Tfg mobilidade humana ml (parte1)

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MOBILIDADE

HUMANA

o planejamento de transportes na promoção de cidades democráticas



MOBILIDADE HUMANA:

o planejamento de transportes na promoção de cidades democráticas

Maira Oliveira Limaverde Orientador: Prof. Dr. Antônio Paulo Hollanda Cavalcante

Universidade Federal do Ceará Departamento de Arquitetura e Urbanismo Trabalho Final de Graduação Dezembro I 2014



Maira Oliveira Limaverde

MOBILIDADE HUMANA: o planejamento de transportes na promoção de cidades democráticas

Banca Examinadora

Prof. Dr. Antônio Paulo Hollanda Cavalcante (orientador) Universidade Federal do Ceará

Profa. Dra. Beatriz Nogueira Diógenes Universidade Federal do Ceará

Arq. Gizella Melo Gomes (convidada) Secretaria de Urbanismo Patrimônio e Meio Amb. de Sobral

Prof. André Soares Lopes (convidado) Universidade de Fortaleza

Fortaleza Dezembro I 2014



Primeiro n贸s moldamos as cidades. Ent茫o, elas nos moldam. Jan Gehl


Agradecimentos Não poderia deixar de agradecer primeiramente a Deus, Aquele com o qual não somente desejo permanecer toda a minha vida, mas pelo qual eu vim e viverei. Por ter suscitado em meu coração, antes que eu mesma imaginasse, a possibilidade de fazer a minha parte por um mundo melhor. À minha família, presente divino sem a qual essa caminhada teria sido bem mais difícil. Por tantos exemplos e ensinamentos que me fizeram mais forte, mais humana e mais esperançosa. À minha mãe Joseisa, semelhança de fé e garra, sem jamais perder o poder da doçura e do abraço consolador, por tantos choros e felicidades de um processo longo. Ao meu pai Rud, por me passar a determinação (ou teimosia) que tantos vêem em mim, e mesmo sem entender do que se tratava, sentou ao meu lado e me deu coragem pra não desistir de alguns mapas infindáveis. Ao meu irmão Samuel, por sempre aparecer com qualquer novidade que ouvisse sobre mobilidade, por me apresentar a circulação de Curitiba sob o olhar de um usuário e por sempre me ensinar a sonhar altos vôos. Ao meu irmão Rud, meu primeiro mentor em traquinagens, por cada vez que me ensinou a não desistir na primeira falha, por cada vez que o “menina, você consegue” era tudo o que eu precisava ouvir. À Ferreira, minha segunda mãe que me conhece melhor que eu mesma, pelo anos dedicados à nossa família, por todos os puxões de orelha e cuidados inigualáveis, mas principalmente por sempre me mostrar que o mundo muda sim, se começarmos a mudança em nós mesmos. À Universidade Federal do Ceará e a todos os mestres que pude ter contato durante o curso, por cada saber compartilhado, por transmitirem a paixão à profissão que escolhemos. À professora Clarissa Freitas pela primeira experiência com projetos urbanos, por abrir a minha visão àquela que seria a minha maior paixão no curso e por tantos ensinamentos obtidos enquanto bolsista do PET. Ao professor Renato Pequeno, por cada aula de PU3, minha mais memorável disciplina da graduação, pelo prazer de aprender, em cada atendimento, a realizar um projeto “não fictício. Ao professor Daniel Cardoso, meu “pai” na Arquitetura, por me apresentar o mundo da pesquisa e me estimular em cada orientação, por ter me feito voar tão alto, publicando e apresentando meu primeiro artigo já a nível internacional. Ao professor Antônio Paulo, que mesmo sem me conhecer topou o desafio de realizarmos esse trabalho juntos. Por compartilhar a paixão pela união entre o Urbanismo e a Engenharia de Transportes,


por cada vez que defendeu nossa idéia perante tudo e todos e por sonhar comigo os próximos artigos e passos da profissão. Ao professor Daniel Lustosa, por ter me apresentado a Engenharia de Transportes e por ter sido o primeiro a me encorajar a unir a minha paixão pelo Urbanismo à minha nova descoberta da Engenharia. Por cada aula de Transportes e Estradas, mas mais ainda por tantos ensinamentos e auxílios a esse trabalho. Por nunca medir esforços pra conseguir os tantos dados que eu sempre surgia pedindo “pra ontem”. À Dora, minha tia-mãe que muito tem de participação não somente nesse projeto de graduação, mas na vida profissional, sempre me incentivando a olhar pra frente e vencer obstáculos. Por tão pacientemente me ensinar sobre concursos, sobre Deus e sobre a sermos pessoas de bem. À Bel, minha irmã de coração e companheira do dia-a-dia, pelos quatro anos de vizinhas de quarto, e porque mesmo em um momento delicado de pré-vestibular torceu em cada momento desse trabalho, orando e acreditando junto comigo. Ao Dary, que tão sabiamente rebateu todas as minhas explicações sobre meu TFG, me fazendo argumentar até convencê-lo, quando quem se convencia mais ainda, na verdade, era eu mesma. Pelas tardes e noites em que fui uma péssima companhia e pelos tantos mapas e cads refeitos até me satisfazer. Por todo o apoio e suporte, por sempre me fazer acreditar que eu seria capaz de tudo que sonhasse. À Carla, à Ari, à Miranda e aos tantos outros da turma de 2008.2, pelos cinco (ou seis) anos partilhados, por cada noite virada, cada comemoração em entrega de projeto e pelos tantos dias felizes ao lado de vocês. Aos agregados que chegaram depois e somaram a um grupo tão heterogêneo, mas singular e unido, a minha melhor turma da faculdade. À natashinha, por sempre ser exemplo de vida e de profissional, mas principalmente pela manhã de sono perdida em prol de partilhar comigo mais um pouco de si e fazermos a rotatória mais linda de todas. À FeNEA e aos encontros de estudantes, especialmente ao EREA Ceará e todos os sonhadores envolvidos, por viver a mesma megalomania de querer mudar o mundo e pela experiência única de viajar tantos lugares, discutir e ver tantas realidades e poder participar ativamente das relações humanas da Arquitetura.

A TODOS VOCÊS, MEU MUITO OBRIGADA!


1. 2. 3. 4. 5.

APRESENTAÇÃO

REFERENCIAL TEÓRICO

DIAGNÓSTICO

PROJETO

CONCLUSÃO


Introdução I p. 14 Tema I p. 15 Justificativa I p. 17 Objetivos I p. 18 Metodologia I p. 19 Urbanização e [des]Urbanidade I p. 24 Metropolização e Dispersão Urbana de Fortaleza I p. 32 Aplicação da Sintaxe Espacial no Planej. de Transp. I p. 50 Cidades para Pessoas I p. 60 Delimitação da área de estudo I p. 80 A consolidação da av. Washington Soares I CE 040 I p. 83 Ocupação e Uso do solo I p. 86 Sistema viário e a Sintaxe Espacial da área I p. 96 A centralidade linear e o impacto dos Pólos Geradores I p. 100 Considerações finais do Diagnóstico I p. 105 Delimitação da área de intervenção projetual I p. 112 Diretrizes Gerais de Projeto I p. 118 Sistemas viário, cicloviário e O BRT/BRS I p. 120 Delimitação trechos importantes I p. 140

Conclusão I p. 151 Referências Bibliográficas I p. 152



APRESENTAÇÃO

1.


Introdução Reportando-se ao item 77 da Carta de Atenas (CORBUSIER, 1993), o artigo 182 da Constituição Federal Brasileira de 88 (BRASIL, 1988), determina as quatro funções sociais da cidade, denominadas como “chaves do urbanismo”, sendo estas: habitar, trabalhar, recrear e circular. Entretanto, de lá para cá, observa-se que a prática da Arquitetura e Urbanismo voltou-se basicamente à criação de espaços destinados à habitação, ao trabalho e à recreação, deixando a circulação como objeto de estudo praticamente exclusivo da Engenharia de Transportes. Paralelamente, o intenso desenvolvimento econômico e social vivido pelo Brasil, principalmente durante a segunda metade do século XX, provocou uma reviravolta nas relações até então existentes entre os meios urbano e rural (DINIZ, 2008). O acelerado processo de urbanização sofrido pelo país trouxe consigo, além do intenso fluxo migratório para as zonas urbanas, uma concentração da população em regiões pontuais do país. Atualmente, 84,4% da população brasileira reside em cidades (IBGE, 2010). Mais alarmante ainda, de acordo com o Ministério das Cidades, cerca de 70% destes estão concentrados em apenas 10% do território nacional, ocupando principalmente as nove maiores regiões metropolitanas do país, entre elas Fortaleza. (BRASIL, 2007) Nestas metrópoles, o processo desordenado de urbanização provocou um padrão de expansão horizontal, densificando periferias mais distantes em detrimento de um paulatino esvaziamento das áreas centrais, agora marcadas por diversos vazios urbanos. Seu desligamento de políticas de uso, ocupação do solo e planejamento de transportes, culminou em uma crescente degradação dos serviços de transporte público, no surgimento de longos congestionamentos e em diversos outros impactos negativos sobre os deslocamentos nas cidades, o que fez não somente especialistas e gestores interessarem-se pela função de circulação, mas a tornou um dos assuntos mais comentados atualmente pelos brasileiros.

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Muitas das dúvidas comuns ao tema da mobilidade urbana ocorrem


devido a este ser um conceito que se tornou conhecido apenas recentemente e sobre o qual há pouca bibliografia disponível, cujos textos por vezes são marcados pela ausência de aprofundamento e/ ou clareza de discurso. Por outro lado, vale ressaltar que a mobilidade é um assunto permeável ao Urbanismo, voltado à análise qualitativa e configuração do espaço urbano como um todo, e à Engenharia de Transportes, mais quantitativa e exata (CAVALCANTE, 2009). Por não haver uma formação que integre as duas áreas, as discussões sobre mobilidade comumente culminam em barreiras acadêmicas. O presente Trabalho Final de Graduação parte, portanto, dessa problemática observada nas grandes cidades, a exemplo da Região Metropolitana de Fortaleza, e da necessidade de união entre o Planejamento Urbano e de Transportes para a construção de uma cidade mais democrática.

Tema Entende-se por mobilidade a facilidade ou capacidade de realização de um deslocamento qualquer, de um ponto a outro no espaço. Quando inserido na cidade, o conceito de Mobilidade Urbana abrange também a qualidade das viagens realizadas por pessoas, bens e serviços no espaço urbano, ganhando novas variáveis subjetivas, econômicas e sociais. A cidade de Fortaleza, além de sofrer as consequências de um processo de expansão rápido e desordenado, tem sua mobilidade agravada pelo grande número de automóveis particulares nas ruas, que chegou a crescer 97% entre os anos de 2000 e 2010 (RENAEST, 2013). Entre as justificativas para tal fato, estão a melhora de poder econômico da população, os recentes incentivos à indústria automobilística e a má qualidade do transporte público na capital, marcado pela sobrecarga dos modais (ônibus e vans), pela demora de implantação do metrô e, principalmente, pela ausência de um planejamento sistemático, agravado ainda pela inexistência de uma pesquisa de Origem e Destino há cerca de 15 anos.

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Em termos espaciais, pode-se dizer que Fortaleza possui uma boa cobertura pelo Sistema Integrado de Transportes-Fortaleza (SIT-FOR), já que cerca de 94% da população precisa realizar deslocamentos de, no máximo, 500m para acessar o sistema. Entretanto, a periferia da cidade, principalmente nas regionais III, IV e V, possui diversas regiões não cobertas pela rede integrada, com predominância de deslocamentos iguais ou superiores a 500m. Também não se configura uma elevada mobilidade no SIT-FOR, já que, para ir de um ponto a outro da cidade, é necessário fazer, muitas vezes, trajetos com maior tempo de deslocamento do que o necessário, devido à predominância do sentido centro-terminais-centro, aumentando consideravelmente o percurso realizado (HENRIQUE, 2004). Vê-se, portanto, que a questão da mobilidade é comumente abordada de forma superficial pelos agentes atuantes na cidade, com ações públicas que se revelam paliativas e desconectadas de um planejamento sistêmico, e nas quais as soluções são prioritária e erroneamente voltadas para o espaço de circulação de automóveis particulares em detrimento dos transportes de massa ou dos modais não motorizados, desafiando assim a lógica de um sistema democrático e humano. Com o objetivo de contribuir para o acesso universal à cidade, a Lei n 12.587/12 institui a Política Nacional de Mobilidade Urbana (BRASIL, 2012), por meio de um conjunto de princípios e diretrizes capazes de orientar ações públicas, melhorando as condições de deslocamentos e qualidade de vida nas grandes cidades brasileiras. A partir disto, o presente Trabalho Final de Graduação abordará os temas relacionados à Mobilidade Urbana e ao Planejamento de Transportes, integrando a visão urbanística à engenharia de tráfego, de modo a aproximar e facilitar a realização de debates e trabalhos multidisciplinares, apresentanto como produto final um projeto urbanístico que contemple os conceitos tratados no referencial teórico do trabalho.

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Justificativa A escolha do tema deu-se, inicialmente, pelo interesse, desenvolvido em uma dupla formação, de tornar o Urbanismo e a Engenharia de Transportes mais próximos entre si. Entende-se aqui que ambas se complementam no que diz respeito à questão da circulação nas cidades e que a interdisciplinaridade é essencial para um bom entendimento do processo como um todo. Ao nosso ver, portanto, não faz sentido tratar análise urbanística, planejamento e projeto urbano por si só quando o assunto é mobilidade urbana, do mesmo modo que se torna menos completo um planejamento de transportes com estudos matemáticos de volumes de tráfego e impactos de pólos geradores sem o embasamento urbanístico e sistêmico das proposições. Ademais, nota-se o grande impacto que o trânsito das cidades atuais tem sobre a qualidade de vida de seus habitantes. Segundo a Fundação Getúlio Vargas, o desperdício com os congestionamentos na da cidade de São Paulo ultrapassou 40 bilhões de reais em 2012, entre custos com tempo ocioso, adicionais de combustível e impactos, diretos e indiretos, na saúde da população (CINTRA, 2013). Se o dono de automóvel já percebe, por exemplo, o considerável aumento do gasto de combustível

em congestionamentos, o

usuário de transporte público pode até não ter conhecimento, mas os constantes aumentos do valor da tarifa incluem também o aumento com gastos em óleo diesel. Os reflexos na saúde da população, por sua vez, não se restringem apenas ao aumento da poluição do ar e sonora, mas espera-se também o aumento dos níveis de estresse e consequentes acidentes de trânsito, onde o comportamento agressivo de um motorista acaba desencadeando reações violentas de outros (DAMATTA, 2010). Embora os impactos supracitados sejam de grande importância às relações urbanas, deseja-se dar ênfase aos custos urbanísticos e ambientais do trânsito das grandes cidades, que vão desde o não cumprimento adequado do direito fundamental de ir e vir até a produção de uma cidade com níveis indesejáveis de urbanidade, poluição e insegurança.

