eu sou o Alfa e o Omega, diz o Senhor Deus, aquele que é, que era e que há de vir, o Todo-poderoso. Ap. 1.8.
mostrou interesse por filosofia. Estudou retórica, poesia e história. Mais tarde mostrou interesse por filosofia. Estudou o estoicismo e platonismo. Justino foi introduzido na fé diretamente por um velho homem que o envolveu numa discussão sobre problemas filosóficos e então lhe falou sobre Jesus. Ele falou a Justino sobre os profetas que vieram antes dos filósofos, ele disse, e que falou "como confiável testemunha da verdade". Eles profetizaram a vinda de Cristo e suas profecias se cumpriram em Jesus. Justino disse depois que "meu espírito foi imediatamente posto no fogo e uma afeição pelos profetas e para aqueles que são amigos de Cristo, tomaram conta de mim; enquanto ponderava nestas palavras, descobri que a sua era a única filosofia segura e útil". Justino "se consagrou totalmente a expansão e defesa da religião cristã". Justino continuou usando a capa que o identificava como filósofo e ensinou estudantes em Éfeso e depois em Roma. Os trabalhos que escreveu incluem: Duas apologias em defesa dos cristãos e sua terceira obra foi Diálogo com Trifão. A convicção de Justino da verdade do Cristo era tão completa que ele teve morte de mártir sendo decapitado no ano 165 d.C34 3.
Irineu da Gália – Também conhecido como Irineu de Lião, ( [pacífico]), Há escassa informação sobre sua vida e muitas coisas são pouco exatas. Teria nascido na Ásia proconsular, pelo menos em alguma província em seu limite, na primeira metade do século II. Não se sabe a data certa de seu nascimento. Está entre os anos 115 e 125, ou entre 130 e 142 segundo outros autores. Informa ter sido discípulo de Policarpo de Esmirna, o que também é contestado. Policarpo, por sua vez, foi discípulo do Apóstolo João. Veio a ser mais tarde Bispo da igreja de Lião (Lugdunun) na Gália. Sua obra literária (onde sobressai o Adversus Haereses) foi de caráter apologético, motivada pela necessidade de combater os hereges, especialmente os gnósticos35.
4. Tertuliano de Cartago, o mais importante e original dos escritores latinos, tirando Agostinho de Hipona, nasceu por volta de 155, em Cartago, filho de pagãos. Formou-se como jurista e exerceu advocacia em Roma. Converteuse ao Cristianismo por 193, e estabeleceu-se em Cartago, pondo a sua erudição ao serviço da fé. A partir de 207 passou ao montanismo, e permaneceu separado da Igreja até a morte, ocorrida por volta de 222. Obras principais: Escritos apologéticos (de defesa da fé contra os opositores): aos pagãos, Apologeticum (a sua obra mas conhecida), O testemunho da alma, Contra Escápula, Contra os judeus. Escritos polêmicos: A prescrição dos hereges, Contra Marcião, Contra Hermógenes, Contra os valentinianos, O batismo, Scorpiace, A carne de Cristo, A ressurreição da carne, Contra Práxeas, A alma. Escritos disciplinares, morais e ascéticos: Aos mártires, Os espetáculos, O vestido das mulheres, A oração, A paciência, A penitência, À esposa, A exortação da castidade, A monogamia, O véu das virgens, A coroa, A fuga na perseguição, A idolatria, O jejum, A pudicícia, O manto 36. CONCLUSÃO O estudo do Gnosticismo tem duplo interesse para o estudante de teologia. Em primeiro lugar é interessante porque o Gnosticismo clássico interagiu ricamente com o Cristianismo em sua fase de formação inicial (sobretudo nos séculos II a IV da era 34 35 36
Wikipédia - http://pt.wikipedia.org/wiki/Justino Wikipédia - http://pt.wikipedia.org/wiki/Ireneu_de_Lyon Wikipédia - http://pt.wikipedia.org/wiki/Tertuliano
cristã) contribuindo com elementos que ajudaram os cristãos a definir suas doutrinas. O dualismo presente, sobretudo na literatura joanina, (luz x trevas, mundo de cima x mundo de baixo etc.) tem inspiração gnóstica. A apresentação de Jesus Cristo como o salvador do mundo que desceu dos céus e para lá retornou, após sua morte e ressurreição, também apresenta inspiração desta fonte. Do ponto de vista negativo, o Gnosticismo deu um forte estímulo aos apologetas que refutaram suas teses, especialmente na formulação da cristologia cristã e na definição da doutrina do pecado e do perdão. Em segundo lugar, o Gnosticismo apresenta interesse por ser uma “religião” viva com igreja e clero organizados e atuantes em nossos dias. Hoje, um dos mais renomados dentre os líderes gnósticos é Victor Manuel Gómez Rodríguez (Girardot, Cundinamarca, 6 de Março de 1917 — Cidade do México, 24 de Dezembro de 1977) que ficou conhecido pelo pseudônimo de Samael Aun Veor. Foi um escritor, doutrinador e professor de ocultismo, além de fundador do gnosticismo “samaelino”. Foi o reformulador dos conhecimentos apresentados pela Gnose escrevendo um novo tratado de ocultismo no qual cita ensinamentos contidos no budismo, hinduísmo, rosicrucianismo e teosofia, constituindo a base do gnosticismo samaelino contemporâneo. Também fundou o Instituto Gnóstico de Antropologia e escreveu mais de setenta livros. O Gnosticismo moderno pode ser classificado como uma religião esotérica que apresenta afinidades com a Ordem Rosacruz, com a Teosofia e com a Maçonaria. A Igreja Gnóstica no Brasil foi fundada em 2 de novembro de 1936 por Arnold KrumHeller (Mestre Huiracocha) sob os auspícios da Fraternitas Rosicruciana Antiqua. Aos interessados em maiores informações sugerimos a leitura da obra de KrummHeller indicada na bibliografia. A confissão de fé gnóstica tem as seguintes declarações: 1.
C reio na Unidade de Deus.
2.
C reio no Pai, como entidade impessoal, inefável, não revelada, que ninguém viu, mas cuja Força, Potência Criadora, foi e é plasmada no ritmo perene do Céu e da Terra.
3.
C reio no Filho, como Tesouro de Luz, Chrestos manifestado em Jesus.
4.
C reio na transmutação do pão material em substância espiritual.
5.
37
C onheço e reconheço a Essencialidade Cristônica da Vida, concebida como um todo, sem fim cronológico, que abarca uma órbita fora do tempo e do espaço.37
KRUM-HELLER, A. , A Igreja Gnóstica – Tradição Huiracocha, Trad. Ziéde C. Moura, São Paulo, Madras, 2007. p. 32.
3.O QUARTO EVANGELHO PARTE 1: O LIVRO DOS SINAIS Objetivos Instrucionais 1. Discutir sucintamente as hipóteses sobre a autoria do quarto evangelho. 2. Discutir a época e o local de composição deste evangelho. 3. Discutir sucintamente o objetivo teológico, a mensagem central e as características básicas deste evangelho. 4. Apresentar as principais divisões do evangelho. Leituras Recomendadas BROWN, R. E. Introdução ao Novo Testamento, São Paulo, Paulinas, 2004. Capítulo 11: Evangelho segundo João. CARSON, D. A., MOO, D.J & MORRIS, L. Introdução ao Novo Testamento, São Paulo, Vida Nova, 1977. Cap.5 – João. HALE, B. D. Introdução ao estudo do Novo Testamento, Rio de Janeiro, JUERP, 1983. Cap. 7 - O Evangelho Segundo João. KÜMMEL, W. G. Introdução ao Novo Testamento, São Paulo, Paulinas, 1982. Parágrafo 10 - O Evangelho de João. TENNEY, M. C. O Novo Testamento, sua origem e análise, São Paulo, Vida Nova, 2a edição, 1989. Cap. X - O Evangelho de João.
Leituras Adicionais BROWN, R. E. A comunidade do discípulo amado, São Paulo, Paulinas, 1983. 209 pp. COTHENET, E.; DESSAULT, L.; LE FORT, P. & PRINGENT, P. Os escritos de São João e a Epístola aos Hebreus. São Paulo, Paulinas, 1988. DODD, C. H. A interpretação do quarto evangelho, São Paulo, Paulinas, 1977. 628 pp.
3.1. O problema da autoria 3.1.1. O Corpus Joanino Assim como não estudamos a autoria de cada uma das epístolas paulinas independentemente das demais, estudamos a autoria do conjunto ou corpus, também não estudamos a autoria dos escritos joaninos independentemente uns dos outros, fazemos o estudo do conjunto. Tradicionalmente a autoria das três epístolas e do quarto evangelho tem sido atribuída ao apóstolo João com bases em semelhanças de textos, especialmente quando comparamos o prólogo do quarto evangelho com o da primeira epístola. Hoje, à luz do conhecimento do mecanismo de transmissão de tradição oral via comunidades primitivas, esse conceito vem sendo atualizado. 3.1.2. Evidências internas O quarto evangelho, da mesma forma que os três primeiros, no identifica de maneira explícita quem foi o seu autor. Existe, entretanto, uma referência a ele no epílogo: E Pedro, virando-se, viu que o seguia aquele discípulo a quem Jesus amava, o mesmo que na ceia se recostara sobre o peito de Jesus... Este é o
discípulo que dá testemunho destas coisas e que as escreveu e sabemos que o seu testemunho é verdadeiro 38.
Esse comentário foi adicionado por um redator tardio (o segundo autor) que usou o prestígio que aquele discípulo a quem Jesus amava (o primeiro autor) possuía na comunidade para testemunhar da veracidade do conteúdo do escrito. Sabemos que o seu testemunho ‚ verdadeiro porque o conhecemos e não podemos admitir que ele minta (diferentemente dos que estão ensinando falsas doutrinas em nosso meio). O fato de o quarto evangelho identificar o autor da maior parte de seu conteúdo como sendo o discípulo a quem Jesus amava nos permite direcionar o estudo da sua autoria para a identificação deste discípulo. Como já vimos anteriormente, a hipótese mais aceita ‚ a de que ele seria João, o filho de Zebedeu. O estudo detalhado do livro parece apoiar irrestritamente esta hipótese uma vez que ele nos revela que o autor do livro era alguém que privava da intimidade de Jesus Cristo, tinha o Hebraico como língua nativa e conhecia muito bem os lugares da Palestina mencionados no livro. 3.1.3. Evidências externas A tradição mais antiga atribui a João, filho de Zebedeu, irmão de Tiago, e participante do círculo mais íntimo dos apóstolos a autoria do quarto evangelho. Assim ‚ que Irineu da Gália (Século II) declara que João, filho de Zebedeu, escreveu o evangelho na cidade de Éfeso quando já estava muito velho. Este testemunho tem sido aceito como verdadeiro porque Irineu foi discípulo de Policarpo de Esmirna o qual, por sua vez foi discípulo do próprio João. Talvez por causa desta palavra de Irineu a autoria das três epístolas tenha sido atribuída também ao mesmo João uma vez que o adjetivo presbítero, que aparece na saudação da segunda e da terceira epístolas pode ser traduzido como velho. Hoje, à luz do estudo da transmissão de conhecimentos via comunidades e escolas, admite-se que pelo menos dois homens trabalharam na composição do evangelho. O primeiro, conhecido com o discípulo amado, era um judeu palestino, amigo íntimo de Jesus mas não obrigatoriamente do grupo dos doze. O segundo, que podemos chamar de o evangelista, ou o ancião, foi o que deu a redação definitiva ao evangelho, introduzindo nele as referências à pessoa do discípulo amado e outros comentários. 3.1.4. Outros nomes Também foram apontados como possíveis autores do evangelho Lázaro de Betânia (por ser muito amigo de Jesus) e João Marcos. Contra este segundo pesa a alegação de que não haveria razão plausível para ele escrever dois evangelhos e os dois apresentarem estilos tão diferentes. 3.2. Data e local de composição De acordo ainda com o testemunho de Irineu da Gália, o quarto Evangelho foi escrito na cidade de Éfeso, capital da província da Ásia. Essa é, até hoje, a hipótese mais aceita. A data mais recente para a composição deste livro é dada pelo papiro p52, descoberto no Egito e datado do ano 130. Este papiro, apenas um fragmento do capítulo 18 do quarto evangelho, tem grande importância por ser o manuscrito mais antigo que possuímos em termo de literatura neotestamentária. A data mais antiga é fixada no ano 70 por admitirmos a precedência dos sinópticos sobre o 38
João 20.21-25
quarto evangelho. Aceita-se hoje que o texto original do livro não se manteve intocado tendo sofrido a adição da passagem que descreve o livramento da mulher pecadora (8.1-11). 3.3. Objetivo teológico e mensagem central Este evangelho nos mostra, mais que qualquer outro, um elevado nível de elaboração teológica. Seu texto contém uma declaração do objetivo do autor: Jesus, na verdade, operou na presença de seus discípulos ainda muitos outros sinais que não estão neste livro; estes porem estão escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome39.
