Tfg mobilidade humana ml (parte2)

Page 1

DIAGNÓSTICO

3.


Delimitação da área de estudo O diagnóstico do presente Trabalho Final de Graduação parte da análise teórica abordada no Referencial (ver págs. 24-77). Assim, após a revisão bibliográfica, a área a ser estudada é caracterizada a partir dos conceitos trabalhados, identificando problemáticas locais que requerem soluções projetuais. A área de análise tomada para o diagnóstico do presente Trabalho Final de Graduação diz respeito à extensão da avenida Washington Soares/CE 040, com seu início na av. Engenheiro Santana Júnior, próximo ao shopping Iguatemi até o cruzamento com a av. Ministro José Américo, nas proximidades do bairro Cambeba (ver figura 3.1). Os limites acima descritos deram-se por entender que este seja o alinhamento prioritariamente urbano e de maiores sintomas acerca do tráfego, visto que, após a Casa José de Alencar, mesmo ainda em perímetro urbano, a via apresenta comportamento majoritariamente rodoviário. “[…] [o eixo] apresenta vantagens substanciais, tanto como eixo estruturante do turismo quanto pelo efeito de espairamento da fuunção moradia, dentro de melhores condições ambientais e paisagísticas da RMF.”

80

(DIÓGENES, 2012, apud Síntese Diagnóstica do Município, 2003)


LEGENDA:

Recorte área do diagnóstico

avenida Washington Soares

figura 3. 1 sem escala

Delimitação área estudo base: Google Earth fonte: Elaborado pela autora



A consolidação da av. Washington Soares I CE 040 Até a década de 1940, a área de estudo constituía-se como uma região praticamente desabitada e rarefeita, não fazendo parte sequer do perímetro urbano traçado nos Planos Diretores de 194717 e 196218 (ver figura 3.2). Por vários anos, os principais agentes na ocupação da região foram os grandes proprietários de terra, em geral empresários que se apropriavam e loteavam terrenos localizados nos antigos sítios19 de uso rural. Somente a partir da década de 70, reforçado pelo PLANDIRF20, inicia-se o processo mais consistente de ocupação dessa região (ver figura 3.3), com a instalação de infraestrutura e equipamentos na avenida, em geral relacionados aos empresários supracitados.

figura 3.2: Plano Diretor da Cidade de Fortaleza (Plano Hélio Modesto), 1962 fonte: PMF. Organizado por Vera M. Accioly. Adaptado por DIÓGENES, 2012.

figura 3.3: Planta da AUMEF, 1977 fonte: AUMEF. Organizado por DIÓGENES 2012.

83


CENTRO

MEIRELES ALDEOTA

PAPICU COCÓ

GUARARAPES

ENG LUCIANO CAVALCANTE

EDSON QUEIROZ

PARQUE MANIBURA SAPIRANGA CAMBEBA ALAGADIÇO NOVO

Legenda Expansão dos bairros de alta renda de Fortaleza

figura 3.4: expansão dos bairros de alta renda de Fortaleza fonte: DIÓGENES, 2012. Adaptado pela autora.

A Aldeota, então bairro de classe média/alta, vinha se transformando em uma nova centralidade terciária, tornando inviável a construção de habitações unifamiliares, que encontraram no sudeste a oportunidade de migração, atraídos pela “grande disponibilidade de terrenos, o clima ameno, a abundância de vegetação, a presença de lagoas e riachos e a infraestrutura” (DIÓGENES, 2012, p. 249) recém dotada pelo Poder Público. Era de se esperar que a expansão urbana continuasse a leste, chegando à Praia do Futuro, já loteada. Entretanto, ao contrário do planejado, a expansão urbana de Fortaleza voltou-se ao sudeste (ver figura 3.4), transferindo a elite para mansões no “novo bairro da Água Fria, em busca de espaço diferenciado e mais reservado, com

17 18

Plano Diretor para Remodelação e Extensão da Cidade (Plano Saboya Ribeiro), 1947 Plano Diretor da Cidade de Fortaleza (Plano Hélio Modesto), 1962

