JOVENS, ADULTOS E IDOSOS SUPERAM O OBSTÁCULO DO ANALFABETISMO - p. 18
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SÃO PAULO É EXEMPLO NO CUIDADO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIAS - p. 3
APESAR DA LEGISLAÇÃO, DOMÉSTICAS ENFRENTAM DIFICULDADES - p. 6
INICIATIVAS BUSCAM GARANTIR COMIDA PARA POPULAÇÃO CARENTE - p. 7
CURSOS AUXILIAM AUTÔNOMOS NA BUSCA POR TRABALHO
Por Luiza Paniagua e Mayra Oliveira - p. 12
ESTABELECIMENTOS DEVEM PROTEGER MULHERES CONTRA O ASSÉDIO - p. 9
E MUITO MAIS!
Acontece • 1 JORNAL-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE - ANO XXIII - ED. 248 - ABRIL / 2023
Intercâmbio segue em alta
Além dos brasileiros que buscam instituições de ensino no exterior, muitos estrangeiros têm vindo para cá
Gustavo Romanello e Ilan Ficher
Ointercâmbio de estudantes permite que jovens brasileiros e de outros países tenham novas experiências e se envolvam com a cultura do país que visitam. Segundo a Associação Brasileira das Agências de Intercâmbio (Belta), o Brasil já enviou mais de 247 mil estudantes para fora do Brasil. E de acordo com o Ministério do Turismo, apenas no ano de 2021, cerca de 110 mil estudantes estrangeiros escolheram o país para uma experiência internacional. Os jovens de 15 a 22 anos são os que mais procuram programas de intercâmbio.
Para Maria José Pacheco Osorio, 18 anos, estudante venezuelana de Caracas, capital daquele país, que atualmente mora em São Paulo, o sistema educacional brasileiro é muito útil para alunos que querem ingressar em universidades. “Durante minha expe -
riência estudando no Brasil, estou satisfeita com a receptividade, paciência para explicar coisas que eu não entendo e os conselhos que recebo e aplico para melhorar meu português. Assim como a alegria dos dias temáticos e das atividades relacionadas ao último ano de escola. Estou muito entusiasmada em continuar esta experiência”, diz ela.
A educação é a base para tudo, e não à toa é vista como a principal ferramenta para desenvolvimento profissional e pessoal. Mas nem sempre foi assim: apenas em 1988, com a promulgação da Constituição atual, a educação se tornou um direto de todo cidadão brasileiro. Vivemos em um país onde a desigualdade cresce a cada dia que passa e a educação se torna um pilar fundamental na construção de uma sociedade igualitária.
Nos dias atuais, o Brasil não se encontra em uma boa posição no cenário da educação. De acordo com o World Competitiveness Yearbook (WCY) divulgado em julho de 2020, o Brasil ficou em último lugar no fator educação. E nossas universidades, por exemplo, não costumam estar entre as mais bem avaliadas do mundo. A USP é a única universidade da América Latina a figurar entre as 100 instituições com maior reputação acadêmica do mundo, segundo o World Reputation Ranking 2022, divulgado em 16 de novembro.
Mesmo com esses números, muitos jovens de outros países vêm ao nosso país para estudar. Emilio Saucedo Infante, 17 anos, mexicano proveniente da cidade de Monterrey, está no Brasil desde agosto de 2022. Ele conta: “Na minha opinião, aqui no Brasil eles gastam muito tempo estudando para vestibular e não para a
vida em geral. Muita gente estuda só para isso e no final das contas, não sabe nada do que acontece atualmente. Eles apenas estudam para entrar em uma universidade por pura pressão psicológica dos pais”. Emilio irá voltar para o México em julho
Durante anos, a ideia de realizar um programa de intercâmbio estava ligada diretamente à troca de estudantes dos mais diversos países do mundo. Nos dias atuais, a palavra está mais abrangente e significa ter uma experiência dentro ou fora do Brasil, seja ela cultural, estudando uma nova língua ou fazendo algum curso específico, sem precisar trocar de lugar com outra pessoa. De acordo com a pesquisa feita pelo Selo Belta (Brazilian Educational & Language Travel Association), associação que reúne as instituições brasileiras que trabalham com intercâmbio, entre os países mais escolhidos pelos brasileiros para intercâmbio estão Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelandia, Irlanda e México.
Jornal-Laboratório dos alunos do 2o semestre do curso de Jornalismo do Centro de Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie. As reportagens não representam a opinião do Instituto Presbiteriano Mackenzie, mas dos autores e entrevistados.
Universidade Presbiteriana Mackenzie Centro de Comunicação e Letras
Diretor do CCL: Rafael Fonseca
Coordenador do Curso de Jornalismo: Hugo Harris
Edição: André Santoro
Impressão: Gráfica Mackenzie
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Brasil já enviou mais de 247 mil estudantes para fora do país (Freepik)
Inclusão em ação
Região metropolitana de São Paulo abriga referências no cuidado de pessoas com deficiências
Ana Carolina Maciel e Priscilla Gutierrez
São Paulo é o estado mais populoso do país. Segundo o IBGE, são estimados 46 milhões de habitantes. Desses, ainda segundo o Instituto, cerca de 9 milhões de pessoas têm algum tipo de deficiência. Com tantos paulistas com necessidades especiais, São Paulo tem a missão de levar para todos os seus 645 municípios os mesmos tratamentos da metrópole. No dia 2 de abril foi comemorado o Dia Mundial de Conscientização do Autismo. Paula Santiago é dona de casa e tem 39 anos. É mãe de Davi, de 14 anos, autista. Moradora de São Vicente, enfrenta o maior desafio que e é encontrar serviços, tratamentos e profissionais gratuitos na região,
“O Davi frequentou a APAE São Vicente e o CAPS da prefeitura de São Vicente. Mas, conforme não foi obtido o desenvolvimento, eles praticamente tiraram meu filho do sistema. Falaram que eu teria que procurar outro lugar, no qual ele se desse melhor com as crianças, por ele ser uma criança difícil de se enturmar”, afirma Paula. Ela completa: “resolveram fazer uma reunião e tirar o Davi da APAE e da CAPS. Aí, entraram em contato com essa clínica [Clínica Matheus Alvares], que o convênio cobria, mas tivemos que entrar na justiça, com advogado, para poder conseguir colocar a criança, pelos seus direitos de autismo”.
Localizada na cidade de Guarulhos, a instituição Casas André Luiz,
sem fins lucrativos, atua há mais de 65 anos no cuidado de pessoas com deficiência. “O objetivo é a deficiência intelectual, mas a maior parte dos pacientes também tem alguma deficiência motora associada, o que acaba dificultando e encarecendo o atendimento por ter vários tipos de tratamentos e profissionais para dar uma qualidade de vida melhor ao assistido”, diz Maria Moreira, 54 anos, que atua no relacionamento com o doador na André Luiz.
Com mais de 535 pacientes internos e 2.500 atendimentos diários no ambulatório, os tratamentos são realizados por uma equipe multidisciplinar, composta por médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, terapeu-
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Diego viaja para o espaço da imaginação enquanto pinta seu próprio astronauta
Com habilidade e criatividade, Edite prova que sua arte no crochê não tem limites
tas ocupacionais, psicólogos, pedagogos e outros profissionais.
A instituição tem a guarda de todos os residentes, por não poderem contar com o apoio dos familiares. Logo que os assistidos chegam, passam por atendimento com psicólogos, neurologistas e fazem uma bateria de exames para avaliar suas necessidades.
A equipe de 1600 funcionários oferece uma variedade de serviços e tratamentos que são adaptados para cada paciente. Para os assistidos que não têm comunicação verbal, é feita a Comunicação Suplementar Alternativa, utilizando pranchetas autodidáticas com ilustrações, leitura labial e libras. Há atividades como pintura, desenho, terapia ocupacional, eventos e música que estimulam os pacientes. Apesar dos desafios por ser uma instituição filantrópica, é contínua a luta para trazer um atendimento de qualidade para quem precisa. Como prova disso, o relacionamento dos assistidos com as cuidadoras é de figura mater-
na. A instituição é uma verdadeira família para muitos, oferecendo um lar e uma vida melhor para todos.
A organização mais conhecida no ramo é, com certeza, a Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), que tem oito unidades no Brasil e cinco em São Paulo. A instituição está incutida no imaginário popular do brasileiro há algumas décadas. Isso graças ao Teleton, promovido pela emissora de televisão SBT todos os anos.