Observemos que o propósito do autor é por um lado apologético. Ele pretende deixar demostrado - contra os argumentos de seus opositores - que Jesus ‚ o Cristo (o Messias esperado pela comunidade palestina) é o Filho de Deus (o Messias esperado pela comunidade da diáspora e pelos samaritanos). Por outro lado ele tem um objetivo evangelístico. Ele pretende que os seus leitores conheçam a verdade, creiam nela e tenham vida. A verdade mais importante que podemos aprender no quarto evangelho é que Jesus Cristo é, em todos os tempos e lugares, o único capaz de atender a todas as expectativas e de satisfazer a todas as necessidades de qualquer ser humano independentemente de raça, língua, nacionalidade, nível cultural ou de qualquer outra característica distintiva que possamos encontrar. Judeus criam nele pelos sinais que fazia e gregos pelo conhecimento que demostrava ter. Pobres o seguiam pelo alimento que proporcionava e ricos pela paz interior que a riqueza não podia conferir. Judeus palestinos encontravam nele o Filho de Davi, samaritanos encontravam nele o profeta celestial preexistente, essênios nele achavam o messias davídico e judeus da diáspora nele encontravam o messias de uma ordem sacerdotal muito superior à de Levi. 3.4. O livro dos sinais O autor do quarto evangelho não se preocupou em contar a vida de Jesus Cristo. A ênfase dada por ele aos sinais praticados durante o ministério terreno de Jesus vêm da sua concepção teológica que entendia Jesus como o profeta semelhante a Moisés, um homem celestial pré-existente, a um tempo divino e humano. Assim como o ministério de Moisés foi confirmado por muitos sinais o de Jesus também o foi. O livro dos sinais não é uma obra biográfica e sim uma obra apologética que visava provar aos judeus a divindade de Jesus. A narrativa desses sinais também objetiva provar que Jesus, por ser de natureza divina, tinha poder para subjugar os inimigos que o homem temia: O poder da Lei e de seus representantes, as forças da natureza, as doenças (cuja ocorrência era atribuída pelo povo ignorante à atuação de demônios), e, também, a própria morte. Muitas das passagens deste livro tem sido e continuarão sendo usadas como permanente fonte de inspiração para a confecção de sermões evangelísticos. 1.Primeiro sinal: Transformação da água em vinho nas bodas em Caná da Galiléia40 - O primeiro sinal apresentado pelo autor já nos mostra alguns dos critérios usados na escolha de todos eles. Em primeiro lugar ele foi feito em público – uma festa de casamento – diante dos olhos de muitas testemunhas. Adicionalmente, ele foi objeto do exame de um especialista no assunto: O 39 40
João 20.30,31. João 2.1-11
Mestre-sala, provavelmente o único que não estava bêbado durante o casamento, examinou o vinho recentemente chegado e atestou a qualidade superior do mesmo. Esse sinal nos remete à crença helênica de que Dionisos (Baco), o deus da vegetação e, portanto também do vinho, era capaz de transformar água em vinho justamente porque era deus. Jesus, transformando água em vinho, comprovava sua natureza divina e, fazendo o melhor vinho, mostrava sua superioridade aos deuses greco-romanos. 2.Segundo sinal: Uma cura à distância41 - Nesta ocasião Jesus se encontrava em Caná, a mesma cidade onde havia transformado a água em vinho. È procurado por um homem cujo filho estava doente, à beira da morte, na cidade de Cafarnaum, há quilômetros de distância. Este lhe pede que restaure a saúde do filho. Jesus prometeu àquele homem que seu filho não morreria e o despediu. Chegando em casa aquele homem encontrou o filho curado e, perguntando a que horas a melhora havia acontecido, recebe a informação de que foi exatamente na hora em que Jesus lhe disse que seu filho não morreria. Esse milagre parece apontar para a onipresença (virtude divina) de Jesus, que podia operar em dois lugares diferentes ao mesmo tempo. 3.Terceiro sinal: Cura de um paralítico no sábado42 - A cura do paralítico no alpendre do tanque de Bethesda coloca em evidência a onipotência de Jesus Cristo quando mostra que para ele o impossível não existe. A crença popular dizia que periodicamente um anjo descia naquele local e que o vento provocado pelo movimento de suas asas agitava as águas. O primeiro que tocava as águas nesse momento seria curado. A cura do paralítico era impossível porque ele não tinha nenhuma chance de ser o primeiro a tocar as águas agitadas. Jesus o curou sem necessitar das águas. Outro aspecto importante é que o ex-paralítico saiu correndo e pulando imediatamente depois da cura mesmo carregando o peso de uma paralisia de 38 anos de duração. A experiência de qualquer pessoa que tenha sido submetida a uma imobilização depois de uma cirurgia ortopédica mostra que é necessário um longo tempo de fisioterapia para a remoção dos bloqueios articulares e para a recuperação da musculatura atrofiada. Aquele homem imediatamente se levantou e saiu andando. Só Jesus, por ser Deus, pode fazer semelhante coisa ! 4.Quarto sinal – A multiplicação dos pães43 - Neste episódio Jesus, dispondo apenas de cinco pães e dois peixes, alimenta uma multidão de milhares de pessoas. Esse sinal aponta para a onipotência do Mestre que não era limitado por falta de poder. Alguns críticos querem ver aqui uma interpretação alternativa segundo a qual o milagre consistiria apenas em estimular a solidariedade do povo e levar cada um a expor o alimento que trazia escondido. Ainda que assim fosse seria um milagre mas, não parece que essa interpretação esteja coerente com objetivo teológico do autor do evangelho. 5.Quinto sinal – Jesus caminha sobre as águas 44- Mas uma vez, a mitologia helênica nos ajuda a entender o significado de uma perícope bíblica. Os gregos acreditavam que Posidon (Netuno para os romanos) podia caminhar sobre as águas porque era deus dos mares. Mostrando que Jesus era capaz de caminhar sobre as águas, o autor, mais uma vez coloca um argumento a favor da divindade de Cristo. A referência ao vento impetuoso lembra a figura de outro 41 42 43 44
João 4.43-54 João 5.1-16 João 6.1-15 João 6.16-24
deus da mitologia grega: Eolo que controlava a fúria dos ventos. 6.Sexto sinal – Jesus cura um cego de nascença45 - A narrativa deste sinal está muito bem documentada, inclusive com a referência a um processo instaurado pelos fariseus no qual o cego e os pais dele foram ouvidos. O peculiar deste sinal, que aponta mais uma vez para a superioridade de Jesus, é colocado pelo próprio autor no texto: “Nunca se ouviu dizer que alguém houvesse aberto os olhos a um cego de nascença.” 7.Sétimo sinal – A ressurreição de Lázaro de Betânia 46- Ressurreição era uma doutrina judaica. Os gregos, alternativamente acreditavam na imortalidade da alma e na possibilidade de um retorno à vida em outro corpo de carne (reencarnação). Esse sinal, portanto é colocado visando abalar as concepções judaicas. O diferente neste sinal é que os judeus, bem como outros povos da antiguidade, admitiam que a ressurreição só era possível enquanto se preservava a integridade do corpo do defunto, o que, em países frios tem um limite aproximado de três dias. Jesus, ressuscitando um homem morto por um tempo superior a este não estava apenas devolvendo a vida, estava também devolvendo a integridade a um corpo em princípio de degradação. Ele estava criando matéria nova, coisa que nenhum homem, apenas Deus, podia fazer.
PARTE 2: O LIVRO DA PAIXÃO 3.5. Abrangência O LIVRO DA PAIXÃO (11.55 – 20.31), incluindo o testamento de Jesus (13-17), a hora da glorificação na cruz (18-19) e o Dia do Senhor (20), é a parte que o quarto evangelho tem em comum com os evangelhos sinópticos. Quando fazemos o estudo deste texto em conjunto com o correspondente nos sinóticos encontramos algumas diferenças. Nosso estudo aqui será uma tentativa e fazer uma harmonização dos dois relatos. 3.6. Texto em discussão: O livramento da mulher pecadora (João 7.53 - 8.11) Este episódio tem a sua autenticidade contestada. Champlim47 nos informa que este texto, além de não figurar nos manuscritos mais antigos, aparece algumas vezes inserido no evangelho de Lucas. Conclui ele que " - embora esta secção não faça parte dos evangelhos originais, podemos estar gratos pela sua preservação, porquanto ilustra admiravelmente bem diversas coisas que precisamos compreender. Vemos nela o espírito empedernido dos fariseus para com uma miserável criatura humana, apanhada no ato do pecado, ... ".
45 46 47
João 9. 1-41 João 11.1-44 Champlin, R. N., O Novo Testamento Comentado Versículo por Versículo, São Paulo, Milenium, 4a impressão, 1983. Vol. 2, p. 395 ss.
ESBOÇO DO LIVRO 1.PRÓLOGO (1-1.18) 2.O LIVRO DOS SINAIS (1.9-11.54) 1.Primeiro sinal - a água transformada em vinho em Caná. 2.Segundo sinal - uma cura à distância 3.Terceiro sinal - cura de um paralítico no sábado 4.Quarto sinal - multiplicação dos pães 5.Quinto sinal - caminhando sobre as águas 6.Sexto sinal - cura de um cego de nascença 7.Sétimo sinal - ressurreição de Lázaro 3.O LIVRO DA PAIXÃO (11.55 - 20.31) incluindo o testamento de Jesus (1317), a hora da glorificação na cruz (18-19) e o Dia do Senhor (20). 4.EPÍLOGO (21.1-25) incluindo a pesca milagrosa.
4. AS EPÍSTOLAS JOANINAS Objetivos Instrucionais 1. Discutir o tipo de dependência literária existente entre as epístolas joaninas e o quarto evangelho. Conceituar problema joanino. 2. Discutir as hipóteses mais aceitas sobre a autoria das epístolas joaninas. 3. Discutir o local de composição destas epístolas. 4. Caracterizar a heresia dos dissidentes joaninos. 5. Discutir a posição teológica do autor frente a essa heresia. Leituras Recomendadas BROWN, R. E. Introdução ao Novo Testamento, São Paulo, Paulinas, 2004. Capítulo 12: Primeira epístola (carta) de João. BROWN, R. E. A comunidade do discípulo amado, São Paulo, Paulinas, 1983. 209 pp. HALE, B. D. Introdução ao estudo do Novo Testamento, Rio de Janeiro, JUERP, 1983. Cap. 19 - As epístolas joaninas. KÜMMEL, W. G. Introdução ao Novo Testamento, São Paulo, Paulinas, 1982. Parágrafos 31 e 32.
Leituras Adicionais COTHENET, E.; DESSAULT, L.; LEFORT, P. & PRINGENT, P. Os escritos de São João e a Epístola aos Hebreus. São Paulo, Paulinas, 1988. 360 pp. PAGELS, E. Os Evangelhos Gnósticos, Tradução Marisa Marta, Rio de Janeiro, Objetiva, 2006. 246 p.
4.1. O Problema Joanino - A dependência literária entre as epístolas joaninas e o quarto evangelho Em estudo anterior tivemos a oportunidade de abordar o chamado problema sinóptico que trata das relações de dependência existentes entre os três primeiros evangelhos. Quando fazemos uma leitura em conjunto do quarto evangelho e das três epístolas joaninas transparece imediatamente a dependência literária desses escritos. A explicação dessa dependência em termos de precedência e de compartilhamento de material é o que chamamos de problema joanino. Esta ligação é tão forte que tradicionalmente os críticos vem aceitando uma autoria comum para os quatro livros. O apóstolo João, filho de Zebedeu, teria sido o seu autor. Essa conclusão parte inicialmente da comparação do prólogo da primeira epístola com o do evangelho. A identidade de autoria da primeira epístola com as outras duas é inferida com base em comparações de vocabulário, estilo e conteúdo de seus textos. A busca atual da solução para este problema nos leva a percorrer os já conhecidos caminhos da crítica bíblica, muito especialmente os da crítica da forma que nos introduz no estudo da participação das comunidades primitivas na preservação de material constante dos livros bíblicos por meio de tradição oral. O pressuposto básico para este trabalho está em que cada perícope presente no quarto evangelho e, possivelmente também nas epístolas joaninas, preexistiu na forma de tradição oral que foi transmitida pelos membros mais antigos da comunidade aos mais novos e que assumiu a forma mais adequada ao seu uso em cada ocasião específica. Quando cada um dos livros foi escrito, o autor selecionou o material - recebido por tradição oral - que era mais útil na discussão do problema teológico que a sua
comunidade estava vivendo naquele momento. Dessa forma, o objetivo teológico de cada um dos escritos reflete uma crise particular da comunidade no seu processo de evolução. Hoje dois princípios são amplamente aceitos no encaminhamento para a solução do problema joanino: 1.
A precedência do evangelho sobre as epístolas - O quarto evangelho foi composto antes das três epístolas e a sua existência foi o motivo para a composição delas. Na pior das hipóteses, foi o motivo para a composição da primeira que é apenas um comentário apologético do evangelho.
2.
O problema gerador das epístolas - As três epístolas foram escritas pelo mesmo autor com o objetivo de combater uma heresia de caráter gnostisante que líderes dissidentes estavam disseminando na comunidade (I João 2.26). Esse problema foi gerado por uma interpretação errônea do quarto evangelho . Observa-se na leitura da segunda e da terceira carta que algumas das igrejas da comunidade estavam negando sua hospitalidade aos enviados do líder.
4.2. O problema da autoria O autor da primeira epístola não se identifica. O autor da segunda e da terceira se identifica como sendo o presbítero. Da interpretação que dermos a esta palavra vai sair nossa conclusão sobre a autoria das epístolas. Três são as interpretações mais aceitas. 1.
João, o filho de Zebedeu - Há evidências históricas de que o apóstolo João morou durante muitos anos na cidade de Éfeso e de que, portanto, teve tempo suficiente para escrever as três epístolas. Aqueles que advogam a autoria do apóstolo João tomam o termo presbítero no seu sentido literal, isto é, velho. Dizem que o apóstolo se identificou desta forma por já estar muito idoso no tempo em que foram escritas as duas últimas epístolas.
2.
Um líder da comunidade - Outra maneira de interpretar o termo presbítero é como sendo um líder da comunidade o qual, possivelmente teria sido um discípulo e sucessor do apóstolo João. Naquele tempo a palavra presbítero era usada para identificar os que presidiam sobre uma comunidade cristã, de forma idêntica ao que acontecia nas sinagogas dos judeus. Assim sendo, o autor das epístolas teria sido o bispo da igreja de Éfeso que sucedeu a João, o segundo elo da escola joanina.
3.
Uma testemunha nos apresenta mais uma hipótese para a interpretação de presbítero. Este termo teria sido usado no primeiro século para indicar uma linha contínua de testemunho que nascia da própria revelação: O Verbo recebeu seu conhecimento do Pai. O apóstolo aprendeu com o Verbo e o presbítero aprendeu com o apóstolo. Interpretado desta forma, o termo presbítero teria sido usado Brown48
48
Referência 2
para indicar alguém que, mesmo não sendo um líder, recebeu uma informação em primeira mão de um apóstolo. Aceite-se esta interpretação ou a anterior, fica bem estabelecido que o autor das epístolas teria sido o mesmo que escreveu o epílogo do evangelho testemunhando da veracidade do discípulo amado. 4.3. A dissidência joanina e sua heresia A motivação para a composição das epístolas joaninas fica clara a partir da leitura da primeira delas. Surgiu na comunidade um grupo dissidente que, por interpretar o quarto evangelho de maneira errada, ensinava doutrinas que se afastavam do kerygma apostólico o suficiente para serem classificados como hereges. Cumpriase a profecia de Jesus Cristo quando disse que o maior inimigo do homem está dentro de sua casa, embaixo do seu teto. Ainda hoje o maior problema de nossas igrejas no está naqueles que apedrejam nossas janelas ou disseminam falsas doutrinas pelos veículos de comunicação de massa. O maior problema de nossas igrejas se constitui naqueles que, estando conosco, aderem a doutrinas e práticas eclesiásticas que não se conformam aos princípios bíblicos que adotamos. O estudo mais profundo das epístolas joaninas nos dá a chave para entendermos em que consistia a pregação desses dissidentes: 1.
Ensinavam uma Cristologia Docética segundo a qual Jesus Cristo no teria vindo com um corpo de carne verdadeiro e sim com uma aparência de corpo porque Jesus, sendo essencialmente bom, não poderia ter intimidade com a carne que é essencialmente má (dualismo). O problema com esta concepção reside em que se a humanidade de Jesus Cristo não foi real a sua morte também não foi e o seu sacrifício na cruz no encerra nenhum poder salvador.
2.
Ensinavam que, uma vez convertido, todo o crente passa a desfrutar da autoridade que lhe dá a presença do Espírito Santo em sua vida. Tudo quanto o crente fala resulta da atuação do Espírito. Dessa forma, todos os crentes tem igual autoridade para serem intérpretes da Palavra de Deus porque o mesmo Espírito fala por todas as bocas. Esse ensino encerra uma contestação da autoridade que sempre foi conferida aos apóstolos e líderes eclesiásticos como intérpretes da Palavra.
3.
Ensinavam a impecabilidade do crente - O crente, por ter o Espírito Santo atuando em sua vida, não comete pecado. Nada do que ele faça ou deixe de fazer afeta o seu espírito porque ele está acima de todas essas coisas.
4.
Escatologia plenamente realizada - Os dissidentes ensinavam também que todas as promessas de Deus ao homem já se haviam cumprido e que nada mais restava a esperar.
4.4. A resposta do autor das epístolas A primeira epístola joanina é uma orientação que o autor dá às igrejas de sua comunidade sobre a melhor maneira de tratar com os dissidentes e como refutar os seus ensinos. As duas outras epístolas, embora menores, caem no mesmo contexto de combate aos hereges quando apresentam um enviado do presbítero para o qual
algumas das igrejas da comunidade estavam negando a sua hospitalidade. Vejamos o procedimento aconselhado: 1.
Prudência no ouvir (I João 4.2) - Não devemos conceder o benefício da credibilidade a todos quanto ocupam os púlpitos de nossas igrejas ou nos falam pelos meios de comunicação de massa. Existem muitos falsos profetas andando pelo mundo.
2.
Um critério para teste (I João 4.2,3) - O profeta que merece crédito da igreja não é aquele que consegue o maior número de adeptos por causa de sua bela oratória e sim aquele que se conserva fiel aos fundamentos doutrinários estabelecidos na palavra de Deus. Todos os pregadores devem ser testados com respeito a sua fidelidade ao Kerygma primitivo. O ponto do Kerygma que estava sendo desrespeitado naquela ocasião era a declaração de que Cristo veio na carne, o reconhecimento da perfeição e da plenitude de sua humanidade. Quem quer que fosse que negasse essa verdade deveria ser rejeitado pela igreja.
3.
Convivendo com os hereges à distância (II João 7-10) - Os que ensinavam falsas doutrinas eram anticristos e deveriam ser anatematizados. Não deveriam ser recebidos em casa nem saudados nas ruas. O autor recomenda uma rejeição radical.
4.
