O ALÍVIO QUE VEM COM O BRINCAR
Ações lúdicas no ambiente hospitalar contribuem com o tratamento de crianças com doenças crônicas - 3 e 4
O DESAFIO DA ARTE NAS RUAS
DESIGUALDADE DE GÊNERO NA COZINHA - 8
SINTOMAS DO ADOECIMENTO MENTAL - 5
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PcDs e a “adoção necessária”- 6
Animais e abandono - 7
Artistas seguem sem apoio do poder público - 2
A realidade dos alunos autistas - 9
JORNAL-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE - ANO XXIII - ED. 249 - MAIO / 2023
Artistas de rua seguem desvalorizados
Falta de apoio do poder público e indiferença da sociedade levam muitos desses profissionais a desistirem
Enrico Fini e Luís Filipe Reis
Presentes em avenidas, ruas e praças de grande concentração de pessoas, os artistas de rua sofrem com a falta de valorização de seu trabalho, tanto por parte do poder público como por parte da sociedade, que ainda vê essa arte com preconceito.
Em maio de 2014, um decreto regulamentando a lei de nº 15.776, de 2013, reconheceu o trabalho dos artistas de rua (até então eles eram muito perseguidos), mas estabeleceu uma série de regras para as apresentações nas vias públicas da cidade de São Paulo, impondo horários e locais, além de citar equipamentos que podem ser utilizados. Cada performance de artistas de rua deve ter duração máxima de quatro horas. Quando a apresentação tem som, por exemplo, o artista não pode ultrapassar as 22h. Há ainda muitas outras normas.
A organização do espaço público para os artistas de rua e a fiscalização do decreto ficam por conta das subprefeituras da cidade, com o apoio da
Guarda Civil Metropolitana.
Desde então diferentes gestores que passaram pela administração do município de São Paulo têm recebido críticas ao decreto e solicitações para desburocratizar as apresentações dos artistas de rua, mas até o momento as regras rígidas permanecem.
Além da burocracia, falta apoio financeiro por parte do poder público. Osvaldo Antunes, 59, músico de rua que trabalha na Avenida Paulista, na região central da capital paulista, lamenta não ter sua arte valorizada.
“Trabalho há mais de 20 anos e durante todo esse tempo nunca recebi apoio algum. Nunca houve um investimento, uma legislação focada em nos incentivar.”
O músico é obrigado a exercer outra atividade, para conseguir viver. “Pra você ter uma ideia, eu trabalho em restaurante também. O que eu ganho na rua não é suficiente pra eu me manter”, destaca.
Augusto Pratto, violinista que performa na Rua Oscar Freire, no bairro Cerqueira Cesar, tem o sonho de se tornar músico profissional. Além de mencionar a falta de apoio do poder
público, ele pontua a pouca atenção dada pelos pedestres, que muitas vezes tendem a ver a arte de rua como algo marginal.
“Já conheci muitos artistas que desistiram por não conseguirem se manter. A pandemia atrapalhou demais, mas a verdade é que a falta de dinheiro sempre foi presente na nossa vida de rua”, completa.
A criação da Lei Rouanet ajudou a tornar o capital investido na cultura brasileira desigual e concentrado, segundo informações do site IbepBrasil, pois a atuação do Estado se restringiu ao controle desse investimento, enquanto o mecenato e a iniciativa privada tomaram conta do cenário nacional. Assim, o dinheiro destinado à área se tornou de interesse pessoal, com vista ao lucro futuro gerado, concentrando-se nos grandes polos culturais brasileiros e em renomados artistas, sem uma distribuição correta.
“Infelizmente o dinheiro vem de empresários e a gente sabe que na cabeça deles só os artistas mais famosos são importantes. Eles geram lucro, né?”, conclui Pratto.
Jornal-Laboratório dos alunos do 2o semestre do curso de Jornalismo do Centro de Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie. As reportagens não representam a opinião do Instituto Presbiteriano Mackenzie, mas dos autores e entrevistados.
Universidade Presbiteriana Mackenzie Centro de Comunicação e Letras
Diretor do CCL: Rafael Fonseca Santos
Coordenador do Curso de Jornalismo: Hugo Harris
Editora:
Patrícia Paixão
Fotos da capa: Fernando Bertrand (sobre o lúdico nos hospitais), Luís Filipe Reis (artistas de rua), Murilo Nuin (desigualdade de gênero na cozinha) e Clara Giamellaro (adoecimento mental).