19

Engenhos de cana de açúcar se desenvolveram inicialmente nos antigos sítios localizados na região sudeste de Fortaleza, como o Cocó, o Alagadiço Novo, o Cambeba, o Colosso e o Tunga. Com a urbanização sofrida na segunda metade do século XX, esses sítios foram loteados, dando origem aos atuais bairros do entorno da avenida Washington Soares/CE 040. (FUCK JR., 2004) 20

84

O PLANDIRF – Plano de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Fortaleza de 1972 - incentivou a ocupação do sudeste de Fortaleza através de diretrizes e incentivos à instalação de infraestrutura e equipamentos de grande porte.


avenidas mais amplas e espaços verdes” (DIÓGENES, 2012, apud ACCIOLY, 2009). Paralelamente, a instalação de equipamentos públicos e privados de grande porte na extensão da avenida funcionavam como catalisadores do processo imobiliário da região. Inicialmente isolada do perímetro urbano ocupado, a Universidade de Fortaleza (UNIFOR) fora a primeira a se instalar na região, em 1973, seguida do Centro de Convenções (1974) e da Imprensa Oficial (1978). Entretando, somente com a instalação do Shopping Iguatemi, em 1982, e a duplicação da avenida Washington Soares pelo Governo do Estado na década de 80, valorizou, atraiu e consolidou-se, de fato, o processo de expansão para o eixo sudeste. Era por meio desses equipamentos que o Poder Público justificava a realização de obras de infraestrutura, como alargamentos viários, em áreas de baixíssima densidade, enquanto a periferia oeste se expandia com o mínimo de infraestrutura garantida. “Em suma, o deslocamento da população de alta renda, a construção e posterior ampliação do Shopping Iguatemi e a atuação do Estado, ao implantar equipamentos e infra-estrutura urbana, foram elementos decisivos que marcaram o início do processo de ocupação e posterior expansão dessa área da Metrópole” (DIÓGENES, 2012, p. 252) Como resultado disso, a dinâmica atual da cidade e, especialmente, a região em estudo demonstram a espacialização do fenômeno da desigualdade sócio-espacial existente em Fortaleza, tida como a segunda maior desigualdade encontrada no País, ficando à frente de Belo Horizonte-MG, Brasília-DF e Curitiba-PR, e perdendo apenas para Goiânia-GO (HOLANDA; CAVALCANTE; BEZERRA FILHO, 2014, apud ONU-HABITAT, 2012). Isso é constatado ao perceber que, atualmente, a avenida comporta-se como o principal eixo de expansão imobiliária e prioritária, senão única, ligação com os municípios do Eusébio, importante área residencial de alto padrão (loteamentos e condomínios fechados), e do Aquiraz, pólo de turismo e lazer do litoral Leste. A seguir, estudos específicos do sudeste de Fortaleza comprovam também que, na área, prevalecem atualmente as “baixas densidades, tipologias dotadas de grandes espaços livres, localizadas em áreas funcionalmente segregadas, apoiadas em sistemas de infra-estrutura viária” (DIÓGENES, 2012, apud MONCLÚS, 1998, p. 7).

85


Ocupação do Solo Pode-se dizer que a distribuição de ocupações da localidade obedece uma lógica coerente com a forma de expansão de Fortaleza e evolução da área de estudo, tratando-se de um processo recente com padrão de urbanização inédito, que já caracterizamos anteriormente21. As intensas modificações da paisagem da região estudada “estão associadas aos novos processos de urbanização, que conduzem à conformação de áreas metropolitanas cada vez mais amplas e dispersas, viabilizadas em grande parte pela melhoria das vias de acesso” (DIÓGENES, 2012, p. 334). A autora (ibidem, p. 334, grifo nosso) destaca ainda que a região sudeste, como um todo, “apresenta um processo de ocupação intensa e acelerada, conformando desde as últimas décadas uma periferia diferenciada, na qual coexistem fragmentos de vários tipos de urbanização: uma nova área de centralidade; pequenos núcleos urbanos tradicionais, que resistem ou se transformaram mais lentamente; grandes áreas desocupadas e, mais recentemente, empreendimentos imobiliários na forma de loteamentos fechados […]. Tudo isso associado à ação do Poder Público e do mercado imobiliário.”