Acreditando no poder que opera em nós (I João 4.4-6) - Não precisamos ficar correndo de um lado para outro em busca de novidades. Se estamos realmente no Espírito, o poder que opera em nós é maior que aquele que opera nos falsos profetas. Um crente não necessita deixar a sua igreja para estar procurando a atuação do espírito em outras denominações. Precisa apenas reconhecer o poder de Deus que opera nele mesmo.
4.5. A escatologia das epístolas A postura teológica do autor das epístolas ‚ definitivamente apocalíptico. Para ele 1.
A
última
hora
chegou. 2.
Muitos anticristos andam pela terra.
3.
Os exércitos do mal já entraram em guerra contra os exércitos da luz.
4.
Apenas
uma
esperança resta aos filhos da luz. Se a última hora não tinha chegado para todo o mundo, pelo menos ela tinha chegado para a comunidade que o presbítero presidia. Essa guerra trouxe como conseqüência a dissolução da comunidade. Livre-nos o Senhor de termos semelhante Armagedon dentro de nossas igrejas !
4.6. Texto em discussão - o Coma Joanino O texto compreendido nos versículos 7 e 8 de I João, cap. 5, ficou conhecido pelo nome de Coma () Joanino e foi muito popularizado por seu uso na defesa da doutrina da Trindade. Nas versões mais antigas do Novo Testamento eles aparecem na forma: Porque três são os que testificam no céu: O Pai, a Palavra e o Espírito Santo; e estes três são um. E três são os que testificam na terra: O Espírito, a água e o sangue; e estes três concordam num.
Nas versões mais modernas da Bíblia, como por exemplo na revisão de 1986 da versão Almeida pela Imprensa Bíblica Brasileira, o texto foi corrigido para: E o Espírito é que dá testemunho porque o Espírito ‚ a verdade. Porque três são os que do testemunho: O Espírito, a água e o sangue; e estes três concordam.
Essa supressão foi feita com o objetivo de atingir uma forma do texto mais fiel ao original. Observe-se que a menção ao tríplice testemunho da Trindade (Pai, Palavra, Espírito) desapareceu. Acredita-se que a inserção deste testemunho tenha sido feita por volta do século IV com o objetivo de fortalecer a defesa da doutrina da Trindade. É importante que saibamos que, mesmo sem este texto, possuímos argumentos bíblicos suficientes para sustentar a interpretação Trinitária da Pessoa Divina. Os mais valiosos são II Coríntios 13.13 e a fórmula batismal de Mateus.
CADERNO DE LITERATURA APOCALÍPTICA
Prof. Humberto Macharetti Seminário Teológico Batista Carioca Rio de Janeiro 2010
LITERATURA APOCALÍPTICA DO NOVO TESTAMENTO Objetivos Instrucionais 1. Definir literatura apocalíptica. 2. Discutir as relações da literatura apocalíptica com a literatura profética e a literatura sapiencial do Velho Testamento. 3. Identificar a literatura apocalíptica do Novo Testamento. 4. Discutir os princípios de interpretação da literatura apocalíptica. Leituras Recomendadas BROWN, R. E. Introdução ao Novo Testamento, São Paulo, Paulinas, 2004. Capítulo 37: O livro da revelação (Apocalipse). CARSON, D. A., MOO, D. J. & MORRIS, L. Introdução ao Novo Testamento, São Paulo, Vida Nova, 1997. Cap. 23 – Apocalipse. HALE, B. D. Introdução ao estudo do Novo Testamento, Rio de Janeiro, JUERP, 1983. Cap. 20 Apocalipse. KÜMMEL, W. G. Introdução ao Novo Testamento, São Paulo, Paulinas, 1982. Parágrafo 34 - O Apocalipse de João. TENNEY, M. C. O Novo Testamento, sua origem e análise, São Paulo, Vida Nova, 2a edição, 1989. Cap. XXII - A Igreja expectante : O Apocalipse.
Leitura Adicional ROWLEY, H. H. A importância da literatura apocalíptica, São Paulo, Paulinas, 1980. 216 pp. SHEDD, Russel P. A Escatologia do Novo Testamento, São Paulo, Nova Vida, 1991.
1.1. Apocalíptica, uma revisão Gottwald49 define a apocalíptica como um tipo de literatura revelatória com estruturação narrativa, na qual uma revelação a respeito de julgamento e salvação do tempo do fim e/ou a respeito dos reinos celestes é dada a um ser humano por um mensageiro do além-túmulo.
Esta definição encerra as características básicas da literatura apocalíptica que são as seguintes: 1. Literatura revelatória com estruturação narrativa que se propõe a trazer ao conhecimento de pessoas selecionadas fatos que são mantidos fora do alcance da população geral. Essa literatura tem, portanto, objetivo idêntico ao da literatura das religiões de mistério do mundo helenístico as quais só podem ser entendidas por um grupo de iniciados. Diferentemente da literatura profética, ela não é composta na forma de poesia e sim na forma de prosa. 2. Literatura escatológica que diz respeito ao tempos do fim ou aos reinos celestes prometidos para o fim, cujo conteúdo mostra ao leitor como uma antecipação do futuro. 3. Dada a um ser humano por um mensageiro de além-túmulo - Estruturada na forma de visões explicadas por um personagem extra-terreno que é o veículo por meio do 49
Norman K. Gottwald, Introdução socioliterária à Bíblia hebraica, São Paulo, Paulinas, 1988. Pág. 541.
qual flui a sabedoria divina. Não se sabe exatamente onde, nem como surgiu a literatura apocalíptica. O que se tem de mais certo é que o seu período de produção se estendeu do século II a.C. até o século II d.C. R. Noth50, discorrendo sobre suas origens, nos mostra a apocalíptica como um caminho mais excelente da profecia e nos apresenta uma tentativa de definição segundo a qual deve ser classificado como apocalíptico Qualquer escrito dito como ou parecendo ser divinamente inspirado e explanar o verdadeiro sentido e a relevância de revelações anteriores para o futuro ou os últimos dias, aplicando-os enigmaticamente a eventos presentes em uma estrutura histórica e astro-cósmica unificante de erudição teórica; com imagens estranhas ou extra-espaciais, e relacionado a um mundo intensamente ativo de seres cuja natureza se encontra entre o divino e o humano.
Temos de admitir que uma definição como essa confunde mais que esclarece uma situação que, por si só, já é suficientemente confusa. A tese de filiação da apocalíptica à profecia que ela apresenta (os escritos apocalípticos seriam interpretações atualizadas de profecias) não pode se manter. Devemos procurar outra origem. Von Rad51 , mais esclarecedor, chama a nossa atenção para a filiação existente entre a literatura apocalíptica e a sapiencial mostrando que nesta, mais que na literatura profética, devemos buscar as raízes do fenômeno apocalíptico. Para ele a apocalíptica é um tipo de literatura na qual o autor se mostra possuidor de uma sabedoria revelada de caráter carismático na qual se propõe a comunicar a alguns dos seus leitores o verdadeiro sentido das profecias. Coloca ainda em evidência o fato de que não foi utilizado o nome de nenhum dos profetas clássicos do tempo da monarquia como pretenso autor de obras apocalípticas o que enfraquece a hipótese de filiação da literatura apocalíptica à profética. É aceito geralmente que o primeiro apocalipse composto integralmente foi o livro de Daniel, escrito durante a revolução dos Macabeus (Século II a.C.). Embora o primeiro Enoque tenha algumas seções mais antigas que Daniel a sua forma final só foi dada posteriormente. Por esse motivo Daniel veio ser o paradigma para a composição dos demais apocalipses da mesma forma que Marcos veio a ser o paradigma para a composição dos evangelhos que o sucederam. O estudo da forma e do conteúdo dos livros apocalípticos é de extrema utilidade porque eles refletem a forma e o conteúdo do pensamento judeu consequentes, por um lado, às pressões da helenização, e por outro, à reação radicalizante da liderança religiosa de Jerusalém. 1.1.1. A literatura apocalíptica do Novo Testamento O apocalipsismo foi o modo essencial de vida dos autores do Novo Testamento. Tanto Pedro quanto Paulo e João estavam certos de estarem vivendo um período messiânico de "grande tribulação" que precederia uma parusia imediata. Paulo cria que estaria vivo na parusia e participaria do arrebatamento dos crentes (I Cor. 15.52), Pedro procurava justificar o retardo da volta de Jesus Cristo apelando para a elasticidade do tempo divino (II Pd. 3.8), João estava certo de estar vivendo a "última hora" como era atestado pela presença de "anticristos" no mundo. (I Jo. 2.18). O próprio Jesus Cristo apelou para os conceitos apocalípticos quando advertiu os seus discípulos a respeito do fim próximo da cidade de Jerusalém. (Mateus 24,25)
50 51
Robert Noth, Da profecia à Apocalíptica via Zacarias in "Profetismo, Coletânea de estudos", São Leopoldo, Sinodal, 1985. Pág. 220. Gerhad von Rad, Teologia do Antigo Testamento, São Paulo, Aste, 1974. Vol. II, pág 296 ss.
1.1.2. O pequeno apocalipse dos evangelhos sinópticos O sermão de Jesus Cristo relatado nos capítulos 24 e 25 do Evangelho de Mateus e nas passagens paralelas de Marcos e de Lucas ficou conhecido como o "Pequeno apocalipse dos Evangelhos Sinópticos". Nele, Jesus Cristo discorre sobre as coisas que aconteceriam no final dos tempos. A análise da passagem mostra que ela trata de dois eventos diferentes: O primeiro foi a destruição de Jerusalém que se deu no ano 70 da era cristã e o segundo se refere ao final dos tempos52. Este texto, motivado pela visão dos edifícios do templo, parece conter uma síntese de duas palavras emitidas em ocasiões diferentes. A primeira delas aponta para fatos que se realizaram quando da invasão de Jerusalém pelos romanos no ano 70. A própria introdução do Senhor Jesus nos indica isto quando ele declara: "Em verdade vos digo que não se deixará aqui pedra sobre pedra que não seja derribada."(v.2). Dessa forma, sua inclusão no texto dos sinópticos parece ter um sentido retrospectivo para testemunhar que tudo quanto o Senhor profetizou se cumpriu de fato. Outros dados que apontam para essa ocasião são as recomendações para orar pedindo que a fuga não se desse no sábado nem no inverno. Se o Senhor apontasse para o cataclismo universal simplesmente não haveria para onde fugir. Outra parte do mesmo parece apontar para o final da época (eon) corrente refletindo uma expectativa da comunidade de cristãos hebraístas da Judeia relacionada com a instalação do reino messiânico. Nessa segunda linha de pensamento se anotam as advertências quanto a vinda de falsos profetas que se apresentarão como sendo o Cristo (24.5), guerras, perseguições, torturas, fomes e terremotos. O estudo do texto exige a análise das duas situações. 1.1.3. Ideias apocalípticas em Paulo Paulo cria estar vivendo o momento da grande tribulação. Para ele a divisão da história do mundo em duas eras se constituía em uma realidade palpável e indiscutível: "Pois tenho para mim que as aflições deste tempo presente não se podem comparar com a glória que em nós há de ser revelada." Rm. 8.18. Naquele tempo que ele vivia predominavam as aflições. No tempo que estava para chegar predominaria a glória. Dentro desta visão, Paulo desenvolveu uma soteriologia que não se restringia ao ser humano como indivíduo (soteriologia antropológica) mas que teria repercussões sobre toda a criação (soteriologia cosmológica) Romanos 8.19-21. O Resultado da redenção do homem será a constituição de um novo mundo completamente redimido. O "eon" presente, dominado pelas forças do mal, será substituído pelo "eon" futuro, dominado pelas forças do bem. Paulo acreditava que ele estaria vivo na parusia (I Co 15.51,52) e essa sua crença condicionava não apenas a sua forma de vida pessoal mas também as instruções éticas que ele passava às igrejas que os consultavam. Suas instruções aos crentes de Corinto a respeito do casamento indicam que ele aguardava a parusia, acompanhada da ressurreição dos mortos e da adesão dos gentios ao Israel de Deus, para muito breve. Isto o autorizava a sugerir aos solteiros daquela igreja que permanecessem solteiros. Não valeria a pena casar-se para permanecer casado por poucos dias. Os que já eram casados não deveriam entretanto abdicar desta situação, deveriam preservar seus casamentos (I Co. 5). Paulo também esperava para breve a aparição do "homem da iniquidade",(II Ts.2,3) 52
A crítica bíblica aceita atualmente que originalmente eram dois textos distintos, relatos de sermões proferidos em ocasiões diferentes, que no processo de
transmissão por tradição oral foram fundidos. A fusão de perícopes é um processo que aparece várias vezes na formação da literatura neotestamentária.
uma espécie de anticristo que comandaria as forças do mal na sua luta contra os escolhidos do Senhor e que por fim seria destruído pelo sopro da boca do Senhor Jesus Cristo. Essa figura, calcada na discrição que o livro de Daniel faz do homem vil (Daniel 11.21 ss.), operará sinais, prodígios e maravilhas e se oporá frontalmente a Deus e ao culto. Sua chegada seria para muito breve. 1.1.4. Ideias apocalípticas na literatura joanina Já tivemos a oportunidade de estudar a escatologia realizada da comunidade joanina. O presbítero, da mesma forma que Paulo e a maioria dos cristãos do final do primeiro século, cria estar vivendo o período da grande tribulação. Ele podia identificar a presença de muitos anticristos circulando pelo mundo com falsas doutrinas a respeito do salvador, o esfriamento do amor fraternal que levava igrejas a negar a hospitalidade a seus enviados e uma longa série de desmandos típicos da apostasia daqueles tempos. 1.1.5. Apocalipse de João A mais conhecida das obras deste gênero e único livro do Novo Testamento integralmente apocalíptico, o Apocalipse de João pode ser dividido em duas partes. A primeira delas, composta em estilo epistolar como era comum nos tempos em que foram escritos os livros do Novo Testamento, contém 7 mensagens dirigidas, cada uma delas a uma das sete igrejas da província da Ásia. A segunda parte, apocalíptica por excelência, trata das coisas que acontecerão no fim dos tempos: O grande sofrimento, a chegada do Anticristo, a luta entre os exércitos do mal e do bem com a vitória deste, o juízo final, o novo céu e a nova terra. Aceita-se hoje que este livro tenha sido composto no tempo em que o imperador Domiciano perseguia e martirizava os Cristãos. Este livro será estudado a seguir com maiores detalhes.
O APOCALIPSE DE JOÃO Objetivos Instrucionais 1.
Discutir sucintamente as hipóteses sobre a autoria do Apocalipse.
2.
Discutir sucintamente as hipóteses sobre data e local da composição deste livro.
3.
Identificar
seus
destinatários. 4.
Identificar
o
seu
Sumariar
o
seu
objetivo teológico. 5. conteúdo. 6.
Listar os textos bíblicos externos ao Apocalipse que fornecem dados para a identificação dos símbolos usados em sua composição.
Leituras Recomendadas BROWN, R. E. Introdução ao Novo Testamento, São Paulo, Paulinas, 2004. Capítulo 37: O livro da revelação (Apocalipse). CARSON, D. A., MOO, D. J. & MORRIS, L. Introdução ao Novo Testamento, São Paulo, Vida Nova, 1997. Cap. 23 – Apocalipse. HALE, B. D. Introdução ao estudo do Novo Testamento, Rio de Janeiro, JUERP, 1983. Cap. 20 Apocalipse. KÜMMEL, W. G. Introdução ao Novo Testamento, São Paulo, Paulinas, 1982. Parágrafo 34 - O Apocalipse de João. TENNEY, M. C. O Novo Testamento, sua origem e análise, São Paulo, Vida Nova, 2a edição, 1989. Cap XXII - A Igreja espectante : O Apocalipse.
Leituras Adicionais LADD, G. E. Commentary on the Revelation of John, Grand Rapids, Eerdmans, 1a ed.,1972. 308 pp. Mc DOWELL, E. A. A soberania de Deus na história - A mensagem e o significado do Apocalipse, Rio de Janeiro, JUERP, 1a ed., 1976. 178 pp. ROWLEY, H. H. A importância da literatura apocalíptica, São Paulo, Paulinas, 1980. 216 pp. SUMMERS, R. A mensagem do Apocalipse - Digno é o Cordeiro, Rio de Janeiro, JUERP, 2a ed., 1972. 199 pp. VÁRIOS, Uma leitura do Apocalipse, São Paulo, Paulinas, 1983.
