A poesia visual de E. M. de Melo e Castro

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A POESIA VISUAL DE

E. M. DE MELO E CASTRO



Í N D I C E

INTRODUÇÃO

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CAPÍTULO 1

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CAPÍTULO 2

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CAPÍTULO 3

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CONCLUSÃO

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BIBLIOGRAFIA

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E. M. de Melo e Castro: o dinamismo bidimensional e a potencialidade digital da poesia visual.

As forças centrífuga e centrípeta na poesia visual de Melo e Castro.

A poesia de Melo e Castro sob o signo de Saturno.



I N T R O D U Ç Ã O

Ao escrever sobre a poesia digital de Ernesto Manuel de Melo e Castro, é imperativo ter em consideração o seu caráter contraditório: por um lado, há que ter consciência do silêncio que guarda as suas criações, os seus poemas e, pelo outro, é preciso considerar o não-silêncio que é apresentado e multiplicado nos inúmeros artigos que o autor em questão escreve sobre as suas mesmas obras. Isto é, tanto testemunhamos a falta de palavras como o excesso das mesmas. No entanto, podemos constatar a presença dos sinais enigmáticos que vacilam entre o poder verbal e não verbal das obras de Melo e Castro. Este trabalho é composto por quatro partes, sendo as mesmas organizadas em capítulos. A primeira secção diz respeito ao dinamismo bidimensional e potencialidade digital da poesia de E. M. de Melo e Castro; a segunda consiste numa abordagem mais científica da obra do autor, sendo que são aplicados os conceitos de força centrífuga e centrípeta; a terceira secção aborda uma interpretação da obra do poeta, relacionando-a com o ensaio A poesia portuguesa sob o signo de Saturno, de João Barrento. Finalmente, a quarta e última secção passa por uma outra interpretação da obra do autor, mas neste caso, realizada visando o caráter digital da obra de Melo e Castro e aparecendo sob a forma animação (complemento digital ao trabalho teórico).

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E. M. de Melo e Castro: o dinamismo bidimensional e a potencialidade digital da poesia visual.

O conceito de poesia visual pode ser explicado de duas maneiras: a primeira delas, seria imaginando uma intersecção entre a poesia em si e a experimentação visual e, a segunda, seria ter a poesia visual em conta como sendo o resultado de uma sobreposição entre a escrita e o desenho, uma vez que toda a escrita tem origem no desenho. É este conceito pertencente ao domingo da criatividade que introduz a celebração do novo. O trivial é, assim, reconstituído nos seus componentes, e configurado surpreendente e originalmente. A poesia visual constitui-se como um dos pilares dessa criação. A Poética, essa, instaura-se no campo da probabilidade, ou seja, da riqueza semântica da informação, manifesta-se pela novidade, confunde-se com a capacidade de dizer o que nunca foi dito antes e por isso tem as características do real absoluto: autogénico e inaugural. O dizer do poético é o dizer do tudo. O ver do poético é o ver total. Pensar por isso em Poesia Visual é pensar na utopia do presente: a materialização, em códigos visuais comunicáveis, daquilo que é improvável e invisível: a comunicação. Mas, tornar visível o invisível e tornar possível o impossível, sempre foi essa a tarefa dos poetas.1 Na prática poética de Ernesto Manuel de Melo e Castro cruzam-se múltiplas formas experimentais: a explosão gráfica que combina a fragmentação da palavra com a espacialização da escrita alfabética e do desenho geométrico; a recombinação intermédia de escrita, som e imagem em movimento; o poema-objeto tridimensional e a instalação; a performance que requer a presença corporal, vocal e gestual do autor e a teorização do poema como dispositivo de crítica

CASTRO, E. M. Melo e, Poética dos meios e arte high-tech, Ed. Vega, Lisboa:1988, p.14

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do discurso do universo farto dos media. A característica da bidimensionalidade da obra de Melo e Castro não lhe retira o seu caráter dinâmico, no sentido de que, ao observar os poemas do autor se verifica, a partir do jogo da tipografia e da tinta no papel, uma sensação de movimento e falta de estaticidade nas palavras. Evidentemente, consegue-se estabelecer uma relação entre a bidimensionalidade dos poemas de Melo e Castro e a potencialidade dos mesmo no campo da comunicação digital. O próprio autor defende que os seus poemas revelam poder suficiente para serem transpostos no ecrã, mostrando o seu total significado e dando, ao leitor, a oportunidade de sentir, compreender e interpretar o poema a um nível mais profundo, chegando inclusivamente a dizer que o que ele próprio transpõe no papel é apenas um instante, um momento estático da existência do poema. Transformáveis que são e também como signos de transformação da percepção individual e da sociedade contemporânea a fixação em papel ou noutro suporte, como a fotografia, o vídeo, ou o CD-ROM, dessas imagens virtuais que são energia luminosa, são apenas atualizações instantâneas de um momento da sua existência.2