Comparando-se com o restante da cidade, o entorno da av. Washington Soares/CE 040, em termos de ocupação, apresentase como uma periferia distinta das demais, com características peculiares que a conferem uma paisagem diferenciada. Os incentivos públicos, a rápida valorização da região e a alta atratividade ao setor imobiliário consolidaram loteamentos em diferentes épocas, atendendo a interesses pontuais e marcados pela ausência de um planejamento global, fazendo com que padrões heterogêneos de ocupação surgissem em todo o alinhamento da via, favorecendo a atual fragmentação espacial, caracterizada por manchas de ocupação desconexas que se assemelham hoje a uma “colcha de retalhos”22. Os espaços produzidos na região, além de fragmentados e desconexos, possuem várias glebas não urbanizadas, não utilizadas ou loteadas com escalas não humanas, cujas dimensões extrapolam o caminhar

86

e resultam, em alguns casos, em grandes áreas não permeáveis (ver figura 3.5), dificultando fluxos de passagem e desestimulando


LEGENDA:

Não permeabilidade por ocupação indevida da via *

Glebas institucionais ou educacionais

Glebas vazias

Loteamento não permeável: ocupado e consolidado

Loteamento não permeável: subocupado

* Em geral, a grande maioria destas não permeabilidades se deram devido a ivasões habitacionais de baixa renda. Entretanto, mesmo que raros, existem casos de apropriações indevidas de vias praticadas por casas de alto padrão.

figu ra 3 .5 escala gráfica

Mapa de permeabilidades 0

500

1.000

1.500 m

base: Google Earth fonte: Elaborado pela autora



o pedestrianismo. Como exemplo disso, têm-se o entorno imediato da avenida e loteamentos localizados mais ao norte, como o bairro Guararapes, que são marcados por extensas quadras e longos percursos inóspitos, sem vida e/ou com baixa segurança, gerando ruins sensações ao caminhar. A formalidade23 encontrada, portanto, coloca em sério risco a urbanidade do local. Por outro lado, a ampla oferta de extensas glebas desocupadas que possibilitou a implantação de equipamentos com grandes estacionamentos, mansões e vastas áreas livres, acabou por produzir uma localidade marcada pela presença de baixísmas densidades (ver figura 3.6), agravada pelo elevado padrão de renda existente (ver figura 3.7). Em resumo, pode-se dizer que a ocupação da região em questão seja caracterizada atualmente pela “associação entre verticalização, altos poderes aquisitivos, baixo número de habitantes por domicílio e baixa densidade” (HOLANDA; CAVALCANTE; BEZERRA FILHO, 2014).

figura 3.6: densidade de habitantes por setor censitário fonte: HOLANDA; CAVALCANTE; BEZERRA FILHO, 2014.

89


figura 3.7: renda média mensal domiciliar por setor censitário fonte: HOLANDA; CAVALCANTE; BEZERRA FILHO, 2014.

Os bairros Guararapes, Cambeba e o Sítio Colosso (ver figura 3.8) conformam áreas que merecem destaque no tocante à evolução da urbanização da região. Isso porque ambos configuram áreas que resistiram inertes aos processos de ocupação durante as últimas décadas, resultando em grandes glebas ainda vazias atualmente, mesmo dotadas de infra-estrutura, o que confirma a hipótese de especulação imobiliária. O Guararapes (ver figura 3.9) e o Cambeba (ver figura 3.10) têm registrado, nos últimos anos, o florescimento de inúmeros canteiros de obras de condomínios verticais de alto padrão (ver figuras 3.11 e 3.12), locados em grandes quadras, circundados por muros altos e com pouca ou nenhuma interação com o externo, agravando

21

Ver tópico Metropolização e Dispersão Urbana de Fortaleza, páginas 32-49.