A entidade tem como uma de suas propostas a autonomia dos pacientes por meio da terapia ocupacional. Com cerca de 120 mil atendimentos por ano, o hospital tem um movimento intenso e um ambiente adaptado para receber os pacientes.
A sinalização no teto, no chão e as paredes coloridas têm o objetivo de fazer com que todos sintam-se acolhidos e possam se localizar melhor no espaço. Cada cor representa um setor diferente: azul para adultos, laranja para crianças, amarelo para ortopedia e verme-
lho para o centro médico.
A AACD oferece reabilitação externa e interna, incluindo apoio psicológico para os pais, o que consequentemente auxilia no tratamento dos filhos. O hospital atende cerca de 80% de pacientes pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e 20% pela rede privada, sendo que é possível receber o tratamento pela AACD por encaminhamento médico ou convênio, se estiver contemplado no plano. Todos os pacientes recebem o mesmo atendimento humanizado, independentemente da forma de acesso aos serviços oferecidos.
“Dependendo do caso, há pacientes que só vão para o hospital para realizar algum procedimento, e tem a reabilitação que, dependendo da decisão da equipe clínica, pode ser algo contínuo”, diz Nicholas Gounaris, 26, do departamento de marketing da AACD, quando perguntado se os pacientes se mantêm internados na entidade.
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Venezuelanos buscam abrigo no Brasil
Quase 50 mil cidadãos do país vizinho vivem por aqui; muitos contam com o apoio de projetos sociais
Ana Luiza Guerbali e Vinicius Robassini
Devido à crise política na Venezuela, a vida dos cidadãos daquele país sofreu um grande impacto. A crise sanitária, a escassez de alimentos e a falta de assistência médica foram alguns motivos que ocasionaram uma diáspora – atualmente, cerca de 6,8 milhões de venezuelanos estão espalhados pelo mundo e quase 50 mil vivem no Brasil, de acordo com dados da ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados). A maioria entra por Pacaraima, cidade pequena ao norte de Roraima, e se desloca pelo território brasileiro até encontrar locais de apoio.
A venezuelana Lady Anali, 32 anos, afirma: “prefiro estar aqui mesmo, sozinha e longe da minha família”. A estrangeira está há quatro anos no Brasil na situação de refugiada. Ao ser questionada a respeito do motivo de sua vinda, respondeu com os olhos marejados: “saí do meu país porque mataram meu pai devido à situação política da Venezuela, e como não tenho irmão, minha irmã ficou com a minha mãe e escolhi vir para o Brasil”. A encontramos no CIC (Centro de Integração e Cidadania ao Imigrante) para fazer o pedido de abrigo definitivo no Brasil, pois o temporário havia terminado. Lady afirma que o Centro ajudou muito nesse processo para conseguir o direito de abrigo, além de afirmar que os brasileiros sempre foram gentis com ela.
O CIC é um programa do Governo do Estado de São Paulo que tem a missão de promover o exercício da cidadania dos imigrantes e assegurar os direitos humanos dessas pessoas. Os centros oferecem cursos profissionalizantes, orientações sociais e jurídicas, aulas de português e oficinas culturais. O projeto Cerzindo, localizado na unidade Barra Funda, é um dos mais procurados pelos refugiados venezuelanos: de 900 associados metade deles são da Venezuela. O projeto conta com um espaço amplo, com muitas máquinas de costura e professores.
Entrada do Centro de Integração e Cidadania do Imigrante, localizado na Barra Funda
Leila Stungis, 42 anos, coordenadora do Projeto Cerzindo, sem fins lucrativos e de cunho social, conta que a iniciativa oferece cursos de português, estamparia e costura. Ela explica o projeto foi criado em 2017, pelo rabino Moti Begun, membro da Sociedade Beneficente Israelita Talmud Thora, e atende imigrantes de qualquer nacionalidade, sexo e idade, desde que tenham 18 anos ou mais. Leila afirma que eles oferecem acolhimento, atendimento psicossocial e cursos profissionalizantes pensando em combater o trabalho análogo à escravidão. Tendo o Senac de São Miguel Paulista como parceiro, o projeto oferece cursos gratuitos para os beneficiários, que além disso contam com auxílio transporte e alimentação, cestas básicas, roupas e kits de higiene e limpeza.
A coordenadora fala sobre o suporte oferecido na questão burocrática: “a gente auxilia essas pessoas a buscarem todos os serviços públicos aos quais elas têm direito, como escola para as crianças, documentação, defensoria pública e saúde pública”. O projeto também tem parceria com o Sebrae São Paulo, o que também possibilita que os imigrantes interessados sejam inseridos no mun-
do do empreendedorismo.
Apesar de todos os cuidados oferecidos para os refugiados, nem todos são recebidos de maneira positiva. A venezuelana Victoria Márquez, 30 anos, youtuber, afirma: “quando cheguei em 2016 no Brasil, não tive nenhuma orientação para retirar meus documentos, fiquei desamparada, mas depois que o governo brasileiro começou a reconhecer os imigrantes venezuelanos, passei a me sentir segura, tanto eu quanto meu filho”. Além disso, ela contou das situações desagradáveis que passou no país, afirmou ter sofrido xenofobia numa farmácia ao tentar comprar um remédio, e a venda ser recusada por conta de sua nacionalidade, além de tentar alugar um imóvel e o proprietário ter dito que não aceitaria venezuelanos.
Vicky observa que houve melhora nessa questão. Hoje, morando em Curitiba, não é mais atacada por conta da sua nacionalidade. Atualmente, a estrangeira faz vlogs em seu canal do YouTube mostrando sua rotina no Brasil e auxiliando os venezuelanos que chegam ao país. “Infelizmente, no Brasil qualquer pessoa que seja diferente dos demais sofrerá xenofobia igualmente”, diz Leila Stungis.
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Domésticas mostram sua força
Desvalorização do trabalho ainda é realidade, mesmo após oito anos da PEC que regularizou o setor
Flávia Fernandes e Gabriel Vieira
Aclasse das empregadas domésticas, composta majoritariamente por mulheres negras, enfrenta diariamente empecilhos como baixa remuneração, sexismo e racismo. No Brasil, cerca de 6,2 milhões de pessoas exercem a função de trabalhador doméstico, sendo 92% mulheres, e, destas, 65% negras, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, Pnad Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE.
Dores nas pernas e na coluna são queixas feitas por Vanderlúcia Ferreira, 52 anos, trabalhadora doméstica. A faxineira diz que seu trabalho é muito desgastante por necessitar de esforço totalmente braçal. Abuso por parte de patrões é comum na rotina de trabalho das empregadas domésticas. Vanda conta que já passou por uma situação de exploração: trabalhou para uma patroa que exigia mais do que ela deveria fazer, o que a levou aumentar seu preço. Como resposta, recebeu, também, mais funções indevidas, passando a exercer tarefas como limpar 10 pares de tênis. “Você vai lá para fazer faxina, e não pra lavar louça, colocar roupa no varal, esquentar comida”, disse a trabalhadora. Dados da Organização Internacional do Trabalho, OIT, apontam consequências do racismo estrutural na sociedade, uma vez que a quantidade de mulheres negras trabalhando como domésticas se dá pelas desigualdades raciais estabelecidas historicamente no Brasil. Com o fim da escravatura, o trabalho doméstico realizado por mulheres negras passou a ser remunerado, mas não houve políticas públicas para que fosse valorizado na sociedade. O trabalho doméstico se baseia no desempenho de atividades como limpar a casa, cozinhar, passar roupa e até mesmo cuidar de crianças. Para cada uma destas funções, existe uma profissão específica. Todavia, um indivíduo contratado como empregado doméstico muitas vezes desempenha todas essas tarefas. Flávia Rodrigues
de Queiroz, 46 anos, empregada doméstica, faz faxina, cozinha e passa roupa sendo diarista, termo que se refere a prestação do serviço doméstico em alguns dias da semana, sem vínculo trabalhista, se diferenciando das mensalistas, que são registradas. Após anos de reivindicações por parte das trabalhadoras domésticas, que não tinham seus direitos assegurados por lei, foi aprovada em 2015 a PEC das Domésticas, de autoria do ex-deputado federal Carlos Bezerra (PMDB). A Lei Complementar 150, que altera o Artigo 7° da Constituição, garante direitos como adicional noturno e intervalos para descanso e alimentação. Antes da PEC, o registro era facultativo, e, após ela, tornou-se obrigatório quando a trabalhadora presta serviço em uma casa mais de duas vezes na semana. A lei assegura direitos como FGTS, seguro desemprego, férias remuneradas, licença maternidade, adicional noturno, vale transporte, auxílio-doença e aposentadoria. Ainda assim, 75% delas permanecem na informalidade, que, segundo Neuza Romão, 60 anos, advogada, ocorre por conta da alta tributação para os empregadores, o que dificulta o aumento de registros no Brasil.