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CASTRO, E. M. de Melo e, Para uma poética do pixel. São Paulo: Ociocriativo, [1997-1998] Disponível em: <http:// www.ociocriativo. com.br/guests/meloecastro/frames_textos.htm >

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FIIGURA 1 - Hipnotismo, 1962 FIGURA 2 - Espinha Dorsal, 1962 FIGURA 3 - Silêncio, 1972 FIGURA 4 - Tontura, 1962 FIGURA 5 - Soneto Soma, 1963 FIGURA 6 - A Casa Sem Sol É Triste, 1962 12

FIGURA 7 - Pêndulo, 1973


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As forças centrífuga e centrípeta na poesia visual de Melo e Castro.

Sendo um dos pontos fulcrais deste trabalho a poesia digital de E.M. de Melo e Castro, é imperativo considerar que género de abordagem é mais adequada para apresentar a tão esquiva obra. Para tal, e com o auxílio do autor, são introduzidos dois conceitos, mais propriamente metáforas, que aparecem como propostas de uma forma aberta à interpretação das obras de Melo e Castro: Se a força centrífuga é uma força de “choques”, que atinge o sujeito, a força centrípeta é uma força de fascinação que o atraí para a obra de arte, mas, sem ambos os casos, de fato, o leitor ou espectador não comunica com o autor da obra de arte, mas apenas consigo próprio, nela. Ou, mais exatamente ainda, ele reage ao complexo das percepções que lhe são possíveis.3 As metáforas, apresentadas pelo autor como força centrífuga e força centrípeta, adquirem um valor relevante no que toca aos dois grandes momentos na relação que se estabelece entre a poesia de Melo e Castro e quem a lê. Temos, deste modo, primeiramente, o momento impactante, que atinge o lado sensível do leitor e, de seguida, o momento do incrível mergulho do leitor na obra. Assim, o primeiro aspeto da abordagem da obra corresponde ao contacto direto com a poesia visual do autor em questão, que pode ser sintetizado a partir das suas duas características predominantes: o sentimento de perda e a perplexidade. O segundo aspeto, que está ligado diretamente ao anterior, aparece na leitura do ensaio de João Barrento, A poesia portuguesa sob o signo de Saturno. Neste ensaio, é sustentada a ideia de que muitos poetas portugueses das últimas décadas do século XX apresentam uma elevada tendência para a melancolia.

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CASTRO, Ernesto Manuel de Melo. O fim visual do século XX. São Paulo: Edusp, 1993. p.17

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A poesia de Melo e Castro sob o signo de Saturno.

Os aspetos descritos no capítulo anterior (ver página x) deixam evidente que esta tese pertence a uma natureza predominantemente temática. Portanto, é considerado ser mais pertinente uma abordagem não-conceptual. Abordagem esta que consiste na identificação de elementos que confirmem a permanência de um sentimento de perda (tese defendida por João Barrento, na sua obra A poesia portuguesa sob o signo de Saturno) e a consequente melancolia na poesia visual de Melo e Castro. Ora, considere-se que o tempo de Saturno é o tempo do espaço sideral, não o tempo dos homens que conhecemos, determinados pela consciência da inevitável morte. É um tempo quase infinito, relativo (avança e retrocede), é o tempo do deslocamento no espaço-tempo (ou seja, o tempo enquanto dimensão concreta da realidade, podendo ser identificado como o próprio movimento). Consideremos que não é um tempo habitado pela história, pois só diz respeito à matéria. Estando assente esta ideia, consideremos a figura 8, o poema visual ARLUZSINAL 3D. Apesar do seu caráter visual, o poema apresenta um conjunto de palavras, no seu título: ar + luz + sinal, sendo que as duas primeiras palavras remetem imediatamente para o universo da matéria (ar e luz) e a terceira remete para um possível movimento da matéria (o sinal). O sinal, enquanto signo, é um dos métodos de comunicação entre as máquinas, sendo compreendido pelos homens. Um computador pode não compreender uma proposição verbal mas pode responder a um sinal de modo eficiente. Já a palavra 3D remete para o universo virtual, ou seja, ao modo como o poema foi concebido.