Impressão: Gráfica Mackenzie
Tiragem: 100 exemplares.
Acontece • 2
O músico Osvaldo Antunes, 59, que atua na Avenida Paulista, na região central de São Paulo, trabalha também em um restaurante para conseguir se manter.
Luís Filipe Reis
O lúdico na hospitalização infantil
Pesquisa da UERJ mostra que brincadeiras e outras iniciativas voltadas à distração dos pacientes colaboram para que crianças e adolescentes esqueçam de sua doença, ainda que momentaneamente
Ahospitalização é um período traumático para muitas pessoas, sejam pelas dores enfrentadas pelo paciente e pelos procedimentos e medicações tomadas, seja pela privação das atividades cotidianas, já que é preciso ficar muitos dias preso a um leito, longe da família e dos amigos. Em se tratando de crianças, cujo dia a dia é marcado por brincadeiras em casa e no ambiente escolar, a internação em um hospital se torna ainda mais penosa.
Por isso, diferentes projetos pelo país buscam levar o lúdico para o ambiente hospitalar. Um estudo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro
(UERJ), publicado em 23 de julho 2020, pelas pesquisadoras Ana Cláudia Gomes Viana, Ana Lúcia de Medeiros Cabral, Jancelice dos Santos Santana, Nadja Caroline Bezerril Lopes, Patrícia Tavares de Lima e Zirleide Carlos Félix, com foco em crianças entre 6 e 12 anos com câncer, mostrou que as abordagens lúdicas contribuem para que esses pequenos pacientes enfrentem melhor seu tratamento oncológico. “As crianças disseram que acham importante brincar durante o tratamento e reconhecem que, ao brincar, vivenciam uma variedade de sentimentos, como felicidade e bem-estar”, destacam as pes-
quisadoras em um artigo científico que sintetiza o estudo, publicado na revista Enfermagem, da UERJ. Ainda de acordo com as pesquisadoras, “as abordagens lúdicas são ferramentas essenciais para auxiliar a criança a vivenciar as diferentes situações na doença e no tratamento”.
O Hospital Infantil Sabará, localizado na Consolação, região central de São Paulo, conta com uma equipe de Humanização que, dentre outras ações, possui programas específicos para levar alegria aos pacientes. Ao longo do ano, o estabelecimento, por intermédio desses programas, chama mágicos, corais, cachorros treinados e
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Fernando Bertrand
Luca Ferrari
A paciente oncológica Valentina Zanata, 11, brincando com os super-heróis limpadores das janelas do Hospital Infantil Sabará.
Fernando Bertrand
limpadores de janelas fantasiados de super-heróis.
Na Semana da Criança (do dia 12 de outubro), em especial, eles costumam fazer uma ação com os super-heróis que limpam as janelas dos quartos dos pacientes. A reportagem do Acontece pôde acompanhar essa iniciativa, em outubro de 2022, e testemunhar a reação das crianças ao se depararem com os super-heróis aparecendo em seus quartos.
Joaquim Silva Andrade, 5, está no hospital Sabará há mais de 60 dias. Ele já passou por três cirurgias. Estava meio desanimado antes da ação. Mudou de comportamento, abrindo um sorriso, quando viu o Homem Aranha aparecer na janela do seu quarto.
“Eu acredito que isso tem ajudado muito na recuperação do meu filho. Ele consegue, ainda que momentaneamente, parar de pensar na doença e isso é muito importante”, destaca Raiff Andrade, pai do Joaquim.
Os trabalhadores da limpeza dos vidros, que participam da ação, ficam muito felizes com o resultado. A alpinista Meire Reis Santos de Melo, que estava trajando a fantasia do Homem Aranha, contou também já ter se vestido de Mulher Maravilha. “Eu nem considero isso como um trabalho, faço com muito prazer”, relata.
Os limpadores de vidro acabam
diversas vezes se emocionando com a reação das crianças. Meire conta sobre um desses momentos. “Ontem eu desci e na janela tinha uma menininha bem bonita que parecia a Moana [personagem do filme “Moana - Um Mar de Aventuras”, da Disney]. Quando eu apareci, ela encostou o dedo no vidro. Eu encostei logo em seguida o meu dedo no dela e ela abriu um sorriso enorme. Essa experiência foi sensacional. Nem dava vontade de sair da janela de tão gratificante que foi.”