2.1. Autoria A autoria joanina do Apocalipse tem sido amplamente aceita em decorrência tanto de evidências internas quanto de evidências externas. Vejamos as principais: 2.1.1. Evidências externas A tradição mais antiga vem atribuindo a João, filho de Zebedeu, a autoria deste livro. Muito valiosos a este respeito são os testemunhos de Justino, o Mártir (ca. 166) e de
Irineu (ca.190) que afirmam a autoria joanina deste livro. Destes dois, o testemunho de Irineu tem valor especial porque ele foi discípulo de Policarpo de Esmirna o qual, por sua vez, foi discípulo do apóstolo João. 2.1.2. Evidências internas O autor do livro se identifica pelo nome de João em quatro passagens (1.1, 1.4, 1.9 e 22.8). Duas hipóteses podem ser admitidas: 1 a - Ele se chamava mesmo João. 2a - Ele tinha outro nome e usou o nome de João como pseudônimo, o que era muito freqüente nas obras compostas no início do Cristianismo, especialmente para a literatura apocalíptica. Se o autor se chamava mesmo João restará a tarefa de identificar quem foi este João. A discussão da hipótese de pseudonímia deve começar pela avaliação da freqüência com que o nome do autor é citado nesta obra. Nas obras reconhecidamente pseudônimas a repetição do nome do autor costuma ser muito freqüente para enfatizar a autoridade do escrito. No livro de Daniel, por exemplo, o nome Daniel é citado 73 vezes em 357 versículos o que nos dá uma freqüência aproximada de uma citação em cada 5 versículos. No livro de João, por outro lado, o nome João é mencionado apenas 4 vezes em 407 versículos o que fornece uma freqüência aproximada de uma citação em cada cem versículos. Esse dado nos fala contra a hipótese de pseudonímia e nos leva a ficar com a escolha de que o autor do livro se chamava mesmo João. Um segundo dado, nas obras pseudônimas o nome citado como autor é sempre acompanhado de uma grande quantidade de predicados o que se entende com facilidade porque a menção do seu nome é, de certa forma, uma homenagem que lhe é feita. No livro de João o nome do autor, provavelmente uma auto-referência, é feito sem nenhum predicado com manda a boa regra da modéstia. Essa evidências, embora negativas, são muito fortes e não podem ser esquecidas. Elas apóiam a hipótese de que o autor deste livro foi mesmo alguém chamado João. Mas, quem foi este João? A tradição identifica este autor com o apóstolo João que fazia parte do círculo mais íntimo de Jesus o qual seria ainda a mesma pessoa que o quarto evangelho chama de o discípulo que Jesus amava. A confirmação, ou a rejeição, desta hipótese tem de ser feita com base em estudos comparativos de vocabulário, frequência do uso das palavras, gramática e estilo deste livro com o quarto evangelho e com as epístolas joaninas. Estes estudos são demasiado áridos para serem discutidos aqui. Os interessados devem se direcionar para os comentários específicos. Além disto os resultados obtidos com estes estudos devem ser tomados com certa reserva porque, como já tivemos oportunidade de ver anteriormente, não podemos atribuir com segurança a autoria do quarto evangelho, e muito menos das epístolas joaninas, ao filho de Zebedeu. Summers53 alinha algumas das características principais deste João que escreveu o Apocalipse. Isto é o que temos de melhor para afirmar sobre ele: 1.
Era um Judeu Cristão que, com muita probabilidade, viveu a maior parte da sua vida na Galileia.
2.
Usava a sintaxe grega de forma extremamente livre.
53
SUMMERS, R. A mensagem do Apocalipse - Digno ‚ o Cordeiro, Rio de Janeiro, JUERP, 2a ed., 1972. 199 pp.
3.
Seu estilo no permite identifica-lo com nenhum outro autor do Novo Testamento, nem mesmo com o autor do quarto evangelho ou das epístolas Joaninas.
4.
Gozav a de indiscutível autoridade entre as igrejas da província da Ásia.
5.
Era homem de profunda visão espiritual e se posicionava como profeta, denunciando contundentemente o pecado. 54
2.1.3. Tempo de composição O Apocalipse foi composto em um tempo quando os cristãos estavam sendo duramente perseguidos e martirizados. As três hipóteses mais aceitas apontam para 1- A época de Nero (54-68), 2- A época de Vespasiano (69-79) e 3- A época de Domiciano (81-96). Três questões dificultam a determinação segura desta época: 1a - O mito do Nero redivivo - Acreditava-se no primeiro século, após a morte de Nero, que ele ressuscitaria para voltar ao comando do Império. Dessa forma, o autor poderia ter feito uma interpretação livre do mito e identificado Vespasiano ou Domiciano com o imperador que os havia antecedido. 2a - Cronologia fictícia - Os livros apocalípticos ignoram a cronologia e fazem referências ao passado como se fosse presente ou futuro. O autor deste livro poderia muito bem ter escrito no final do primeiro século - tempo de Domiciano simulando viver na época de Nero ou de Vespasiano. Hoje é mais aceito entre os críticos o período de Domiciano (81-96) como o mais provável para a composição do Apocalipse. 3a - Os dois documentos - A observação da existência de textos duplicados no apocalipse (por exemplo 21.1-8 e 21.9 - 22.5) levou o erudito M. E. Boismard a elaborar a hipótese de que o Apocalipse de João foi escrito a partir de dois documentos distintos que, entretanto, seriam provenientes de um mesmo autor. O primeiro deles, baseado em Daniel, teria sido escrito no tempo de Nero. O segundo, baseado em Ezequiel, teria sido escrito no tempo de Vespasiano ou de Domiciano. A obra final, como a temos hoje, teria resultado de uma fusão desses dois documentos - tal como Taciano fez mais tarde com os evangelhos - e da anexação da introdução contendo as cartas às sete igrejas da Ásia. 2.1.4. Destinatários Os destinatários declarados são os crentes da província da Ásia (comunidade Joanina?) Devemos, entretanto, levar em consideração outra hipótese. Na dedicatória do Apocalipse são referidos os nomes de 7 igrejas. Como o número 7 simboliza a totalidade é possível que o autor, ao mencionar 7 igrejas, estivesse se dirigindo à totalidade da comunidade cristã da época. A análise geográfica favorece a hipótese de destinatários mais restritos uma vez que uma estrada ligava as sete cidades mencionadas permitindo que um mensageiro fosse a cada uma das sete igrejas com facilidade. 54
Essa declaração necessita de comentário adicional - Embora tenhamos feito distinção prévia entre literatura profética e literatura apocalíptica o que
encontramos, de fato, no Apocalipse de João é um forte conteúdo profético na forma apocalíptica. Um reflexo, sem dúvida, da nova realidade inaugurada com a chegada de Jesus Cristo.
2.1.5. Objetivo Teológico Este apocalipse, como os demais, é uma obra de consolação escrita para estimular cristãos perseguidos a perseverar firmes na fé. O estímulo vem da contemplação do cordeiro que foi morto mas venceu e da Jerusalém Celestial prometida como prêmio aos que se mantiverem fieis. 2.1.6. Estrutura O livro está estruturado em duas partes. A primeira, escrita no gênero epistolar, inclui as sete cartas para as igrejas da Ásia. A segunda, composta no gênero apocalíptico, descreve visões de coisas que vão acontecer no futuro consolidando a vitória de Deus contra seus adversários. 2.2. Parte epistolar profética Na análise da primeira parte aplicam-se os conhecimentos que já possuímos a respeito da literatura epistolar. Podemos observar que cada uma das 7 cartas foi escrita na estrutura típica das epístolas neotestamentárias com a identificação do autor - no caso presente um autor extra-terreno - identificação dos destinatários e um conteúdo que lembra o discurso profético de julgamento e censura no qual o juiz anuncia a sentença contra o acusado e, eventualmente, lhe oferece uma oportunidade de arrependimento. A parte epistolar do Apocalipse tem, portanto, cunho essencialmente profético e nela a denúncia do pecado, especialmente o pecado da apostasia, assume papel preponderante. 2.3. Parte apocalíptica A segunda parte da obra é escrita em estilo caracteristicamente apocalíptico versando essencialmente sobre temas escatológicos. Ela começa com um convite para que o autor suba até o céu e encerra visões que se sucedem mostrando ora animais de aspecto irreal, ora os justos na glória (o céu), ora lutas entre os exércitos do bem e os exércitos do mal (a terra). As visões são seriadas em grupos de sete e alguns deles mostram pragas semelhantes às descritas no Êxodo. Tudo marcha para o "grand finale" quando o inimigo é definitivamente derrotado e aqueles que permanecem fieis herdam o novo céu e a nova terra. DIVISÕES DO APOCALIPSE (conforme bíblia vida nova) INTRODUÇÃO -1.1-8 PRIMEIRA VISÃO - Cristo e a igreja -1.9 - 3.32 A representação da presença sacerdotal - 1.9-20 Cartas às sete igrejas - 2.1 - 3.22 SEGUNDA VISÃO - Cristo e o mundo - 4.1 - 16.21 Comissão do cordeiro - 4.1 - 5.14 Quebrando os sete selos - 6.1-17, 8.1-5 Parênese - 7.1-17 A selagem dos 144.000 - 7.1-8 A multidão incontável - 7.9-17 As sete trombetas - 8.6 - 11.19 O toque das trombetas - 8.7 - 9.21, 11.15-19 A medição do templo - 11.1-2
As duas testemunhas - 11.3-14 Os sinais - 12.1 - 14.20 A mulher - 12.1-3, 6,14-16 O dragão - 12.3,4,7-13,15-17 O menino - 12.5 Miguel, o arcanjo - 12.7 A besta saída do mar - 13.1-10 A besta saída da terra - 13.11-18 O cordeiro no mente Sião com seus seguidores - 14.1-5 Parênese - anúncios angélicos - 14.6-20 As sete taças - 15.1 - 16.21 Os santos que cantam - 15.1-4 Julgamento - 15.5 - 16-21 TERCEIRA VISÃO - Cristo e a vitória - 17.1 - 21.8 A queda da Babilônia - 17.1 - 18.24 A resposta do céu - 19.1-10 A vitória sobre a besta - 19.1-6 O reino milenar - 20.1-6 Conflito e juízo final - 20.7-15 Novos céus e nova terra - 21.1-8 QUARTA VISÃO - Cristo e eternidade - 21.9 -22-5 A nova Jerusalém - 21.9-21 Uma nova vida com Deus e o Cordeiro - 21.22 - 22. EPÍLOGO - A chamada de Cristo - 22.6-21 Chamada à obediência - 22.6-11 Chamada ao trabalho - 22.12-15 Chamada ao amor - 22.16-20 Bênção - 22.21
DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA ESCATOLOGIA CRISTÃ Objetivos Instrucionais 1. Sumariar a escatologia do período apostólico. 2. Sumariar a escatologia do período sub-apostólico. 3. Sumariar a escatologia agostiniana. 4. Sumariar a escatologia da Reforma Protestante. 5. Listar e descrever sucintamente os principais postulados das escolas modernas de interpretação do Apocalipse: Preterismo, Futurismo, Amilenismo, Pré-milenismo, Pos-milenismo, Dispensacionalismo. 6. Mencionar e justificar a posição oficial dos Batistas Brasileiros quanto a interpretação do Apocalipse. Leituras Recomendadas HALE, B. D. Introdução ao estudo do Novo Testamento, Rio de Janeiro, JUERP, 1983. Cap. 20 Apocalipse. KÜMMEL, W. G. Introdução ao Novo Testamento, São Paulo, Paulinas, 1982. Parágrafo 34 - O Apocalipse de João. TENNEY, M. C. O Novo Testamento, sua origem e análise, São Paulo, Vida Nova, 2a edição, 1989. Cap. XXII - A Igreja espectante : O Apocalipse.
Leituras adicionais SCHALY, H. Pequena história da escatologia cristã, Rio de Janeiro, JUERP, 1968. 73 pp.
INTRODUÇÃO A compreensão das posições assumidas em nossos dias por diferentes grupos de cristãos com respeito à interpretação do Apocalipse exige que façamos a reconstituição da história das interpretações desde o período em que foi escrito o Novo Testamento até os nossos dias. Fala-se muito hoje em pré-milenismo, amilenismo, dispensacionalismo. É importante que o estudante conheça essas interpretações e é importante também que ele conheça a interpretação oficial da Convenção Batista Brasileira, firmada na sua declaração doutrinaria. 3.1. A escatologia do período sub-apostólico A expectativa escatológica dos cristãos primitivos foi a continuação natural de sua expectativa messiânica. Os cristãos das igrejas apostólicas, em sua maioria judeus palestinos, interpretaram o messianismo de Jesus com base na expectativa messiânica da nação judaica. Para eles Jesus era o Filho de Davi que viria com a missão específica de restaurar a soberania política em Israel instalando um Reino de Deus essencialmente terreno e político. Quando essa expectativa foi frustrada os cristãos judeus deslocaram para a segunda vinda de Cristo a sua expectativa messiânica (Atos 1.6) e desenvolveram uma escatologia expectante. Para os crentes da comunidade joanina, que não aguardavam um messias político e sim um profeta celestial conhecedor de todas as coisas (João 1.30, 4.25), a vinda de Jesus preencheu integralmente todas as expectativas, nada mais tinham a esperar. Dessa forma, a comunidade joanina desenvolveu uma escatologia realizada (João 3.3). O primeiro século do Cristianismo
viveu o confronto entre a escatologia expectante da comunidade apostólica e a escatologia realizada da comunidade joanina. As experiência vividas pelos cristãos do primeiro século levaram os dois grupos a uma convergência de opiniões. Os crentes da comunidade apostólica passaram muito rapidamente de sua concepção inicial ao que podemos denominar como uma escatologia em processo de realização. Uma expectativa de uma volta iminente de Jesus Cristo quando todas as promessas divinas pendentes seriam então cumpridas. Esta é a situação que encontramos nas comunidades cristãs de Jerusalém e de Tessalônica, nas quais os crentes vendiam as suas propriedades e se cotizavam na compra de mantimentos que eram distribuídos a todos na medida da necessidade de cada um. A comunidade joanina chegou ao mesmo resultado por um caminho diferente. O surgimento de dissidentes hereges que levaram a escatologia realizada a um extremo incompatível com a ética cristã, levou a liderança da comunidade a reformular a sua posição e a admitir que nem todas as expectativas haviam sido satisfeitas naquele tempo. Os escritos mais maduros do Novo Testamento parecem apoiar esta posição. A primeira epístola de João declara: Nós já somos filhos de Deus mas ainda está por se revelar o que nós seremos (I João 3.2). Paulo, escrevendo aos romanos, declara: A criação aguarda em ardente expectativa a manifestação do filhos de Deus (Romanos 8.18-30). É este o quadro que encontramos no encerramento do período apostólico. Apesar desta indefinição, alguns fatos ficaram bem estabelecidos desde aquela época: 1 Cristo virá outra vez, 2- Os crentes que morrerem antes da volta de Cristo ressuscitarão nessa ocasião, 3 - Aqueles que ficarem vivos serão transformados e receberão um corpo espiritual. 4 - Virá finalmente o juízo no qual os homens serão separados em dois grupos. Os bons irão para o descanso eterno e os maus para o sofrimento eterno. 3.2. A escatologia agostiniana Findo o século primeiro da Era Cristã, o ardor escatológico da igreja esfriou pela frustração decorrente do não cumprimento da promessa da parusia. A igreja se institucionalizou e se hierarquizou. - Pode-se dizer que o Cristianismo experimentou uma situação semelhante àquela que tinha sido vivenciada pelos judeus dissidentes de Qumran - Só mais tarde, com Agostinho, os cristãos começaram a revisar a sua escatologia. Esta é a escatologia aceita ainda hoje pela igreja católica. Seus pontos fundamentais são os seguintes: 1. Haverá um só juízo final. 2. A primeira ressurreição descrita no Apocalipse é a conversão. 3. diabo foi amarrado por mil anos quando da primeira vinda de Cristo. 4. O reinado dos santos por mil anos é diferente do reino eterno. 5. Os mortos que não ressuscitaram são os espiritualmente mortos. Essa interpretação motivou sérias expectativas de fim de mundo no ano 1000 da era cristã, expectativas que, evidentemente, não se cumpriram. As principais características da escatologia agostiniana são as seguintes: 1. Preterista - declara que todas as profecias dos apocalipses de Daniel e de João se cumpriram no passado. 2. Amilenista - não admite o reino milenar de Cristo. 3. Simbolista - não admite a interpretação literal do Apocalipse.