22

90

A fragmentação da malha viária, resultante de loteamentos desconexos, é, para Medeiros (HOLANDA; CAVALCANTE; BEZERRA FILHO, 2014, apud MEDEIROS, 2013), a típica configuração urbana das cidades brasileiras em geral, conformando-se como uma “colcha de retalhos”. 23

Ver quadro 2.7 “Urbanidade x Formalidade em Brasília - DF”, página 64.


a “deteriorização do espaço público no entorno” (HOLANDA; CAVALCANTE; BEZERRA FILHO, 2014) e perdendo a oportunidade de produzir espaços agradáveis ao transeunte.

SÍTIO COLOSSO

CAMBEBA GUARARAPES

0

500

1.000

1.500 m

figura 3.8: localização Guararapes, Cambeba e Sítio Colosso fonte: Google Earth. Elaborado pela autora

0

500

1.000 m

figura 3.9: detalhe bairro Guararapes subocupado fonte: Google Earth. Elaborado pela autora

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500

1.000 m

figura 3.10: detalhe bairro cambeba: predominância de vazios e novos home clubs fonte: Google Earth. Elaborado pela autora

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figura 3.11: canteiros de obra na av. Cel. Miguel Dias (Guararapes) fonte: Google Street View

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figura 3.12: condomĂ­nio vertical no Cambeba fonte: foto JosĂŠ Silva Moreira


Por outro lado, o Sítio Colosso acomoda uma área aproximada de 300ha e permanece desocupado. Embora seja dotado de infraestrutura e tenha sido loteado, não houve comercialização dos lotes e a área configura-se como uma lacuna não ocupada em meio ao entorno já consolidado, exaltando novamente a prática do especulato. (DIÓGENES, 2012) Vale aqui ressaltar que o loteamento realizado apresenta-se como um labirinto não conectado aos arredores, conformando-se mais um exemplo de sobreposição de ocupações fragmentadas (ver figura 3.13).

0

500

1.000 m

figura 3.13: detalhe Sítio Colosso: loteado e não comercializado fonte: Google Earth. Elaborado pela autora

93


Uso do Solo A distribuição de usos na região pode ser caracterizada por diferentes padrões de acordo com a localidade destes. Por não ser produto da expansão urbana advinda da industrialização, ter sido palco de incentivos públicos diversos e apresentar considerável valor ambiental, o setor apresenta uma “ocupação acelerada, intensa valorização imobiliária e verticalização crescente em determinados trechos” (DIÓGENES, 2012, p. 252), acompanhados por grandes empreendimentos imobiliários, comerciais e de serviços especializados. Como pode ser visto na figura 3.14, existe uma clara separação de usos na região. O uso habitacional pode ser dividido em diferentes padrões encontrados. Embora sejam predominantes habitações do tipo unifamiliar de média e alta rendas, há um reforço recente na construção de edifícios verticais de alto padrão, principalmente nos bairros Guararapes e Cambeba, como citado anteriormente. Além disso, nota-se recorrente a existência de várias ocupações irregulares hoje consolidadas em habitações de interesse social (HIS), em contradição com a expressiva a presença de condomínios fechados, característicos da urbanização dispersa.

Em geral, as habitações

ocupam as áreas internas à avenida, em regiões praticamente de um único uso e com baixas densidades. A atividade terciária (comércio e serviços), assim como equipamentos institucionais e educacionais, estão massivamente implantados na extensão e entorno imediato da av. Washington Soares/CE 040, por sua melhor localização e acessibilidade. Em sua grande maioria, esses tipos de equipamentos tomam grandes lotes, consideráveis áreas construídas, largos recuos da avenida e com a particular presença de extensas áreas de estacionamentos, na contramão do restante da cidade, confirmando a intenção de direcionar-se a um público alvo mais seleto e elitista. Em geral, os usos da região segregam-se em zoneamentos, lembrando as separações de usos do Urbanismo Modernista. Conhecidamente, essa forma não diversificada de usos acarreta maiores distâncias para serviços básicos, como ir à padaria ou ao mercado, reforçando a

94

dependência do automóvel particular, e gerando fluxos que muito irão impactar a região, além de empobrecer a urbanidade do local.