Meire veio do Espírito Santo especialmente para fazer parte do projeto em São Paulo. Ela se sente muito feliz pela oportunidade de contribuir com o tratamento das crianças. “A emoção é tanta que às vezes a gente precisa segurar pra não chorar na frente dos pacientes”, completa.
Valentina Zanata, 11, é outra paciente do Sabará. Mais conhecida como Valen pelas enfermeiras do andar onde fica seu quarto e por alguns colegas dos quartos ao lado, ela possui câncer e vai para o hospital com bastante frequência para fazer o acompanhamento de sua doença. Sorridente e carismática, é um exemplo de força e superação para muitas crianças do Sabará. Antes da pandemia, costumava fazer visitas frequentes aos seus vizinhos
de quarto. Valen brincava com os pacientes, encorajando-os. Ela também gosta muito de iniciativas lúdicas, como a dos super-heróis nas janelas.
Anualmente, mais de 400.000 crianças e adolescentes brasileiros com menos de 20 anos são diagnosticados com câncer, segundo dados da Biblioteca Virtual em Saúde, do Ministério da Saúde.
No estudo da UERJ realizado pelas pesquisadoras Ana Cláudia Gomes Viana, Ana Lúcia de Medeiros Cabral, Jancelice dos Santos Santana, Nadja Caroline Bezerril Lopes, Patrícia Tavares de Lima e Zirleide Carlos Félix as crianças foram abordadas individualmente e convidadas a responderem às seguintes perguntas: O que é brincar? Qual a importância de brincar? Quais as brincadeiras de que costuma participar depois que ficou doente? O que sente quando está brincado?
Dentre as respostas obtidas pelas pesquisadoras estão: “Sinto felicidade [...] achei que fiquei melhor quando brinquei”, dita por C1, 7 anos. “Me sinto bem e feliz, me faz esquecer um pouco”, dita por C2, 6 anos.
O estudo concluiu que a maioria das crianças afirmou esquecer, pelo menos por um momento, que estavam com câncer, enquanto brincavam.
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Joaquim Silva Andrade, 5, está internado no Hospital Infantil Sabará. Na foto, ele sorri para um super-herói que apareceu na janela do seu quarto.
Fernando Bertrand
Impactos do adoecimento mental
Para psicóloga, preconceito em relação a problemas psicológicos dificulta tratamento, afetando a rotina no trabalho e no ambiente escolar
OBrasil possui a população com mais transtornos de ansiedade do mundo. É o que indica uma pesquisa divulgada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 2019. Segundo o estudo, 18,6 milhões de brasileiros sofrem de ansiedade.
A depressão também é outro mal que atinge muita gente em nosso país. De acordo com a Pesquisa Vigitel 2021, importante levantamento na área da saúde, em média, 11,3% dos brasileiros relatam ter recebido um diagnóstico médico da doença.
Problemas como ansiedade e depressão afetam pessoas de todas as idades em suas rotinas de trabalho ou estudo e precisam ser encarados com seriedade, exigindo tratamento.
“Devemos analisar o indivíduo como um ser relacional, investigando como ele se desenvolve, se reconhece e se relaciona com os outros. Assim, se ele está com alguns desses transtornos, isso irá impactar na sua rotina e uma mudança ocorrerá”, explica a psicóloga Sylvia Collyer. A tendência do ser humano é se esconder ao se sentir à margem de algo ou incapaz. Quando alguma crise vai consumindo a pessoa, o afastamen-
to vira o principal indício de depressão ou ansiedade. “É um empobrecimento emocional, então o mecanismo de defesa é se esconder em uma caverna”, diz Sylvia. De acordo com a psicóloga, qualquer coisa pode se tornar um gatilho para a pessoa desenvolver esses transtornos.
O ambiente de trabalho e o escolar acabam sendo a maior fonte de gatilhos para o indivíduo e comumente faltam assistência e figuras que trabalhem para tornar esses lugares confortáveis para essas pessoas. “Há o estímulo do ambiente e como a pessoa se sente nele. Se pensarmos em um paciente com depressão severa e intenções suicidas, se ele estuda num lugar com vários andares, isso pode ativar esses gatilhos. Nesse caso, o psicólogo recomenda um afastamento daquele local. Isso para proteger a pessoa que está vulnerável”, esclarece Sylvia.