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Isto posto, o presente Trabalho Final de Graduação escolhe como objeto de estudo a Rodovia CE-040, mais conhecida como Avenida Washington Soares, devido à sua decisiva participação no processo de formação da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) e à sua grande importância frente aos principais deslocamentos atuais da cidade, por conformar-se como uma centralidade linear e continuar sendo um dos principais eixos de expansão da cidade. A avenida, que já passou por diversas etapas de modificações físicas para adequação a novos volumes de tráfego, guarda em seu histórico consecutivas reduções em seu nível de serviço. Para agravar esse fato, uma breve visita à via e ao seu entorno imediato é capaz de nos mostrar a quantidade considerável de vazios urbanos presentes na região e a não existência de continuidade das vias locais, que acabam por transferir todo o fluxo à via arterial e seus acessos. A hipótese aqui trabalhada parte da sugestão de que, quando os vazios forem ocupados, como é o recente caso do bairro Guararapes, os futuros aumentos de fluxo de veículos não serão mais comportados pela via, que já trabalha próximo à sua capacidade máxima e já apresenta grandes congestionamentos, mesmo que tenha sofrido intervenções há pouco mais de dois anos. Entende-se, assim, que investimentos em infra-estrutura e planejamento do setor sudeste de Fortaleza tornam-se indispensáveis para melhorar a circulação do trânsito da área e evitar que sejam necessários novos megaprojetos paliativos, como os já existentes túneis.

Objetivos O trabalho tem como objetivo geral contribuir para novas metodologias sistêmicas de análise integrada da mobilidade em espaços urbanos, fomentando a discussão acerca da Mobilidade Urbana e sua necessidade de participação integrada das áreas de Urbanismo e Engenharia, de modo a intercambiar conhecimentos e enriquecer o

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debate sobre o tema. Além disso, será proposto uma reorganização da plataforma atual da CE-040 (Av. Washington Soares), contemplando


os âmbitos de transportes e espaços públicos, a fim de conferir-lhe um caráter de urbanidade. Como objetivos específicos, pretende-se:

(1)

Investigar

anos

(1990-2014)

identificando

(2)

as na

padrões

mudanças entorno

ocorridas da

dominantes

Av. e

no

decorrer

Washington

formas

de

dos

Soares,

ocupação.

Avaliar os possíveis impactos dos investimentos econômicos

(pólos geradores) instalados na extensão da avenida, de modo a buscar explicações para a atual configuração do trânsito na via.

(3)

Identificar possíveis relações existentes entre os padrões

de uso e ocupação e a sintaxe espacial da área, de modo a encontrar seu rebatimento no tráfego da via e projeções futuras.

(4)

Apresentar

alternativa

projetual

que

contemple

o

referencial bibliográfico, externando a possibilidade e viabilidade de planejamento e projeto de reabilitação da via, adequando-a a futuras configurações de tráfego e ao sentido de urbanidade, promovendo a divisão democrática de seu espaço de circulação em atendimento à Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei n 12.578/12).

Metodologia A metodologia adotada pelo presente Trabalho Final de Graduação pode ser dividida em três etapas: Referencial Teórico O trabalho partiu da revisão da problemática encontrada na circulação das grandes cidades e o conceito de urbanidade, bem como do desejo de alimentar uma discussão acadêmica sobre a interseção entre as práticas do Urbanismo e da Engenharia de Transportes. Partindo disto, os textos foram agrupados em três grandes grupos: os referentes ao estudo qualitativo de planejamento urbano, os cuja leitura aborda a veia quantitativa do planejamento de transportes e aqueles com diretrizes de desenho urbano.

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Quanto ao planejamento urbano, reuniu-se conceitos que partem da análise da forma de expansão das grandes cidades e a consequente dispersão urbana causada por esta, passando pelo distanciamento dos níveis desejáveis de urbanidade e consequente diminuição gradativa da qualidade de vida da população. No âmbito do planejamento de transportes, deparou-se aqui com estudos que constatam a sintaxe da malha viária da cidade como importante agente contribuinte para a problemática dos congestionamentos, bem como a relação existente entre o tipo de uso do solo e seus impactos diretos e indiretos, sobre as condições de circulação. A parte cabível ao desenho urbano se mostra aqui essencial por possibilitar não somente a análise e planejamento teórico, mas o estudo de medidas projetuais que estimulem a vida urbana e a produção de cidades com espaços democráticos e bons níveis de urbanidade. Análise da Área de Estudo [Diagnóstico] A partir dos conceitos trabalhados no embasamento teórico foi possível a realização de uma análise da área de estudo: o setor sudeste [SE] da cidade de Fortaleza, com enfoque principal na Rodovia CE-040, denominada em perímetro urbano de Avenida Washington Soares. Parte-se da análise documental do processo histórico de formação da via e suas ampliações, bem como sua importante participação no processo de expansão da cidade. Nesta etapa foram essenciais estudos realizados por professores da Universidade Federal do Ceará e seus rebatimentos na realidade atual da via. A seguir, propõe-se uma análise atual da ocupação e uso do solo no setor sudeste e seu impacto nos fluxos existentes na região. Para a constatação dos usos atuais fez-se necessária a utilização de ferramentas virtuais [Google Street View] e visitas a campo em casos de dúvida ou de não existência de dados virtuais atualizados. A análise das taxas de ocupação e áreas de estacionamentos foi possível por meio de debruçamento sobre o levantamento aerofotogamétrico de

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Fortaleza de 2010 [atualizado conforme projeto de reforma da via


em 2012 - conseguido em visita à Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente, SEUMA]. Dados adicionais foram possíveis graças a experiências pessoais da autora, residente da região supracitada, e a visitas in locu para apreensão da realidade da região em diferentes dias e horários. Entre as necessárias adições ao diagnóstico produto da tese da Prof.Dra. Beatriz Diógenes [DIÓGENES, 2012], cita-se aqui a recente transformação sofrida pelo bairro Guararapes com intensa construção de condomínios residenciais verticais. Entende-se que a via e a circulação na região como um todo, ao finalizar-se a ocupação do bairro citado, sofrerá severas modificações. Proposta de Planejamento Urbano de Transportes [Projeto] A primeira intenção, em termos de projeto, foi atender firmemente àquilo visto no Referencial Teórico e rebatido no Diagnóstico, concedendonos possibilidades de democratização dos usos, ocupações e modais locados na área de estudo. Entretanto, ao realizar as análises do Diagnóstico, principalmente aquela que diz respeito à sintaxe espacial, tese do Prof. Dr. Ant. Paulo Cavalcante [CAVALCANTE, 2009], notou-se que, mais do que uma forte hegemonia da Avenida Washington Soares sobre as demais vias, a região é caracterizada por muita descontinuidade do traçado viário, direcionando todos os fluxos para a via supracitada. Isso nos fez decidir por realizar, a nível projetual, não somente uma reorganização dos modais de transporte dentro da avenida, mas também uma integração das demais vias, de modo a distribuir as viagens hoje centralizadas na mesma. A partir disso, elaborou-se uma proposta de projeto focada em uma das áreas críticas da localidade observada, escolhida e justificada por melhor englobar vários dos conceitos trabalhados no Referencial Teórico e requerer intervenção antes que se dê ocupação dos muitos vazios ainda existentes na região. Desejou-se reorganizar os espaços destinados a pedestres, ciclistas e transportes públicos, integrando áreas verdes e conferindo melhores níveis de urbanidade no setor Sudeste de Fortaleza.

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REFERENCIAL TEÓRICO

2.


Urbanização e [des]Urbanidade A partir da Revolução Industrial, em meados do século XVIII, o cenário mundial foi marcado por grandes mudanças estruturais nas aglomerações humanas, pelo intenso crescimento demográfico das cidades já existentes e o surgimento de concentrações urbanas no entorno das novas indústrias. As rápidas transformações pelas quais passou a Cidade Industrial resultaram em problemas de transporte, habitação, serviços e salubridade, exigindo medidas urgentes de saneamento e organização urbana de modo a minimizar conflitos sociais e disputas políticas nas novas sociedades. Neste momento, dois modelos de pensamento ensaiaram as primeiras discussões sobre a organização dos novos aglomerados urbanos. Teóricos como Lewis Mumford e Ebenezer Howard defenderiam, a partir de então, o Modelo Culturalista [ou Humanista] para a organização das novas cidades, no qual Howard estimulou a coexistência dos ambientes urbano e rural com o projeto das cidadesjardins, buscando o balanceamento das vantagens de viver em cada um desses espaços. (CHOAY, 2003) Entretanto, outro modelo [Modelo Modernista] viria a ser mais conhecido no fim do séc. XIX, concebido

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como um agrupamento de diversos pensamentos e traçando diretrizes para a organização física das cidade que perdurariam até a atualidade.


Consecutivas ondas de epidemias no séc. XIX, como a varíola e a tuberculose, dizimaram significativa fração da população residente nas cidades industriais, levando os médicos da época a elaborar questionamentos e buscar soluções para o problema. Uma das principais contribuições daquele tempo, a teoria miasmática, de Thomas Sydenham, defendia que o ar fétido seria carregado de partículas nocivas à saúde e, ao ser inalado pelas pessoas, as deixaria doentes. (JORGE, 2007) A partir disso, médicos, engenheiros, arquitetos e administradores públicos elaboraram o conceito de higienismo como alternativa para sanear as cidades, segundo o qual a responsabilidade do desenvolvimento das enfermidades era a ausência de condições de salubridade na maioria ou quase totalidade das cidades, ainda sob moldes medievais. (CORREIA, 2010). No novo conceito de cidade, o ar, a água e o sol passam a ser agentes importantes e desejáveis, de modo que as aglomerações de ruas estreitas e organicistas, casas amontodas e ausência de condições mínimas de higiene e saneamento já não atenderiam àquela aspiração. Entretanto, não tratava-se somente de alargar vias, colocar sanitários nas residências ou permitir ventilação e insolação naturais. O ideal sanitarista fora marcado também por um desejo de embelezamento das cidades, como forma de transparecer o desenvolvimento tecnológico e econômico da época, relacionando-se intensamente com o pensamento progressista de Le Corbusier, que defendia a reorganização urbana a partir dos princípios fundamentais de descongestionar e densificar os centros de negócios das cidade, ampliar os meios de circulação e promover o aumento das superfícies verdes. Corbusier também legitimava a definição, a priori, das necessidades do ser humano para, posteriormente, criar-se um padrão de homem-tipo e habitação-tipo como formas de combater os problemas das cidades. (CHOAY, 2003) Dessa forma, o embasamento progressista na teoria racionalista de Descartes, padronizou as cidades do fim do século XIX, concebendo-as como organismos nas quais as necessidades do homem devem ser determinadas de modo funcional. Estabelecia-se a soberania da razão e da experiência como método de obtenção de respostas, descartando-se especificidades culturais e locais. (MONTANER, 1997) Partindo disto, cidades como Barcelona e Paris

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foram marcadas por intensas transformações que incorporavam a junção dos ideais higienista e racionalista, fazendo uso constante do primeiro como ferramenta para justificar às massas as ações funcionalistas tomadas pela classe dominante. O mais conhecido protótipo e referência projetual foi a reforma realizada pelo Barão GeorgesEugéne Haussmann na capital francesa, entre 1853 e 1870, inspirando reformas urbanas dentro e fora da Europa. O projeto contou com obras de infra-estrutura básica, circulação e arejamento, abrindo largas avenidas, os boulevards, implantando parques e enaltecendo o centro da cidade, promovendo sua modernização. (FREITAG, 2006) Todavia, esse embelezamento urbano acabou por justificar ações autoritárias e injustas para com a população mais pobre, que viu a miséria ser frequentemente relacionada com deliquência, criminalidade e sujeira que deveria ser expelida para as periferias urbanas. (CORRÊA, 2010) É também nesse contexto que se formaram os grandes capitais da indústria e do comércio e, portanto, a consolidação de uma burguesia liberal que encontrou no pensamento progressista a oportunidade de se auto afirmar e impor suas necessidades às discussões urbanas. Substituiu-se, assim, a laissez faire e as cidades orgânicas da Idade Média por um mecanismo inorgânico que atendia aos desejos da burguesia de “pôr em evidência o poder e os conhecimentos esclarecidos de uma classe dominante.” (GOITIA, 2003, p. 159). A cidade transformavase em um cenário de grandes e largas avenidas cheias de luz, altos edifícios e praças suntuosas. Ainda de acordo com Goitia (2003, p. 159): “Uma fé firme no progresso, na inesgotável potencialidade dos meios de produção, nas conquistas cívicas de um Estado que acabara por alcançar uma ética estável baseada na igualdade de direitos, eram os apectos positivos de que a burguesia liberal se sentia justamente ufana.

O regime capitalista que se firmava seriviria também como forma de intensa exploração do solo. A organização das cidades em quadrículas e ruas de tráfego permitiram, assim, a simplificação do processo de parcelamento, venda e construção de bairros inteiros, dando espaço ao surgimento de uma prática bastante conhecida atualmente: a especulação imobiliária. O aumento da população e

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da procura por imóveis fez com que se aumentasse o valor dos lotes, gerando assim uma maior necessidade de explorá-lo ao limite,


visando um lucro cada vez maior e criando-se um “círculo vicioso que só favorecia os especuladores.” (GOITIA, 2003, p. 158) Tomando novamente Paris como objeto de observação, Paulo Rouanet diz que A “haussmanização” que desfigura a cidade, coincide com o apogeu do capital financeiro, sob Napoleão III. Ela alimenta uma especulação desvairada, e a bolsa substitui as formas tradicionais do jogo. [...] Durante os trabalhos, os operários se refugiam nos subúrbios, expulsos pelos aluguéis altos. (ROUANET, 1999, p.89)

Quadro 2.1: A “haussmanização” do Rio de Janeiro A busca por ordenar a cidade de acordo com o pensamento racional e sanitarista não fora a única preocupação do “primeiro plano regulador de uma metrópole moderna” (MONTE-MOR, 2006, p. 62). As ruas de Paris, estreitas e tortuosas, eram elementos facilitadores para barricadas, rebeliões e fugas. Mostram-se, assim, razões claramente políticas e econômicas na metamorfose parisiense, cujo objetivo passava por apaziguar a população, combater as movimentações populares e enaltecer o imperador. Dessa forma, prédios antigos foram derrubados arbitrariamente, bairros inteiros foram demolidos para dar lugar às ampliações viárias necessárias e a capital francesa tornou-se modelo de circulação e modernidade, à luz das teorias já citadas. À semelhança de Haussman em Paris, muitas cidades no mundo viriam a utilizar-se dessas transformações como agentes de ordenamento não somente das cidades, mas principalmente da população urbana. No início do século XX, Haussmann seria a principal influência na gestão de Pereira Passos para a mudança realizada no Rio de Janeiro, responsável pela modernização da área portuária e grandes intervenções no Centro Histórico, como demolição de inúmeros cortiços, abertura de largas avenidas para ligação do centro aos bairros mais afastados e expulsão da população de baixa renda da área central, processo que daria origem à ocupação dos morros, por serem mais próximos à área de empregos, culminando na favelização e aumento dos conflitos sociais existentes hoje.