A advogada reconhece que os avanços que a lei trouxe foram indispensáveis para as trabalhadoras domésticas, que tinham poucos direitos assegurados. Neuza defende uma simplificação dos impostos, situação que, segundo ela, implicaria no aumento de registros de trabalhadoras domésticas. “Não é porque eu não tenho estudo que eles vão deixar de estudar”, diz Flávia sobre seus filhos. Ela alega não querer que seus filhos sigam o mesmo caminho que ela e abando-
nem os estudos. A baixa escolaridade é outro fator que faz com que as pessoas exerçam cargos domésticos, mostra a experiência das empregadas. “Não foi escolha”, disse a trabalhadora, ao compartilhar que veio de Melancias, município de Minas Gerais, para trabalhar sem remuneração em São Paulo, aos 16 anos, como babá. Com o tempo, não teve outra opção a não ser atuar como empregada doméstica para conquWistar sua independência.
“São Paulo era como se fosse o paraíso”, conta Vanda. Ela também passou por uma infância difícil: com apenas 9 anos, veio para São Paulo para trabalhar como babá em uma casa de uma conhecida. A única exigência era que ela mantivesse seus estudos, o que não durou por muito tempo. Enfatiza que veio buscar o sonho de uma vida melhor: “para você sair daquela miséria, qualquer coisa era boa”. O município onde nasceu, Pedras de Maria da Cruz, em Minas Gerais, não tinha o básico, e ela chegou a passar fome. Vanda possui várias sequelas de seu passado difícil, fazendo acompanhamento psicológico por consequência de problemas alimentares. Recentemente, chegou a realizar uma cirurgia bariátrica.
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Vanda começou a trabalhar com 9 anos
Isabela Vitiello
São Paulo enfrenta a fome
Iniciativas na cidade buscam garantir a alimentação dos mais necessitados
Acidade de São Paulo conta com programas que atuam com o objetivo de combater a fome da população de baixa renda. Bom Prato, Refeitório Comunitário Penaforte Mendes e Banco de Alimentos são iniciativas que trabalham com esse intuito. Trata-se de ações essenciais à população, uma vez que, analisando a cidade de São Paulo, um dossiê produzido pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal mostrou que, na primeira quinzena de dezembro de 2021, 6 mil pessoas procuraram atendimento em Unidades Básicas de Saúde devido à fome.
O Bom Prato é uma rede de restaurantes populares mantida pelo governo do Estado de São Paulo e, desde o ano 2000, distribui refeições por baixos preços – almoço e jantar são pagos por 1 real, e café da manhã é servido
por 50 centavos. Desde sua criação, O Bom Prato já ofereceu 200 bilhões de refeições, sendo 130 mil por dia atualmente. São 24 unidades da rede concentradas apenas na capital. Os restaurantes de 25 de Março, Brás, Campos Elísios, Guaianases, São Mateus e Lapa abrem de segunda-feira a domingo. Um dos funcionários da unidade da Lapa afirma que lá são vendidas 1700 refeições todos os dias.
Donizete Borba, de 62 anos, é um dos frequentadores do Bom Prato. Ele é pintor, mas atualmente não está empregado formalmente, conseguindo apenas serviços pontuais. O dinheiro que utiliza para pagar as refeições é, muitas vezes, oriundo de doações que recebe de pessoas na rua, algo nem sempre fácil, uma vez que, segundo ele, muitos indivíduos acabam pensando que o pedido de dinheiro é para a compra de drogas. Sem os donativos, alimentar-se fica sendo um de -
safio. Donizete aprecia a comida ofertada pelo Bom Prato, e sua necessidade o faz permanecer na fila debaixo de forte sol, aguardando a abertura dos portões do restaurante.
Janine Sanches, de 84 anos, é aposentada e recebe auxílio do Estado. Ela, frequentadora do Bom Prato da Lapa, crê que a iniciativa de ofertar refeições por baixos preços é uma boa ação e um ponto positivo do governo, além de gostar das comidas servidas pelo programa.
Outra importante ação que visa a amenizar a fome dos menos favorecidos é o Refeitório Comunitário Penaforte Mendes. Sob gerência da Associação Rede Rua e conveniado à Secretaria Municipal de Assistência Social da Cidade de São Paulo, o Refeitório, desde 2000, fornece refeições diariamente a pessoas em situação de rua, sendo 500 indivíduos assistidos a cada dia.
Marcos de Souza, 33 anos,
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Bom Prato da Lapa forma grande fila de pessoas à espera de refeição
está em situação de rua. Todos os dias frequenta o Refeitório Comunitário para alimentar-se e, à noite, dorme em albergues que são indicados pelos funcionários do Refeitório. Tendo perdido diversos membros de sua família e realizado uma cirurgia nas costas após ser baleado recentemente, Marcos passou a conviver com os assistentes sociais e, desta forma, afirma ter mudado radicalmente de vida, não mais voltando ao mundo do crime e ao uso de drogas. Quando questionado sobre o impacto do Refeitório Penaforte Mendes em sua vida, Marcos resume: “muito importante para mim e para muita gente”.
A cidade de São Paulo ainda apresenta o Banco de Alimentos. Mantido pela prefeitura desde 2002, o Banco, com mais de 60 funcionários, arrecada alimentos e promove “distribuição, por meio de entidades assistenciais sem fins lucrativos […] a pessoas ou famílias em estado vulnerável”, segundo consta no decreto municipal que o criou. Além de doações, o programa capta alimentos em boas condições que seriam descartados por feiras e mercados municipais por não mais terem valor comercial. Atualmente, são 410 entidades assistenciais cadastradas no programa, que ficam encarregadas de fornecer à comunidade de baixa renda pacotes pré-montados ou refeições prontas. Apenas em janeiro de 2023, foram mais de 35 mil quilos doados.
Miguel Guedes, 26 anos, é funcionário da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e, dentre outras funções, é responsável pela área de segurança alimentar. Segundo Miguel, o Banco de Alimentos teve uma crescente nas doações durante o período da pandemia – em dois anos, foram arrecadadas mais de 4 mil toneladas de mantimentos. Deste modo, o funcionário afirma que, no crítico cenário mundial, o programa “foi um importante instrumento de combate à fome na cidade”.
Acontece • 8
Donizete aguarda sob forte sol a abertura dos portões do Bom Prato
Janine Sanches frequentemente se alimenta no Bom Prato da Lapa
Diversão sem assédio
Nova lei em São Paulo obriga estabelecimentos a oferecer ajuda a mulheres em suas dependências
Julia Costa e Larissa Maria
Bares, casas noturnas, eventos e restaurantes do estado de São Paulo agora são obrigados a oferecer auxílio para mulheres que estejam na dependência de seu estabelecimento e se encontrem em situação de vulnerabilidade. A Lei 17.621/2023, sancionada em 3 de fevereiro pelo governador Tarcísio de Freitas, tem como intuito garantir que vítimas de assédio ou violência sejam rapidamente amparadas.
Ainda no mês de fevereiro dia 18, foi tornado público um novo decreto que objetiva ampliar a lei, sendo que agora os gestores e responsáveis pelos estabelecimentos terão 60 dias para se adequarem às novas diretrizes. Criada pelo deputado Thiago Auricchio, a lei complementar 17.635/2023 foi inspirada no protocolo “no callen” (não se calem), utilizado no processo contra o jogador brasileiro Daniel Alves, preso por estupro na Espanha. Naquele caso, os trabalhadores do local haviam recebido treinamento e, por isso, sabiam como proceder nesse tipo de cenário.