LEGENDA: Habitação unifamiliar Habitação multifamiliar Habitação HIS Misto Comércio Serviços Institucional Educacional Condomínio fechado

fig u ra 3 . 1 4 sem escala

Mapa de usos base: GoogleS.View e in locu fonte: Elaborado pela autora


Sistema viário A região sudeste como um todo, em termos de sistema viário, é caracterizada pela existência de importantes eixos de ligação aos diversos pontos da cidade. Considera-se a av. Washington Soares/ CE 040 de elevadas acessibilidade e integração, em uma análise macroscópica da cidade, visto que esta é um dos principais eixos viários de Fortaleza e possui ligações diretas ou indiretas com algumas das principais vias do município (ver figura 3.15). Por esse motivo, a avenida consolida-se, em uma análise mesoscópica de seu entorno, como primeira opção (e por vezes única) para a circulação de médias e grandes distâncias, sobrecarregando-a demasiadamente. Um exemplo disso é a conformação da avenida como eixo dominante de ligação a municípios vizinhos, principalmente ao Eusébio, crescente pólo habitacional de alta renda (condomínios e loteamentos fechados), e ao Aquiraz, importante centralidade de empreendimentos imobiliários de turismo e lazer.

96


LEGENDA:

Via Expressa Via Arterial 1 *

RES B R A S IL S O A N O S IL D E . AV

Via Arterial 1

Via Paisagística

Ciclovia

AV. EN G. SAN TANA

IL. DA FONSE CA

IÃO DE ABREU

AV. OLIVEIRA PAIVA

40 OARES - CE 0 S N O T G IN H S AV. WA

AV

JR.

.R

OG

AC

IAN

AV. AL M. MAX IM

AV. SE BAST

Via Coletora

OL

EIT

* Embora seja caracterizada como Via Arterial 1, a av.

E

Washington Soares/CE 040 possui comportamento semelhante ao de vias expressas, dado sua restrição de acessos.

figu ra 3.16 escala gráfica

Sistema viário BR 0

500

1.000

1.500 m

116 base: LUOS, 1996 fonte: Elaborado pela autora


LEGENDA:

Barreiras naturais

Ligações não projetadas

Invasões habitacionais em vias pré-existentes

* O “binômio ‘barreiras e permeabilidades’ é constituído tanto por obstáculos ao movimento de pedestres (edifícicos, jardins, piscinas, diferenças de nível etc.), quanto pelo sistema de espaços abertos’ onde esses movimentos seriam realizados” (PEREIRA et al, 2011, p. 9, apud HOLANDA, 2002, p. 97)

f igura 3. 17 escala gráfica

Mapa de barreiras * 0

500

1.000

1.500 m

base: Google Earth. fonte: Elaborado pela autora


Ademais, são poucas as permissões de cruzamento da avenida, fazendo-a comportar-se como via expressa, de baixa acessibilidade local, embora seja caracterizada como Arterial pela legislação vigente. Assim, muitos dos fluxos do entorno são dependentes da via para realizar seus deslocamentos, direcionando percursos (e consequentemente congestionamentos) para a avenida. Como já foi explanado anteriormente, a região apresenta padrões de ocupação fragmentados, dispersos e desconexos entre si, gerando fortes descontinuidades viárias. Entre outros impactos, “a configuração da malha leva os usuários de transportes, públicos ou privados, a percorrerem um labirinto de ruas que contribui para históricos congestionamentos nos fluxos casa-trabalho-casa ou casa-serviçoscasa” (HOLANDA; CAVALCANTE; BEZERRA FILHO, 2014). Embora o desenho da malha não seja suficiente para determinar casos de congestionamentos, entende-se que este, juntamente com impactos produzidos pelo padrão de uso e ocupação da região, muito contribuem para a difícil prática de deslocamentos na área. Além disso, uma análise mais criteriosa sobre as vias do entorno da av. Washington Soares/CE 040 demonstrou a existência de diversas invasões em espaços antes destinados à circulação, diminuindo consideravelmente as possibilidades de passagem (ver figura 3.17).