Todos os poemas que constam nesse trabalho foram copiados diretamente do site “Ociocriativo”, disponível no seguinte endereço: http://www.ociocriativo.com.br/guests/meloecastro.

NOTA

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Neste poema é notório o plasmar da matéria num movimento superior ou igual à velocidade da luz, uma explosão de matéria infinita, uma quantidade interminável de informação. São captados vários eus denunciados nos movimentos da matéria, seja na explosão e expansão da matéria, como na simples existência da máquina, do programa e dos algoritmos que constituem os elementos necessários para a materialização do poema. Também um eu longínquo, pertencente à tradição poética, respira através do poema: os paralelismos, representados pelos raios de luz, que por si garantem o mínimo de equilíbrio ao poema e pelas gradações de cor, que por si garantem um movimento modular, atenuando a imagem da velocidade. O homem, aqui, está fora de qualquer possibilidade, no sentido em que não reconhece no tal movimento linear os seus vacilos e recuos. O título do poema digital apresentado na figura 9, denominado de FRACT148, remete para o universo dos fractais. A imagem sugere uma explosão que se diferencia da anterior, pois apresenta não uma expansão de luz, mas o surgir de magma (outro tipo de convulsão de matéria). Esta metáfora plástica da poesia digital pode ser constatada nas palavras de Melo e Castro: Poesia hoje só pode ser o ultrapassar da forma por si própria, a loucura da filosofia, o delírio da razão: ente nascido do ser, magmas brotando das pedras duras, secas frias. Assim a matéria é, em si própria, a razão4. Mas nessa representação do movimento da matéria não habita o ser da matéria, não são as lavas que explodem. Trata-se de um instante flagrado da própria criação de um universo virtual.

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CASTRO, Ernesto Manuel de Melo. O fim visual do século XX. São Paulo: Edusp, 1993, p.18


É que o nó da questão não está na poesia mas na poeticidade inventiva que agora se representa como uma virtualização da virtualização, o que pode tornar-se num ponto de não retorno para a própria percepção do poético, uma vez que as imagens são luz e a luz branca é a síntese total.5 Melo e Castro salva a sua poesia (e a nós também) da pergunta: e se forem os olhos da realidade virtual que nos vão ler no século XXI?. A resposta esconde-se por trás de uma outra pergunta: para que serve a poesia se não for capaz de comunicar? Se cada um, imerso no seu próprio e complexo mundo, é lançado continuamente para uma experiência lúdica eterna e desesperada, para que serve a poesia?. João Barrento entende a falta de solidariedade seria responsável pela melancolia que se observa na poesia portuguesa recente. A incomunicabilidade de afetos, presente na poesia de Melo e Castro, parece, assim, apontar realmente para a memória, que resiste a todas as estocadas, como se a alma portuguesa devesse sempre oscilar entre a ida (o mar, a aventura) e a volta (o passado, a quietude). A melancolia – e a sua expressão poética na elegia – emerge recorrentemente em situações históricas como a de Portugal (e a da Europa) de hoje, em que a total dessolidarização das relações e a saturação (mediática) das existências pela banalidade transforma todo o tecido social num grande ‘baldio dos afectos’.6

CASTRO, E. M. de Melo e, Que olhos vêem que que mundo? São Paulo: Ociocriativo, [1997-1998] Disponível em: <http:// www.ociocriativo.com.br/guests/meloecastro/frames_textos.htm >. BARRENTO, João. A palavra transversal: literaturas e idéias do século XX Lisboa, 1996, p.86

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C O N C L U S Ã O

Todas as formas de arte que procuram na tecnologia a identificação com o novo só reafirmam o projeto antiquado da Modernidade que, nos dias que correm, se apresenta pela velocidade com que torna tudo obsoleto. No entanto, a poesia digital poderia ser um exemplo de forma de arte que poderia ser pensada sem o fascínio pelo novo. É sobre essa perspetiva que se assenta a poesia de Ernesto Manuel de Melo e Castro e a reinsere no fluxo histórico ou, como disse João Barrento: esse olhar melancólico ‘petrifica’ as coisas do mundo/do tempo e salva- as para um sentido6. Deste modo, paradoxalmente, ao tentar tornar o homem obsoleto em prol de uma configuração híbrida (homem-máquina), a poesia digital de Melo e Castro acaba mostrando um toque de humanização, no sentido de que nos vemos a nós mesmos numa terra de ninguém e habitamo-la com os nossos fantasmas, que insistem em assombrar a matéria desde que um sopro ancestral nos tirou do sono do barro.