Essas regulamentações determinam que os estabelecimentos devem oferecer auxílio a mulheres em caso de risco, ofertando um acompanhante até o carro, um meio de transporte ou acionando a polícia. A medida aprovada pela Assembleia Legislativa de São Paulo ainda estabelece que os locais promovam treinamento ao menos uma vez ao ano para capacitar seus colaboradores, a fim de que estejam aptos a auxiliar e identificar situações de riscos, além de fixar cartazes em banhei -
ros ou em outros ambientes com informações de como conseguir ajuda. O não cumprimento dessa lei prevê que os responsáveis sejam punidos.
Em São Paulo, já existem alguns lugares que oferecem formas para assegurar ao público feminino como pedir um drinque com determinado nome quando ocorre algum caso de assédio – uma espécie de código interno entre as mulheres. No Bar Santa Augusta, localizado na rua de mesmo nome, na região central de São Paulo, esse tipo de serviço já está disponível. A gerente Arilma Nunes, de 24 anos, diz: “antes
mesmo da lei, eu tive a ideia de colocar comunicado dentro do banheiro”.
Ela explica que a ideia surgiu ao fazer algumas viagens em que frequentou bares que tinham essas plaquinhas com instruções em casos de assédio e decidiu implantar nos banheiros femininos. Apesar de essas situações nunca terem ocorrido no bar em que ela trabalha, Arilma procura ficar sempre atenta quando vê clientes em encontros e pede para que seus colaboradores façam o mesmo. De acordo com o relatório publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Publica, realizado
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Mulher curte a tarde de sexta-feira com suas amigas na Augusta
Grupo se reúne no restaurante Athenas em todo o Brasil nos anos de 2017 a 2023, cerca 46,7% das mulheres afirmam já ter sofrido algum tipo de assédio, sendo 11,2% terem sido abordadas de forma violenta em alguma festa. A promotora Estefania Paulin, do Ministério Público do Estado de São Paulo, acredita que essa nova lei pode colaborar para que a porcentagem diminua. Ela afirma, entretanto, que a lei ainda precisa de algumas indicações, visto que não há informações sobre fiscalização. Contudo, aguarda o decreto final para saber se o Ministério Público vai ser responsável ou não. Mas acredita que, para realmente funcionar, “a lei precisa efetivamente e concretamente ser aplicada, como ela construída, como ela foi concebida”.
A vereadora Luna Zarattini, 29 anos, da Bancada Feminista da Câmara Municipal de São Paulo, diz que ainda existem muitos desafios para essa lei realmente
funcionar, como a especificação dos casos que se enquadram e o que é configurado como vulnerabilidade. Ela ainda questiona qual seria a responsabilidade dos bares e restaurantes em situações como essa, além de afirmar que a lei desconsidera a autonomia da mulher e o amparo à preservação de provas da vítima.
Polyana Aline Gouvea, especialista em marketing de 29 anos, diz que tem o hábito de frequentar bares e baladas sozinha. Segundo ela, “geralmente é tranquilo, mas nem sempre foi. Ainda carregamos uma culpa de não estarmos acompanhadas, as abordagens são diferentes”. Ela completa: “hoje eu sei chegar e sair dos lugares e sempre sou muito perspicaz em algumas situações, não me deixo sentir desconfortável ou intimidada, mas já senti”. Ela ainda afirma que quando vai a esses lugares procura sempre fazer amizade com os atendentes, pois vê essa estratégia como uma
forma de impedir qualquer importunação.
Rafael Fiorani, 29 anos, gerente do bar Baron, também localizado na Rua Augusta, diz que ficou sabendo da lei por portais de informação relacionados a bares e restaurantes. “Estamos colocando placas em todos os banheiros disponíveis no bar e treinando toda a equipe para saberem lidar com situações atípicas”. Polyana acredita que essa lei pode ser muito benéfica para as mulheres e poderá fazer com que esteja mais segura, mas ressalta: “não sei se ela vai ser implementada e será efetiva, pois o problema não são as leis, mas todos os buracos e brechas que criam junto”.
Visitamos oito bares na região da Rua Augusta para checar se os donos e funcionários tinham conhecimento da nova legislação, mas apenas dois – Baron e Santa Augusta – manifestaram alguma preocupação com o assunto.
Acontece • 10
ONGs além dos números
Na capital paulista, empresas se voltam à população mais necessitada e mudam vidas
Allan Batista e Letícia Juang
De acordo com o Mapa das Organizações da Sociedade Civil, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), há cerca de 815 mil OSCs no território brasileiro. Segundo o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, há 8,4 mil entidades do Terceiro Setor em SP. Dados levantados pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) apontam, ainda, que 16,2 milhões de brasileiros são extremamente pobres – desses, 1,1 milhão encontra-se no estado de São Paulo.
Iniciativas como a LogsUp, que contribui ativamente com o Projeto Arrastão, organização do terceiro setor cujo objetivo é acolher e dar suporte a famílias carentes que moram na Região do Campo Limpo, fazem parte dessas estatísticas. Fundado em 1968, o nome do projeto teve sua inspiração em Elis Regina, pois naquele ano a cantora havia vencido o Festival de Música Brasileira com a música de mesmo nome. “Arrastão é uma técnica de pesca com rede. O nosso trabalho é esse: trabalhar as diferenças com diversos públicos”, explica Thamara Miranda, coordenadora de comunicação do Arrastão.
Atendendo públicos de todas as idades, o projeto acolhe crianças, adolescentes e jovens oferecendo comida e diversos cursos. O projeto se mantém com convênios com a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo e a Secretaria de Assistência Social da Prefeitura de São Paulo, captação por meio de leis de incentivo e doações de pessoas físicas e empresas.
Uma das empresas que contribuem com o Projeto Arrastão é a LogsUp Logística, que atua na área de soluções logísticas há 30 anos. Sendo a sustentabilidade um de seus pilares, muito ligado à questão social, Rafael Faria, 42 anos, diretor da empresa, explica que “ajudar um
Projeto Arrastão atende mais de 72 mil pessoas com serviços sociais e educacionais projeto como o Arrastão, no fim, acaba tendo a ver com essa missão da empresa”. Dentre algumas atuações da empresa, a LogsUp ajuda com a biblioteca da ONG, contrata profissionais para atender certas demandas, recruta pessoas atendidas pelo Projeto Arrastão para trabalharem na própria empresa, realiza doações, ações sociais, oferece cursos e recursos financeiros. Importante ressaltar que, de acordo com a legislação, as empresas que contribuem com projetos sociais têm direito a dedução no Imposto de Renda, mas a contribuição vai muito além dos incentivos fiscais. Ao fim do dia, o que marca os envolvidos é a conexão humana. “Quando vamos nesses lugares, sempre sentimos que estamos lá para ajudar, mas quando chegamos lá percebemos que é uma troca. Também somos ajudados. Não gosto nem de usar essa palavra, porque você se sente retribuído. Quando você consegue compartilhar algo que tem, você se sente parte de um todo. Compartilhar ideias, histórias,
isso é o que eu sinto”, afirma Rafael. Dani Silva Caitano, psicóloga engajada em causas sociais, também teve sua vida mudada graças a um projeto social. Professora assumidamente lésbica, após sofrer lesbofobia em seu emprego, realizou sua monografia sobre o tema. Seu trabalho foi, então, premiado pelo Instituto Mais Diversidade, sendo presenteada com um tablet e uma oportunidade de intercâmbio para o Canadá.
Fundado em 2020, o Instituto Mais Diversidade tem como objetivo acolher e incluir a população LGBTQIA+ na sociedade. Dentre seus programas, destaca-se o Prêmio LGBTI+ Pesquisa – que teve Daniela como uma de suas vencedoras –, cujo intuito é “fomentar e dar visibilidade a produções acadêmicas sobre Diversidade e Inclusão de pessoas LGBTQIA+ no mundo do trabalho”. Além disso, o instituto conta com o apoio de empresas como o Itaú Unibanco e o C6 em seus programas de empreendedorismo, que têm foco especial em pessoas de mais de 50 anos.
Acontece • 11
Cursos capacitam autônomos em SP
ONGs e órgãos públicos oferecem formação gratuita para quem precisa trabalhar por conta própria
Mayra Oliveira e Luiza Paniagua
Ataxa de desemprego fechou em 7,9% no último trimestre de 2022, segundo levantamento realizado pelo IBGE. No ano pós-pandêmico, cenário que obrigou muitos empregados a alterarem sua fonte de renda, aumentou o número dos trabalhadores informais. A modalidade autônoma costuma ser imposta àqueles de baixa renda, que buscam formas de sustentar-se, visto que os empregos formais procuram profissionais com maior grau de escolaridade. O vínculo sem carteira assinada bateu o recorde de maior número em 11 anos.