3.3. A escatologia da Reforma Protestante Com o advento da Reforma Protestante os cristãos que se desligaram da Igreja Romana adotaram um sistema escatológico com ênfase histórica que colocava em destaque a posição apóstata do Catolicismo Romano. Não foi difícil para eles identificar a Babilônia com a Roma papal e o Anticristo com o próprio papa. Sumers chama esse método de interpretação de método da continuidade histórica. A principal característica desta interpretação se constitui na identificação dos eventos descritos no Apocalipse com fatos históricos que já haviam ocorrido no tempo em que a Reforma Protestante ocorreu. Por esse motivo esta interpretação é caracterizada como preterista. Por exemplo, a abertura do livro selado, descrita no capítulo 10, é identificada com a própria Reforma Protestante e as ocorrências posteriores são interpretadas como profecias a respeito do papado. A queda da Babilônia seria a destruição final do papado. Summers nos mostra os principais pontos fracos desta interpretação: 1. O Apocalipse, interpretado desta forma, no teria nenhum interesse para os crentes aos quais ele foi originalmente dirigido. Que elemento de consolação poderia haver em fatos que só se realizariam depois de 15 séculos, no mínimo ? 2. Esta interpretação enfatiza demasiadamente a apostasia da Igreja Romana, em detrimento de outros fatos não menos importantes para os Cristãos de todos os tempos. 3. Sem qualquer critério, ela busca significado para as narrativas do Apocalipse apenas em fatos ocorridos em países dominados pelo Catolicismo Romano. 4. Desce a pormenores indevidos na interpretação dos fatos históricos. 5. Os cálculos temporais feitos com base nesta interpretação foram totalmente desmentidos. 3.4. A escatologia futurista ou pré-milenista. Diferentemente dos preteristas da Reforma Protestante, que interpretavam a maior parte dos eventos apocalípticos como já tendo se cumprido no passado, os futuristas, ou prémilenistas, jogam para o futuro o cumprimento de uma grande quantidade destes mesmos eventos. Estes podem ser divididos ainda em dois grupos, os pré-milenistas históricos, mais moderados, e os dispensacionalistas. A grande maioria das denominações evangélicas pentecostais adota a posição pré-milenista. Assim também o fazem os Batistas Regulares e os seguidores da Igreja Universal. A característica essencial do dispensacionalismo é a admissão de que Jesus Cristo voltará duas vezes. Na primeira ocorrerá o arrebatamento da igreja e na segundo o juízo final. Entre as duas virá a grande tribulação. Por esta razão os dispensacionalistas são também chamados de prétribulacionistas. Pontos fortes desta interpretação: 1. É uma interpretação que toma a Bíblia ao pé da letra - Summers considera o literalismo uma virtude. Permitimo-nos a licença de discordar dele porque, como estabelece a Hermenêutica, cada gênero literário da Bíblia tem as suas regras particulares de interpretação. Nada nos autoriza a aceitar que a interpretação literal seja a melhor para o gênero apocalíptico que é essencialmente simbólico, como já foi visto anteriormente. 2. Mantém viva a expectativa do regresso do Senhor.
3. Na realidade não precisamos acreditar em milênio para mantermos vivo o nosso fervor evangelístico. Basta-nos atentar para as palavras do Mestre que nos mostram que os campos estão brancos para a ceifa já no momento presente e não apenas no futuro remoto. Deficiências: 1. O Apocalipse, interpretado dessa forma, não teria nenhum valor para os seus primitivos leitores. 2. Ela é incompatível com a declaração do autor de que os eventos narrados no livros se cumpririam brevemente (1.1). 3. Essa interpretação despreza inteiramente o simbolismo do Apocalipse. 4. Ela se associa a uma Filosofia Materialista do Reino de Deus. 3.5. O método da formação histórica O método da formação histórica é um variante do método da Filosofia da História. Ele se baseia no método preterista quando admite que a maior parte dos eventos descritos no Apocalipse faz referência a fatos que se cumpriram no período em que viveram os seus primitivos leitores e diverge dele quando admite que desses eventos podem ser aprendidas lições que são válidas para cristãos de qualquer tempo ou lugar em que se repitam as condições de vida experimentadas pelos primitivos leitores. Onde houver perseguição religiosa os perseguidos poderão encontrar um elemento de consolação nas páginas do Apocalipse. Os princípios fundamentais deste método são: 1. O autor escreveu sua mensagem visando essencialmente encorajar e edificar os cristãos do seu próprio tempo. 2. O Apocalipse foi escrito em sua maior parte (parte II) em linguagem simbólica cujos símbolos podiam ser entendidos pelos leitores aos quais ele foi originalmente dirigido pois, de outra forma, no poderiam encontrar nenhum elemento de consolação em sua leitura. 3. O Apocalipse usa uma simbologia extraída do Antigo Testamento que foi adaptada à cultura da comunidade cristã do primeiro século. 4. As visões apocalípticas devem ser interpretadas como um todo. Devemos procurar o seu significado global sem darmos atenção demasiada aos detalhes. 5. O Apocalipse estimula a imaginação do leitor. 3.6. A escatologia pós-milenista A escatologia pós-milenista se caracteriza por considerar os mil anos como um símbolo do longo período que precederá a volta de Jesus Cristo. Neste período o evangelho será pregado a todo o mundo e a sua aceitação trará o reinado da paz que persistirá até a volta de Cristo. Nesta interpretação o milênio representa o triunfo do evangelho no mundo. 3.7. Posição dos batistas brasileiros A posição dos batistas brasileiros está firmada no artigo 19 de sua Declaração
Doutrinária e pode ser caracterizada como amilenista. Schaly55 na introdução de seu livro sobre escatologia cristã analisa a posição oficial dos batistas da Convenção Batista Brasileira expressa em suas declarações doutrinárias e conclui que, diversamente dos Batistas Regulares que são francamente premilenistas, nós batistas da CBB, somos amilenistas. Destaca que na história do povo batista brasileiro tem havido alguns eminentes líderes de crença premilenista tais como John Mein e Salomon Ginsburg, sendo que este último nos deixou como uma de suas heranças o hino 106 do Cantor Cristo no qual se registra uma oração que pede a inauguração do milênio. Apesar destas posições isoladas, os documentos oficiais da denominação (declarações doutrinárias) são unânimes em afirmar que Jesus Cristo voltará uma única vez para consumar o Reino de Deus não deixando, portanto, nenhum espaço para a ocorrência de um milênio histórico.
55
Schaly, H. Pequena história da escatologia cristã, Rio de Janeiro, JUERP, 1968. 73 pp.
UM ENSAIO DE INTERPRETAÇÃO DO APOCALIPSE - OS NÚMEROS 4.1. OS NÚMEROS INTEIROS O princípio fundamental para a interpretação dos números que aparecem no Apocalipse de João é que eles devem ser tomados pelo seu valor simbólico e não pelo seu valor aritmético. Os judeus cristãos, para quem a mensagem do Apocalipse de João foi enviada, não pensavam em números da mesma forma que nós. Para eles os números, assim como as cores, suscitavam ideias precisas. Tanto os números inteiros quantos o fracionários eram usados correntemente para passar ideias. Isso não se constitui em peculiaridade deles. Nossa cultura também tem resquícios desse simbolismo. Dizemos por vezes que “sociedade de três não dá certo” ou que “sete é conta de mentiroso”. Vejamos o que os inteiros significam na Bíblia: 4.1.1. Um, o número de Deus Deuteronômio 6.4 Ouve. Israel, o SENHOR, nosso Deus, é o único SENHOR.
A fidelidade devida a Deus exigia que o seu culto nunca fosse compartilhado. Saído do politeísmo primitivo56, Israel deu um grande passo ao evoluir para o henoteísmo quando concluiu que, embora pudesse haver outros deuses, deveria comprometer-se a adorar exclusivamente o SENHOR (IAWE). Esse passo possibilitou o seguinte que foi a evolução para o monoteísmo autêntico. Quando povo chegou à conclusão de que tudo mais que ele antes havia conhecido como Deus não o era na realidade, eram falsos deuses, Deus mesmo só existe um, atingiu o estágio final de sua evolução religiosa. 4.1.2. Dois, o número do testemunho Deuteronômio 17:6 Por boca de duas ou três testemunhas, será morto o que houver de morrer; por boca de uma só testemunha, não morrerá. Apocalipse 11:3 E darei poder às minhas duas testemunhas, e profetizarão por mil duzentos e sessenta dias, vestidas de pano de saco.
O número dois está indissociavelmente ligado ao testemunho. E o mínimo de testemunhas que pode ser aceito em um processo legal. O número dois é citado mais frequentemente na forma oculta e não é visto no texto escrito mas a ideia dele é comunicada. Isso é possível porque nas línguas antigas como o Hebraico havia o número gramatical dual que era o número próprio das coisas que existem obrigatoriamente aos pares. As palavras deste número apresentam a desinência “aim” (v.g. “Shenaim” = dois. “Mizraim” = os dois Egitos, alto Egito e baixo Egito, “Shamaim” = os dois céus). Nas línguas modernas há vestígios deste número. Em Português temos uma única palavra representativa “ambos” que não é um (singular) nem muitos (plural), é obrigatoriamente dois. Na língua inglesa palavras como “scissors” (tesoura) e “trousers” (calças) também apresentam esta idéia. No Apocalipse de João o número dois aparece implicitamente na composição do fracionário “três e meio” como “um tempo e (dois) tempos e metade de um tempo”. Apocalipse 12:14 E foram dadas à mulher duas asas de grande águia, para que voasse para o deserto, ao seu lugar, onde é sustentada por um tempo, e tempos, e metade de um tempo, fora da vista da serpente.
4.1.3. Três, o número da obra completa Gênesis 1: 1 No princípio, criou Deus os céus e a terra. 2 E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se 56
O assunto é polêmico. Entretanto a palavra para Deus na língua hebraica (Elohim) é plural, significando na realidade “Os deuses” . v. Gênesis 1.1.
Encontramos ainda na religião hebraica antiga vestígios do politeísmo no culto a Azazel, o líder doa anjos decaídos, que consistia em enviar um bode ao deserto para aplacar a sua ira.
movia sobre a face das águas. 3 E disse Deus: Haja luz. E houve luz. 4 E viu Deus que era boa a luz; e fez Deus separação entre a luz e as trevas. 5 E Deus chamou à luz Dia; e às trevas chamou Noite. E foi a tarde e a manhã: o dia primeiro. 6 E disse Deus: Haja uma expansão no meio das águas, e haja separação entre águas e águas. 7 E fez Deus a expansão e fez. separação entre as águas que estavam debaixo da expansão e as águas que estavam sobre a expansão. E assim foi. 8 E chamou Deus à expansão Céus; e foi a tarde e a manhã: o dia segundo. 9 E disse Deus: Ajuntem-se as águas debaixo dos céus num lugar; e apareça a porção seca. E assim foi. 10 E chamou Deus à porção seca Terra; e ao ajuntamento das águas chamou Mares. E viu Deus que era bom. 11 E disse Deus: Produza a terra erva verde, erva que dê semente, árvore frutífera que dê fruto segundo a sua espécie, cuja semente esteja nela sobre a terra. E assim foi. 12 E a terra produziu erva, erva dando semente conforme a sua espécie e árvore frutífera. cuja semente está nela conforme a sua espécie. E viu Deus que era bom. 13 E foi a tarde e a manhã: o dia terceiro. 14 E disse Deus: Haja luminares na expansão dos céus, para haver separação entre o dia e a noite; e .sejam eles para sinais e para tempos determinados e para dias e anos. 15 E sejam para luminares na expansão dos céus, para alumiar a terra. E assim foi. 16 E fez Deus os dois grandes luminares: o luminar maior para governar o dia, e o luminar menor para governar a noite; e fez as estrelas. 17 E Deus os pôs na expansão dos céus para alumiar a terra, 18 e para governar o dia e a noite. e para fazer separação entre a luz e as trevas. E viu Deus que era bom. 19 E foi a tarde e a manhã: o dia quarto. 20 E disse Deus: Produzam as águas abundantemente répteis de alma vivente; e voem as aves sobre a face da expansão dos céus. 21 E Deus criou as grandes baleias, e todo réptil de alma vivente que as águas abundantemente produziram conforme as suas espécies, e toda ave de asas conforme a sua espécie. E viu Deus que era bom. 22 E Deus os abençoou, dizendo: Frutificai. e multiplicai-vos, e enchei as águas nos mares; e as aves se multipliquem na terra. 23 E foi a tarde e a manhã: o dia quinto. 24 E disse Deus: Produza a terra alma vivente conforme a sua espécie; gado, e répteis. e bestas-feras da terra conforme a sua espécie. E assim foi. 25 E fez Deus as bestas-feras da terra conforme a sua espécie. e o gado conforme a sua espécie, e todo o réptil da terra conforme a sua espécie. E viu Deus que era bom. 26 E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo réptil que se move sobre a terra. 27 E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; macho e fêmea os criou. 28 E Deus os abençoou e Deus lhes disse: Frutificai. e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre todo o animal que se move sobre a terra. 29 E disse Deus: Eis que vos tenho dado toda erva que dá semente e que está sobre a face de toda a terra e toda árvore em que há fruto de árvore que dá semente; ser-vos-ão para mantimento. 30 E a todo animal da terra, e a toda ave dos céus, e a todo réptil da terra, em que há alma vivente, toda a erva verde lhes será para mantimento. E assim foi. 31 E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom; e foi a tarde e a manhã: o dia sexto.
A criação é, por excelência, a obra completa de Deus. Deus gastou 3 dias para criar o universo (primeiro, segundo e terceiro) e mais 3 para povoá-lo (quarto, quinto e sexto). Ele criou o universo inteiro (uma terra e dois céus). No primeiro dia separou a luz das trevas. No segundo separou as águas inferiores (oceano terrestre) das superiores (oceano celeste). No terceiro separou a terra seca, com três espécies de vegetais, das águas: Erva verde, erva verde que dá sementes (cereais) e árvores frutíferas. No quarto. povoou os céus com três espécies de luminares: sol, lua e estrelas. No quinto. povoou a atmosfera e a água (elementos fluidos) com três espécies de animais: aves,
peixes e répteis marinhos. No sexto dia, povoou a terra seca com três espécies de animais: répteis terrestres. animais selvagens e animais domésticos. Por fim criou o homem que também é um animal mas se distingue dos outros por ser a coroa da criação. Dessa forma. para que o elemento criado seja completo ele precisa ter 3 partes (3/3 = 1). O número três passa a ideia de algo completo. com todas as partes incluídas. Quando Jesus Cristo quis mostrar que Pedro o abandonaria completamente na hora do sofrimento declarou que o discípulo o trairia três vezes e, ao recuperá-lo mais tarde. exigiu que Pedro reafirmasse seu amor também bem três vezes. João 13:38 Respondeu-lhe Jesus: Tu darás a tua vida por mim ? Na verdade, na verdade te digo que não cantará o galo, enquanto me não tiveres negado três vezes. João 21:17 Disse-lhe terceira vez: Simão, filho de lonas, amas-me? Simão entristeceu-se por lhe ter dito terceira vez: Amas-me? E disse-lhe: Senhor, tu sabes tudo; tu sabes que eu te amo. Jesus disse-lhe: Apascenta as minhas ovelhas.