Manuela Bechuate, diagnosticada com depressão, relata a dificuldade que tinha de frequentar o ensino médio, enquanto lidava com o problema. “Tinha dias que eu levantava para ir à escola e acabava voltando no meio do caminho.” A aluna conta que em seu colégio (na rede privada) o orientador não costumava dar muita importância a esses assuntos e em casa recebeu apoio
de poucos familiares. “Muita gente dizia que era frescura e acabava nem falando comigo.”
Para Sylvia, o preconceito em relação aos problemas psicológicos vem de uma visão conservadora, e não contribui para que as pessoas que sofrem com essas questões tenham o tratamento devido e, assim, consigam seguir bem com sua rotina. Mesmo com a valorização do atendimento psicológico com a pandemia da Covid-19 (que gerou muitos transtornos nos indivíduos por conta do isolamento), a psicóloga acredita que há muito a ser avançado.
Pacientes com transtorno de ansiedade e depressão relatam falta de ânimo ou vontade de fazer atividades que sempre os agradaram. “Eu perdi a vontade de ver filmes, sair de casa, não ligava nem para tomar banho”, lembra Manuela.
Sylvia diz que é preciso ficar atento aos sinais. “Quando você para de fazer algo que gostava muito, isso é motivo pra ligar um alerta.”
A psicóloga complementa: “todos nós temos um instinto de sobrevivência. Uma pessoa diagnosticada com depressão ou ansiedade dificilmente pensa que corre risco de morte. Não percebe que a doença é paralisante e pode gerar um adoecimento irreversível”.
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Bruna Maleh Clara Giamellaro
O ambiente de trabalho e o escolar acabam sendo a maior fonte de gatilhos para o indivíduo.
Clara Giamellaro
PcDs esperam mais tempo por adoção
Dados do SNA mostram que apenas 2,5% dos 30 mil pretendentes à adoção estão dispostos a acolher crianças e adolescentes com deficiência; crianças negras e mais velhas também são preteridas
João Pedro Sampaio Alves Mascari Bonilha
No Brasil aproximadamente 5.000 crianças e adolescentes estão aptos para a adoção, segundo dados de 2022 do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Desse total, 15,5% possuem algum tipo de deficiência, o que irá diminuir ainda mais a sua chance de serem adotados, já que apenas 2,5% dos 30 mil pretendentes à adoção se disponibilizam a acolher crianças e jovens com alguma deficiência física ou intelectual.
A adoção de crianças e adolescentes com deficiência é definida como “adoção necessária” pela Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção (ANGAAD).
A Lei nº 12.955, de 5 de fevereiro de 2014, estabeleceu prioridade na tramitação dos processos de adoção em que o adotando é criança ou adolescente com deficiência ou com doença crônica, alterando o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069, de 1990). A legislação foi pensada especialmente para incentivar a adoção necessária.
Outra política pública importante é o programa “Busca Ativa Nacional”, do CNJ, que disponibiliza para os pretendentes à adoção fotos, vídeos e outras informações, para que as famílias interessadas possam se sensibilizar, tendo um contato mais próximo com as crianças e adolescentes a serem adotados.
A jornalista e professora da Universidade de São Paulo Tatiana Oliveira é mãe de duas irmãs adotadas com a ajuda da ferramenta Busca Ativa. Uma das meninas possui hemiparesia (paralisia cerebral apenas do lado direito, causada por lesões da área corticoespinhal). “A adoção foi especial, porque elas me adotaram. Foi amor à primeira vista.”
Ela lamenta que a adoção de
crianças e adolescentes com deficiência seja mais demorada.
“O capacitismo é cruel. A nossa sociedade está errada em não priorizar a inclusão. A questão é que a sociedade tem que incluir todes.”
Tatiana contou que a filha com hemiparesia passou por um ano de rejeição, tanto pela deficiência como por conta do racismo. “Só queriam a caçula que não é PcD e tem a pele mais clara”, diz, com indignação.
Tatiana é negra e ativista do movimento antirrascista. Sua tese de doutorado no Programa de Integração da América Latina, na USP (Prolam-USP) foi sobre o feminismo negro no continente latino-americano.
De acordo com o CNJ, os pretendentes à adoção também evitam crianças negras, aquelas que tenham irmãos e que sejam maiores de cinco anos de idade.