figura 2.1: As demolições no centro do Rio de Janeiro em 1903-06 fonte: http://pre.univesp.br/as-reformas-do-rio-de-janeiro-no-inicio-do-seculo-xx#.VEvYU0sloxc

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Já no século XX, o período entre as duas Guerras Mundiais, especialmente as décadas de 1920-30, foi marcado pela retomada e avanço das teorias e experimentações urbanas. Buscava-se um modelo urbanístico fechado, não somente as várias teorias já citadas, que, diferentemente da urbanística tradicional, atendesse às necessidades do pós-guerra, aos avanços tecnológicos e industriais e à ascensão dos regimes totalitários. Enquanto isso, observava-se ainda um panorama de coexistência entre o urbanismo formal e as novas experiências. É nesse contexto que surgiu o Congresso Internacional da Arquitetura Moderna (CIAM) no ano de 1928, com o objetivo de juntar harmoniosamente os diversos pensamentos sobre a arquitetura da época e dar-lhe um sentido real, social e econômico. Assim, as teorias do Racionalismo, Funcionalismo, Progressismo e Higienismo uniram-se como agregados do que viria a ser chamado de Modelo Modernista, que ajudou a difundir uma arquitetura considerada limpa, sintética, funcional e racional, funcionando também como componente político e/ou econômico para justificar e fortalecer os regimes totalitários no período Entreguerras. A multifuncionalidade das cidades começava, então, a decair consideravelmente. Le Corbusier, por exemplo, defendia a destruição das pequenas quadras de prédios alinhados para dar lugar às tipologias de torres e blocos cercados de áreas verdes, como pode-se perceber em seu Plan Voisin1 para Paris em 1925. Tratava-se, neste modelo, a Arquitetura e o Urbanismo como um continente de atividades que deveriam partir de uma padronização na qual a intuição e o improviso são substituídos pela sistematicidade, pela precisão e pela produção em série. (MONTANER, 1997) O produto mais notável das dez edições realizadas do CIAM fora a Carta de Atenas, escrita em 1933 por Le Corbusier”, incorporando as contribuições de mais de um século de arquitetura sob o tema da cidade funional, na qual pode-se ver a determinação das quatro funções urbanas das cidades (habitar, trabalhar, recrear e circular) e dos princípios norteadores do urbanismo moderno, como o zoneamento funcional das cidades. Esse instrumento, originário do modernismo e de legado 1

O Plan Voisin foi uma solução projetual para o centro de Paris, desenhado por Le Corbusier entre

1922 e 1925. A proposta englobava a racionalização e divisão do centro em uma zona residencial de alto padrão, de quadras médias e espaços verdes, e uma zona comercial de altas torres

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em formato de cruz, também cercadas por áreas verdes. Fonte: Fondation Le Corbusier <www. fondationlecorbusier.fr>


em muitas das atuais metrópoles, baseava-se na divisão da cidade em partes independentes entre si, possibilitando que sejam tratadas de forma autônoma. Eram separadas, assim, as áreas residenciais, de lazer e de trabalho. Dessa forma, a cidade trabalharia como uma máquina produtiva em que as diferentes zonas monofuncionais consistem estruturas simples e mais facilmente geridas, conectadas pelas linhas de circulação de alto fluxo de veículos. A padronização de cidades segundo o instrumento do zoning possibilitaria, portanto, a transformação da metrópole, completa e complexa, em um organismo descomplicado e de clara compreensão. (MONTANER, 1997) Com o término da 2a Guerra Mundial, as cidades européias encontravam-se devastadas e com a necessidade urgente de reconstrução rápida, sob os menores custos possíveis e com a máxima quantidade de habitações que se conseguisse, devido ao enorme contingente de cidades destruídas. Dessa forma, os princípios do urbanismo modernista explicitados na Carta de Atenas tornaram-se a melhor opção para as cidades do pós guerra, já que a metodologia de construção por sistemas idependentes revelouse de grande rapidez e eficácia. As idéias de higiene e salubridade seriam especialmente bem vindas, também, inspirando projetos com grandes áreas verdes entre blocos de edifícios. Surgiram, assim, os grandes conjuntos habitacionais, hoje entendidos como monótonos e propensos à favelização, mas justificados à epoca pela óptica de otimizar o espaço e gerar mais alojamentos. Paralelamente, as três décadas posteriores a 1940 foram marcadas pela ascensão e monopólio, principalmente nos Estados Unidos, da indústria automobilística, impulsionada pela idéia, passada à população nas décadas anteriores, de que o automóvel era o meio de transporte urbano por excelência. O sucesso das autoestradas norte americanas expandiu-se pelo mundo nas décadas posteriores e consolidou-se o carro como símbolo de progresso e prosperidade. Mais uma vez, o Urbanismo Modernista salta como alternativa perfeita para o estímulo do uso do automóvel, traduzindo ao desenho urbano a prioridade clara ao uso do carro e a distinção visível dos espaços de veículos e de pedestres. (COSTA, 2013)

29


Ildefonso Puppi, em Estruturação Sanitária das Cidades, denomina o zoneamento moderno como sendo um “instrumento imprescindível e de fundamental importância para a sistematização das cidades e para a regulamentação urbanística” (PUPPI, 1981, p. 112) e destaca que: “Além do imperativo da diferenciação funcional, razões higiênicas, estéticas e econômicas são invocadas para a justificativa da utilização discriminada da superfície urbana em zonas, cada qual se definindo não apenas pela identidade das atividades desenvolvidas, como também pela homogeneidade da ocupação do terreno e de sua composição arquitetônica.” (Ibidem, p. 111)

Entretanto, como poderá ser comprovado mais adiante no presente trabalho, este tipo de abordagem urbanística catalisou o processo de segregação física e econômica que vemos nas atuais metrópoles. Assim sendo, foram criadas demandas de fluxo casa-trabalho-casa em um volume nocivo ao sistema de circulação existente, diminuindose a eficiência da efetivação da mobilidade. Conforme ressalta Diniz (2008, apud BERGMAN; RABI, 2005), a legislação de uso do solo implementada nas cidades, desconexa de uma política de mobilidade urbana, faz com que mais pessoas optem pelo automóvel particular como forma de locomoção, incitando congestionamentos e gerando demanda para maiores capacidades de tráfego em avenidas, túneis e viadutos. Jane Jacobs foi, provavelmente, a primeira a despertar, ainda na década de 60, para as consequências negativas da ideologia modernista adotada em diversas cidades de todo o mundo. Em seu livro Vida

e Morte nas Grandes Cidades (JACOBS, 1961), a jornalista e escritora afirma que o considerável aumento do tráfego de automóveis, aliado à separação funcional dos usos na cidade, seriam responsáveis pelo fim dos espaços urbanos e esvaziamento de pessoas na vida das cidades. Jacobs critica a produção de cidades como um agrupamento de construções individuais, na qual os espaços públicos são deixados de lado, e destaca a importância da realização de mudanças na maneira de construção das mesmas, dando os primeiros passos ao que viria a ser a atual discussão sobre a Urbanidade das atuais

30

metrópoles.


31


Metropolização e Dispersão Urbana de Fortaleza A partir da segunda metade do séc. XX, principalmente após o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-45), é notável o crescimento dos níveis de urbanização em todas as regiões do mundo. Enquanto na Europa, entre o fim do séc. XIX e a primeira metade do séc. XX, o fenômeno da urbanização acompanhou o processo de industrialização de forma lenta, gradativa e alinhada às políticas de criação de emprego, moradia e educação, no Brasil viu-se brotar um êxodo rural bastante acelerado, desequilibrando a distribuição e condições de vida da população brasileira em um curto espaço de tempo e tornando-se “praticamente generalizada a partir do terceiro terço do século XX” (DIÓGENES, 2012, apud SANTOS, 2009, p.6) Embora fossem altas as taxas de fecundação da época, Brito e Pinho (2012, p.7) destacam que: “Sem dúvida, foram as migrações internas as grandes responsáveis pela grande aceleração do processo de urbanização. Estima-se que, entre 1960 e o final dos anos oitenta, auge do ciclo migratório, saíram do campo para as cidades quase 43 milhões de pessoas, considerando,

32

inclusive os efeitos indiretos da migração, ou seja, os filhos tidos pelos migrantes rurais nas cidades.”


Quadro 2.2: a evolução da urbanização no Brasil em números Ao analisar as taxas de urbanização do País com o passar dos anos, percebe-se que até a década de 50 o Brasil era predominantemente rural, sendo necessário pouco mais de meio século para atingir-se a marca dos 84,4%. Nos últimos 50 anos (1960-2010), enquanto a população cresceu aproximadamente 267%, a parcela urbana foi marcada por um aumento de 402%. Um indicador agravante deste fato é que a urbanização não ocorreu de maneira uniforme por todo o País. A região Sudeste, por exemplo, alcançou, ainda na década de 1970, ampla maioria da população residente em áreas urbanas, cabendo aqui um destaque às cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. Principais focos da rápida industrialização sofrida a partir da década de 30 as duas cidades juntas concentravam, nessa época, “mais da metade da população residente em todas as capitais dos Estados da Federação” (BRITO; PINHO, 2012, p. 6). Desde então, a distribuição desigual da população no território brasileiro provocou “violentas modificações nas antigas relações entre o meio rural e o meio urbano” (DINIZ, 2008, p. 27).

1960 32.004.817 hab 2010

160,925.792 hab

tabela 2.1: População urbana no Brasil fonte: IBGE, 2010. Elaborado pela autora

REGIÃO

1940

1960

1980

2000

2010

SUDESTE

39,4

57,0

82,8

90,5

92,9

CENTRO-OESTE

21,5

34,2

67,8

86,7

88,8

SUL

27,7

37,1

62,4

80,9

84,9

NORTE

27,7

37,4

51,6

69,8

73,5

NORDESTE

23,4

33,9

50,5

69,0

73,1

BRASIL

31,2

44,7

67,6

81,2

84,4

tabela 2.2: Índice de Urbanização por Região (%) fonte: IBGE, 2010. Elaborado pela autora

Uma característica fundamental ao entendimento da urbanização brasileira é a distribuição territorial deste fenômeno (ver figuras 2.2 e 2.3). Vê-se uma tendência inicial (até a década de 1970) de migração majoritária para São Paulo e Rio de Janeiro em busca de melhores condições de vida, seguida de uma ampla formação de diversas outras aglomerações, como Belo Horizonte, Curitiba e Fortaleza, quando ocorreu o desenvolvimento econômico de outras capitais e estas passaram a ter

33


“hegemonia na rede de cidades”. (BRITO; PINHO, 2012, p. 14; DINIZ, 2008) Vale ressaltar, aqui, que a concentração territorial dessa urbanização acarretaria, mais tarde, diversos problemas às novas cidades. Estes destinos foram originados não somente pela atração desses pólos, mas também pela repulsão do meio rural excludente social e economicamente, conforme nos mostra Diógenes (2012, p.64): “[…] a intensa urbanização ocorrida no Brasil desde aquele momento está diretamente relacionada à modernização econômica do País como um todo, mas também ao agravamento dos problemas socioeconômicos decorrentes da decadência econômica de determinadas regiões brasileiras.”

figura 2.2: Distribuição da população urbana em 1940 fonte: IBGE, 2000.

Nesses

destinos,

figura 2.3: Distribuição da população urbana em 2000 fonte: IBGE, 2000.

houve

uma

reprodução

destas

mesmas

desigualdades, projetando-as no novo espaço formado e produzindo severas segregações espaciais nas periferias urbanas. Além disso, pode-se destacar a existência de uma necessária “redistribuição espacial das atividades econômicas, em especial das indústrias, para municípios vizinhos às capitais” (BRITO; PINHO, 2012, p. 12), aumentando as distâncias percorridas e intensificando a formação de vazios entre as regiões ocupadas. Assim, a estruturação de uma urbanização não somente acelerada, mas também concentrada em cidades com mais de 500mil habitantes, intensificou e apressou os “fortes desequilíbrios

34

regionais e as intensas desigualdades sociais” (BRITO; PINHO, 2012, p. 12) que caracterizam a atual distribuição da população no Brasil.


Nos censos realizados a partir da década de 80, começam a ser observadas, concomitantemente, uma redução crescente nas taxas de fecundidade das cidades e sensíveis diminuições nos acréscimos da migração rural-urbana. Era de se esperar, portanto, que houvesse uma estagnação da expansão das metrópoles, mas o que se revelou foi uma “nova forma de urbanização” (DIÓGENES, 2012, p. 24) que se difere sintática e semanticamente daquela verificada até os anos 70. Nesta, as metrópoles se expandiram segundo uma redistribuição da população no território municipal, cujos limites foram extrapolados, e que caracteriza-se pela expressiva polarização do núcleo econômico central, acompanhando a “nova dinâmica econômica mundial” (DIÓGENES, 2012, apud BORJA & CASTELLS, 1997, p. 24). Deve-se ressaltar que essas modificações: “são mudanças de caráter social (econômico, político e cultural), advindas da globalização, das transformações do

sistema

produtivo,

do

desenvolvimento

das

atividades terciárias e da infra-estrutura de transporte e comunicações, as quais incidem, em maior ou menor intensidade, sobre o espaço urbano.” (DIÓGENES, 2012, p. 24)

O regime de industrialização, demonstra, portanto seu claro objetivo em formar “sociedades plenamente urbanizadas” (DIÓGENES, 2012, apud REIS, 2006, p. 23), com grandes incrementos na população urbana e altas taxas de urbanização e pela formação de “uma nova paisagem e uma nova forma urbana” (DIÓGENES, 2012, apud DE MATTOS, 2004, p. 177), caracterizando a passagem para o século XXI pelo “ […] surgimento de sociedades nas quais desaparece a população rural e, ao mesmo tempo, os setores sociais urbanos se apropriam extensamente dos territórios ao seu redor, para implementação de seus modos de vida, agora de forma dispersa.” (DIÓGENES, 2012, apud REIS, 2006, p. 20)

A cidade, como se encontra hoje (forma estática), resulta de um “processo de transformação contínuo” (DINIZ, 2008, p. 31), sendo necessário a análise da urbanização por meio de seu processo, e não apenas da forma que esta produziu, principalmente no novo contexto da dispersão urbana atual. Sobre o assunto, Diógenes (2012, apud REIS, 2006, p. 51, grifo nosso) afirma ver a urbanização “como um processo

35


porque o objetivo é o transcorrer do fenômeno, as mudanças tanto quanto as permanências, o “vir a ser” tanto quanto o que existe, necessariamente sob uma perspectiva dinâmica.” Por fim, a mesma autora destaca a importância de tratar a urbanização não somente em sua dimensão física, mas também social, visto que a morfologia das cidades é antecedida e antecessora das condutas da sociedade no espaço urbano. Para ela, a urbanização é “expressão de práticas sociais diversas (políticas, econômicas e cultural-ideológicas), as quais atuam em conjunto e em contínua interação” (DIÓGENES, 2012, p. 50).