“A pessoa não pode ter preguiça. Tem que ter paciência, muita atenção e força de vontade”, afirma Maria Silvandira dos Santos Souza,
mais conhecida como Silvia, 42 anos. A manicure informal atende as clientes em sua própria residência e faz as divulgações via WhatsApp. Silvia conta que nunca foi registrada: “Eu que tenho que fazer e guardar meu dinheiro”. Para ela, a administração de renda própria é o diferencial entre o informal e a carteira assinada. Com espírito empreendedor desde cedo, Bruna Cristina de Lima começou fazendo unhas em suas vizinhas, batendo de porta em porta, quando ainda tinha apenas 12 anos. Agora, aos 29, é dona da esmalteria Bruna Beauty, especializada em unha em gel, localizada no bairro Brooklin, na capital paulista. “Para o empreendedor, tempo é dinheiro”, diz ao falar a respeito de seu crescimento profissional e como batalhou
para conseguir tudo o que possui hoje. Tomando conhecimento sobre o assunto, registrou-se no MEI e hoje é cadastrada como empresária. Também é voluntária nas aulas do curso de capacitação de esmaltação em gel no Instituto Bira Padilha, fundação social que promove ações para auxiliar os menos assistidos. Em março deste ano, 2023, inicia-se a quinta turma do curso promovido pela empresária Bruna, que conta com 5 alunas de diferentes idades. Para as alunas Bianca da Silva, 34 anos, Elizabeth Pires, 54, e Ana Beatriz da Silva, 16, a capacitação traria um retorno satisfatório para o crescimento profissional e a possibilidade de agregar mais conhecimento ao que já praticam atualmente. “Mais para frente pretendo ter meu
Acontece • 12
Alunas do curso de esmaltação em gel no Instituto Bira Padilha
Alunas aplicando os aprendizados na parte prática do curso de capacitação estúdio”, afirma a mais nova da turma. Já Rafaella de Cristo, 19 anos, recém-formada no ensino médio, busca usar o trabalho como caminho para cursar a faculdade que deseja. “Quero me especializar e ter meu dinheiro, minhas coisinhas”. Ariel Antunes, 23 anos, é registrada em uma padaria, seu atual emprego vespertino, e trabalha como manicure na parte da manhã, atividade que deseja aprimorar com o curso realizado. Todas as alunas souberam do curso por indicações e pelas redes sociais do instituto social, compartilhando o interesse pelo retorno lucrativo do trabalho, a fim de aumentar ou criar sua fonte de renda.
Outra alternativa para aqueles que procuram qualificação profissional é o Fundo Social de São Paulo. O órgão público, criado em 1968 pelo governo estadual, tem o intuito de ofertar programas sociais àqueles em situação de vulnerabilidade, por meio dos seus cursos de capacitação profissional gratuitos em áreas diversas, como moda, beleza, gastronomia,
Professora Bruna demonstrando as etapas da esmaltação em gel
empreendedorismo, informática, sustentabilidade e construção civil. As Escolas de Qualificação promovem aulas em 13 unidades espalhadas pela região metropolitana de São Paulo, nas Praças da Cidadania, localizadas
em Santo André, Paraisópolis e Guarulhos, nos CICs (Centros de Integração da Cidadania), em outros institutos da capital paulista e em fundos sociais de outros municípios, num total de 362 municípios atendidos.
Acontece • 13
Caminho difícil rumo ao estrelato
Falta de oportunidades é a principal razão para que atletas não cheguem ao patamar desejado
Felipe Rodrigues
Muitos jovens de famílias pobres sonham em se tornar jogadores de futebol profissional. A música “Uma partida de futebol”, da banda Skank, retrata esse desejo, que é bastante comum em países como o Brasil, onde o futebol é um esporte popular e um meio para a ascensão social. Entretanto, a probabilidade de se tornar um jogador profissional é baixa, como demonstrado no artigo “Jogadores de Futebol no Brasil” publicado em 2011 e coordenado pelos professores Antonio Jorge Gonçalves Soares e Leonardo Bernardes Silva De Melo. Eles mostram que a formação de um atleta tem uma duração aproximada entre 5.000 e 6.000 horas, e o estudo mostrou que apenas cerca de 0,5% dos jogadores
entre 14 e 16 anos e 1,5% dos jogadores entre 18 e 20 anos conseguem se tornar profissionais.
Ainda de acordo com o artigo, no Brasil, a preferência de mais de 90% dos torcedores se concentra em apenas 20 times, o que reduz significativamente as oportunidades para jogadores em equipes menores. Com apenas 26 posições na equipe principal de cada time, estima-se que somente a parte mais valorizada do Campeonato Brasileiro ofereça cerca de 520 posições.
Apesar disso, o esporte ainda oferece uma oportunidade para a mobilidade social. Muitos jogadores de renome mundial vêm de origens humildes, e o sucesso no esporte pode levar a contratos lucrativos e reconhecimento internacional. Porém, o caminho rumo ao estrelato requer muito
trabalho duro e dedicação ao longo dos anos, bem como a sorte de ser descoberto por um olheiro talentoso. De acordo com levantamento feito pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF), em 2019, dos mais de 88 mil atletas profissionais registrados, apenas 12% ganham mais de 5 mil reais. Já no topo da pirâmide, o último 1% desse montante, por volta de 230 jogadores, recebem 50 mil ou mais. É consenso na Escola de Futebol Vila Friburgo, localizada na zona sul de São Paulo, que se cercar de pessoas em um ambiente acolhedor é necessário para superar os desafios. Muitas vezes, um garoto que tenha como sonho se tornar jogador de futebol investiu todo o seu esforço e tempo nessa meta e não focou em outras áreas de sua vida. Gabriel Gregorio Branco tem 26 anos, é treinador do sub-14 da
Acontece • 14
Conrado Pereira, treinador do São Paulo, observa seus jogadores em quadra
Escola de Futebol Vila Friburgo e apontou alguns pontos possíveis que impedem que muitos não consigam vingar como atletas profissionais. Entre eles, que os aspirantes estejam preparados não só taticamente para as mudanças práticas do esporte, mas também que tentem ter uma base psicológica e, caso consigam ganhar alguma notoriedade, não se deixem deslumbrar pelas novas possibilidades. “Hoje é muito difícil, você tem que convencer 30, 40 cabeças que eles vão conseguir o que você não alcançou”, comenta Gabriel. O fisioterapeuta Lucas Gomes Ferreira, 22 anos, que também trabalha no Vila Friburgo, reforça: “todos devem dar seu máximo para não se arre-
pender com o resultado, seja positivo ou negativo”.
Há grandes chances de o atleta fazer tudo que poderia, se dedicar ao máximo, e mesmo assim não chegar à posição desejada. Jogar por clubes de menor expressão e, em determinado momento, abandonar essa vida de dificuldades de vez e rumar para outra profissão menos arriscada: eis um caminho que acaba sendo trilhado por muitos. “Eu, infelizmente, cheguei a ter grandes divergências em casa, por conta das expectativas criadas em mim”, conta Gabriel.
Para Conrado Pereira Costa, 39 anos, treinador da categoria adulta de futsal do São Paulo Futebol
Clube, a experiência com jogadores que não conseguiram alcançar seus objetivos profissionais é frustrante. Segundo ele, a orientação é indicar para faculdades e cursos, para que o atleta se cuide da melhor maneira possível. Ele diz que não é fácil atingir o sucesso profissional: “Primeiro é preciso ter talento, aí o talento com esforço fica imbatível, insuperável. E ele vai ter que abrir mão de muita coisa para ser atleta profissional, abrir mão de família, de sair no fim de semana, muitas vezes abdicar da vida social. Assim, ele vai conseguir caminhar, mas mesmo fazendo tudo certo ele corre sérios riscos de não chegar a seus objetivos, infelizmente”, afirma.