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BARRENTO, João. A palavra transversal: literaturas e idéias do século XX Lisboa, 1996, p.89

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B I B L I O G R A F I A

RODRIGUES, Lucilo (2006). A Poesia Digital de Melo e Castro, in Revista Texto Digital, UNESP - S.J. Rio Preto. Disponível em: http://www.textodigital.ufsc.br/>; BARRENTO, João (1995). O astro baço: A poesia portuguesa sob o signo de saturno, in Poesia: perguntas e percursos: homenagem a Miguel Torga, ensaio número 135/136, p.157-168. Disponível em: http://coloquio.gulbenkian.pt/ bib/sirius.exe/issueContentDisplay?n=135&o=s>; DIAS, Maria Heloísa Martins. (2009/2010). A Catografia Poética Singular de Melo e Castro: Experimentalismo e Convenção, X Colóquio de Outono Comemorativo das Vanguardas. Universidade do Minho - UNESP/SP. Disponível em: http://ceh.ilch.uminho.pt/publicacoes/pub_maria_dias.pdf>; BACELAR, Jorge (2001). Poesia Visual. Universidade da Beira Interior. Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/ bacelar-jorge-poesia-visual.pdf; CASTRO, E. M. de Melo e (1964), Poesia experimental: 1º caderno ontológico. Disponível em: http://po-ex.net/ taxonomia/materialidades/planograficas/e-m-de-melo-castro-poesia-experimental-1>; BARRENTO, João (1996). A palavra transversal: literaturas e idéias do século XX Lisboa; CASTRO, Ernesto Manuel de Melo (1993). O fim visual do século XX. São Paulo: Edusp; CASTRO, Ernesto Melo e (2014). “An Intersemiotic Network”, in PO.EX: Essays from Portugal on Cyberliterature and Intermedia by Pedro Barbosa, Ana Hatherly, and E. M. de Melo e Castro. Eds. Torres, Rui and Sandy Baldwin. Center for Literary Computing: West Virginia University Press, 87-116. Disponível em: http://po-ex.net/taxonomia/ transtextualidades/metatextualidades-alografas/e-m-de-melo-e-castro-an-intersemiotic-network>; CASTRO, Ernesto Melo e (2014). “Videopoetry”, in Media Poetry: An International Anthology. Ed. Kac, Eduardo. Chicago: The University of Chicago Press, 175-184. Disponível em: http://www.ociocriativo.com.br/guests/meloecastro/video.htm>; FUNKHOUSER, Chris T. (2007). Prehistoric Digital Poetry: An Archaeology of Forms, 1959–1995. Tuscaloosa: The University of Alabama Press; REIS, Pedro (2014). “Videopoesia: Produção Poética Híbrida em Língua Portuguesa”, in Poesia Experimental Portuguesa: Contextos, Ensaios, Entrevistas, Metodologias. Ed. Torres, Rui. Porto: Edições Universidade Fernando Pessoa, 101-116. Disponível em: http://po-ex.net/taxonomia/transtextualidades/metatextualidades-alografas/pedro-reis-videopoesia>; BARRENTO, João (1996). A palavra transversal: literaturas e ideias do século XX Lisboa; CASTRO, Ernesto Manuel de Melo (1993). O fim visual do século XX. São Paulo: Edusp; CASTRO, Ernesto Manuel de Melo (1997). Para uma poética do pixel. São Paulo: Ociocriativo. Disponível em: <http://www.ociocriativo.com.br/guests/meloecastro/frames_te xtos.htm>; CASTRO, Ernesto Manuel de Melo [1997-1998]. Que olhos vêem que que mundo? São Paulo: Ociocriativo. Disponível em: <http:// www.ociocriativo.com.br/guests/meloecastro/frames_textos.htm>; TORRES, Rui (2014). Poesia Experimental Portuguesa: Contextos, Ensaios, Entrevistas, Metodologias. Lisboa: edições Universidade Fernando Pessoa.

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Mafalda Mota, 8079 Tiago Marinho, 8076

Faculdade de Belas-Artes Universidade de Lisboa Design de Comunicação Cultura Marerial - 2015/16


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