99


A centralidade linear e o impacto dos Pólos Geradores sobre os transportes A expansão dos bairros elitizados de Fortaleza carregou consigo, sendo causa e consequência deste, o deslocamento e a instalação de diversos equipamentos de comércio, serviço e instituições na região sudeste. Para VILLAÇA (1998), a crescente concentração de classes nobres em determinados espaços das cidades determina, nas regiões destino, a implantação de importantes exemplares do setor terciário, que, por sua vez, valorizam a área, alimentando o ciclo de novos empreendimentos imobiliários. A geração de viagens em determinada região é, portanto, produto de um sistema de fatores técnicos, sociais e sociológicos. Assim, não apenas a forma de ocupação e a sintaxe da malha viária, mas também o padrão de usos e pólos geradores encontrados na via são responsáveis pela conformação atual dos fluxos da av. Washington Soares/CE 040 e seu entorno. A avenida é, hoje, caracterizada como uma nova centralidade linear da cidade (DIÓGENES, 2012), concentrando diversos serviços e comércios de grande porte, que atrai inúmeros visitantes de todas as regiões da cidade. Além disso, por estar espacialmente distante, a cerca de 10km, das áreas centrais e mais densas da cidade, faz-se necessários grandes deslocamentos de diversos pontos da cidade para atingí-la, acarretando uma intensidade de fluxos considerável para a região. Cavalcante (2002, apud VASCONCELOS, 1996) trabalha, também ciclicamente, a relação existente entre o uso do solo e os transportes. Aplicando-se o diagrama da figura 3.18 à dinâmica da região estudada, vê-se que a acessibilidade possibilitada inicialmente pelo Poder Público gerou benefícios ao mercado imobiliário, que operou como agente produtor do espaço valorizando o solo por meio de diferentes usos e ocupações dadas às distintas porções da região sudeste. Posteriormente, a dispersão, especialização e concentração do novo espaço gerou maiores deslocamentos, que influenciou na escolha dos tipos de transporte utilizados pela população (principalmente o automóvel particular) e, com isso, produziu consideráveis impactos diretos e indiretos24 ao ambiente urbano. As novas condições de circulação, por fim, determinaram a aplicação de medidas de controle

100

como tentativas de amenizar os impactos supracitados, como as diversas reformas pelas quais a via passou nas últimas décadas.


ACESSIBILIDADE VALOR DO SOLO

MEDIDAS DE CONTROLE

SISTEMA DE CIRCULAÇÃO

AMBIENTE DE CIRCULAÇÃO AMBIENTE CONSTRUÍDO

USO E OCUPAÇÃO

IMPACTO AMBIENTAL DESLOCAMENTOS figura 3.18: modelo de Transportes x Usos do Solo x Impactos fonte: CAVALCANTE, 2002, apud VASCONCELOS, 1996. Adaptado pela autora

Quanto aos pólos geradores, estes podem ser classificados, de acordo com o nível de impacto causado por eles, em micropólos ou grandes pólos. O primeiro deles diz respeito aos equipamentos de produzem pequenos impactos, geralmente em seu entorno imediato apenas, como bares, restaurantes, farmácias e similares, enquanto os grandes pólos são aqueles que conformam atividades de considerável repercussão no tráfego, como shopping centers, universidades e hospitais. Estes últimos, de acordo com a legislação municipal vigente (LUOS, 1996), podem ainda ser classificados pela área construída que possuem ou pelo tipo especial de uso a que se destina (no caso, instituições públicas e universidades), em: PGT 1, PGT 2, PGT 3 e Projeto Especial (PE), em ordem crescente de impacto. Em suma, em quase toda a extensão da área de diagnóstico, a via é marcada pela presença de inúmeros pólos geradores, que se acumulam no espaço sem dar as distâncias necessárias para desafogamento dos fluxos atraídos (ver figura 3.19). Entretanto, algumas diferenças podem ser observadas quanto aos tipos de equipamentos construídos. Enquanto a porção mais ao Sul, nas proximidades da Seis Bocas, apresenta, além de grandes pólos, alguns pequenos comércios