“Infelizmente, no nosso país e em todo o mundo vivemos em uma sociedade extremamente se -
letiva. Nosso maior sonho é que todas as crianças e adolescentes sejam acolhidos, porém essa não é a realidade”, lamentou Luciano Pedro Estevão, diretor financeiro da Angaad, em evento da Frente Parlamentar de Apoio à Adoção na Assembleia Legislativa de São Paulo, realizado em 19 de novembro de 2021.
Apesar de tudo, os números de adoção de crianças e adolescentes com deficiência no Brasil vem melhorando, ainda que timidamente. De acordo com dados do SNA, das 3.203 adoções concluídas em 2019, apenas 0,6% eram de crianças ou adolescentes com deficiência, 0,3% com doença infectocontagiosa e 2,3% de com outros problemas.
Já em 2021, das 3,237 adoções realizadas, 1,7% das crianças tinham alguma deficiência; 1,3% com doença infectocontagiosa; e 9,5% apresentavam algum outro problema de saúde.
Acontece • 6
Arquivo pessoal/ Tatiana Oliveira
Maria Helena, 11, possui hemiparesia. Ela foi adotada pela jornalista Tatiana Oliveira.
ONGs
Em prol da causa animal
e projetos que lutam contra o abandono resgatam cães e gatos das ruas da cidade de São Paulo
Fernanda Falcon
Giovana Santoro
Otávio
Santos
No Brasil existem mais de 30 milhões de animais abandonados (cerca de 10 milhões de gatos e 20 milhões de cães), segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS).
A lei municipal de São Paulo nº 15.023, de 2009, em seu artigo 7º, estabelece que animais domésticos urbanos (cães, gatos, equídeos, bovinos, caprinos e ovinos) encontrados soltos em vias e logradouros públicos, sem identificação de proprietário e em estado de sofrimento, devem ser resgatados pela Divisão de Vigilância de Zoonoses (DVZ), evitando, assim, que esses animais causem acidentes e ataquem pessoas, podendo transmitir doenças como raiva, toxoplasmose e sarna.
A Coordenadoria de Saúde e Proteção ao Animal Doméstico (Cosap), criada em 2017 e ligada à Secretaria Municipal da Saúde (SMS), é o órgão responsável por desenvolver políticas públicas voltadas à saúde, assistência e proteção dos animais domésticos da cidade de São Paulo. De acordo com a assessoria de imprensa da coordenadoria, a população animal estimada na cidade de São Paulo é de 1.874.601 cães e de 810.170 gatos domiciliados. A pasta esclarece que não há estudos oficiais com estimativa sobre a população de cães e gatos em situação de abandono no município, pois os animais apresentam característica nômade, ou seja, não se fixam em um único local.
As organizações não governamentais (ONGs) são muito importantes no resgate e atendimento aos animais que se encontram nas ruas. Normalmente promovem campanhas de arrecadação de fundos para ajudar esses animais. Uma das entidades que atuam nesse sentido é a ONG Cão Sem
Dono, localizada no Sacomã, região sudeste de São Paulo.
“Nosso foco é poder resgatar o maior número possível de animais em situação de rua”, ressalta Vicente Define, um dos diretores da ONG. Ele lamenta o fato de que, com a pandemia da Covid-19, o número de cães e gatos abandonados tenha aumentado consideravelmente. “A quantidade de animais que resgatamos cresceu em 40%.”
Dentro da ONG há processos e cuidados a serem seguidos com os animais, para garantir a saúde deles. Quando eles chegam da rua, há uma série de exames laboratoriais, para ver se possuem algum tipo de doença grave. Os bichinhos também são vacinados e, se necessário, tomam medicamentos específicos.
A Cão Sem Dono possui 462 cães abrigados. “Recebemos uma média de 200 pedidos de resgate por dia. Lemos com atenção cada um deles e só pega-
mos, se tivermos condições. Resgatamos o que dá para resgatar”, conclui.
A estudante de arquitetura da Universidade Presbiteriana Mackenzie Isabella Dias e sua mãe Mônica Rollo possuem um projeto chamado “Vira Lar”, que tem como objetivo resgatar animais de rua e achar um abrigo para eles. “O projeto começou durante a pandemia, quando uma cachorrinha com cinco filhotes apareceu na empresa dos meus pais e decidimos cuidar deles. Depois disso, resolvemos criar um projeto e pedir ajuda de outras pessoas.”