O fenômeno da Metropolização Conforme já visto, a urbanização do Brasil pode ser caracterizada como um processo marcado pela formação de aglomerados distribuídos de forma não homogênea no território brasileiro. Como resultado desse curso, surgiram, entre os anos de 1973 e 74, as primeiras metrópoles brasileiras, espaços urbanos que tem como características essenciais a polarização (regional, nacional ou global) e a concentração de grandes contingentes de pessoas. Configura-se, assim, uma realidade na qual a formação das metrópoles fora muito próxima à urbanização no País, confundindo-se temporalmente com esta e traçando o surgimento do conceito de “metropolização”. Concordando com DIÓGENES (2012, apud REIS, 1996, p. 15), esta consiste em um processo físico e social no qual “um conjunto de aglomerações desenvolve entre si relações tais que passam a constituir um sistema, cuja significação para a sociedade é maior do que a simples soma entre as partes.” O espaço urbano antes marcado pela existência de um único núcleo e sua periferia dariam lugar à nova realidade de relações complexas, surgindo outros núcleos além do inicial e havendo uma polarização que se assemelha a uma “figura em forma de constelação” (DIÓGENES, 2012, p. 50). Outra importante característica das metrópoles é a existência de uma hierarquização entre seus núcleos constituintes, “já que é um aglomerado com concentrações de poder econômico, social e cultural que não são semelhantes para todos os municípios nela inseridos” (RIBEIRO; SILVA; RODRIGUES, 2011, p. 179). Com o passar dos anos,, percebe-se que as metrópoles sofreram diversas

36

transformações, internas e externas, embora ainda haja uma clara concentração demográfica nas primeiras metrópoles, culminando


no atual quadro de 35 Regiões Metropolitanas (RM`s) e 3 Regiões Integradas de Desenvolvimento Econômico (RIDEs). A mais notável consequência direta da urbanização, portanto, deve ter sido o crescimento e consolidação das regiões metropolitanas, que passaram a concentrar em si grande importância econômica (em escala regional ou nacional) e geração de emprego e renda, o que culminou com o aumento de contigente migratório e a consecutiva demanda por criação de novas moradias, aglutinando áreas rurais, ampliando a mancha urbana e expandindo o antigo traçado. O processo de urbanização e metropolização, como um todo, se mostra marcado por diversas problemáticas sociais, que vão desde o aumento de um já numeroso déficit habitacional e consequente segregação socioespacial à recente exigência de atendimento político da explosiva demanda por mobilidade. (DIÓGENES, 2012) “Desde o início do acelerado processo de urbanização, as periferias tinham um ritmo de crescimento mais acelerado do que os núcleos, refletindo não só a redistribuição no espaço metropolitano das atividades econômicas, mas, principalmente, a expulsão das populações mais pobres em direção às periferias metropolitanas, ou seja, a metropolização da pobreza.” (BRITO; PINHO, 2012)

A Dispersão Urbana no contexto brasileiro Embora, no Brasil, a população urbana já tenha ultrapassado os 84% da população total, as atuais RM’s continuam apresentando significativas transformações, principalmente relacionadas às melhores condições econômicas e de mobilidade, alcançando, cada vez mais, maiores distâncias de integração (ver figuras 2,4 e 2,5). Outros fatores responsáveis são o recente incremento de empregos formais e as novas formas de comunicação, que possibilitaram a extrapolação de muitos dos limites antes determinados. Por outro lado, não é somente o território, meio físico, que se torna cada vez menos ruralizado, mas a sociedade vem sofrendo mutações intensas e se tornando cada vez mais citadina, envolvendo modificações de padrões sociais, status político=econômico e relações culturais. (BRITO; PINHO, 2012)

37


figura 2.4: Principais aglomerações urbanas no Brasil fonte: IBGE, 2010.

figura 2.5: Crescimento das capitais 1872-2000 fonte: HERVÉ; MELLO, 2008, p. 172.

Com o passar dos anos, as recentes modificações pelas quais passaram as principais RM`s conformam uma realidade que muito difere de um passado breve. A polarização, a partir da década de 80, alcança municípios mais distantes ainda e nota-se a emergência das novas periferias, distintas das tradicionais e resultantes de migrações não somente das classes menos favorecidas, mas também daquelas mais abastadas, que buscam novas formas de moradia nas franjas urbanas ou em municípios vizinhos (DIÓGENES, 2012). Notase, nos últimos anos, um aumento nas taxas de crescimento das cidades medianas das RMs, estimulados pela expansão horizontal e a dispersão urbana. (RIBEIRO; SILVA; RODRIGUES, 2011, apud SILVA; RODRIGUES, 2010) “Após 1980, o ciclo de expansão começa a assumir um novo padrão, apresentando uma desaceleração mais acentuada do crescimento da população urbana e da evolução do seu grau de urbanização, além de uma desconcentração relativa favorável a uma maior participação das cidades com uma população entre 100 e 500 mil habitantes, que continuam a crescer mais intensamente que as cidades com mais de 500 mil habitantes.” (BRITO; HORTA; AMARAL, 2002)

As “novas territorialidades” (DIÓGENES, 2012, apud REIS, 2007, p. 40) são marcadas pela existência de ocupações distribuídas no município de

38

forma fragmentada, dando origem a “espaços urbanos cada vez mais extensos e descontínuos, porém ligados em rede” (DIÓGENES, 2012,


p. 37) O desenvolvimento tecnológico e o incremento de transportes garantem a ampliação das periferias e a acessibilidade a essas regiões, o que estimula a continuidade dessa prática. A cidade antes compacta e tradicional vai dando espaço a uma nova realidade urbana, resultante de baixo crescimento demográfico, alta expansão territorial e elevada suburbanização. (DIÓGENES, 2012, apud MONÓCLUS, 1998). “E se, no primeiro momento, até meados da década de 1980-1990, o fenômeno da metropolização se relacionava com a concentração e a monocentralidade, identificada como modelo centro-periferia, atualmente, a

metrópole

contemporânea

caracteriza-se

muito

mais pela policentralidade, dispersão e fragmentação.” (DIÓGENES, 2012, p. 70)

Acerca do assunto, muitos são os termos utilizados para nomear a dinamização espacial das ocupações urbanas recentes. Entretanto, aqui cabe nos atermos à constatação de que as recentes mudanças nos espaços urbanos não se detém apenas ao Brasil, mas disseminam-se como uma característica a nível mundial nas últimas décadas, embora se detenham também qualidades locais de cada País. A dispersão urbana, portanto, diz respeito à transformação formal da cidade pós moderna, gerando uma paisagem urbana estendida e fragmentada, aliada à “difusão de um modo de vida, de valores urbanos” (DIÓGENES, 2012, p. 39, apud FONT, 2007). “[…]

mais

do

que

um

fenômeno

empiricamente

observável na cidade contemporânea, a dispersão urbana é um processo social relacionado ao estilo de vida enaltecido pela modernidade. […] a expansão desse padrão de consumo ao longo do globo se dá com maior intensidade nos dias atuais e os desafios para a sustentabilidade urbana residem exatamente na manutenção desse padrão.” (OJIMA, 2010, p. 49, grifo nosso)

Entre as diversas características englobadas pelo conceito da dispersão urbana, evidenciam-se a

expansão das cidades com

“dilatação progressiva dos limites externos”, o surgimento de áreas de baixa densidade de uso predominantemente residencial e uma “descentralização progressiva das atividades”, em especial dos serviços e comércios, originando um “tecido urbano muito diferente do anterior”, descontínuo, fragmentado e disperso. (DIÓGENES, 2012, p. 47)

39


A figura 2.6 explicita como a cidade contemporânea “ocupa um território que continua se dilatando de forma dispersa e descontínua, ultrapassando e acabando com os limites e a morfologia préexistentes, o que leva à formação de uma estrutura policêntrica de fronteiras móveis.” (DIÓGENES, 2012, apud DE MATTOS, 2004, p. 190)

figura 2.6: Tipologias de cidades latino=americanas (século XVI-XXI) fonte: LIMONAD, 2007.

No Brasil, concordando com a tendência mundial ao espairamento urbano, nota-se uma metamorfose nas taxas de crescimento demográfico das metrópoles, na qual os núcleos crescem em menores taxas que as periferias e municípios vizinhos, dando espaço ao surgimento de periferias complexas que muito se relacionam com outras cidades em mesmo grau que ao centro tradicional da capital. Constata-se uma expansão urbana não conurbada, com baixas densidades e fortemente apoiada na estruturação viária, que serve, por sua vez, como propagadora da chamada “urbanização dispersa” (DIÓGENES, 2012, apud REIS, 2006). O novo quadro urbano brasileiro é, portanto, proveniente de transformações ocorridas nas três últimas décadas, resultado de

40

uma produção política e econômica que originou “novos arranjos espaciais e funcionais nos quais é muito frequente haver grandes


glebas desocupadas, que representam um hiato da urbanização.” (DIÓGENES, 2012, apud MEYER & GROSTEIN, 2006, p.47, grifo nosso) Por fim, a expansão descontrolada das metrópoles brasileiras relaciona-se diretamente a questões ambientais (entre ocupação

2

de áreas de preservação, maior consumo de energia e reduções de

São Paulo pela Companhia de

áreas verdes), a novas formas de vida da população e adequação

Engenharia de Tráfego (CET), no

do mercado imobiliário a esta (produzindo espaços desconexos da

ocupação dos veículos é, em média,

cidade pré-existente), ao aumento da mobilidade (ver quadro 2.3) e

de 1,4 passageiros por automóvel.

ao surgimento de novas tipologias habitacionais, com destaque aos

4

condomínios e loteamentos fechados típicos da urbanização dispersa.

a maioria dos motoristas trafega

A elevação dos preços da terra e a pouca oferta de habitações dentro

um

passageiro,

da mancha urbana pré-existente são caracterizados, ainda, pela

esse

dado,

“intensificação dos níveis de consumo e das aspirações individuais,

onde um reduzido número de

pela crescente segregação socioespacial e pela degradação do meio

pessoas ocupam grandes espaços,

ambiente” (DIÓGENES, 2012, p. 58),

desigualdades atuais do trânsito.

Uma

pesquisa

realizada

em

ano de 2011, mostrou que a taxa de

Isso quer dizer que, embora hajam lugares

adicionais

disponíveis,

pela cidade sem transportar sequer Espacializando

nota-se

a

grande

disparidade encontrada nas ruas,

contribuindo severamente para as

Quadro 2.3: o impacto sobre o trânsito em cidades dispersas A concentração de oportunidades de emprego e renda em um ponto da cidade faz com que grandes volumes de pessoas desloquem-se a ele para trabalhar e voltem a seus bairros no fim do dia, incremento danoso à circulação das grandes cidades. (ROLNIK, 2001) O aumento das distâncias percorridas no ambiente urbano gera uma crescente demanda e dependência dos meios de transporte motorizados, sobretudo os automóveis particulares, aumentando-se a emissão de gases poluentes e consequências à saúde da população. Por outro lado, essa descontinuidade de ocupação observada nas metrópoles brasileiras dá origem à intensificação da já existente segregação socioespacial, ampliando-a à condição de “fragmentação socioespacial”, conforme ressalta Diógenes (2012, apud SPOSITO, 2007, p, 9) e tornando-a fator decisivo nas diferentes formas de apropriação da cidade pelas camadas sociais nela inseridas. A exemplo dos modais de transporte utilizados, classes mais abastadas lançam mão do poder aquisitivo para elevar os níveis de utilização do carro como meio principal de deslocamento, comumente caracterizado pela presença de poucas pessoas a bordo2, esbarrando na insuficiência da malha viária para essa realidade. Com isso, desencadeia-se um curso de pressão por infra-estrutura viária e melhores condições de mobilidade, que acaba atuando como incentivo para novos aumentos de taxas de motorização e o modelo da autolocomoção, alimentando-se um ciclo vicioso que se demonstra na forma de congestionamentos e intensas modificações da qualidade de vida dos habitantes, moldando-se a cidade sob esses padrões. (OJIMA, 2010; RIBEIRO; SILVA; RODRIGUES, 2011)

41


O caso da metrópole cearense e seu espairamento urbano recente As premissas da expansão urbana de Fortaleza, principalmente no início do século XX, revelam ocupações a oeste, sul e sudoeste, acompanhando as antigas estradas de escoamento agropecuário e superpondo estradas radiais concêntricas à malha xadrez preexistente (ver figura 2.7). Ensaia-se um primeiro abandono da área central por parte das moradias, consentindo seu uso prioritário para fins econômicos, como o é até hoje. Com o início da industrialização e alocação de indústrias nesses vetores, a elite que outrora havia se fixado na Jacarecanga, experimentaria, a partir da década de 30, um olhar ao leste, onde surgiria o Benfica e, posteriormente, a Praia de Iracema e a Aldeota, nos quais houve intensa valorização imobiliária à época. (FUCK JÚNIOR, 2004; DIÓGENES apud ACCIOLY, 2009)

figura 2.7: Planta cadastral da cidade de Fortaleza, 1932 fonte: Prefeitura Municipal de Fortaleza. Organizado por DIÓGENES.

À semelhança de outras regiões metropolitanas, a cidade teve seu crescimento inicialmente marcado por uma urbanização homogênea, embora acelerada (ver quadro 2.4), com concentração da população em espaços próximos ao núcleo central. Entretanto, em meados do século XX novas áreas foram surgindo na periferia leste e sudeste da cidade, a partir de processos de apropriações por empresários

42

e fundiários em antigos sítios como o Cocó, o Alagadiço Novo e o


Cambeba. O Sítio Cocó, por exemplo, fora parcialmente destinado à criação do loteamento da Praia do Futuro em 1950 e do conjunto habitacional popular da Cidade 2000 em 1971. Mais ao sudeste e ligado ao Centro pela BR 116, o bairro Cidade dos Funcionários surgiria também em meados do mesmo século, enquanto porções de terra entre estes permaneceriam vazias ou subutilizadas, revelando a forte atuação de uma especulação imobiliária que perdura até hoje (FUCK JÚNIOR, 2004).

Quadro 2.4: crescimento demográfico de Fortaleza no século XX A industrialização, a modernização tecnológica, o aumento da importância política e econômica e a consolidação de Fortaleza como dominadora do espaço cearense foram responsáveis pelo início do ciclo de grandes migrações interior-capital, enquanto as recorrentes secas expulsavam a população do meio rural. O fluxo migratório atinge elevadas proporções chegando à marca dos 180mil habitantes no ano de 1940. A partir daí, viu-se um explosivo crescimento demográfico da cidade, década a década (ver tabela xx). (FUCK JÚNIOR, 2004; DIÓGENES, 2012)

ANO

POPULAÇÃO

TAXA DE

ABSOLUTA

CRESCIMENTO (%)

1930

126.666

1940

180.175

42,2

1950

270.169

49,9

1960

514.813

90,6

1970

857.980

66.7

1980

1.307.608

52,4

tabela 2.3: Crescimento Populacional de Fortaleza 1930-1980 fonte: IBGE, 2010. Elaborado pela autora

Posteriormente, na década de 70, consolida-se a expansão do território em baixas densidades e de forma acentuadamente desigual, justificadas por planos urbanísticos e interesses político-econômicos da época, com a implantação de diversos conjuntos habitacionais (como o Conjunto Ceará e o José Walter) próximos aos limites oeste, sul e sudoeste do município, nos extremos dos primeiros vetores e incentivados por subsídios e ideais importados de um urbanismo modernista monofuncional e higienista. (ver quadro 2.5)

43


Quadro 2.5: as transformações desiguais de Fortaleza O Plano de Desenvolvimento Integrado da RMF (PLANDIRF) fora elaborado em 1972 e propunha o diagnóstico da cidade já contemplando áreas que viriam a ser integrantes da Região Metropolitana de Fortaleza. Observa-se, nele, uma divisão clara da cidade entre oeste industrial e popular e leste de alto nível econômico e imobiliário, determinando diferentes proposições para cada uma destas. Em consonância, os então governos militares foram responsáveis por intensas transformações na cidade entre as décadas de 60 e 80, com expressivos investimentos em infra-estrutura de áreas centrais (av. Beira Mar, Palácio da Abolição, Terminal Rodoviário, Centro de Convenções), enquanto somente gastos estritamente necessários eram destinados às periferias, (DIÓGENES, 2012)

figura 2.8: Evolução urbana de Fortaleza, 1982 fonte: Prefeitura Municipal de Fortaleza. Organizado por DIÓGENES.