24

Os impactos diretos dizem respeito àqueles tradicionalmente conhecidos, como poluições atmosférica e sonora, congestionamentos, padrões de viagens, entre outros. Os impactos chamados indiretos, por sua vez, dizem respeito ao futuro volume de tráfego gerado pela localização das novas centralidades. (CAVALCANTE, 2002)

101


e equipamentos de médio porte, como restaurantes, a parcela mais ao Norte, do Shopping Via Sul ao Iguatemi, é marcada pela intensa concentração de grandes pólos, sobrepondo os impactos por eles causados, influenciando pesadamente a operação do sistema viário, ao mesmo tempo que diminui, consideravelmente a qualidade urbanística do entorno. Muitas foram as tentativas de modificação física para amenizar o impacto causado pelo trânsito da avenida. Entretanto, observase que as intervenções mitigadoras propostas pela esfera pública (Estado e Prefeitura) para a região sudeste revelaram-se distintas e desligadas do planejamento de uso e ocupação do solo para a mesma área, também propostos pelas instâncias públicas. Vê-se a necessidade urgente de trabalhar ações para a política de transportes em consonância com aquelas acerca do controle de uso e ocupação do solo, e vice-versa, integrando-as em um planejamento sitêmico.

102


LEGENDA:

Pólo Gerador tipo PGT 3

Pólo Gerador tipo PE

Pólo Gerador tipo PGT 2

Pólo Gerador tipo PGT 1 FÓRUM

Salinas casa shopping

PROCURADORIA GERAL DO ESTADO (PGE)

PICANHARIA SUL

CENTRO DE FEIRAS E EVENTOS

MOLINA CENTER

CEARÁ AUTO SHOPPING

OURO VERDE

figura 3.19 escala gráfica

Pólos Geradores de Viagens 0

500

1.000

1.500 m

base: LUOS, 1996 fonte: Elaborado pela autora



Considerações Finais Diagnóstico Embora fosse primordial um entendimento retrospectivo e futuro da área de estudo para fins de diagnóstico, encontrou-se bastante dificuldade em obter dados precisos, documentos e fontes seguras que caracterizassem a evolução e atualidade da região, como projetos aprovados e em aprovação ou volumes estimados de tráfego. Acredita-se que a dualidade da via como avenida municipal e rodovia estadual tenha dificultado a unificação das informações, visto que alguns dados solicitados à esfera municipal e estadual não foram atendidos com a justificativa de não lhes ser cabível. Em geral, a problemática levantada pelo presente Diagnóstico revelou que, simultaneamente, o padrão de ocupações dispersas, a malha viária descontínua e a recorrência de inúmeros PGV`s muito próximos entre si foram decisivos para a conformação atual dos fluxos existentes na região. O espaço construído já consolidado (crescendo segundo as mesmas diretrizes de uso e ocupação do solo) e o expressivo número de veículos que circulam diariamente na região nos fazem questionar, em um primeiro momento, a real possibilidade soluções viáveis para a problemática levantada. Entretanto, como está hoje, o sistema de percursos massivamente apoiados principalmente no automóvel particular gera impactos catastróficos para a qualidade urbana da região (ver figuras 3.20 e 3.21).