Na língua hebraica a tríplice repetição era a forma usual para indicar o superlativo. A visão de chamada do primeiro Isaías (Isaías 6.1-9) relata que ele viu a corte celestial onde os serafins faziam a tríplice declaração da santidade de Deus. Nós, que somos herdeiros desta tradição, encerramos o nosso culto com o tríplice amém. A confissão de fé padrão da Igreja Católica Romana envolve uma tríplice declaração de reconhecimento de culpa: “Mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa”. 4.1.4. Quatro, o número do mundo Apocalipse 9:14 a qual dizia ao sexto anjo. que tinha a trombeta: Solta os quatro anjos que estão presos junto ao grande rio Eufrates. 9:15 E foram soltos os quatro anjos que estavam preparados para a hora, e dia, e mês. e ano, a fim de matarem a terça parte dos homens.
O número quatro é o número do mundo, ou da terra. Na concepção geográfica da antiguidade a terra era plana e tinha quatro limites: o norte o sul, o oriente e o ocidente. A referência a esses quatro limites envolve a totalidade da terra. No livro do Apocalipse este número é citado muitas vezes fazendo referencia ao mundo. Isso não se constitui em inovação. No livro de Daniel se faz referência à totalidade do mundo falando-se dos quatro ventos do céu: Daniel 11:4 Mas, estando ele em pé, o seu reino será quebrado e será repartido para os quatro ventos do céu; mas não para a sua posteridade, nem tampouco segundo o poder com que reinou, porque o seu reino será arrancado e passará a outros.
Também Ezequiel profetiza a destruição completa de Israel dizendo que ela se estenderá aos quatro cantos da terra: Ezequiel 7:2 E tu, ó filho do homem, assim diz o Senhor JEOVA acerca da terra de Israel: Vem o fim, o fim vem sobre os quatro cantos da terra.
Entendemos. dessa forma, que o número quatro faz referência à totalidade da extensão do mundo conhecido na época em que foram escritos os livros estudados. Os quatro animais do Apocalipse de João também representam a totalidade da criação: 7 e o primeiro ser era semelhante a um leão; o segundo ser, semelhante a um touro; tinha o terceiro ser o rosto como de homem; e o quarto ser era semelhante a uma águia voando. 8 Os quatro seres viventes tinham, cada um, seis asas, e ao redor e por dentro estavam cheios de olhos; e não têm descanso nem de noite, dizendo: Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus, o Todo-Poderoso, aquele que era, e que é, e que há de vir. (Apocalipse 4). O leão é o mais importante dos animais
selvagens, o touro é o mais importante dos animais domésticos, o homem é o mais importante ser de toda a criação e a águia a mais importante das aves. Em conjunto,
representam toda a criação rendendo glórias ao Criador. 4.1.5. Sete, o número da plenitude Apocalipse 3:1 E ao anjo da igreja que está em Sardes escreve: Isto diz o que tem os sete Espíritos de Deus e as sete estrelas: Eu sei as tuas obras, que tens nome de que vives e estás morto.
O número sete é usado no Apocalipse de João para indicar a plenitude. Assim é que a plenitude do espírito de Deus, presente em Jesus Cristo, é indicada pela expressão “ os sete Espíritos de Deus”. O número sete é obtido pela soma de 3 (o número da obra completa) e 4 (o número da extensão da terra). Para os judeus ele representava o limite máximo que podia ser almejado. Um discípulo que almejava atingir a perfeição inquiriu a Jesus: Mateus 18:2 1 Então. Pedro. aproximando-se dele, disse: Senhor, até quantas vezes pecará meu irmão contra mim, e eu lhe perdoarei? Até sete? 22. Jesus 1he disse: Não te digo que até sete mas até setenta vezes sete.
No livro do Apocalipse aparecem várias séries de sete: sete espíritos de Deus (1.4). sete igrejas (1.11). sete castiçais (1.12). sete estrelas (1.16). sete selos (5.1), sete trombetas (8.2), sete pragas (15. 1). Uma forma alternativa de fazer referência ao número sete no Apocalipse é a citação da letras alfa e ômega. O alfabeto grego possui sete vogais das quais alfa é a primeira e ômega é a última. A citação dos dois elementos extremos do conjunto envolve a citação do conjunto inteiro que tem sete elementos. 4.1.6. Dez, o número do homem Apocalipse 2:10 Nada temas das coisas que hás de padecer. Eis que o diabo lançará alguns de vós na prisão, para que sejais tentados; e tereis uma tribulação de dez dias. Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida. Apocalipse 12:3 E viu-se outro sinal no céu, e eis que era um grande dragão vermelho, que tinha sete cabeças e dez chifres e, sobre as cabeças, sete diademas. Apocalipse 13:1 E eu pus-me sobre a areia do mar e vi subir do mar uma besta que tinha sete cabeças e dez chifres, e, sobre os chifres, dez diademas, e, sobre as cabeças, um nome de blasfêmia. Apocalipse 17:3 E levou-me em espírito a um deserto, e vi uma mulher assentada sobre uma besta de cor escarlate, que estava cheia de nomes de blasfêmia e tinha sete cabeças e dez chifres. Apocalipse 17:7 E o anjo me disse: Por que te admiras? Eu te direi o mistério da mulher e da besta que a traz, a qual tem sete cabeças e dez chifres. Apocalipse 17:12 E os dez chifres que viste são dez reis, que ainda não receberam o reino, mas receberão o poder como reis por uma hora, juntamente com a besta. Apocalipse 17:16 E os dez chifres que viste na besta são os que aborrecerão a prostituta, e a porão desolada e nua, e comerão a sua carne, e a queimarão no fogo.
Dez é o número do homem. O homem tem dez dedos na mão. Dez dias, portanto, simbolizam a duração da vida de um homem. Ap. 2.10 nos ensina que alguns dos cristãos que estavam presos não sairiam da prisão com vida. Só lhes restava manter a fidelidade até a morte para receber o prêmio para o qual foram vocacionados. Os dez chifres dos animais (o dragão e as duas bestas) representam suas atuações por meio de poderes humanos. Retiramos os chifres das vacas para que elas não tenham o poder de nos atacar. Se retiramos os chifres (seres humanos devotados) do dragão
ele também não poderá fazer nada contra nós. 4.1.7. Doze, o número do povo de Deus Doze é obtido pela multiplicação de 3 e 4. Também representa um todo completo e historicamente se refere à totalidade do povo de Israel. No livro de Apocalipse aparece na sua forma singular, como dobro (vinte e quatro) e como quadrado (cento e quarenta e quatro). Apocalipse 7:5 Da tribo de Judá, havia doze mil assinalados; da tribo de Ruben, doze mil; da tribo de Gade doze mil; 6. da tribo de Aser, doze mil; da tribo de Naftlali, doze mil; da tribo de Manassés, doze mil; 7 da tribo de Simeão, doze mil; da tribo de Levi, doze mil; da tribo de Issacar. doze mil; 8 da tribo de Zebulom, doze mil; da tribo de José, doze mil; da tribo de Benjamim, doze mil. Apocalipse 4:4 E ao redor do trono havia vinte e quatro tronos; e vi assentados sobre os tronos vinte e quatro anciãos vestidos de vestes brancas; e tinham sobre a cabeça coroas de ouro. Apocalipse 14. 1 E olhei, e eis que estava o Cordeiro sobre o monte Sião, e com ele cento e quarenta e quatro mil, que em sua testa tinham escrito o nome dele e o de seu Pai. 2 E ouvi uma voz do céu como a voz de muitas águas e como a voz de um grande trovão; e uma voz de harpistas, que tocavam com a sua harpa. 3 E cantavam um como cântico novo diante do trono e diante (os quatro animais e dos anciãos; e ninguém podia aprender aquele cântico, senão os cento e quarenta e quatro mil que foram comprados da terra.
Os vinte e quatro tronos com os vinte e quatro anciãos são interpretados como uma referência aos doze patriarcas de Israel (o antigo povo de Deus) e aos doze apóstolos da igreja (o novo povo de Deus). isso significa que o livro reconhece a continuidade da obra de Deus, que começou com Israel, na igreja cristã. Os cento e quarenta e quatro mil (12 x 12 x 1000) nos falam de uma multidão inumerável. 4.1.8. Seiscentos e sessenta e seis, o número do mal Apocalipse 13:18 Aqui há sabedoria. Aquele que tem entendimento calcule o número da besta, porque é número de homem; e o seu número é seiscentos e sessenta e seis.
Duas linhas de interpretação têm orientado a análise deste número. A primeira delas consiste em obter a soma dos valores numéricos das letras que compõem um determinado nome. Por este método somos levados a concluir que o número 666 no livro de Apocalipse identifica o imperador Nero uma vez que a soma dos valores das letras do alfabeto grego que constituem o seu nome () perfaz tal valor. Foi pela aplicação deste método que os cristãos reformados identificaram a besta com o papado: a soma dos valores romanos das letras componentes do título usado pelo papa (Vicarivs filii dei) também dá 666. A segunda linha de interpretação depende da consideração das características do pensamento hebreu. 1 - O número seis (sete menos um) representa a falha em atingir a plenitude. Lembremos que palavra hebraica para pecado significa “ficar aquém do alvo”. 2 - A tríplice repetição é usada na língua hebraica para indicar o modo superlativo. Isaías, em sua visão de chamada, contemplou serafins que declaravam três vezes a santidade de Deus: Isaías 6:3 E clamavam uns para os outros, dizendo: Santo, Santo, Santo é o SENHOR dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória.
No Apocalipse de João, esta visão é repetida: Apocalipse 4:8 E os quatro animais tinham, cada um, respectivamente, seis asas e, ao redor e por dentro. estavam cheios de olhos; e não descansam nem
de dia nem de noite, dizendo: Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus, o Todopoderoso, que era, e que é, e que há de vir
O que os animais diziam, tanto na visão de Isaías quanto na de João, é que Deus é o mais santo de todos os santos. A tríplice repetição do número 6 indica, de maneira enfática, a declaração da falha em atingir a plenitude absoluta. Outra argumentação a favor desta linha de interpretação é que o numeral seis em língua hebraica (shishi) tem uma pronúncia que lembra o chiado da serpente, que no mesmo livro do Apocalipse simboliza o inimigo maior (12.9. 20.2) 4.1.9. Mil, o número das coisas inumeráveis O número 1000 na literatura bíblica, especialmente no Novo Testamento, nos comunica a ideia de alguma coisa que é muito grande para ser contada, de algo inumerável, e, portanto indefinido. Este o sentido com que este número é usado na segunda epístola de Pedro. II Pedro 3: 8 Mas, amados, não ignoreis uma coisa: que um dia para o Senhor e como mil anos, e mil anos, como um dia.
No livro de Apocalipse ele aparece compondo os 144.000 para passar a ideia de uma multidão inumerável e aparece isolado para descrever a duração do reinado do messias quando o inimigo será imobilizado: Apocalipse 20:2 Ele prendeu o dragão, a antiga serpente, que é o diabo e Satanás, e amarrou–o por mil anos.
O ensino do Apocalipse é que depois do término daquela perseguição pela qual a igreja estava passando haveria um período de paz e tranquilidade de duração ilimitada. Esta previsão se cumpriu. Após a morte de Domiciano os cristãos não sofreram maiores perseguições e. no quarto século, foram reconhecidos como religiosos dentro da lei do Império Romano. 4.2. OS NÚMEROS FRACIONÁRIOS 4.2.1. Um quarto, o número da menor parte Apocalipse 6:8 E olhei, e eis um cavalo amarelo; e o que estava assentado sobre ele tinha por nome Morte; e o inferno o seguia; e foi-lhes dado poder para matar a quarta parte da terra com espada, e com fome, e com peste, e com as feras da terra.
Sendo quatro o número característico do mundo completo na cultura helenística, o seu recíproco ¼ (Quarta parte) representa uma fração do mesmo mundo. A menção de quarta parte no texto acima indica que a mortandade atingiria apenas a minoria da humanidade. 4.2.2. A divisão assimétrica (um terço e dois terços) Se a obra completa tem obrigatoriamente três partes na cultura hebraica, a sua divisão em partes desiguais tem que ser obrigatoriamente por trios. Nessa divisão um terço representa a parte menor e dois terços representa a parte maior. Como adverte o profeta Zacarias: Zacarias 13:8 E acontecerá em toda a terra, diz o SENHOR, que as duas partes dela serão extirpadas e expirarão; mas a terceira parte restará nela.
Observemos que Zacarias usa a expressão duas partes (de três) para se referir à maioria e a terceira parte para se referir à minoria. Dentro dessa óptica. quando o numeral 1/3 aparece no Apocalipse. ele sempre faz referência a algo limitado e não
muito grande, em geral a um período de tempo. Apocalipse 8. 7 E o primeiro anjo tocou a trombeta. e houve saraiva e fogo misturado com sangue, e foram lançados na terra, que foi queimada na sua terça parte; queimou-se a terça parte das árvores, e toda a erva verde foi queimada. 8 E o segundo anjo tocou a trombeta; e foi lançada no mar uma coisa como um grande monte ardendo em fogo, e tornou-se em sangue a terça parte do mar. 9 E morreu a terça parte das criaturas que tinham vida no mar,’ e perdeu-se a terça parte das naus. 10 E o terceiro anjo tocou a trombeta, e caiu do céu unia grande estrela, ardendo como uma tocha, e caiu sobre a terça parte dos rios e sobre as fontes das águas. 11 E o nome da estrela era Absinto, e a terça parte das águas tornou-se em absinto, e muitos homens morreram das águas, porque se tornaram amargas. 12 E o quarto anjo tocou a trombeta, e foi ferida a terça parte do sol, e a terça parte da lua, e a terça parte das estrelas, para que a terça parte deles se escurecesse, e a terça parte do dia não brilhasse, e semelhantemente a noite.
4.2.3. A divisão simétrica : três e meio Se o número 7 representa a plenitude. facilmente entendemos que a sua metade (três e meio) representa a limitação. Existem várias maneiras de o livro do Apocalipse se referir à expressão 3 1/2. Vejamos: a) Um tempo e tempos e metade de um tempo (12.4) - como já tivemos a oportunidade de discutir a expressão tempos significa na realidade dois tempos. A mulher (igreja) estava sendo perseguida pelo dragão (Satanás) que queria devorar o seu filho (a obra redentora da igreja no mundo) mas essa perseguição não duraria eternamente, continuaria por um tempo curto. b) Três dias e meio - Também sinaliza para um tempo limitado: Apocalipse 11:9 E homens de vários povos, e tribos, e línguas, e nações verão seu corpo morto por três dias e meio e não permitirão que o seu corpo morto seja posto em sepulcros. Apocalipse 11:1 1 E. depois daqueles três dias e meio, o espírito de vida, vindo de Deus, entrou neles; e puseram-se sobre os pés, e caiu grande temor sobre os que os viram. c) Quarenta e dois meses - são três anos e meio o que significa um período curto ao passo que sete anos significariam um período ilimitado (pleno) Apocalipse 11:2 E deixa o átrio que está fora do templo e não o meças; porque foi dado às nações, e pisarão a Cidade Santa por quarenta e dois meses. Apocalipse 13:5 E foi-lhe dada uma boca para proferir grandes coisas e blasfêmias; e deu-se-lhe poder para continuar por quarenta e dois meses. c) Mil duzentos e sessenta dias - O ano do calendário hebreu era lunar e se compunha de 360 dias. Para sincronizar o seu calendário como calendário solar os hebreus observavam, à cada quatro anos um ano de 13 meses o que corresponde ao dia extra do nosso ano bissexto. 1260 dias é o número de dias de três anos e meio e tem exatamente o mesmo significado das duas expressões anteriores. Apocalipse 11:3 E darei poder às minhas duas testemunhas, e profetizarão por mil duzentos e sessenta dias, vestidas de pano de saco. Apocalipse 12:6 E a mulher fugiu para o deserto, onde já tinha lugar preparado por Deus para que ali fosse alimentada durante mil duzentos e sessenta dias.