44

figura 2.9: abertura av. Beira Mar, 1963 fonte: Arquivo Nirez.

figura 2.10: Palácio da Abolição fonte: Foto de José Alberto Cabral.

figura 2.11: Centro de Convenções fonte: http://www.fortalezanobre.com.br


Entretanto, a partir da década de 80, a paisagem tradicional da metrópole cearense deu lugar a uma nova realidade, assumindo ares de metrópole e emergindo novas centralidades dispersas, com periferias agora fragmentadas e complexas, enquanto consolidavase a perda de qualidade do centro principal. A evolução urbana de Fortaleza passou a ser produzida na realocação da população, de diferentes classes econômicas (ver figura 2.12), no espaço intra e interurbano de forma não planejada, produzida e salvaguardada por interesses políticos e econômicos, conforme ressalta Diógenes (2012, p. 32, grifo nosso): “As franjas urbanas antes destinadas à população de mais baixa renda passam a ser ocupadas também pela classe média e, mais recentemente, nos anos 20002010, condomínios fechados destinados às classes com poder aquisitivo mais elevado também são construídos nas periferias, que passam a ser entendidas então não só como locus da segregação imposta às classes mais pobres, mas também da autosegregação de classes abastadas que fogem do núcleo metropolitano.”

figura 2.12: Expansão urbana segundo classes econômicas fonte: IBGE 2010. Elaborado por DIÓGENES

45


Nos últimos anos, especialmente na virada do século XX ao século XXI, verifica-se uma intensificação da macrocefalia urbana3 com a relocação do setor industrial em municípios vizinhos, como, por exemplo, o Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP) e os mini-distritos industriais de Horizonte e Pacajus, atraindo habitações populares e investimentos em suas proximidades. Além disso, a economia predominantemente de comércios e serviços não se difunde por todo o terrirório, localizando-se especialmente nos shopping

centers e corredores viários (ver figuras 2.13 e 2.14), áreas já muito requisitadas e dotadas de infra estrutura, saturando-as ainda mais. Nota-se, também, a forte participação do poder público e mercado imobiliário como alguns dos principais agentes de produção do espaço urbano. O primeiro como sendo aquele que elabora leis de uso e ocupação do solo e direciona investimentos públcos para determinadas áreas da cidade, permitindo a atuação concentrada do segundo no tocante à atividade imobiliária e turística, desvinculada de um planejamento sisitemático e em escala metropolitana, o que aumenta a segregação espacial, impacta e altera sensivelmente a configuração urbana da cidade. Como exemplo disso, “percebe-se um expressivo incremento do setor imobiliário, de que participam investidores da região sudeste na construção civil” (DIÓGENES, 2012, p, 87), acentuando a verticalização e/ou emergindo inúmeros condomínios e loteamentos fechados4 de alta renda no entorno da CE 040 (av. Washington Soares), extrapolando os limites municipais em direção a Aquiraz e ao Eusébio. “Como as demais metrópoles periféricas, a cidade apresenta dupla face, revelada pela sua configuração complexa e contraditória, marcada pela convivência entre a cidade competitiva moderna, incluída no circuito da economia nacional e mundial, especializada

nos

condomínios fechados, flats, hotéis de luxo, shopping centers, torres empresariais, e a cidade informal, ligada à economia local e de sobrevivência, com tipologias tradicionais e populares, disseminadas nos interstícios do urbano, nos espaços periféricos e nas áreas de risco.” (DiÓGENES, 2012, apud ACCIOLY, 2009)

3

“A macrocefalia urbana pode ser entendida como o resultado da grande concentração de

atividades econômicas, principalmente de serviços, e, portanto, de população, em algumas cidades,

46

que acabam se tornando muito grandes, relativamente, e se tornam dominantes em relação a outras, ocasionando um desequilíbrio na rede urbana” (DIÓGENES, 2012, p. 98)


figura 2.13 Mapa de centralidades fonte: Elaborado por DIÓGENES

figura 2.14: Espacialização shopping centers fonte: Elaborado por DIÓGENES

47


48

tabela 2.4: Identificação e caracterização vetores de expansão

fonte: Elaborado por DIÓGENES

Dispersa, a partir do limite do município de Fortaleza (condomínios horizontais e atividade turística) Renda média e média alta: Condomínios fechados e residências de alto padrão Residências e condomínios de veraneio Algumas inserções de favelas

Porto do Pecém/CIPP Conurbação até o limite oeste de Fortaleza, grandes áreas desocupadas e pólo industrial junto ao Porto do Pecém Renda média e baixa: Habitação popular, favelas e conjuntos habitacionais Renda média e alta: Residências e condomínios de veraneio na faixa litorânea

Serviços/Industrial

Lagoa da Messejana, rio Cocó

Corredor Industrial BR 116 Conurbação no trecho inicial e dispersa na região do Corredor Industrial Grande extensão de área rural População renda média e média-baixa Habitação popular, favelas, loteamentos populares recentes

Habitacional/Industrial

Lagoa da Parangaba, Lagoa da Maraponga

Industrial

Distrito Industrial Maracanaú

Conurbação até a entrada de Maracanaú - depois, área rural

Habitação popular renda média e média-baixa, com predominância de grandes conjuntos habitacionais

USOS PREDOMINANTES

RECURSOS NATURAIS

ATIVIDADE ECONÔMICA PREDOMINANTE

POLO PRINCIPAL

TIPO DE OCUPAÇÃO

RENDA/POPULAÇÃO TIPO DE HABITAÇÃO

Industrial/Agronegócio

Forttaleza/Pacajus/ Chorozinho/Horizonte

Fortaleza/Maracanaú/ Pacatuba/Guaiuba

Turistica/Industrial-Portuária

Rio Ceará, rio Maranguapinho, dunas, faixa litorânea

Habitacional/Turismo/Industrial

Fortaleza/Caucaia/S. Gonçalo

Beach Park/Porto das Dunas

Terciário/Turistica

Rio Cocó, rio Pacoti, parque Cocó, lagoa da Sapiranga, lagoa Redonda, dunas, mangues, faixa litorânea

Centralidade terciária/ habitação de média e alta renda/turismo

Fortaleza/Eusébio/Aquiraz

Av. Washington Soares/ CE 040/ CE 025

MUNICÍPIOS

Av Bezerra de Menezes/Mr. Hull/BR 22/CE 085

Av. Aguanambi/BR 116

Av. Alberto Magno/ Godofredo Maciel/ CE 065

Leste/sudeste

VIAS/RODOVIAS

Oeste

VETOR 4

Sul

VETOR 3

Sul/sudoeste

VETOR 2

DIREÇÃO

VETOR 1


É nesse contexto que se consolida o quarto vetor de expansão, a sudeste do Centro com conformação também radial concêntrico, no alinhamento da CE 040 (av. Washington Soares). O vetor sudeste (vetor 4 em destaque na tabela 2.3) é, portanto, aquele que nos chama a atenção por não obedecer os mesmos padrões daqueles três primeiros (ver tabela 2.3), industriais e de habitações populares, mas o principal alinhamento imobiliário da capital, bastante valorizado e composto por diversos equipamentos de grande porte, lazer e turismo, conformando uma centralidade linear de baixas densidades e precárias opções de circulação que não o eixo principal. “A excessiva centralidade exercida por Fortaleza sobre o conjunto metropolitano se expressa com maior nitidez a partir das ligações rodoviárias. A radiocentridade5 de seu sistema viário original mantém forte influência na distribuição da população e dos principais núcleos de prestação de serviços.” (DIÓGENES, 2012, apud SILVA, 2009, p. 16)

Pode-se dizer, portanto, que a conformação atual de Fortaleza é produto e produtora de realidades espaciais dinâmicas bastante diferenciadas, desconexas e não componentes de um sistema homogêneo, formadas sob diferentes lógicas e agentes produtores do espaço urbano. Entretanto, nos diferentes setores da cidade notase uma consonância na expansão intrinsecamente ligada à estrutura viária, na formação de espaços fragmentados e desarticulados entre si, na segregação socioespacial de baixas densidades e nas novas formas de vida assumidas pela população e adequadas pelas intensas mudanças no mercado imobiliário.

4

“Loteamentos fechados consistem numa modalidade de parcelamento regida de acordo com os

ditames da legislação municipal, em que terras públicas são incorporadas pelo empreendimento. Quanto aos condomínios horizontais, a terra é de propriedade dos condôminos e não há necessidade de doação de terras, pois estes são implantados em loteamentos previamente aprovados.” (BRANCO; ABASCAL, 2013, apud SILVEIRA, 2012) 5

É importante destacar que a formação radial concêntrica realizada na cidade nos traz

consequências graves à circulação. Uma intensa ocupação do entorno imediato dos eixos em detrimento de baixíssimas densidades à medida que se distancia destes e o baixo número de ligações entre eles que não na área central geram uma realidade que perpassa a dependência destes como únicos canais de circulação entre bairros da capital, reforçando a macrocefalia urbana e concentrando investimentos em áreas já saturadas.

49


Aplicação da Sintaxe Espacial no Planejamento de Transportes Apresentada na década de 70 por Bill Hillier e editada em coautoria com Juliene Hanson (CARMO; RAIA JUNIOR; NOGUEIRA, 2013, apud HILLIER; HANSON, 1984), a teoria da Sintaxe Espacial (SE) visa estudar as implicações sociais causadas pelo espaço arquitetônico e urbanístico, partindo do pressuposto de que a variável espacial das cidades é capaz de explicar certas dinâmicas nas relações entre forma construída e sociedade. Para HOLANDA, (2002, p. 92) a Sintaxe Espacial: “objetiva o estabelecimento de relações entre a estrutura espacial de cidades e de edifícios, a dimensão espacial das estruturas sociais, e variáveis sociais mais amplas, procurando revelar tanto a lógica do espaço

50

arquitetônico em qualquer escala como a lógica espacial das sociedades”


Concordando com os pesquisadores, entende-se que a configuração urbana das cidades afeta os padrões de deslocamentos realizados e diz respeito ao sistema de barreiras e permeabilidades6 que constituem os espaços construídos, nos quais a disposição de passagens e restrições pode alterar as facilidades com que a sociedade desempenha suas atividades cotidianas, com destaque à circulação. Assim, pode-se, com o auxílio do presente estudo, ser “perceptível a definição de áreas com predominância de eixos de grande potencial de movimento em oposição àquelas áreas periféricas de menor fluxo” (PEREIRA et al, 2011, apud MEDEIROS, 2006, p. 126-129), Na SE, cada possibilidade de passagem é tratada como uma linha na qual a quantidade de movimentos realizados será “fortemente influenciada por seu valor de integração, ou seja, pela forma como a linha está posicionada em relação ao sistema como um todo” (PEREIRA et al, 2011, apud HILLIER, 1996, p. 160). Toma-se assim a configuração urbana das cidades como medida de acessibilidade e, consequentemente, geradora de padrões de movimentos funcionalmente morfológicos e topológicos, ao qual se dá o nome de “movimento natural” (PEREIRA et al, 2011, apud HILLIER, 1996) (ver quadro 2.6), embora não se assuma a inexistência de influências espaciais do uso do solo e presença de pólos atratores de viagens7. A análise sintática dos espaços abertos é decomposta em espaços convexos8 e linhas axiais, focando os estudos sobre mobilidade espacial da população nestas últimas, que formam os chamados mapas axiais. Estes dizem respeito à representação da malha viária sobre a base cartográfica das cidades em estudo e suas possibilidades de integração, resultante de espaços de barreiras e

6

O “binômio ‘barreiras e permeabilidades’ é constituído tanto por obstáculos ao movimento de

pedestres (edifícicos, jardins, piscinas, diferenças de nível etc.), quanto pelo sistema de espaços abertos’ onde esses movimentos seriam realizados” (PEREIRA et al, 2011, p. 9, apud HOLANDA, 2002, p. 97) 7

Concordando com Medeiros, CARMO, RAIA JUNIOR e NOGUEIRA (2012, apud MEDEIROS 2006)

afirmam que “a configuração da malha viária pode promover a concentração da movimentação em determinado trecho urbano, atraindo empreendimentos que serão beneficiados por estes fluxos, que por sua vez atraem outros empreendimentos e outros fluxos e outros movimentos, promovendo um efeito multiplicador.”. A análise de Pólos Geradores de Viagens (atração ou repulsão) fora também levada em consideração por CAVALCANTE (2002) em sintonia com seus estudos sobre a Sintaxe Espacial, e será utilizada mais adiante, no diagnóstico do presente TFG, já que a área de estudo configura-se como uma centralidade linear terciária com considerável concentração de PGV`s.

51


permeabilidades. Cada via é representada pela linha mais extensa possível de ser desenhada sobre ela, na qual utiliza-se a perspectiva relacional para estabelecer a conectividade destas com outras linhas que a interceptam, sejam elas mais próximas (conexão local) ou considerando-se o sistema com um todo (conexão global).

Quadro 2.6: o “movimento natural” na Sintaxe Espacial A configuração espacial é considerada o influenciador primário na circulação urbana, já que pode influenciar movimentos e atratores, sem ser influenciada por eles. Em uma malha viária, a configuração das vias direciona a hierarquia entre elas, que seria responsável pelo chamado “movimento natural”, no qual são reunidos os fluxos determinados apenas pela própria malha, independente de outros fatores (JALES, 2014, apud HILLIER et al, 1993). A figura 2.15 mostra, em um primeiro momento, um eixo que possui tendência à maior concentração de fluxos, por receber todos os movimentos advindos de ruas secundárias. Em outra configuração, entretanto, haveriam vias que dividiriam a concentração de movimentos com o eixo principal.

figura 2.15: Configurações de malhas hipotéticas fonte: JALES, 2014, apud HILLIER et al, 1993)

Posteriormente, cada mapa é analisado em softwares, a exemplo do DepthMap, para cálculos de conectividades axiais ou por segmento9., utilizando-se a modelagem abstrato quantitativa da variável de integração disseminada na teoria da SE, que mede, em resumo, “quantas conversões, dentro do sistema de eixos pré definidos, o sistema exige para se acessar todos os outros pontos do sistema; sempre utilizando os caminhos mais curtos possíveis.” (LOPES; CAVALCANTE, 2011).