Isabella e Mônica já resgataram 90 animais, que foram adotados por outras pessoas. “Como ainda somos um projeto pequeno e recebemos pouca ajuda, estamos, no momento, com apenas cinco cachorros”, comenta Isabella.
Aqueles que se interessam pela causa animal podem colaborar com o projeto “Vira Lar” pelo endereço @projetoviralar.
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Giovana Santoro
Na cidade de São Paulo a situação de animais abandonados nas ruas e logradouros é regulamentada pela lei municipal nº 15.023, de 2009.
Machismo na cozinha
Arthur Hofmann Murilo Nuin
Adesigualdade de gênero em diferentes âmbitos profissionais, inclusive na área gastronômica, é uma realidade em nosso país. Ainda que as mulheres sigam dominando a cozinha de suas casas (96% delas cozinham em suas residências, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – PNAD/IBGE), apenas 7% delas aparecem como chefs nos principais restaurantes do Brasil.
A marca de cerveja belga Stella Artois, juntamente com o Instituo Ipsos (centro especializado em pesquisa de mercado e opinião pública), realizou em 2022 um levantamento focado em investigar a equidade de gênero na cozinha profissional. Intitulado “Juntas na Mesa”, o estudo foi o primeiro do país a mirar nessa temática. O levantamento registrou que 1/3 das entrevistadas acreditam que as mulheres não crescem na gastronomia por não serem ouvidas por chefs homens; 45% das mulheres buscam alguma espécie de profissionalização, mas não conseguem por falta de tempo e dinheiro; e, por fim, uma a cada três cozinheiras afirma que custa mais empreender no meio gastronômico sendo mulher.
No reality show de gastronomia mais famoso do Brasil, o MasterChef, realizado pela TV Bandeirantes, o machismo já foi visto em atitudes dos próprios participantes. Na edição de 2016, no MasterChef Profissionais, a campeã Dayse Paparoto chegou a ouvir, de Ivo Lopes, outro competidor, que “deveria varrer o chão”. Ivo tentou se explicar, piorando a situação: “Trabalhar com mulher na cozinha é um pouco mais delicado, vamos ser realistas. Elas acabam sendo um pouco mais frágeis.”
Se ao vivo já acontecem situações nesse sentido, é possível imaginar o que ocorre no dia a dia das mulheres que atuam no campo gastronômico.
Isabella Albuquerque, estudante de gastronomia e funcionária de um restaurante japonês no centro de São Paulo, conta um pouco de sua experiência no meio. “Onde eu trabalho não é novidade ser menosprezada. Parece até natural esse tratamento dos chefs homens com as mulheres. Não deveria ser assim. Temos as mesmas condições que eles. Não tem por que esse menosprezo.”
Vinte e nove por cento das mulheres profissionais já viram ou foram vítimas de discriminação de gênero ou já pensaram em mudar de ramo por falta de oportunidade, ainda segundo a pesquisa “Juntas na Mesa”. As mulheres em restaurantes são maioria apenas em cargos de menor expressão, como atendentes, auxiliar de cozinha, caixa etc.
Em entrevista concedida ao portal Terra, em 12 de novembro de 2002, a
chef Kátia Barbosa relatou situações de preconceito que sofreu ao longo de sua carreira, antes de alcançar o posto que ocupa hoje no restaurante Aconchego Carioca, no Rio de Janeiro.
“Fui muito ignorada por ser mulher e uma situação que me incomodou bastante foi um dia em que um cliente não acreditou que o prato servido em um jantar havia sido criado e executado por mim, deixando claro que não esperava que uma pessoa com a minha história teria capacidade para aquilo. Tudo foi dito de forma aparentemente gentil, mas o preconceito estava ali”, relembra Kátia Barbosa, que começou sua carreira na gastronomia como ajudante de cozinha e atendente.
Katita, como é conhecida pelo público, atuou como jurada do programa Mestre do Sabor, da TV Globo.
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A estudante de gastronomia Isabella Albuquerque: “não é novidade ser menosprezada”.
Apenas 7% das mulheres ocupam o cargo de chef nos principais restaurantes do país
Murilo Nuin
Autistas enfrentam rejeição escolar
São Paulo tem apenas 22 colégios credenciados para atendimento a esses alunos; especialistas e familiares de estudantes com TEA denunciam ainda a falta de profissionais qualificados nas instituições de ensino
Éestimado que o Brasil possua cerca de dois milhões de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Contudo, por falta de pesquisas, o número não é exato. Por esse motivo, em 2019 foi sancionada a Lei nº13.861 que obriga o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) a perguntar sobre o autismo no censo populacional. Segundo dados de 2022 do órgão estadunidense Center of Deseases Control and Prevention (CDC), hoje há um caso de autismo a cada 110 pessoas.