Acontece • 15
O futebol ainda é uma grande oportunidade de mobilidade social, mas pouquíssimos chegam ao topo da carreira
O cinema ainda é para poucos
Baixa frequência gera questionamento sobre o acesso à Sétima Arte na cidade de São Paulo
Acidade de São Paulo abriga um terço de todas as salas de cinema do Brasil, segundo pesquisa divulgada pela Ancine, e conta com espaços de exibição em quase todas as suas regiões, como o CineSesc e o SPCine, no centro, a Cinemateca, na Vila Mariana, e o cinema do Centro Cultural São Paulo, na Liberdade. Públicas ou privadas, essas salas reproduzem fil-
mes nacionais e internacionais com ingressos acessíveis ou até mesmo gratuitos.
A questão é que, mesmo diante dessas iniciativas, o cinema não é muito valorizado. Os fatores que podem ser considerados são o preço, a competição com as plataformas digitais e a falta de salas em lugares mais extremos da cidade. A cineasta Luciana Ferraz, 53 anos, afirma: “não existe acessibilidade para todos. Eu acho que a gente está bem
defasado aqui, pois São Paulo tem potencial de ter muito mais salas de cinema e lugares, principalmente na periferia.” Ela completa: “o cinema, muitas vezes menosprezado, ainda é uma forma de preservação do patrimônio cultural e uma representação artística, ou seja, além de molde é um meio de questionar a sociedade, os valores e comportamentos. Traz um retorno para a economia, o turismo e o desenvolvimento individual e social”.
Acontece • 16
Fernanda Freire e Mariana Nalesso
Luciana Ferraz, cineasta, em seu apartamento
A indústria cinematográfica movimenta atualmente mais de 20 bilhões de reais por ano no Brasil, também segundo a consultoria PwC. Mas o consumo do setor não é proporcional ao investimento. Na situação atual, em que os preços estão extremamente altos, muitas pessoas não conseguem ir com tanta frequência. Segundo dados do IBGE, quase 7,4% da despesa mensal familiar da região sudeste é voltada para cultura. A média de preço em São Paulo, para uma família de quatro pessoas assistir a um filme, é de quase 130 reais, segundo dados do site Business Insider.
O diretor e roteirista Plinio Scambora, 36 anos, afirma: “há uma falta de identificação do público com as produções, pois o cinema no Brasil é ainda muito elitista, o perfil das pessoas da produção dentro e
fora das câmeras é muito parecido e muito das crises que existem nos lançamentos é por conta das pessoas não se sentirem presentes ali dentro”.
O hábito que antes era semanal entre indivíduos e suas famílias se torna eventual, depois muito esporádico até deixar de existir. E nessa situação há um efeito contraditório, pois o número de telespectadores em sala está caindo, mas a indústria audiovisual encontra-se em seu auge tecnológico de produção, filmagens e conteúdo. As plataformas digitais concorrem diretamente com os cinemas e acabam fisgando os cinéfilos pela variedade e pela comodidade.
No entanto, vivenciar a experiência de uma sala de cinema é algo que não pode ser descrito nem ser comparado a ver o filme em al-
guma plataforma remota. “É como dizer que um jogo de futebol no estádio ou no sofá é a mesma coisa”, afirma Plínio. Luciana aponta: “você está envolvido com outras histórias, adquire culturas de outros lugares, porque você está assistindo a filmes não só nacionais, como internacionais”.
Com a volta dos cinemas de rua e salas independentes em museus, como o Cine Segall, nota-se que a falta de dinheiro não é o único obstáculo a ser vencido. Com inúmeras opções a serem escolhidas, de locais com salas que oferecem ingressos de a partir de 4 reais, ainda assim, existe o problema da falta de interesse. Isso ocorre, em alguns casos, devido ao catálogo de alguns espaços de exibição, que privilegiam obras mais artísticas e com menos apelo popular.
Acontece • 17
Estudante Letícia Viana no parque Buenos Aires
Alfabetização impulsiona autonomia
De acordo com o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 11 milhões de brasileiros não sabem ler e escrever, sendo que mais da metade são idosos. Em São Paulo, essa taxa é de 4,3% e 14,1% entre os idosos. Para combater essa realidade, a Secretaria de Alfabetização anunciou a reativação do Programa Brasileiro de Alfabetização (PBA), que funciona fora das redes educacionais com a ajuda de voluntários em locais que têm dificuldade de acesso.
O PBA gastou mais de 2 bilhões de reais para atender cerca de 14 milhões de pessoas, mas não teve grande impacto nos indicadores de analfabetismo em edições anteriores. Agora, a Secretaria de
Alfabetização reformulou o programa para valorizar o alfabetizador, ofertar materiais de qualidade e implementar ações regionais. O objetivo é garantir eficácia com um projeto-piloto. A Sealf incentiva o voluntariado para implementar turmas de alfabetização em todo o país. O objetivo final é não deixar nenhum brasileiro para trás.
Na cidade de São Paulo, instituições como o Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (MOVA), criado em 1989 pelo então Ministro da Educação, Paulo Freire, e o Alicerce Edu têm trabalhado para oferecer educação a jovens adultos e idosos. Na unidade do MOVA localizada na Rua Diogo Arias, são oferecidas aulas no período da manhã.
Cristina Aparecida Silva, 52 anos, professora do MOVA localizado no bairro do Jardim Miriam, fala sobre sua experiência: “Nós
aplicamos a vivência do dia a dia dos alunos às necessidades diárias deles, buscamos adaptar o que aprendemos na faculdade para a realidade de cada aluno, levando em consideração a individualidade de cada um”.
Mesmo que haja um número de abstenção ao longo do tempo, tendo em vista que muitos alunos precisam conciliar trabalho e estudos, dentre os diversos motivos que levam à procura pelos programas de alfabetização, o mais visado é a busca pela autonomia. Atos mais simples como identificar o ônibus, preencher um formulário ou até mesmo buscar informações na internet são fatores decisivos para a continuidade desse processo de formação. “Eu estou feliz porque agora consigo ligar para o meu filho, não preciso mais pedir para fulano”, reforça Maria, estudante do projeto.
Acontece • 18
Lucas Henrique Santos e Meg Lopes
Voluntários ajudam a reduzir taxa de analfabetismo de jovens e idosos na cidade de São Paulo
Ivanilde dos Santos Nunes, aluna do MOVA, durante aula na turma da manhã
Colega de classe de Maria, Albino Dias de Andrade, 71 anos, relata que a trajetória no MOVA está sendo bem proveitosa: “eu tive um problema depressivo e uma psicóloga do posto me encaminhou para cá pra fazer esporte. E quando eu soube que tinha aula aqui, aproveitei e vim fazer aula também. Minha leitura era pouca e ajudava minha mente a funcionar, e graças a Deus me dei bem, os professores são muito bons, e os alunos, também. Eu já sabia ler e escrever, estou aqui também para me aprimorar mais”.
Outra figura importante para o aprendizado desses alunos é a professora com maior tempo de atividade dentro do espaço, Evalni de Oliveira, 59 anos, mais conhecida como Val. Aos 40 anos, por incentivo de sua mãe, completou a faculdade de letras.
Após conseguir formar uma sala do MOVA dentro do Centro Cultural Canhema – Casa do Hip Hop, localizada em Diadema, notou a importância do ensino na vida dos alunos. Ao ser questionada sobre as dificuldades enfrentadas no processo de alfabetização,
Val aponta que há uma carência entre os idosos. “As mulheres, em sua maioria, vêm de uma realidade machista com o estereótipo de dona de casa. Esse machismo dificulta o processo de alfabetização”, afirma a professora.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) 2019, a taxa de analfabetismo para os homens de 15 anos ou mais de idade ficou em 6,9%. Entre as mulheres, o índice foi de 6,3%. Nos idosos, as estatísticas se invertem: uma pesquisa de 2010 mostrou que pessoas do sexo feminino com mais de 60 anos têm taxa de analfabetismo de 27,4%, enquanto os homens ficam em 24,9%.
No Alicerce Edu, fundado em 2018 pelo empresário Paulo Batista, são oferecidos programas como o “Mais Adultos”, que auxilia quem não teve oportunidade de terminar os estudos ou pretende melhorar a leitura, escrita e números, por meio do EJA (Educação para Jovens e Adultos) e o ENCCEJA (Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens
e Adultos), além de aulas online e presenciais em 19 unidades na cidade de São Paulo. Desde a sua criação, mais de 10 mil alunos já passaram pelo instituto.