8

“Um mapa convexo é formado por uma série de espaços que cobrem o sistema. É o espaço

mais largo possível dentro do espaço público, que pode ser subdividido em quantas unidades forem possíveis.” 9

52

A profundidade diz respeito ao número de passos necessários de uma linha axial para outra, ou

de um ponto a outro dentro do sistema. Quanto maiores forem os espaços intermediários, maior será a profundidade trabalhada. (CARMO; RAIA JUNIOR; NOGUEIRA, 2013b)


Nessas análises são consideradas variáveis quantitativas diversas, como a profundidade9, a acessibilidade e a integração (ou conexão) global. Embora sejam variáveis importantes, foca-se na última, por possibilitar a caracterização da medida de integração das linhas do sistema. Quanto maior for essa integração (mais linhas interligadas) maior será a acessibilidade a esses espaços (representados nas cores vermelho, laranja e amarelo) e mais facilmente essas vias receberão fluxos advindos de movimentos naturais. Do contrário, vias menos integradas (representadas nas cores verde, azul e cyan) são espaços mais dificilmente acessados e menos suscetíveis a fluxos. A figura 2.16 exemplifica um mapa axial realizado para a área central de Londres, antes de ser processado no DepthMap, enquanto a figura 2.17 mostra, espacialmente, os valores obtidos na integração global da mesma área supracitada.

figura 2.16: Mapa com linhas axiais da região central de Londres fonte: CARMO; RAIA JUNIOR; NOGUEIRA 2013a, apud HILLIER 2007.

figura 2.17: Integração Global na região central de Londres fonte: CARMO; RAIA JUNIOR; NOGUEIRA 2013a, apud HILLIER 2007.

53


Concordando com Medeiros, CAVALCANTE (2009, apud MEDEIROS, 2006) organiza os atores (configuração, movimento e atratores) de modo a delimitar que linhas axiais de maiores níveis de integração possuem condições de atratividade para localização de usos que se beneficiam diretamente dessa convergência de fluxos, como os comerciais e de serviços, correspondendo ao efeito secundário (evento II) mostrado na figura 2.18. Nestas localidades, a chegada de Pólos Geradores de VIagens “atraem novos fluxos e mais movimento, resultando no efeito terciário” quando não são realizadas alterações físicas na malha viária, mas operacionais que visam facilitar a circulação sem grandes desgastes físicos e financeiros. Entretanto, por vezes são necessárias intervenções físicas, além das operacionais, alterando a configuração a partir das exigências de fluxos advindos dos pólos atratores, fechando um ciclo vicioso no qual são formadas novas centralidades urbanas, como a já citada av. Washington Soares. Concordando com os autores, deseja-se enfatizar que muitas vezes o efeito quaternário é realizado sem um planejamento sistêmico, com proposições restritas à localidade pontual e que geram impactos consideráveis em uma reestruturação dos fluxos de regiões vizinhas, alimentando um recomeço do ciclo geração de movimento e atração de novos PGV`s, culminando em congestionamentos e restritas possibilidades de fuga dos eixos de integração principal.

54

Figura 4. de Esquema do ciclo de movimentos, segundo a lógica do figura 2.18: Atores e o ciclo movimentos Fonte: 2009.. Adaptado de MEDEIROS (2006). fonte: MEDEIROS, 2006. Adaptado por CAVALCANTE,

Agrega-se ao estudo de MEDEIROS (2006) a noção dos tipos de

.

em termos de

gestão de tráfego ocorridos na malha, em decorrência deste ciclo de movimentos: “A


O caso dos congestionamentos de Fortaleza CAVALCANTE

(2009),

elaborou

uma

metodologia

sistêmica

para analisar os congestionamentos em malhas viárias urbanas, aplicando-a na cidade de Fortaleza como exemplo. Nesse estudo, o autor também verificou a espacialidade da segregação causada pela dispersão urbana trabalhada no tópico anterior do presente TFG [Metropolização e Dispersão Urbana de Fortaleza] e detectou relações existentes entre fluxos veiculares, a sintaxe espacial e a localização de PGV`s no tecido urbano. A figura 2.19 mostra a localização dos pólos geradores (em vermelho e azul) de forma distinta no território urbano, confirmando a classificação de eixos viários de alta integração global como atratores para novas centralidades e delimitadores de uma área central bastante saturada e concentradora de fluxos. Nesta, é possível a detecção de duas centralidades distintas, uma a oeste e outra a leste da área em destaque na mesma figura. O autor caracteriza a primeira como sendo o “Centro da Maioria”, de conformação predominantemente terciária, popular e bastante movimentada (pontos vermelhos - centro antigo), Todas estas informações, comoe camadas-arquivos (extensão ‘.dbd’) enquanto a segunda (pontoscompiladas azuis - Aldeota Meireles) diz respeito compuseram a modelagem uso do solode daresidências cidade e o cenário de inserção da Área ao centro financeiro, comdolocalização de elevado Crítica resultando na e figura 95. padrão,(AC), shopping centers áreas verticalizadas de altas densidades.

Figura 95. Modelagem do Uso do Solo – Fortaleza e AC. figura 2.19: Modelagem de Uso do Solo Fonte: o autor. fonte: Organizado por CAVALCANTE, 2009..

Observa-se, na figura 95, uma grande concentração de

(Pólos de Atração –

PGV´s, pontos na cor vermelha da legenda) na área escura, denominada AC (área

55


Na figura 2.20 é possível notar a diferente conformação espacial de áreas distintas na cidade. Para o autor, análises macro e mesoscópica da cidade constatam a existência de uma área crítica de congestionamentos (AC10) “identificável, do ponto de vista topológico, como o centro morfológico da acessibilidade veicular” (CAVALCANTE, 2009, p. 240), caracterizando o efeito primário. Quando comparada à totalidade da cidade em uma análise sintática macroscócipa, a região é aquela de maior fator de integração, e, portanto, alto poder atrativo do efeito secundário (ver figura 2.21)

figurano 2.20:Mindwalk Mapa sintático1.0 axial–deRn Fortaleza Anexo 4. Mapa sintático axial de Fortaleza processado fonte: Organizado por CAVALCANTE, 2009..

Assim, a área crítica, já conhecida como principal centro de emprego e renda de Fortaleza, quando alimentada pelo sistema de efeitos primário e secundário (descritos anteriormente na figura 2.18), atrai diariamente uma alta demanda de fluxos advindos das regiões periféricas, visualmente menos integradas e dependentes de poucas vias de integração, suscetíveis a congestionamentos, principalmente em horários de pico. 10

A Área Crítica de congestionamentos de Fortaleza fora delimitada por CAVALCANTE (2009) e

diz respeito à região circundada pela extensão da Via Expressa e continuações (Via de Interface da

56

F-16 SORIANO ALBUQUERQUE/VISCONDE DO R BRANCO. Av Jovita Feitosa depois da AC, 07:40’ figura 2.22), resultante da “colagem” de traçados viários distintos, localização prioritária de empregos Flagrante da transformação de uso do solo, de residencial para (19/06/08, 07:20’) confinadora da maioria de pessoas veículos cidade, principalmente nos comercial. O antese recuo donalote residencial é impróprio para um Sentido oeste-leste da AC, inicia-se o eacúmulo de veículos emdos movimentos viários mais integrados da AC. recuo comercial. Um futuro micro-atrator (PGV) será instalado. direção às Av. 13 de maio e Aguanambi. Aeixos ocupação do solo a direita com pequenos comércios, sem passeios, resultado de cirurgia urbana anterior de conexão entre a Rua Cel. Pergentino Ferreira e a Av. 13 de maio. Mais uma ação do efeito quaternário.


(linha na cor preta da figura 96), que resultou no mapa axial do anexo 32, posteriormente inserido no

figura 2.21: Recorte e delimitação da AC fonte: Organizado por CAVALCANTE, 2009..

1.0.

Figura 96. Recorte da AC - Situação 1 Fonte: o autor.

A diferença ente realizar as correlações dos VMDs com o mapa axial ‘semente’ e o da nova AC ‘recortado’, está no valor das medidas sintáticas de cada mapa. A pesquisa seria, mais tarde, utilizada como base teórica

Teoricamente, devido ao

por

ocorrer em toda a malha, percebeu-se que o

CORDEIRO (2013, apud CAVALCANTE 2009) quando este delimita a

certo a ser feito seria:

divisão da cidade de Fortaleza em duas realidades distintas a partir de uma visão mesoscópica, a serem “Área A” (correspondene à área

62 1. Processar todo o mapa Axial inicial e desta forma considerar todo o sistema viário

crítica, figura 2.20) e uma “Área B” ao sul (ver figura 2.22) cujos padrões

da cidade, ou seja, viabilizando a simulação dos movimentos ‘de passagem’ pela

de integração em uma análise sintática são visualmente diferenciados

. de Interface apresenta de cada lado uma ciclovia, duas faixas para ACA505Via

e que ele caracteriza como sendo conformadoras de “duas fortalezas”

BRT, quatro faixas de transito rápido para veículos e duas faixas de transito local.

2. Realizada (ibidem, p. 61). a fase (1), foram originadas as variáveis sintáticas do mapa ‘recortado’ (nova AC) cujo resultado gráfico é apresentado no anexo 33.

Mapa 10 – Mapa da cidade de Fortaleza com delimitação das Áreas A e B.

A análise deste mapa no

detectou que as vias mais acessadas tanto no

mapa ‘axial total’ quanto no ‘axial AC’, são as Avenidas: Antonio Sales, Domingos Olímpio e Duque de Caxias as relatadas nos anexos 34 e 35.

Situação 2) Extraindo-se o mapa da nova AC (2.050 linhas) do Mapa Axial Total_R3 Procedimento semelhante foi feito para Integração Local (R3) em ambos os mapas (anexo 36) e tabelas (anexos 37 e 38). Percebe-se que, em relação ao Raio 3, ou Integração Local, os mapas axiais apresentam somente a Avenida Santos Dumont como a via mais acessada e que pertence a AC pré-determinada pela metodologia de Medeiros (2004). Na tabela do anexo 38: todas as vias são pertencentes à sub-amostra da Modelagem do Uso do 505

A literatura demonstrou que os valores melhoram, quando se reduz o mapa e o submete ao processamento sintático ‘em separado’. figura 2.22: Modelagem dos efeitos primário e secundário na AC fonte: Organizado por CAVALCANTE, 2009..

Fonte: Mapa da cidade de Fortaleza, PMF, adaptador pelo autor. As soluções para o trânsito, nessas duas áreas da cidade, são também distintas. Enquanto que na área da cidade, externa à Área Critica a solução passa por muita obra de infraestrutura física e uma pouco de gestão. Já na Área Crítica,

257

57


Por fim, Cavalcante (2009) ressalta que, em termos de acessibilidade global, a cidade de Fortaleza é caracterizada pela existência demasiada de labirintos e descontinuidades viárias, que direcionam muitos dos fluxos diários para nós já muito integrados e requisitados, determinando os pontos da cidade mais propensos a congestionamentos. Além disso, o autor enfatiza os poucos acessos existentes entre diferentes regiões da cidade (pontos de controle, figura 2.23), e o acúmulo de micro e macro PGV`s e áreas de centralidade em determinados setores da cidade, sem um devido distanciamento entre eles e carregando mais ainda os nós supracitados e os eixos radiais ora caracterizados na tabela 2.3 (p. 48). A figura 2.23, embora não compreenda uma análise global da cidade, exemplifica as características acima descritas e correlaciona-se com uma realidade presente em quase totalidade do territ’ório urbano de Fortaleza.

figura 2.23: Patologias sintático-semânticasFigura fonte: Organizado por CAVALCANTE, 2009..

118. Patologias da AC. Fonte: o autor.

Os exemplos representados na figura 118 estão mesclados com a modelagem sintática da AC de maneira intencional, pois a detecção destas visualizar

permite

da malha nos movimentos e nas ocupações. Entretanto ao quesito que não está disposto nesta figura, cabe recomendar a

investigação de melhores critérios para a as atividades 58

,

e

exercem na malha e nas pessoas. Os

precisam ser repensados e torna-se crucial rever critérios de

que a estas


59


Cidades para Pessoas Ao longo da história, as cidades foram ganhando destaque à medida que os aglomerados urbanos cresceram em tamanho e importância. No tocante às pessoas que nelas habitam, é notável a transformação dos padrões de vida com o passar dos anos. A cidade que antes era sinônimo de encontros e convívio social, foi perdendo cenário para um novo entendimento da urbe, no qual foram sumindo, gradualmente, os espaços urbanos agradáveis para dar lugar à ideologia modernísta do urbanismo e ao contigente de carros que emergia na paisagem urbana, resultando em cidades escassas, sem vida, esvaziadas e hostis. Para Jah Gehl (2013), além do desenvolvimento do tráfego de automóveis, o planejamento urbano que introduziu as grandes distâncias, os ideais funcional-higienistas de largos recuos, os altos edifícios isolados, as largas avenidas e os grandes estacionamentos resultaram em cidades organizadas a partir de vias expressas, onde o caminhar, o pedalar e o permanecer em espaços públicos foram deixados de lado. Para ele, “Se tivesse sido pedido a esse planejadores que projetassem cidades que dificultassem a vida e desencorajassem as pessoas de ficar ao ar livre, dificilmente teríamos casos mais exemplares do

60

que o de todas as cidades criadas no século XX sobre essa base ideológica.” (ibidem, p. 56)


Diferentes agentes atuam direta ou indiretamente na produção das cidades. De acordo com Corrêa (1995), são identificados como produtores do espaço o Estado, os proprietários fundiários, o mercado imobiliário e as classes sociais excluídas (que agregam à equação quando aglutinam-se em favelas e áreas de invasões). Além destes, muitos são os profissionais envolvidos nas dinâmicas urbanas, como arquiteto-urbanistas, engenheiros, geógrafos e sociólogos, cabendo a estes a coordenação das transformações produzidas nas cidades e o entendimento dos impactos causados por estas. Entretanto, as mudanças realizadas nas cidades têm revelado extrema valorização de interesses pontuais, como a acomodação do crescente tráfego automobilístico, em detrimento de importantes questões para o planejamento urbano: priorizar os habitantes, os espaços públicos, as áreas verdes, e a qualidade urbana. Uma das principais características observadas nas grandes cidades por todo o mundo é a de que o pedestrianismo têm sido constantemente desestimulado e “as pessoas que ainda utilizam o espaço da cidade em grande número são cada vez mais mal tratadas” (GEHL, 2013, p. 3). Por muitas vezes, ouvimos que o problema está na aglomeração de muitas pessoas no espaço urbano, na existência de muitos carros ou nos novos padrões de vida que não mais se encaixam à realidade compacta da circulação não motorizada. Entretanto, a experiência de algumas localidades demonstra que as cidades podem ser melhores sim, se forem pensadas a partir da utilização de seus espaços por seus habitantes, uma cidade com dimensões humanas. Para Lerner (2011, p. 86-87) “A cidade não é problema, tem que ser solução. Devemos tentar melhorar a vida na cidade oferecendo transporte, habitação, saúde e boas condições para o meio ambiente. […] É preciso olhar a cidade a partir das pessoas, dos viajantes, do trabalhador, da professora, do pobre, do rico, da criança e do velho. Todos devem se sentir participando das decisões e parte de um grande projeto.”