figura 3.20: congestionamento na av. Washington Soares fonte: http://www.fortalbus.com

figura 3.21: congestionamento horário de pico fonte: foto Maira Limaverde

105


Entretanto, a intenção aqui não é demonizar o carro. Por mais que o uso do automóvel particular não seja desejável, em grandes volumes e para fluxos casa-trabalho-casa, por apresentar considerável perda de urbanidade para a cidade, entende-se que a crescente utilização desse meio não é apenas uma questão cultural ou de comodidade das camadas sociais. Embora o sintoma seja notado nos congestionamentos que ocorrem diariamente na região, a causa do problema não está no número de veículos em circulação que aumentam a cada ano, mas na produção de espaços cada vez maiores para os meios motorizados (especialmente o particular) em detrimento do pedestre e do ciclista, por exemplo. Esquece-se de pensar que qualquer tipo de mobilidade começa com o pedestre, seja em complementação ou no deslocamento propriamente dito. O espaço produzido no Sudeste ao longo dos anos colocou, sempre, em segundo (senão último) plano a construção de espaços para o habitante, para as pessoas, determinando a dependência de modais motorizados, visto as grandes distâncias a serem percorridas, o zoneamento desencorajador, a baixa acessibilidade do transporte público em vias internas, e a inexistência de rotas significativas para o ciclista. A região conta somente com uma ciclovia, bidirecional, localizada no canteiro central da avenida Washington Soares/CE 040. Embora o espaçamento desta seja confortável ao tráfego simultâneo de dois sentidos, o espaço é disputado com postes, fotosensores e placas. Além disso, a ciclovia não é arborizada em sua maior parte (ver figura 3.22), desestimulando o uso da mesma, já que a alta incidência solar da cidade, sem uma devida arborização, seria um condicionante à sua não utilização. Além disso, a faixa ciclável não é de fácil acessibilidade, já que o comportamento expresso da avenida dificulta ligações entre a ciclovia e o destino desejado (ver figura 3.23). Observa-se ainda que não existe uma rede cicloviária que integre a região a diferentes pontos da cidade. Na figura 3.16, vê-se que sua extensão tem fim nas proximidades do Centro de Feiras e Eventos, obrigando o ciclista a situações de conflito com motoristas que, em geral, não têm a cultura de educação e respeito ao compartilhamento

106

de espaços com modais não motorizados. Faz-se necessário, portanto,


figura 3.22: ausência de arborização fonte: foto Carlos Eduíno

figura 3.23: pouca acessibilidade à ciclovia central fonte: http://www.mobceara.com/

a criação de espaços de circulação e apoio (bicicletários) que priorizem o ciclista sobre os modais motorizados, de modo sugerir transportes alternativos que não o carro, reforçando a vida urbana, apresentando ganhos de saúde para a população e contribuindo à sustentabilidade. Em geral, as várias intervenções (reformas, alargamentos, túneis) que a Washington Soares sofreu desde a sua abertura demonstraram priorização clara dada ao tráfego de veículos motorizados, em especial o automóvel particular. As calçadas, mesmo que largas em algumas porções, não contam com acessibilidade desejável, arborização que torne a caminhada agradável ou espaços de permanência, como bancos. Além disso, as pouquíssimas praças encontradas estão abandonadas, com necessidades estruturais iminentes e, consequentemente, vazias. Por fim, toda a região estudada deixa a desejar no quesito urbanidade. Além da escala não humana, observada nos longos e monótonos quarteirões, nas grandes edificações com enormes afastamentos de estacionamentos e na inexistência de espaços que convidem as pessoas a utilizar o espaço público, o espaço de circulação (e permanência) é voltado, em sua maioria, aos veículos. Com tantos estímulos sucessivos, adicionados à ineficiência global do transporte público e desencorajamento de transportes não

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motorizados, é de se esperar que as pessoas não abram mão da comodidade do uso do carro. (ver figura 3.24 e 3.25) Faz-se necessário, assim, a proposição projetual de soluções que priorizem não somente a circulação, mas a permanência, prioritariamente, de pedestres e ciclistas nos espaços públicos, além da criação de espaços que priorizem o transporte público sobre o particular. Entende-se que só assim são alcançados os valores desejados para uma cidade para pessoas, viva, agradável, convidativa e segura: a cidade democrática de que falamos no subtítulo do presente TFG. (ver figura 3.26)

figura 3.24: ausência de escala humana fonte: http://blog.opovo.com.br/

108

figura 3.25 priorização de modais motorizados e comportamento expresso: passarelas de pedestres fonte: http://www.skyscrapercity.com/


109



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