De acordo com o Ministério da Educação (MEC), foram registradas cerca de 180 mil matrículas de estudantes com TEA na educação básica, em 2018. A Acompanhante Terapêutica (AT) Tamie Cavalcanti Albuquerque explica que a maior dificuldade de um estudante autista na sala de aula está em entender o ambiente e, depois da contextualização com a sala de aula, conseguir acompanhar o ritmo da professora e dos alunos.
A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), Lei nº 13.146, de 2015, também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, deixa claro em seu Artigo 8º que “recusar, cobrar valores adicionais, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, em razão de sua deficiência é considerado crime de discriminação”.
“Mesmo com a Lei, é muito comum as escolas não aceitarem a matrícula, dando a desculpa de que não há vagas. Minha filha tem autismo e a matrícula dela já foi recusada”, conta Penelope Seppe, psicopedagoga e mãe de Isabella Seppe.
Penelope lembra quando ligou para uma escola e, no primeiro contato, foi informada que havia vaga na instituição. Ao chegar para efetivar a matrícula e perceberem que a filha dela era autista, recebeu a informação que a vaga havia sido preenchida. “Passamos também por uma situação na qual a coordenadora foi bem direta em dizer que a escola tinha um nível de exigência alto e que talvez minha filha não iria ser feliz lá.”
São poucas as escolas que apresentam
um nível de preparação apropriado para a formação de alunos autistas. Na cidade de São Paulo, existem 22 colégios credenciados pela Prefeitura para o atendimento de estudantes com TEA.
“Os profissionais não estão sendo formados para atender autistas. O ensino superior não tem esse foco e vejo isso como um grande problema, tendo em vista que a população com TEA tem crescido muito. Não ter profissionais capacitados gera uma grande lacuna de conhecimento em diversas áreas”, expressa Kadu Lins, sócio-fundador e diretor executivo do Instituto do Autismo (IDA). Lins completa: “a qualificação de profissionais não tem a ver apenas com um atendimento melhor. Está relacionada, também, com o fato de ajudarmos a construir uma sociedade mais justa, com menos preconceitos, um espaço em que as minorias sejam aceitas”.
Criada em 2012, a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista garante a presença de alunos com TEA em escolas regulares e possibilita a solicitação de um acompanhante para auxiliar na formação, quando necessário. Tamie Cavalcanti esclarece que o Acompanhante Terapêutico tem o papel de mediador, tanto na parte da socialização com os amigos, quanto no ambiente de sala de aula, dando ao aluno assistência pedagógica e psicossocial e, consequentemente, ajudando-o em seu desenvolvimento comportamental, social
“Cada profissional pode fazer sua parte no seu respectivo ambiente. A professora, por exemplo, precisa entender as necessidades e o ritmo do aluno TEA e estar preparada para conduzir uma sala de aula contando com as especificidades de cada aluno. Dispor de profissionais mais especializados, como psicólogos e acompanhantes terapêuticos, também é agregador, tanto para a escola, quanto para os alunos em situação de inclusão”, expõe Tamie.
A psicopedagogo Penelope Seppe lembra que as filas de espera em ONGs e instituições que atendem alunos autistas são, na maioria das vezes, extensas. “Isso prejudica imensamente o desenvolvimento dos portadores de TEA, porque, devido à alta procura, os atendimentos muitas vezes são em grupos e a preferência acaba sendo para crianças menores.”
O Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo é celebrado anualmente no dia 2 de abril. “Existem muitas redes de apoio e grupos de mães que se ajudam. As redes sociais facilitam esta troca. A dica que eu dou para as mães de autistas é ‘busque cuidar de você também, afinal, só damos conta de ajudar nossos filhos, se estivermos bem com a gente”, aconselha Penelope. Seu maior desejo é que a filha Isabela seja feliz, conseguindo se desenvolver com autonomia.seja feliz, conseguindo se desenvolver com autonomia.
Acontece • 9
Bruna Ribeiro e pedagógico.
Mesmo com a Lei da Inclusão é muito comum as escolas não aceitarem a matrícula de autistas.
Bruna Ribeiro