O programa Mais Adultos foi desenvolvido por Ana Carolina Castro, pedagoga, psicopedagoga e especialista em Escola Democrática, embora conte com investimento da iniciativa privada, por integrar uma startup voltada para a educação. Ao realizar mapeamento de nível com os alunos, o Mais Adultos encontra as mesmas dificuldades que outras instituições de ensino. De acordo com Alexandra de Mello, 21 anos, coordenadora de turmas, “os alunos possuem diversos objetivos e expectativas ao iniciarem as aulas, que conseguimos mapear anteriormente, na semana gratuita ou no fechamento de matrícula. Porém, algo que todos os alunos possuem em comum, e às vezes só identificam ao início e andamento das aulas, é a necessidade de interação social, com respeito, empatia e carinho, que os nossos guias e próprios alunos proporcionam”.
Acontece • 19
Cristina Aparecida Silva e Evalni de Oliveira, professoras do MOVA
A Bolívia é aqui
Migração para o Brasil tem sido uma opção cada vez mais viável
Ricardo Serrano e Marcelo Fanti
Atualmente, segundo Tadeu Oliveira, 62 anos, coordenador estatístico do Observatório de Migração Internacional e pesquisador do IBGE, há mais de 1,6 milhão de migrantes no Brasil, sendo que 1,3 milhão são residentes, ou seja, procuram empregos e querem estabelecer a vida no país, e outros 300 mil são solicitantes de refúgio – pessoas que saíram do seu país por medo de perseguição e falta de estabilidade na segurança e, para protegerem suas vidas, se exilam em outro país. Só em São Paulo, o número chega perto de 40 mil refugiados. Em relação aos bolivianos, há mais de 68 mil regularizados na capital paulista.
Os principais fatores que impulsionaram esse deslocamento foram a pobreza e o desemprego no país de origem. A Bolívia também vive uma instabilidade política e econômica há várias décadas, e por isso a migração para o Brasil sempre foi vista com bons olhos. Foi o que ocorreu com Pascual Nina Cruz, 50 anos, fornecedor de roupas e tecidos na região do Brás. Ele mora no Brasil há quase 30 anos e justifica: “na Bolívia não tinha pai nem mãe, estava desempregado, só tinha amigos, e eles falavam para mim que o real e dólar era 1 por 1. Então me interesse e fiquei até hoje”. Além disso, Pascual comentou que, ao chegar em São Paulo, antes de abrir seu negócio, trabalhou como costureiro na Casa Verde por dois anos até comprar sua primeira máquina de costura.
Até 2009, boa parte dos migrantes entravam no Brasil de maneira irregular, pois a lei era restrita e eles ficavam reféns do empregador, que selecionava os trabalhadores, geralmente comerciantes marítimos que ficavam com jornada de trabalho muito extensa, análogas à escravidão. Naquele mesmo ano, o Brasil assinou o acordo de cooperação de residência do Mercosul, que deu direito aos migrantes sul-americanos de ficar por dois anos em território brasileiro, podendo tirar
Pascual Nina Cruz em frente a uma das lojas para as quais fornece seus produtos
os documentos para a regularização.
A partir de 2010, a migração regular aumentou muito. Só em São Paulo, há cerca 400 mil migrantes regularizados. “O maior problema dos que permanecem irregulares está na jornada de trabalho, pois, sem a documentação, não é possível ser formalizado, e eles acabam se tornando invisíveis para o Estado”, afirma Tadeu. Desta forma, completa o especialista, “eles não recebem os direitos de cidadãos e nem os seus deveres como parte de uma sociedade, fora que fogem do controle estatístico e da segurança do país”.
Muitos migrantes chegam no Brasil sem muitas informações, sejam eles solicitantes de residência ou refugiados. Foi o caso de Pascual, que não sabia nada dos costumes brasileiros,
cultura e idioma .Ele afirmou: “também tive um pouco de problema com o costume do brasileiro, com a comida e também com o sistema de morar. Para alugar casa, tem que ter documento, ter tudo legalizado pela Polícia Federal”. Por sorte, ele conseguiu trabalhar de forma regularizada, mesmo tendo chegado antes do acordo de cooperação. Mesmo com toda dificuldade para se regularizar em um novo país, os bolivianos tentam manter a sua cultura viva, fazendo feiras, festas e rituais típicos da Bolívia. Aos domingos eles se reúnem fazendo uma grande feira no Canindé, onde comercializam produtos que são encontrados apenas na Bolívia. Dessa forma, conseguem valorizar suas raízes e apresentar as particularidades que seu país tem de melhor.
Acontece • 20
A Barra Funda vive debaixo d’água
Relevo e falta de planejamento urbano fazem o bairro ser um dos que mais sofrem com alagamentos
Obairro da Barra Funda, na zona oeste de São Paulo, sofre constantemente com as chuvas. Alguns locais são afetados de forma mais intensa. É o caso da Rua Palestra Itália, entre o Shopping Bourbon e o estádio do Allianz Parque, a Avenida Marquês de São Vicente e a Rua Cayowaá, perto de um posto Ipiranga. A empresária Michelle Barduchi, 39 anos, é uma das afetadas pelo problema. “Um dos principais pontos que alagam e que afeta não só meu trajeto, mas o de muitas outras pessoas, é o da Avenida Marquês de São Vicente na altura do número 1697”, diz ela.
Para contornar a adversidade ocasionada pelos temporais, muitas pessoas acabam por desviar o trajeto pelo Viaduto Pompéia ou em direção à Marginal do Rio Tietê, o que causa um transtorno ainda maior nestes locais. Para a empresária, é necessário que se estude soluções a fim de garantir um sistema eficiente de drenagem na região, na tentativa de amenizar o problema das enchentes. Ela também relata que deve haver uma maior atenção das pessoas que trabalham e moram na região em relação aos resíduos, com a intenção de diminuir os índices de poluição e geração de lixo.
Conforme os dados disponibilizados pelo Centro de Gerenciamento de Emergências Climáticas (CGE) da Prefeitura de São Paulo, órgão ligado à Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras (SIURB), lançados no dia 1 de março de 2023, o mês de fevereiro terminou com chuvas 46,8% acima da média. Foram 316,6 mm acumulados, sendo que a média prevista para o mês era de 215,6 mm. A zona oeste, onde se encontra o distrito da Barra Funda, registrou 310,9 mm no mês. Já em relação ao mês de março, foi registrado um índice de 193,9mm, com a média prevista sendo de 177,6mm, e no mês, a zona oeste registrou 174,9mm. O alto índice pluviométrico se deve ao término do verão.
Michelle Barduchi diz que as enchentes atrapalham a rotina de quem trabalha na região Gláucio Rogério Santos De Negreiros, 22 anos, manobrista que trabalha em um estacionamento na Rua Palestra Itália, disse que os temporais afetam a rotina: “quando chove muito na Rua Palestra Itália, acaba por atrapalhar tanto o estacionamento como a saída do Shopping Bourbon. Tem que encontrar uma solução, porque fechar a gente não pode”, relatou. Na opinião dele, seria necessária uma melhoria no saneamento básico por parte da prefeitura na região, além de cobrar uma maior conscientização por parte da população a fim de diminuir a poluição, que é grande causa do entupimento dos bueiros.
O garagista Samuel Moreira, 24 anos, que trabalha no mesmo estabelecimento que o manobrista, relata que, apesar de alagar a rua, eles não chegam a ter que parar a rotina de trabalho, pois o estacionamento tem outra saída em uma rua próxima. Ítalo, colega de trabalho de ambos, chegou a nos mostrar um vídeo da rua do esta-
cionamento alagada, no qual se podia notar uma forte correnteza que levava diversos objetos.
Em conversa com trabalhadores do shopping e de lojas próximas ao estádio, conseguimos obter poucos relatos, pois muitos preferiam não falar sobre o assunto devido a vínculos com suas empresas, contudo obtivemos o depoimento de um vendedor ambulante que aceitou falar conosco, porém sem a gravação; ele disse que a prefeitura deveria cuidar melhor das “bocas de lobo”, os bueiros, e o próprio Palmeiras deveria se responsabilizar pela manutenção da região.
A Barra Funda é um distrito da cidade de São Paulo que é administrado pela subprefeitura da Lapa, a qual também é responsável pelos distritos de Jaraguá, Jaguaré, Lapa, Perdizes e Vila Leopoldina. Tentamos contato com a Subprefeitura e com a Defesa Civil na busca de esclarecimentos, mas não obtivemos retorno.