O primeiro versículo (11:3) nos informa que o luto das testemunhas (pano de
saco) teria duração limitada e o segundo que a vida da igreja em esconderijos para não sucumbir à perseguição também seria limitada. Nenhum desses males duraria tanto que não pudesse ser suportado.
EPÍSTOLAS GERAIS
Prof. Humberto Macharetti Seminário Teológico Batista Carioca Rio de Janeiro 2010
EPÍSTOLA AOS HEBREUS Objetivos Instrucionais 1.
Discutir sumariamente os argumentos favoráveis e contrários à autoria paulina da epístola aos Hebreus.
2.
Discutir sucintamente as outras hipóteses de autoria: Lucas, Clemente de Roma, Barnabé, Silvano, Apolo.
3.
Discutir a identificação dos possíveis destinatários desta epístola.
4.
Discutir as hipóteses sobre a data mais provável para a composição do livro.
5.
Discutir
o
propósito
teológico do autor Leituras Recomendadas BROWN, R. E. Introdução ao Novo Testamento, São Paulo, Paulinas, 2004, 1135 pp. Capítulo 32 Carta (epístola) aos Hebreus. CARSON, D. A., MOO, D. J. & MORRIS, L. Introdução ao Novo Testamento, São Paulo, Vida Nova, 1997. Cap.17 – Hebreus. HALE, B. D. Introdução ao estudo do Novo Testamento, Rio de Janeiro, JUERP, 1983. Cap. 16 - Epístola aos Hebreus. KÜMMEL, W. G. Introdução ao Novo Testamento, São Paulo, Paulinas, 1982. Par grafo 26 - Epístola aos Hebreus. TENNEY, M. C. O Novo Testamento, sua origem e análise, São Paulo, Vida Nova, 2a ed., 1989. Cap. XXRompimento com o Judaísmo:
Leituras Adicionais DESSAULT, L A Epístola aos Hebreus in COTHENET, E.; DESSAULT, L.; LEFORT, P. & PRINGENT, P. Os escritos de São João e a Epístola aos Hebreus. São Paulo, Paulinas, 1988. 360 pp.
INTRODUÇÃO A Epístola aos Hebreus é a primeira das chamadas Epístolas Gerais ou Epístolas Católicas porque as epístolas deste grupo, em contraste com as paulinas, não são dirigidas à uma igreja ou a uma pessoa, em particular. Elas têm como destinatários toda uma comunidade de salvos. São uma espécie de encíclica, um tipo de literatura que teve seu início no período neotestamentário e que se tornou muito popular no patrístico. Esta epístola é um livro peculiar do Novo Testamento uma vez que foge aos padrões que já conhecemos para literatura epistolar. Ela não identifica seu autor e também não identifica seus destinatários - quando a lemos temos a impressão de ter em mãos um livro cuja primeira página foi arrancada . Sua composição apresenta o estilo de um tratado teológico e não de uma carta. 1.1. Autoria Por muito tempo a autoria desta epístola foi atribuída ao apóstolo Paulo e a aceitação da
autoria paulina foi o argumento decisivo para a canonização deste livro. Em algumas edições antigas da Bíblia em língua portuguesa ele ainda aparecia com o título Epístola de Paulo aos Hebreus. Dessa forma, os elementos derivados da tradição recomendam que comecemos o exame da questão autoria pela hipótese de autoria paulina. 1.2. Evidências externas Desde o tempo de formação do cânon, estabeleceu-se uma nítida diferença de posicionamento entre a igreja ocidental, de língua latina, e a oriental, de língua grega, com respeito à canonização deste livro. A primeira só veio a admitir a autoria paulina desta carta e, junto com ela, a canonicidade, a partir do século IV. O cânon de Marcion e o cânon Muratoriano (ambos de Roma) não incluem esta epístola. Outros autores romanos tais como Clemente e Hermas também não fazem alusão ao nome do autor desta epístola. Os autores orientais, embora tenham aceito a canonicidade desta epístola mais precocemente, também não reconheceram a autoria paulina. 1.3. Evidências internas Muitas evidências obtidas a partir do texto desta epístola nos falam contra a autoria paulina:
57
1.
Falta de identificação - Paulo se identifica claramente em quase todas as epístolas que escreveu. O autor desta epístola, por outro lado, não nos dá nenhuma identificação. Não teríamos como explicar a falta de identificação nesta epístola se é que ela foi escrita por Paulo.
2.
Língua e estilo - O Grego da Epístola aos Hebreus é de qualidade muito melhor que o Grego das epístolas paulinas57. Não há como justificar o uso de um Grego de qualidade inferior por um autor que podia escrever melhor. Também o estilo é diferente; as epístolas paulinas são ricas em digressões e em declarações parentéticas. Moody chega a declarar que para entender Paulo temos que imagina-lo dialogando com um personagem que recebe uma saraivada de argumentos aos quais só tem oportunidade de responder com grunhidos. A Epístola aos Hebreus, por outro lado, apresenta uma linha de raciocínio impecável, com todas as proposições e exemplos comprobatórios perfeitamente posicionados.
3.
Uso do Velho Testamento - O uso do Velho Testamento pelo autor desta epístola vem sendo alistado com argumento contrário à autoria paulina. Hale alega que enquanto Paulo cita o Velho Testamento pelo texto massorético o autor desta epístola o cita pelo da Septuaginta e vai mais além; o autor desta epístola usa para o Velho Testamento uma interpretação alegórica, exatamente do tipo que se usava em Alexandria, diferentemente de Paulo que faz uso de tipologias: No sacerdócio de Melquisedeque encontramos uma alegoria do sacerdócio de Jesus Cristo, no santuário levítico encontramos uma alegoria do santuário celestial. Segundo Fitzmayer Paulo também usa a interpretação alegórica do Velho Testamento mas dá preferência ao uso das tipologias. Essa era a técnica de interpretação
Enquanto os demais livros do Novo Testamento são redigidos no Grego popular ou comum este é redigido no Grego literário, o Ático.
usada pela escola rabínica de Jerusalém. 4.
O raciocínio Diferentemente do raciocínio que encontramos usualmente em Paulo, o raciocínio desenvolvido na Epístola aos Hebreus é claro e límpido. Além disto, ele segue claramente o padrão de argumentação da escola de Alexandria.
5.
A Cristologia - A Cristologia Sacerdotal desenvolvida pelo autor desta epístola usando Melquisedeque como tipo de Jesus Cristo não tem paralelo em nenhum escrito Paulino. Alem disso, Paulo nunca admitiu ter recebido o seu evangelho de testemunhas, como o faz o autor desta epístola.
1.4. Destinatários Este é outro problema ainda não resolvido. A epístola não identifica os seus destinatários. Seu tipo de argumentação, rico em referências ao Antigo Testamento, sugere que os leitores primitivos eram judeus helenistas convertidos ao Cristianismo. Percebe-se também que, de alguma forma, eles se ligavam à comunidade cristã de Roma e estavam sendo perseguidos por causa da sua fé. 1.5. Data Esta epístola não pode ter sido escrita depois de 95 d.C. uma vez que nesta data ela foi usada por Clemente de Alexandria. Se admitirmos a autoria paulina teremos que fazer a sua data de composição retroagir até 65 d.C., ano em que Paulo morreu. A palavra do autor declarando aos leitores que, na sua luta contra o pecado eles ainda não haviam resistido até o sangue, sugere que eles eram cristãos que estavam sendo perseguidos mas ainda não martirizados. Se esse leitores pertenciam mesmo à comunidade de Roma, podemos fazer uso deste argumento para declarar que a epístola foi composta antes de 64 (data do incêndio de Roma) que marcou o início do martírio de cristãos. O tipo de heresia que ela combate sugere a atuação dos judaizantes o que favorece a datação da mesma para o primeiro século. Todos estes dados concordam em que a epístola aos Hebreus tenha sido escrita antes do ano 64. Esta conclusão é favorecida ainda pelo fato de o autor fazer referência aos sacrifícios do templo que pareciam estar ainda em execução. 1.6. Propósito - uma advertência contra a apostasia Uma vez que não conseguimos identificar com precisão nem o autor da epístola nem os seus destinatários encontramos algumas dificuldades em fixar o objetivo teológico deste livro. Três fatos, entretanto, ficam claros a partir da leitura do mesmo: 1- Os leitores estavam sendo perseguidos por causa do evangelho e o autor pretendia estimula-los à resistência com base nos testemunhos de fé do Antigo Testamento. Estavam também sendo convidados a apostatar do Cristianismo e retornar ao Judaísmo (que era uma religião lícita) para escapar à perseguição. 2 - O cumprimento da promessa ainda não havia sido atingido, o que pode ser interpretado como uma referência à expectativa não satisfeita da parusia. 3 - A igreja estava sendo complacente com seus membros que apostatavam da fé e que, posteriormente, se mostravam interessados em se reintegrar à comunhão. Este fato deixou o autor bastante aborrecido. Essas observações nos levam à concluir que esta epístola foi escrita com o objetivo de estimular os leitores a não abandonarem a fé cristã para retornar à obras da lei mosaica mesmo que este retorno
lhes poupasse as desagradáveis experiências decorrentes da perseguição oficial e do martírio.
O CONTEÚDO DA EPÍSTOLA (segundo a bíblia vida nova) PRÓLOGO - Curso e clímax da revelação divina (1.1-3) A PREEMINÊNCIA DO PRÓPRIO CRISTO (1.4 - 4.13) A superioridade de Cristo aos anjos (1.4-14) Aviso: Perigo de indiferença a essas verdades (2.1-4) O motivo que levou Cristo a se tornar humano (2.5-18) A superioridade de Cristo a Moisés (3.1-6) Aviso: Os efeitos da incredulidade (3.7 – 4.13) O SACERDÓCIO DE JESUS CRISTO (4.14 - 10.18) A importância do seu sacerdócio para a conduta pessoal (4.14-16) Qualificações de um sumo sacerdote (5.1-10) Aviso: Imaturidade e apostasia são conquistadas apenas pela fé, longanimidade e esperança (5.11 - 6.20a) Condição dos leitores (5.11-14) Terminar a carreira cristã exige constância (6.9-20a) O Eterno sucessor de Melquisedeque (6.20b - 7.28) O próprio Melquisedeque (6.20b - 7.3) Melquisedeque é superior ao sacerdócio levítico (7.4-10) Cristo é superior ao sacerdócio levítico (7.11-28) O santuário celeste e o novo pacto (8.1-13) Serviço sacerdotal sob os dois Testamentos (9.1-28) O investimento do sacerdote no antigo pacto (9.1-10) A importância do sangue em ambos os pactos (9.11-22) A insuficiência dos sacrifícios sob a lei em contraste com a eficácia e caráter do sacrifício de Cristo (10.1-18) A PERSEVERANÇA DOS CRENTES (10.19 - 12.29) Atitudes a serem buscadas e atitudes a serem evitadas (10.19-38) A Fé em ação - exemplos ilustres do passado (11.1-40) Incentivos para a ação no presente e no futuro (12.1-29) POST-SCRIPTUM - Exortações, questões pessoais e bênção (13.1-25)
EPÍSTOLA DE TIAGO Objetivos Instrucionais 1.
Discutir
sucintamente
as hipóteses sobre a autoria desta epístola. 2.
Discutir a identidade de seus destinatários.
3.
Discutir as hipóteses sobre data e local mais prováveis de sua composição.
4.
Caracterizar
o
estilo
literário desta epístola. 5.
Discutir
o(s)
propósito(s) teológico(s) do autor. Leituras Recomendadas BROWN, R. E. Introdução ao Novo Testamento, São Paulo, Paulinas, 2004. Capítulo 34 : Epístola (carta) de Tiago. CARSON, D. A., MOO, D. J. & MORRIS, L. Introdução ao Novo Testamento, São Paulo, Vida Nova,1977. Cap. 18 – Tiago. HALE, B. D. Introdução ao estudo do Novo Testamento, Rio de Janeiro, JUERP, 1983. Cap. 17- Epístola de Tiago. KÜMMEL, W. G. Introdução ao Novo Testamento, São Paulo, Paulinas, 1982. Par grafo 27 - Epístola de Tiago. CARREZ, M.; DORNIER, P.; DUMAIS, M. & TUMAILLE, M. As cartas de Paulo, Tiago, Pedro e Judas, São Paulo, Paulinas, 1987. 341 pp.
2. AUTORIA O autor se identifica como Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo. Esta identificação lacônica tem levado os críticos a aceitar que este Tiago era pessoa suficientemente conhecida da igreja primitiva para dispensar maiores apresentações. O fato de Tiago ser a forma helenizada de Jacó levou alguns críticos a formularem a hipótese de pseudonímia para este livro. Para eles o autor seria um judeu convertido ao Cristianismo que escreveu aos seus irmãos de raça usando o nome do patriarca da nação como pseudônimo. Essa hipótese, embora apoiada pela boa qualidade literária do Grego em que esta epístola foi redigida, não vingou porque a pseudonímia não é de ocorrência freqüente em literatura epistolar. Assim sendo, podemos admitir que o autor deste livro se chamava mesmo Tiago e era pessoa de conhecimento público. Mas, quem seria esse Tiago ? A admissão do nome Tiago como sendo do verdadeiro autor da epístola restringe o estudo da autoria a quatro pessoas que são assim denominadas no Novo Testamento: 1 Tiago apóstolo, filho de Zebedeu, 2 - Tiago apóstolo, filho de Alfeu, 3 - Tiago apóstolo, o bispo de Jerusalém que Paulo chama de irmão do Senhor e 4 - Tiago, pai de Judas, o apóstolo. O primeiro Tiago, filho de Zebedeu e irmão de João, foi martirizado muito cedo na história do Cristianismo (ca. 44 d.C.) e provavelmente não chegou a ter tempo suficiente para escrever este livro. Outros dois (O pai de Judas e o filho de Alfeu) não recebem crédito de nenhuma evidência externa. Resta-nos, dessa forma, como hipótese mais provável, a autoria do Tiago, bispo de Jerusalém, a quem Paulo chama de irmão do
Senhor (provavelmente por ser parente próximo de Jesus Cristo). Pouco ou quase nada se conhece da vida deste homem durante o ministério terreno de Jesus Cristo. Parece que ele e outros parentes próximos do Mestre só aceitaram o Cristianismo depois da ressurreição de Cristo. Tiago, particularmente, veio a adquirir grande prestígio entre os primitivos cristãos da comunidade palestina a ponto de se tornar o mais preeminente nome na igreja de Jerusalém – o primeiro bispo - como atestam as narrativas contidas nos Atos dos Apóstolos. Observe-se que na controvérsia sobre a circuncisão dos gentios, Tiago funcionou com juiz desempatador e a sua palavra foi aceita por todos sem discussão (At. 15). Nesse episódio ele aparece citando ditos extraídos das sentenças do rei Salomão, o que prova suas grande cultura e o habilita para ser o autor desta epístola. 2.1. Destinatários Tiago designa seus leitores com as doze tribos que se encontram na dispersão (1.1) e a reunião destes mesmos leitores pelo nome de sinagoga (2.2). Estas designações levaram alguns críticos a postularem que este livro teria sido uma antiga obra sapiencial hebraica que foi oportunamente vertida para o Grego e adaptada ao uso dos cristãos. Isso explicaria o fato de a pessoa de Jesus Cristo ser citada apenas duas vezes em todo o livro. Entretanto não parece que Tiago tivesse escrito a judeus não convertidos uma vez que ele cita o nome de Jesus Cristo explicitamente precedido de Senhor, adjetivo que um judeu não convertido jamais usaria neste contexto. Para o judeu só Deus poderia se chamado de Senhor (). Isso nos leva a admitir que ele estava interessado nos cristãos previamente residentes em Jerusalém (os cristãos se consideravam o único e verdadeiro Israel de Deus) e que foram dispersos em decorrência da perseguição surgida depois da morte de Estêvão (v. At. 8.1). Hoje, o estudo da organização das igrejas cristãs em comunidades que mantinham fidelidade histórica a um apóstolo, reforça a hipótese de que existia uma Comunidade de Tiago, que praticava uma forma de cristianismo judaicohebraísta e que seria a destinatária natural desta epístola (Gl.. 2.12). 2.2. Tempo e local de composição Admitida a hipótese de autoria mencionada no parágrafo anterior, o livro de Tiago teria sido o escrito mais antigo de todo o Novo Testamento. A data mais recente para a sua composição é dada pela morte do autor (ca. 62 d.C.) e o local mais provável é a própria cidade de Jerusalém (a menos que se admita a pseudonímia). Hoje, face à análise do conteúdo do livro que mostra um Cristianismo doutrinariamente muito pobre (ebionita), aceita-se que sua data mais provável de composição seja 48 d.C. 2.3. Estilo literário e propósito teológico A epístola de Tiago é um livro peculiar no Novo Testamento. Tem-se dito corretamente que ele se identifica melhor com a literatura sapiencial do Velho Testamento do que com os demais livros do Novo, na realidade esta epístola mais parece uma “colcha de retalhos” formada pela reunião de diversos fragmentos. Dados adicionais podem ser encontrados no fato de que o nome de Jesus Cristo só é citado duas vezes em todo o livro e que seu estilo de composição, baseado em máximas e proposições soltas (MASHAL) faz com que ele se pareça com os livros de Provérbios e de Eclesiastes. Por outro lado, não podemos ignorar que esse formato sapiencial encerra um conteúdo fortemente profético - a marca registrada do Cristianismo. A simples leitura dos versículos iniciais do capítulo 5 nos revela a preocupação do autor em combater a injustiça social paralela a que encontramos nos profetas Amós e Jeremias. Podemos assim dizer que esta epístola possui uma alma profética revestida por um corpo sapiencial.