Depois de muitos anos negligenciando a dimensão humana das cidades, urge o reconhecimento da importância dos pedestres e ciclistas ao meio urbano, à vida nas cidades, à sustentabilidade e saúde da

61


população. Faz-se necessário a retomada de conceitos básicos como o do direito à cidade e equidade social. É necessário que as cidades sejam agora recriadas sob a ótica das pessoas que dela usufruirão. “A mobilidade é um componente essencial à saúde da cidade. As cidades não podem ser pensadas para os carros. O ritmo do encontro é o ritmo da caminhada. Precisamos desenhar as nossas cidades para que o espaço do pedestre seja determinante e que outros modos leves de deslocamento, como a bicicleta, também sejam favorecidos. O transporte público precisa ser de qualidade, oferecendo confiabilidade, conforto e dignidade ao usuário.” (LERNER, 2013)

Urbanidade ou Formalidade: que tipo de cidade se deseja? No meio arquitetônico-urbanístico, é popular a afirmação de que espaços construídos induzem determinadas ações ou sensações nas pessoas que dele utilizam, seja na escala do edifício ou na escala da cidade. Assim, não somente o porquê de os espaços serem como são se faz importante, mas principalmente o modo como ele será recebido, apropriado pelas pessoas, este último sendo o enfoque do presente capítulo. Muitos foram os estudiosos que se debruçaram sobre a forma com que as cidades são absorvidas, entendidas e na repercussão direta destas no comportamento e na qualidade de vida de seus moradores ou visitantes, ou seja, na materialização da relação espaço/corpo. Alguns deles sequer denominaram essa medida de qualidade das cidades. ou criaram conceitos que mais tarde viriam a ser agregados em um conceito maior. Isso se deu principalmente a partir da segunda metade do século XX, ao passo que urbanistas e teóricos percebiam que as cidades ideais11 modernas visavam qualidades estéticas visuais e funcionais em detrimento de valores de vida urbana.

11

62

12

Ver tópico 2.1 “Urbanização e [des]Urbanidade” na pág. 23 Para Jacobs (1961), diversidade diz respeito aos muitos tipos de edificações, de espaços públicos,

de pessoas e de atividades realizadas nas cidades e com relações diretas à dimensão social.


Jane Jacobs (1961) provavelmente fora a pioneira a detalhar as falhas do Urbanismo Modernista, tornando-se símbolo das críticas ao planejamento da época e da defesa de produção de espaços com vitalidade. AGUIAR (2012) enfatiza a crítica de Jacobs para a “perda da diversidade12 das urbanizações novas, produzidas em grande escala, em comparação com a diversidade das cidades ditas de crescimento natural”. Para a autora, deveria-se, urgentemente, retomar valores de vitalidade, permanências, interações sociais, animação e valorização dos espaços públicos como forma de resgate à essência das cidades. Federico Holanda viria a ser o difusor da nomenclatura urbanidade como característica intrínseca às cidades, condição tanto do espaço físico quanto do comportamento humano. Para ele, deve-se buscar altas integrações sociais advindas do posicionamento de espaços abertos e ocupados, da inexistência de paredes cegas e da fuga de modelos segregados e guetizados. (AGUIAR, 2012, apud HOLANDA, 2003) Mais tarde, o autor viria a sugerir a existência de uma polaridade urbanidade x formalidade (ver quadro 2.7), que denominam características opostas dos lugares, em consonância aos modos de convívios existentes neles. Para ele, urbanidade é conceituada como sendo a qualidade física de uma cidade cortês e afável, enquanto a formalidade, relativa à forma, delimita espaços não espontâneos, que se referem a uma rotina e são, consequentemente, hostis à relação com o usuário. (HOLANDA, 2010, grifo nosso) AGUIAR (2012) destaca que “o reconhecimento da arquitetura e da cidade a partir da urbanidade re-propõe os valores essenciais da arquitetura como arte social” e complementa: “A urbanidade é portanto algo material, palpável, visível. Algo que vem da cidade, do urbano, exala. Uma outra coisa é o modo como a urbanidade é percebida, lida, sentida, amada, desejada, odiada, demonizada ou ignorada pelas pessoas. Aí entra a cultura, a historia, a origem, a vivencia, a sensibilidade, e mais ene outras características de cada individuo, que irão determinar o modo como a urbanidade é percebida, lida, sentida, desejada, demonizada ou ignorada aqui ou acolá.” (AGUIAR, 2012)

63


Quadro 2.7: Urbanidade x Formalidade em Brasília - DF Em uma pesquisa realizada no Distrito Federal, identificou-se realidades bem distintas e intrigantes dividindo o mesmo espaço urbano. Primeiramente, a Vila Planalto (ver figura 2.24), originária de assentamentos da época da construção de Brasília (e fadada à derrubada após sua finalização), revelou-se a área que melhor representa o perfil de renda do DF, possuindo grande diversidade arquitetônica e social, e conseqüente convivência harmoniosa de todas as classes. Suas vias tortuosas e espontâneas apresentam pouca legibilidade13, mas alto valor de estratificação social, produzindo sensações agradáveis aos que nela permanecem e configurando-se como exemplo de urbanidade. Para Holanda (ibidem, p. 7): “Se urbanidade é a “negociação continuada de interesses” e a convivência de classes sociais diversas no mesmo bairro, a urbanidade social14 na Vila é a maior que encontramos no DF. E essa urbanidade social resulta de uma configuração edilíciourbana cuja variedade volumétrica e espacial (elementos-meio + elementos-fim da arquitetura) é excepcional, caracterizando uma urbanidade arquitetônica máxima no DF e, possivelmente, rara alhures.”

Por outro lado, o autor enfatiza a realidade da formalidade excessiva encontrada na Esplanada dos Ministérios (ver figura 2.25) pela exagerada dimensão dos espaços abertos, forte axialidade, monumentalidade do conjunto, restrições de acesso a determinados lugares e imensos ‘jardins’ com ausência de espaços convidativos à permanência de pessoas. Este espaço, embora magnificente e rico sob determinadas análises arquitetônicas, desestimula o pedestre, expulsa as pessoas do convívio urbano e empobrece a vitalidade da principal região da capital brasileira. É curioso, entretanto, observar casos em que urbanidade e formalidade tornaram-se tão próximas, como o episódio memorável dos protestos de Junho de 2013 (ver figura 2.26).

figura 2.24: Vila Planalto fonte: www.vitruvius.com.br

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figura 2.25: a formalidade do Plano Piloto fonte: Foto Bento Viana.

figura 2.26: manifestações de junho de 2013 fonte: Foto Agência Brasil


Deseja-se enfatizar que o conceito de urbanidade ao qual se foca o presente TFG diz respeito àquele intimamente relacionado à compreensão de como a configuração do lugar afeta a sociedade e como se dão os convívios sociais nele. Entende-se, portanto, a urbanidade como uma característica de qualidade das cidades, conceito este que “se refere ao modo como espaços da cidade acolhem as pessoas. Espaços com urbanidade são espaços hospitaleiros” (AGUIAR, 2012), que imprimem qualidade ao lugar do qual se tratam. “Falar de urbanidade ao nos referirmos à cidade significa estarmos falando de uma cidade ou de um lugar que acolhe, ou recebe, as pessoas com civilidade, com polidez, com cortesia. Ou, na mão contrária, estaríamos nos referindo a situações destituídas dessas características positivas, situações que ao invés de evidenciarem cortesia e polidez, evidenciam hostilidade às pessoas, ao corpo” (ibidem)

Mobilidade pra quem? A que custo? Entende-se por mobilidade a facilidade ou capacidade de realização de um deslocamento qualquer, de um ponto a outro no espaço. Quando inserido na cidade, o conceito de Mobilidade Urbana abrange também a qualidade das viagens realizadas por pessoas, bens e serviços no espaço urbano, ganhando novas variáveis subjetivas, econômicas e sociais. Dessa forma, a mobilidade, quando analisada no contexto urbano, não se limita apenas ao número de viagens realizadas, mas aos aspectos qualitativos do fenômeno e suas relações sociais. (ver figura 2.27) “A mobilidade urbana, dessa maneira, pode ser entendida como resultado da interação dos fluxos de deslocamento de pessoas e bens no espaço urbano,

13

Kevin Lynch introduziu o conceito de legibilidade para caracterizar cidades dotadas de uma

“facilidade com que cada uma das partes [da cidade] pode ser reconhecida e organizada em um padrão coerente” (LYNCH, 1960, p. 2) Em outras palavras, diz respeito à facilidade com que a mobilidade de uma região é entendida pelo transeunte em termos de percursos a serem adotados. 14

Holanda (2010) divide o conceito de urbanidade em duas vertentes: a urbanidade social

(relacionada à interação social) e a urbanidade arquitetônica (relacionada ao lugar).

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contemplando tanto os fluxos motorizados quanto os não motorizados. Ela é, portanto, um atributo da cidade e é determinada, principalmente, pelo desenvolvimento socioeconômico, pela apropriação do espaço e pela evolução tecnológica […]” (BERGMAN; RABI, 2005, p. 11)

1. Oportunidade de deslocamento

3. Oportunidade de deslocamento + número de viagens

2. Número de viagens

MOBILIDADE

4. Comportamento do homem na sociedade figura 2.27: Estrutura conceitual da mobilidade urbana fonte: MELLO, 2008. Organizado pela autora.

Nas áreas urbanas, observa-se que o crescimento desordenado induziu o crescimento considerável dos deslocamentos, contribuindo para piorar a eficiência de transportes públicos e extinguir a escala pedestriana dos deslocamentos, Tal situação acarretou no aumento da dependência do uso do automóvel particular, congestionando cidades e segregando especialmente as camadas mais pobres15.

Crescimento urbano desordenado ou espairado Necessidade de mais vias

Aumento do tráfego, da população e dos congestionamentos

Maior dependência do automóvel

66

figura 2.28: Ciclo vicioso mobilidade das grandes cidades fonte: BERGMAN; RABI, 2005. Organizado pela autora...

Tendência aos deslocamentos em maior número e de maior distância

Menor frequência do transporte público

Diminuição da qualidade do transporte público e coletivo e tarifas mais caras


À medida que se alimentava o ciclo vicioso (ver figura 2.28), maior o número de carros circulando e, consequentemente, maior é a pressão por infra-estrutura, restringindo o desenvolvimento da mobilidade nas grandes cidades a medidas paliativas adotadas para suprir demandas de transportes individuais. Em contrapartida, o desenvolvimento sustentável16 procura, de uma forma geral, definir estratégias para resolução das questões atuais em coerência com a diminuição dos impactos gerados por elas. Esta avaliação é cada vez mais necessária visto que são utilizados recursos limitados com sérias consequências ambientais, sociais e econômicas. Assim, essa busca vem ganhando cada vez mais espaço no cenário mundial e incentivando a implantação dos conceitos ligados à sustentabilidade nas variadas áreas de conhecimento. Concordando com PLUME, CAMPOS (2006, apud PLUME, 2003) conceitua o desenvolvimento sustentável como sendo “uma forma de desenvolvimento que vai de encontro às necessidades da geração atual sem comprometer a possibilidade (ou capacidade) das gerações futuras em satisfazer as suas necessidades”. Entendendo a mobilidade como um dos componentes essenciais da cidade e a existência de relações consideráveis entre as condições de circulação e a melhoria da qualidade de vida dos habitantes, preocupações com o direito à mobilidade, a inclusão social, a eficiência econômica e os impactos ao meio ambiente emergem e o viés sustentável passa a ser, cada vez mais, integrante das discussões sobre mobilidade urbana. Assim, um novo conceito surge no cenário mundial, o da mobilidade urbana sustentável, podendo ser tratada tanto pela relação da adequação da oferta ao contexto socioeconômico, no qual o desenvolvimento urbano e a equidade social são agentes influenciadores no transporte, quanto com a qualidade ambiental enquadrada na tecnologia e modo de transporte propostos. “Os debates avançam na necessidade de superar

15

Ver tópicos 2.1 - “Urbanização e [des]Urbanidade” - e 2.2 “Metropolização e Dispersão Urbana de

Fortaleza” 16

O conceito de desenvolvimento sustentável alcançou destaque mundial com a publicação do

livro Our Commom Future, em 1987, pela World Commission on Environment and Development das Nações Unidas, (ABDALA; PASQUALETO, 2013; SILVA, 2013)

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efetivamente os limites setoriais e adotar um conceito de mobilidade urbana que oriente as ações necessárias para a implementação de uma política que permita aos cidadãos o direito de acesso seguro e eficiente aos espaços urbanos e devolva às cidades o atributo de sustentabilidade socioeconômica e ambiental que muitas perderam” (BERGMAN; RABI, 2005, p. 10)

Dessa forma, a mobilidade urbana sustentável é tratada aqui como o resultado de um conjunto de políticas de transporte e circulação que visa proporcionar o acesso amplo e democrático ao espaço urbano, através da priorização dos modais não motorizados e do transporte público (ver tabela 2.4), de forma efetiva e que não gere segregações espaciais, seja socialmente inclusiva e ecologicamente sustentável. Por fim, o mais importante: uma mobilidade que seja baseada e realizada para as pessoas, e não para os veículos.

38,5

ser rápido sair em horário adequado à sua necessidade

10,8

ser barato

10,7

ser confortável

10,5 10,2

ter disponível mais de uma forma de se deslocar

5,5

chegar no horário desejado ao seu destino

3,6

poluir pouco ter menor risco de acidente

2,7

ser saudável

2,1

ter menor risco de assalto

1,9

ser fácil de usar

1,5

tabela 2.5: Quais as características para um bom transporte?

fonte: IPEA-Sips, 2011.

68


A Política Nacional de Mobilidade Urbana é orientada pelas seguintes diretrizes: I - integração com a política de desenvolvimento urbano e respectivas políticas setoriais de habitação, saneamento básico, planejamento e gestão do uso do solo no âmbito dos entes federativos: deve-se planejar a mobilidade de acordo com os usos e ocupações possíveis para cada área da cidade e políticas de controle de crescimento urbano, de modo a influenciar padrões de urbanização e garantir acessibilidade ao emprego, comércio e serviços sem dispor de grandes deslocamentos e evitando o uso indiscriminado do automóvel.

II - prioridade dos modos de transportes não motorizados sobre os motorizados e dos serviços de transporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado: todo o planejamento da cidade, no tocante à mobilidade, deve ser inicialmente pensado no pedestre, no ciclista e nos demais modais não motorizados, por serem os mais sustentáveis, melhor economicamente viáveis e mais frágeis. As cidades não mais suportam, em capacidade, dimensionamentos realizados à escala dos veículos.