Acontece • 21
Renan Campos e Vitor Bilches
Por dentro da vida paroquial
Igreja na zona sul de São Paulo tem rotina marcada pela fé e solidariedade em prol dos mais necessitados
Vitória Cristina Zamboti
Para muitas pessoas, a vida na paróquia é uma fonte de conforto e apoio em momentos difíceis, além de ser um espaço de convivência e amizade. Por meio das atividades promovidas pelo estabelecimento, é possível criar vínculos com pessoas de diferentes idades, origens e condições sociais, o que pode ser uma fonte de enriquecimento pessoal e espiritual. São Paulo, a maior cidade do país, possui 308 paróquias, de acordo com dados divulgados pela Arquidiocese de São Paulo.
A comunidade católica da Paróquia Nossa Senhora das Graças, no bairro do Jabaquara, tem realizado missas semanalmente e feito ações comunitárias em função das necessidades da população. Dentre elas, pessoas que precisam de tratamento psicológico são atendidas gratuitamente, além da arrecadação de fundos por meio da venda de pastéis e realização de doações de roupas e cestas básicas àqueles que procuram assistência social.
A aposentada e revendedora de cosméticos Maria Aparecida Cerapillo de Sá costumava dar aulas no projeto de alfabetização de adultos na paróquia. Ela afirma que antigamente costumavam existir mais cursos gratuitos para o povo, mas que pretendem retornar com a prática futuramente. “Comecei a seguir esta religião por meio do meu pai e da minha mãe, e por isso, sempre gostei de fazer parte dela. Ainda mais que teve um padre aí, muito maravilhoso, que ficou cinquenta e um anos na igreja e fazia com que tivéssemos irmandade”, diz.
Recentemente, o padre que era o responsável pela realização das missas na Igreja se aposentou. Benedito Vicente de Abreu, padre há trinta e dois anos, é o seu substituto. O pároco é o líder espiritual, sendo responsável por supervisionar as necessidades espirituais e administrativas da comunidade, o que inclui o cuidado pastoral, a liderança dos cultos, a administração dos sacramentos e a supervisão de vários ministérios e programas. Além de seus deveres pastorais, o pároco também tem responsabilidades administrativas ao obter o papel de ad -
Fiéis na missa no domingo, dia mais movimentado na paróquia ministrar as finanças, supervisionar a manutenção do prédio e terreno da igreja e administrar os funcionários e voluntários da paróquia.
Benedito conta que em sua trajetória para se tornar padre foi necessário cursar filosofia e teologia na faculdade e ter sido diácono por um ano. Ele atuava como militar da aeronáutica e decidiu abandonar a antiga profissão, pois sentiu que Deus havia o chamado. Após ter tomado a decisão que mudaria o curso de sua vida permanentemente, passou no vestibular para cursar filosofia e começou a morar no seminário, onde era obrigado a realizar as orações todos os dias. “Para mim foi uma mudança brusca, porque quando eu era militar eu apenas rezava quando queria”, declarou. Depois de formado, foi convocado à Itália para estudar teologia na Igreja Gregoriana de Roma. Contudo, não conseguiu se adaptar e ficou lá somente por três meses. Quando voltou para o Brasil, saiu da congregação e, em São Paulo, conversou com o Bispo da região do Ipiranga para que ele lhe permitisse estudar teologia na PUC-SP. Após sua formação, realizou outros cursos complementares e se tornou padre. No auge da pandemia de co -
vid, Benedito revela que a Igreja passou por dificuldades financeiras. “Tive que fazer empréstimos da central da Igreja para poder sobreviver. Com o medo, todos pagavam o dízimo e iam embora, o que não fazia o dinheiro entrar e impedia que as missas pudessem ser realizadas”, afirma.
Ney Márcio de Sá é professor universitário de teologia na PUC-SP e coordenador pedagógico de uma escola católica há 14 anos. Na paróquia, atua como presidente das obras sociais e animador das pastorais. Ney conta que decidiu trabalhar na educação por já ter trabalhado na formação de outros jovens e que escolheu se tornar psicopedagogo por também ter experimentado ser catequista.
Ao ser questionado sobre seu ponto de vista sobre as distintas interpretações do cristianismo, ele afirma que na Bíblia há contradições. “Na concepção católica, a Bíblia não pode ser lida ao pé da letra, e sim, interpretada e contextualizada aos nossos tempos, pois, temos passagens que dizem uma coisa e que nesta mesma Bíblia, em outros livros, há coisas diferentes”. Ele, Maria Aparecida e o padre Benedito são apenas alguns dos que mantém viva a rotina paroquial.
Acontece • 22
O comércio popular resiste
As feiras livres são espaços que contemplam muita cultura e diversidade. Elas se diferenciam de grandes mercados e centros de compras convencionais por estarem, majoritariamente, a céu aberto e se aproximarem da população menos abastada. Nesses locais, é possível encontrar produtos mais acessíveis como, por exemplo, os ovos de Cristina Oshiro, 48 anos. Ela trabalha
como feirante na Rua Mato Grosso, em Higienópolis, desde os 6 anos de idade – inicialmente, sua função era ajudar os pais, mas depois assumiu o próprio negócio. Além de vender seus ovos orgânicos por 1 real a unidade, preço que costuma ser mais baixo que o praticado pelos mercados, ela faz questão de fidelizar os clientes com um origâmi.
A vida dos feirantes não é fácil e exige muito esforço para lidar com os obstáculos da profissão. Marisa Mayumi Nishida, 44 anos, também trabalha
na feira da Rua Mato Grosso. Ela afirma que variáveis como chuva, frio e dias muito quentes são complicadores para o trabalho na feira e complementa: “isso afeta nossos produtos e a movimentação de clientes, fora que fica mais difícil para montar as barracas em dias de chuva”.
A feirante Rildaelene da Rocha, 75 anos, que trabalha na Avenida Diederichsen, no bairro da Vila Guarani, zona sul de São Paulo, também comentou sobre a influência que o clima
Acontece • 23
Cidade de São Paulo conta com cerca de 950 feiras livres
Rildaelene da Rocha trabalha na feira da Avenida Diederichsen há 40 anos
Vitória de Paula e Matheus de Paula
tem nas mercadorias e na rotina da feira. O tempo, segundo ela, às vezes acaba afastando clientes e atrapalhando a qualidade das mercadorias. Além disso, reportou que falta infraestrutura nos locais das feiras para facilitar o trabalho e entregar o mínimo de conforto e dignidade a essas pessoas. “Sinto que nós, feirantes, somos discriminados, não tem nem banheiro coletivo e isso é muito ruim”, afirma. Ela também destaca que a parte boa é poder criar seus filhos com dinheiro honesto e conhecer clientes humildes que levam alegria para as suas manhãs e tardes: “isso faz muito bem para nós”, diz.
Outra dificuldade relatada por um desses comerciantes foi a de Douglas Lourenço Palhuca, 48 anos, que trabalha desde os 20 anos em feiras li-
vres e reclama sobre ter que deixar sua residência às 2 horas da madrugada e retornar para sua casa a partir das 16 horas. “É bem puxado”, diz ele. Os dias de feira tornam-se longos e corridos com uma carga horária extensa e, principalmente, com a responsabilidade de chegar ao local das vendas com os alimentos frescos e cheios de sabor para encantar os consumidores e aumentar a credibilidade de sua barraca. Para a moradora de Higienópolis e estudante de medicina Ana Paula Saad, 26 anos, esse comércio é “enriquecedor para a vida do bairro”. Ela acredita que a prática de realizar compras nesses ambientes humaniza e aproxima as pessoas para uma vida mais colorida tanto para os feirantes, que não são obrigados a trabalhar
em ambientes fechados, quanto para quem vai às compras.
Segundo a prefeitura de São Paulo, há cerca de 950 feiras com horário de funcionamento das 7h30 às 13h. As feiras estão espalhadas por todas as regiões e ruas da cidade mais populosa do país – a feira Vila Mara, localizada na zona leste, se destaca por ser a maior feira livre, com mais de 200 barracas. O feirante que trabalha na cidade de São Paulo recebe um salário médio de R$1.663,43. Os dados são do novo CAGED, o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do governo federal, que também indica que ocorreram 585 contratações formais, com carteira assinada, e 569 demissões, resultando em um saldo positivo de 16 empregos formais para feirante no ano de 2022.
Acontece • 24
Afiadores de tesouras e alicates: um clássico das feiras livres até hoje