O propósito teológico deste livro fica evidente quando verificamos a existência de várias exortações para que os irmãos que foram dispersos mantenham a sua esperança. Entretanto, o valor teológico deste livro tem sido muito discutido, principalmente porque ele enfatiza a importância das obras como confirmação da fé. Martinho Lutero, altamente comprometido com sua proposição sola gratia, chegou a denominá-la "epístola de palha" por causa de sua referência ao valor das obras contestando, desta forma, a sua canonicidade.
ESBOÇO O PROPÓSITO DE DEUS SOBRE O PROGRESSO DO CRENTE NA RELIGIÃO PURA (1.1-27) A tentação que edifica (1.1-12) A tentação que destrói (1.13-26) Deus, o principal bem do crente (1.17-18) Exortação à santidade pessoal (1.19-27) OS TESTES DA RELIGIÃO PURA (2.1 - 5.20) A parcialidade egoísta (2.1-13) A fé operante pelo amor (2.14-26) Os perigos da língua (3.1-18) O eu carnal e o eu espiritual (4.1-12) A verdadeira confiança (4.13-17) O teste das riquezas (5.1-6) Paciência na opressão (5.7-11) Restrição nos compromissos (5.12) A oração que prevalece (5.13-20)
PRIMEIRA EPÍSTOLA DE PEDRO Objetivos instrucionais 1.Discutir as evidências internas e externas favoráveis à autoria petrina desta epístola. 2.Discutir as objeções que tem sido levantadas contra a autoria petrina deste livro. 3.Discutir a identificação dos possíveis destinatários desta epístola. 4.Discutir as hipóteses sobre as datas e locais mais prováveis de composição deste livro. 5.Discutir o propósito teológico do autor. Leituras Recomendadas BROWN, R. E. Introdução ao Novo Testamento, São Paulo, Paulinas, 2004. Capítulo 33 : Primeira carta de Pedro. CARSON, D. A., MOO, D. J. & MORRIS, L. Introdução ao Novo Testamento, São Paulo, Vida Nova,1977. Cap.19 – 1 Pedro HALE, B. D. Introdução ao estudo do Novo Testamento, Rio de Janeiro, JUERP, 1983. Cap. 18- Primeira e segunda epístolas de Pedro. KÜMMEL, W. G. Introdução ao Novo Testamento, São Paulo, Paulinas, 1982. Parágrafo 28 - Primeira epístola de Pedro. TENNEY, M. C. O Novo Testamento, sua origem e análise, São Paulo, Vida Nova, 2a edição, 1989. Cap. XIX- Igreja sofredora: I de Pedro.
Leituras Adicionais CARREZ, M.; DORNIER, P.; DUMAIS, M. & TUMAILLE, M. As cartas de Paulo, Tiago, Pedro e Judas, São Paulo, Paulinas, 1987. 341 pp.
3. AUTORIA 3.1. Autoria Petrina O autor desta epístola se identifica como sendo Pedro, apóstolo de Jesus Cristo, e, por esse motivo, a autoria petrina tem sido aceita sem muitas contestações desde a mais remota antigüidade. Como prova desta aceitação temos o fato de que a primeira epístola de Pedro entrou no cânon do Novo Testamento sem sofrer nenhuma restrição. Algumas evidências - internas e externas - vêm em apoio a esta hipótese de autoria. No primeiro grupo podemos listar: 1 - O próprio testemunho do autor quando se identifica como Pedro e quando declara haver sido uma testemunha dos sofrimentos de Jesus Cristo. 2 - As concordâncias de estilo e vocabulário entre esta epístola e os textos dos sermões que são atribuídos a Pedro no livro de Atos dos Apóstolos. Dentre as evidências externas temos o testemunho de Irineu (ca. 180) que citou o texto deste livro identificando Pedro como seu autor. Vem surgindo, entretanto, algumas objeções contra a autoria petrina desta carta. As principais são as seguintes: 1.A relativa pobreza da epístola em referências ao ministério e aos ensinos de Jesus Cristo. 2.As qualidades da linguagem e do estilo que seriam incompatíveis com a cultura de um pescador galileu.
3.A referência a uma perseguição que dificilmente se localizaria nos dias de Pedro (1 Pd 4.12-16) e 4.O Paulinismo, isto é os pontos de contato entre as doutrinas expostas nesta epístola e as ensinadas por Paulo (compare 1 Pd 1.18 com 1 Co 6.20 e 1 Pd 1.9 com Rm. 3.25). Com respeito ao primeiro argumento - pobreza em referências aos atos e ensinamentos de Jesus - podemos alegar que essas referências não eram necessárias ao objetivo do autor que pretendia consolar crentes que estavam sofrendo perseguições. Bastava-lhe mostrar a morte e a vitória de Jesus na ressurreição. Quanto à incompatibilidade da qualidade do texto desta epístola com a cultura de um pescador do mar da Galileia, podemos argumentar inicialmente que seria preconceito admitir que um pescador galileu não poderia ser culto e conhecer bem a língua grega que era muito difundida naquele tampo. Em segundo lugar, o autor declara ter sido auxiliado por Silvano e este poderia ter se encarregado da forma final do texto, o que era muito comum naqueles dias. Quanto à perseguição podemos admitir que o autor faz referência ao tempo de Nero (64-68) quando os Cristãos foram perseguidos logo depois do incêndio de Roma. Finalmente, no que diz respeito ao Paulinismo desta epístola, não temos nenhuma razão para acreditar que muito embora Pedro e Paulo fossem representantes típicos de diferentes comunidades, Pedro da comunidade cristã judaico-palestinense e Paulo da comunidade cristã helenística, houvesse alguma incompatibilidade entre os dois a ponto de torna-los adversários irreconciliáveis. O simples fato de os dois serem apóstolos, e haverem negociado pacificamente seus respectivos campos de atividades, prova que eles tinham muita coisa em comum. Por outro lado, o fato de Silvano ser citado como auxiliar de Pedro prova que houve um intercâmbio de informação entre os dois obreiros. 3.2. Pseudonímia Uma segunda hipótese a ser considerada é a de que esta carta teria sido escrita por um discípulo de Pedro que usou o nome do mestre para conseguir maior autoridade. Os argumentos contrários à autoria petrina favorecem a pesudonímia. 3.3. Destinatários Pedro identifica seus destinatários como sendo forasteiros da dispersão no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia, eleitos segundo a presciência de Deus Pai (1.1,2). Aceita-se, com base neste dado, que ele se dirigiu, a crentes da comunidade palestina que, após a perseguição em Jerusalém, se dispersaram pela Ásia menor. 3.4. Data e local de composição A fixação da data e do local de composição depende essencialmente da escolha que façamos com respeito à autoria. Se esta epístola foi mesmo escrita pelo apóstolo Pedro, teremos de admitir para ela uma data de composição anterior à data provável de morte deste apóstolo (68 d.C.) A identificação do local é feita a partir de 1 Pd 5.13, onde o autor declara estar escrevendo da Babilônia, A localização desta Babilônia tem permitido levantar, pelo menos três hipóteses das quais a mais aceita é de que esta Babilônia seria um nome usado para fazer referência à Roma dos Césares como ocorre também no Apocalipse de João. Essa hipótese é apoiada pelo fato de que os cristãos, seguindo a tradição apocalíptica vigente na época, costumavam usar o nome Babilônia para identificar o
governo opressor. 3.5. Objetivo teológico Pedro escreveu a cristãos da Ásia que estavam sendo perseguidos e declara o que seu objetivo era fortalecer a esperança deles na graça de Deus (1 Pd 5.12). Estes cristãos eram provavelmente gentios que, pelo evangelho foram feitos “povo de Deus”.58 .Este é, portanto, um livro de consolação para crentes perseguidos. ESBOÇO 1.Saudação - 1.1,2 2.Doxologia - 1.3-12 3.Nossa relação com Deus - 1.13 - 2.10 4.Nossa relação com os homens - 2.11 - 3.12 5.Bênçãos por causa da justiça - 3.12 - 5.11 6.Saudação final – 5.13-14
58
Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos
chamou das trevas para a sua maravilhosa luz; vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas, agora, sois povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora, alcançastes misericórdia.(2.9-10)
EPÍSTOLA DE JUDAS E SEGUNDA EPÍSTOLA DE PEDRO Objetivos instrucionais 1.Discutir as evidências internas e externas para as autorias destas epístolas. 2.Discutir a dependência literária existente entre os dois livros. 3.Discutir a identificação dos possíveis destinatários destas epístolas. 4.Discutir o tipo de problemática teológica cuja existência se pode inferir da leitura destes livros. Leituras Recomendadas BROWN, R. E. Introdução ao Novo Testamento, São Paulo, Paulinas, 2004. Capítulo 36 : Segunda epístola (carta) de Pedro. BROWN, R. E. Introdução ao Novo Testamento, São Paulo, Paulinas, 2004. Capítulo 35 : Carta (epístola) de Judas. CARSON, D. A., MOO, D. J. & MORRIS, L. Introdução ao Novo Testamento, São Paulo, Vida Nova,1977. Caps. 20 e 22. HALE, B. D. Introdução ao estudo do Novo Testamento, Rio de Janeiro, JUERP, 1983. Cap. 18- Primeira e segunda epístolas de Pedro. KÜMMEL, W. G. Introdução ao Novo Testamento, São Paulo, Paulinas, 1982. Parágrafos 29 - Epístola de Judas e 30 - Segunda epístola de Pedro. TENNEY, M. C. O Novo Testamento, sua origem e análise, São Paulo, Vida Nova, 2a edição, 1989. Cap. XXI- O perigo da heresias.
Leituras adicionais CARREZ, M.; DORNIER, P.; DUMAIS, M. & TUMAILLE, M. As cartas de Paulo, Tiago, Pedro e Judas, São Paulo, Paulinas, 1987. 341 pp.
4. DEPENDÊNCIA LITERÁRIA Desde há muito tempo vem sendo reconhecida a dependência literária entre estes dois livros. Indubitavelmente o compartilhamento de material entre eles não pode ser ignorado mesmo em um exame muito superficial. Nesta situação é inevitável levantar o problema da precedência: Qual dos dois livros foi escrito primeiro? Os críticos discordam na resposta a esta questão. Hale, por exemplo admite a precedência de II Pedro enquanto Carson e Kümmel advogam de maneira enfática a precedência de Judas. Esses autores também divergem no que respeita a autoria destes livros. Hale aceita as evidências internas e aponta para Judas, irmão de Jesus Cristo, e para Simão Pedro como os mais prováveis autores. Kümmel prefere desconsiderar essas evidências e favorecer a hipótese de pseudonímia para ambos os livros. Em suma, a dependência literária entre estes dois livros pode ser sintetizada da seguinte forma: 1.O “retrato falado” dos falsos líderes que se apresenta nas duas epístolas é praticamente idêntico. 2.As ilustrações retiradas do Antigo Testamento e de fatos da natureza também são coincidentes. 3.Ocorre concordância de vocabulário e de seqüências de palavras. 4.Ocorre concordância nas citações de apócrifos.
É muito provável que não cheguemos a uma conclusão no final desse estudo mas, de qualquer forma, o estudo precisa ser feito. 4.1. Autoria O autor da Epístola de Judas se identifica como sendo Judas, irmão de Tiago. Isto nos leva a presumir que este Judas e este Tiago eram pessoas bem conhecidas dos leitores. Embora tanto Judas quanto Tiago fossem dois nomes muito comuns entre judeus nos dois primeiros séculos do Cristianismo por serem nomes de dois heróis nacionais (Judas "O Macabeu" e Tiago - forma helenizada de Jacó) a citação da relação familiar restringe bastante o nosso campo de pesquisa e parece apontar para aquele Judas que é citado como irmão de Jesus, juntamente com José, Simeão e Tiago (Mt. 13.55). Aceitando esta hipótese como verdadeira poderemos admitir que Judas se converteu após a ressurreição de Jesus Cristo e que se tornou, da mesma forma que Tiago, um líder da comunidade cristã palestínica. Se a rejeitamos, podemos ficar com Kümmel aderindo à hipótese de pseudonímia uma vez que a tradição não nos aponta nenhum outro Judas com suficiente gabarito para assumir a autoria. Na segunda epístola de Pedro o autor se identifica como Simão Pedro, servo e apóstolo de Jesus Cristo. Se aceitamos essa declaração como verdadeira atribuímos a autoria dessa carta ao mesmo autor de I Pedro. Essa hipótese é reforçada pelo fato de que nesta epístola o autor faz referências a episódios do ministério terreno de Jesus Cristo (transfiguração) mas é enfraquecida pelas divergências de redação entre os dois livros. Caso contrário nos veremos forçados a optar pela hipótese de pseudonímia. 4.2. Objetivo teológico O tipo de problemática encontrado nesses dois livros é semelhante ao que já estudamos na epístola aos Colossenses e nas joaninas. São livros escritos para combater o trabalho de falsos profetas que estavam difundindo heresias no seio das comunidades primitivas. É fato que o conteúdo das diversas pregações hereges não coincidiam mas o problema é essencialmente o mesmo. Esse dado fortalece a posição de Kümmel que data esses livros do século II. O problema teológico abordado pelos dois livros é o mesmo: o retardo na parusia com conseqüente proliferação de explicações alternativas. Esse tipo de problemática favorece a datação desses livros para o segundo século e, portanto, favorece também a hipótese de pseudonímia. Em concordância com essa posição está a referência da segunda epístola de Pedro (2 Pd 3.16) na qual as epístolas de Paulo são mencionadas com autoridade idêntica à do Antigo Testamento, o que nos leva a admitir que na época em que esses livros foram escritos já havia se iniciado o processo de canonização do corpus paulino o que não podia ter ocorrido no Século I. As declarações que são atribuídas a estes mestres nestas duas epístolas permitem classificá-los como gnósticos, os quais só se tornaram importantes no final do primeiro século. A grande prova da falsidade de seus propósitos está na sua forma de vida. Eles mesmos não seguiam as coisas que ensinavam, gostavam de honras, de festas, de bebedices e de glutonarias. 4.3. Canonização O fato de esses dois livros fazerem citações literais de obras não canônicas (Enoque Etíope e Ascensão de Moisés) foi provavelmente o determinante do retardo para a sua aceitação no cânon, especialmente porque a referência a Enoque classifica essa obra como uma profecia, isto é um escrito cuja inspiração era reconhecida naquele tempo.
Podemos observar que essas epístolas não são citadas nos cânones de Marcion e de Muratori que são os mais antigos conhecidos.