III - integração entre os modos e serviços de transporte urbano: a integração entre os diferentes modais é componente necessário para a garantia de acessibilidade de toda a população. IV - mitigação dos custos ambientais, sociais e econômicos dos deslocamentos de pessoas e cargas na cidade;

V - incentivo ao desenvolvimento científico-tecnológico e ao uso de energias renováveis e menos poluentes: a utilização de energias “limpas” deve ser incentivada como atendimento à sustentabilidade

VI - priorização de projetos de transporte público coletivo estruturadores do território e indutores do desenvolvimento urbano integrado;

VII - integração entre as cidades gêmeas localizadas na faixa de fronteira com outros países sobre a linha divisória internacional. tabela 2.6: Diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana - art 6o da Lei no 12.587/12 fonte: BRASIL, 2012. Comentada pela autora.

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Entretanto, deve-se ressaltar que, para a obtenção de resultados satisfatórios na melhoria da mobilidade urbana das cidades, é necessário que sejam realizadas mudanças estruturais e de planejamento a longo prazo, coordenadas conjuntamente com metas ambientais, econômicas e socialmente sustentáveis, de modo a evitar a realização de operações pontuais desligadas de um processo holístico. Campos (2006) identifica as estratégias para o atendimento da mobilidade urbana sustentável, a serem:

[1]

o desenvolvimento urbano orientado ao transporte (TOD);

[2]

o incentivo ao deslocamento de curtas distâncias;

[3]

restrições ao uso do automóvel;

[4]

a oferta adequada de transporte público;

[5]

uma tarifa adequada à demanda e à oferta do transporte público;

[6]

a segurança para circulação de pedestres, ciclistas e pessoas de

mobilidade reduzida;

[7]

a segurança no transporte público. “Para o desenvolvimento de um planejamento de transporte deve-se considerar a interação entre o uso do solo e do transporte, e o seu êxito dependerá do seu processo de organização, desde o planejamento até a execução. Assim também ocorre com o processo de estruturação de uma cidade; seu bom funcionamento e progresso dependem muito de um planejamento adequado, inclusive em termos de transporte e trânsito.” (LIMA; SANTOS; ARCOVERDE, 2010)

TOD ou MOB? Desenvolvimento urbano orientado O Desenvolvimento Orientado ao Transporte (TOD - Transport Oriented

Development) consiste no modelo de desenvolvimento baseado em políticas de uso do solo com altas densidades urbanas complementadas

70

por redes de transporte público eficientes. Nele, corredores de alta


mobilidade e fácil acessibilidade à rede de ônibus e metrôs são circundados por edifícios residenciais de altos gabarito e densidade, decrescentes à medida que se afastam do corredor de transporte. Dessa forma, criam-se ambientes urbanos de uso diversificado e fácil acesso em curtas distâncias a comércios, serviços e opções de circulação (LIMA NETO, 2011). Muitas cidades pelo mundo optaram por esse modelo de planejamento urbano e são hoje consideradas exemplos de qualidade de vida, mesmo em grandes cidades. Já existe, entretanto, uma recente evolução do termo para MOD (Mobility Oriented Development), ou Desenvolvimento Orientado pela Mobilidade. Quem defende a mudança do termo argumenta que a mobilidade não diz respeito apenas ao transporte em si, mas às relações sociais existentes na circulação, ao desenvolvimento focado em cidades melhores para viver, cujos princípios são baseados nas pessoas e com ações que promovam os transportes a pé, ciclável e

T OD

Transporte público

+ densidade urbana

mobilidade orientada p/ pessoas

+

densidade urbana de alta qualidade

MOB

público. (PETRESCU, 2009)

Independente da nomenclatura a ser utilizada, deseja-se enfatizar que a real importância está na essência do desenvolvimento e do planejamento que se pretendem buscar para as atuais cidades. Antes de formas construídas, as cidades devem ser aproveitadas pelas pessoas, com espaços agradáveis ao convívio social, ao encontro, à urbanidade.

figura 2.29: Componentes para obtenção de uma cidade viva

fonte: Ghel Architects.

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Planejar cidades para pessoas Conhecida mundialmente por seu pioneirismo em transporte público, a cidade de Curitiba-PR é um importante exemplo dos impactos positivos obtidos através do planejamento urbano e de transportes, consolidando-se como uma das mais importantes experiências de planejamento urbano no Brasil. Conhecido como Rede Integrada de Transporte (RIT), o sistema atual fornece uma forma versátil de circulação por meio de ônibus rápidos, com a flexibilidade para atender a uma variedade de necessidades de acesso e alcance ilimitado de lo- cais em boa parte da Região Metropolitana. Até o início do século XX, a capital paranaense tinha sua economia voltada principalmente à cafeicultura e vivenciava uma realidade de pouco desenvolvi- mento urbano. Visando a organização da cidade, que se industrializava e previa um crescimento considerável de tráfego de automóveis, fora lançado o Plano Agache (1941-43) (ver figuras 2.30 e 2.31), já demonstrando o pioneirismo curitibano em Planejamento Urbano. Antes mesmo de disseminar-se mundialmente os conceitos do Urbanismo Modernista a partir da Segunda Guerra Mundial (1939-45), o plano paranaense já tratava questões sobre zoneamento, soluções sanitárias e largas avenidas concêntricas, baseando-se na proposta de Haussman para Paris em 1850. Se executado integralmente, certamente o Plano Agache modelaria hoje uma Curitiba semelhante às grandes capitais brasileiras com baixos níveis de urbanidade. Por outro lado, abriu-se assim a importância, ainda em meados do século XX, da discussão sobre planejamento urbano na cidade. (GNOATO, 2006)

72

figura 2.30: Plano de avenidas de Alfred Agache fonte: http://courses.umass.edu

figura 2.31: Avenida XV de Novembro e suas galerias fonte: http://www.lolocornelsen.com.br


A partir da década de 50, em virtude do acelerado ritmo de crescimento do município, tornava-se indispensável o planejamento para regular a expansão urbana curitibana. Entretanto, somente em 1965 e 1966, por meio de um novo Plano Diretor, a urbanização da cidade foi delimitada a partir do tripé Uso do Solo - Sitema Viário - Transporte Público, por meio de eixos lineares estimulados por políticas de zoneamento e uso do solo, desenvolvendo altas densidades ao longo desses corredores providos de transporte público acessível. (ibidem) Com visão de futuro e um planejamento que integrava os diversos mo- dais, Jaime Lerner, então prefeito de Curitiba, inaugurou em 1974 um sistema no qual o foco principal era o de atender prioritariamente as necessidades de circulação das pessoas, sem necessariamente prejudicar todas as vias para automóveis. Surgia assim o Sistema

Trinário, no qual o transporte de massa substituía o carro como o principal modo de transporte dentro da cidade, fazendo uso das largas avenidas já existentes e produzindo um alto volume de passageiros no entorno dos corredores densificados.

figura 2.32: Plano Diretor de Curitiba, 1966 fonte: GNOATO, 2006.

Com o passar dos anos o sistema sofreu diversos aprimoramentos, sendo hoje composto por uma rede integrada de linhas de ônibus hierarquizadas, de forma a racionalizar o sistema agilizando a circulação dos usuários. Como características principais, podem ser destacadas:

73


[1]

Diferentes cores das linhas como recurso de comunicação visual

e facilitação de identificação do tipo de linha;

[2]

Integração física;

[3]

Alta acessibilidade (357 Estações tubo e 30 terminais por toda a

RMC - ver figura 2.33);

[4]

Embarque e desembarque a nível;

[5]

Pagamento antecipado da tarifa.

figura 2.33: Evolução da RIT, 1974-2010 fonte: http://www.urbs.curitiba.pr.gov.br figura 2.35: Estações tubo - BRT

fonte: http://www. blogizazilli.com

figura 2.34: Canaletas fonte: http://www. lightrailnow.org/facts/ fa_brt004.htm

Configura-se, assim, um sistema mais rápido e de alta eficiência, conferindo níveis de urbanidade à cidade. Vale a pena ressaltar também o baixo custo de implementação do sistema de BRT’s se comparado ao metrô, ao mesmo tempo que não deixa a desejar em termos de qualidade e democracia de atendimento. Por esses motivos a RIT é considerada hoje um dos principais e melhores exemplos de

74

transporte público a nível mundial, servindo de exemplo para as mais diversas proposições em termos de transporte urbano de massa.


Quadro 2.8: a implantação do sistema Transmilenio em Bogotá - CO Diferentemente de Curitiba, a capital colombiana já começava a demonstrar os efeitos de um enorme número de viagens realizadas diariamente em seu perímetro urbano. A grande maioria dessas viagens era realizada em automóveis particulares quando Enrique Peñalosa se tornou prefeito de Bogotá. Baseado na revolução causada pela implantação RIT na capital paranaense, o então prefeito colombiano decidiu pôr fim à ditadura do automóvel e, a partir do conceito do BRT, moldou um sistema que se adequasse à escala e volume lá encontrados. Nascia assim o TransMilenio, um sistema que muito se assemelha ao Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT), devido à grande capacidade de operação e maior agilidade no percurso. Para isso, usou-se o conceito de Veículo Leve sobre Pneus, onde o BRT conta com não somente uma, mas duas faixas exclusivas em cada sentido (ver figura 2.36), possibilitando a ultrapassagem e utilização de linhas diretas e expressas conjuntamente. Os cruzamentos também não foram realizados a nível, como em Curitiba, mas sempre em diferentes níveis de modo a não fornecer quaisquer interrupções à calha do ônibus. Com as elevadas velocidades de operação, a capacidade do sistema foi elevada a números colossais. O sistema encontra-se atualmente em sua terceira fase de implantação, já possuindo 84 km de vias em operação e 114 estações divididas em nove zonas. Estima-se que 1,4 milhões pessoas utilizem o serviço diariamente, que conta também com um sistema alimentador de linhas locais que permite acesso dos habitantes de bairros periféricos e municípios metropolitanos. Assim, contabiliza-se que a implantação do TransMilenio permitiu a retirada de circulação de mais de sete mil ônibus, melhorou o trânsito e reduziu a emissão de gases poluentes na capital em 50%. Além dos ônibus rápidos, desde a década de 80 a cidade conta com uma malha de ciclovias nos fins de semana, onde algumas das principais vias de automóveis ficam fechadas para trânsito apenas de usuários de modais não motorizados. Tal medida não somente se dá pela necessidade de diminuição dos altos níveis de poluição, mas também pela contribuição direta à saúde dos habitantes. Nos dias úteis, cerca de 300km de ciclovias são responsáveis pelos transportes alternativos, incentivados pela existência de bicicletários nos terminais (ver figura 2.37), garantindo a integração do modal ao TransMilenio sem custo adicional.

figura 2.36: Trasmilenio em Bogotá - CO fonte: http://sustainablecitiescollective.com

figura 2.37: Bicicletários para integração nos terminais fonte: http://www.sibrtonline.org

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Entretanto, mesmo sendo um exemplar modelo de transporte público entre as capitais brasileiras, Cutiriba, nos últimos anos, ainda não possuia um caráter de urbanidade satisfatório no que diz respeito ao atendimento aos diversos modais. A infra estrutura cicloviária da cidade deixava a desejar em diversos aspectos, como não atendimento às rotas necessárias, carecimento de ma- nutenção e dimensões inapropriadas ( em média 75cm de largura, abaixo da mínima indicada). Dessa forma, fazia-se necessário um novo planejamento a fim de incluir a bicicleta como meio de transporte respeitado na dinâmica urbana da capital. Para isso, o Plano Diretor Cicloviário de Curitiba (PDC) fora lançado em 2013, prevendo a implantação de mais 300km de vias para bicicletas até 2016, somando aos 127km já existentes. Um dos principais projetos integrantes do PDC é a Via Calma, já implementada na Av. Sete de Setembro, um dos principais eixos de circulação da cidade e que possuía um maior número de ciclistas trafegando na

Quadro 2.9: a experiência de Copenhague Em 1962, Jan Gehl importou-se em pensar a Arquitetura e o Urbanismo sob a ótica das pessoas que vivem a cidade. Partindo disso, Gehl percebeu o potencial guardado no tradicional centro da cidade, que um dia fora espaço onde as pessoas se encontravam e ali permaneciam. Entretanto, o centro antes vivo vinha gradativamente perdendo a movimentação e ocupação por pessoas para dar lugar ao trânsito de automóveis. Mesmo após intensa resistência da população, a primeira idéia defendida e implementada por ele foi o fechamento de uma das principais ruas centrais ao trânsito de carros, dando lugar a um amplo calçadão de pedestres no meio da cidade, conhecido como Stroget (ver figura 2.41). O resultado, contrário ao que todos acreditavam, foi um fluxo maior de pessoas no local, um considerável aumento das vendas dos comércios e uma valorização de toda a área, considerada hoje a principal atração turística da cidade.

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figura 2.41: Stroget, a maior via de pedestres fonte: https://bikedenton.wordpress.com/

figura 2.42: Priorização pedestres e ciclistas fonte: foto Matthew Blackett

figura 2.43: Compartilhamento em rua mista fonte: http://www.supercykelstier.dk/concept


canaleta exclusiva do BRT. A velocidade máxima da via foi alterada para 30km/h para dar maior segurança ao compartilhamento da via com ciclistas e pedestres, além de passagens a nível nas faixas de pedestres e espaços pref- erenciais chamados bicicaixas, marcações de solo nos sinais onde os ciclistas esperam com prioridade à frente dos automóveis.

figura 2.38: Plano Diretor Cicloviário fonte: http://www.curitiba.pr.gov.br

figura 2.39: Projeto de via calma fonte: https://desafioagorario.crowdicity.com/

figura 2.40: Bike-box fonte: http://cfcalda.com/

Para o sistema viário, a principal defesa do arquiteto é a de que o espaço não deve ser segregado para cada diferente modal. O melhor, para ele, é promover o respeito mútuo através de um compartilhamento direcionado das vias (ver figura 2.43). Muitos de seus projetos para a cidade dinamarquesa são ruas mistas, nas quais motoristas, pedestres e ciclistas são obrigados a redobrar o cuidado e tornar-se conscientes sobre o espaço e vida. Outra importantíssima colaboração dele fora a disseminação do pensamento sobre priorização dos modais não motorizados. Para Gehl, alargar ou construir novas vias para carros só aumentaria o trânsito, enquanto construir ciclovias, mesmo contrário à cultura dos habitantes da época, tornaria mais convidativo pessoas abandonarem o uso do carro e optarem pela bicicleta (ver figura 2.42) como meio de transporte. (GEHL, 2013) Como resultado disso, Copenhague é, das grandes cidades européias, aquela que tem menor índices de congestionamentos, já que cerca de 50% dos deslocamentos são feitos por bicicletas ou a pé, e é considerada uma das cidades com maior qualidade de vida atualmente, cujos habitantes guardam baixíssimos níveis de obesidade e doenças cardíacas. O conceito de “Cidades para Pessoas”, que originou o livro de mesmo título em 2010, amplamente defendido por Gehl é, por tanto, uma aplicação, na prática, dos níveis ideais desejáveis de urbanidade para as cidades. (BURGIERMAN, 2010)

figura 2.44: Cultura da Bicicleta em Copenhague fonte: http://blog.hmcarchitects.com/

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