VIOLÊNCIA
agora nós vamos FALAR sobre isso
O Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da UFV apresenta a revista ASPAS que chega abrindo espaços para nossas citações (sem ABNT). A ASPAS convida a todxs que queiram falar/ problematizar sobre as questões que nos afetam. Temos muito a pensar e dizer. Somos várixs e diferentes. Somos da “área de Humanas” e é isso que nos une. Queremos falar, ouvir e saber uns dos outros. A cada semestre, uma edição e um tema. A cada tema, várias vozes. Além do assunto-tema, a revista vai trazer também relatos de extensão, experiências de ensino e reflexões de pesquisa. Nesta edição, pessoas do CCH falam sobre violência. Na próxima revista, fique à vontade para sugerir um bom assunto. Boa leitura.
Editora Geral
PS: Muchas gracias às pessoas que fizeram a ASPAS acontecer!
Esta é uma revista (não científica) do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal de Viçosa, Edição 1 - 2015/1. Periodicidade: Semestral. Editora Geral: Laene Mucci Daniel. Secretários de redação: Robson Filho, Ana Carolina Zeferino. Designer gráfico: Malena Stariolo. Diagramadores: Malena Stariolo e Viktor Maforte. Produtores gráficos: Malena Stariolo e Ana Carolina Zeferino. Ilustradores: Éverton Marques (Mamãe) e Gabriel Novais. Revisores: Brenda Riguette, Renan Montico, Robson Filho e Vagner Peron. Fotógrafa de capa: Luana Mota. Fotógrafos de autores: Esther Dulci e Guilherme Queiroz. Antenas editoriais: Graça Floresta, Nádia Dutra e Rennan Mafra. Realização:
Sugestões/Redação: usinacch@gmail.com/cch@ufv.br/tel (31) 3899-2167
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A violência não vem só por eventos de natureza estrutural (os que estão aí são reais e têm cor, voz, sexo, raça, classe e lugar) também pela violência simbólica, negligência e omissão, pelo não ouvir e não falar. Aquilo que nem sempre percebemos, e que se torna natural nas nossas relações. De fato, não bastam para as Ciências Humanas e Sociais as características constituintes do homem no âmbito da vida, da linguagem ou da economia; há a força dos espaços de representações e sobre as quais vivemos, falamos, trabalhamos. De Platão a Yayoi Kusama, de Freud a Foucault, de Mc Marlon a Dalai Lama, há um local e uma distância que separam o empírico do transcendental para se identificar e compreender a violência. Um espaço principal da produção de conhecimento a ser ocupado pelas Ciências Humanas e Sociais. Pois uma relação de violência, barulhenta ou silenciosa, age sobre um corpo, sobre as coisas. Ela força, submete, quebra, viola, destrói e fecha possibilidades. É pervasiva e sutil. Tem mobilidade, pode circular e, muitas vezes, contenta-se somente em submeter (somente... sic!). E, às vezes, vem carregada e suportada por saberes que a explicam e justificam. Ainda assim, está relacionada com força e destrutividade. Porque tende à saturação (do outro...) E não é só conceitualmente que a violência tem a ver com o impulso de dominar e eliminar o outro, relacionada com a pulsão de domínio. Ela surge e se mantém, concretamente, por meio da nossa própria instabilidade, da nossa dificuldade de entender e aceitar que nossa verdade pode não ser “A verdade”. Instabilidade gerada pela existência de um outro diferente, com o qual não queremos concordar na nossa intolerável ferida narcísica que a presença desse diferente representa.
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Graça Floresta CCH
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Uma história de amor e dor A violência e o Cinema não passam de uma linda história de amor. Isso mesmo, daquelas que a gente vê nos filmes, com os casais de mãos dadas cantando na chuva, um completando a frase do outro, que dá vontade de ir até lá e perguntar “há quanto tempo vocês se conhecem?”. A princípio é até irônico que se veja dessa forma. Como pode a arte, tão bonita, pura e erudita, manter relações com algo tão baixo e vil como isso? A resposta é: dá certo! Mesmo. Nas palavras de Godard: “Tudo o que você precisa para fazer um filme é uma arma e uma garota”. Prossigamos. Embora a violência seja tão antiga quanto Deus e o Diabo, aqui na Terra o Cinema ainda é novo. Mesmo assim, com pouco mais de cem anos de idade, a Sétima Arte já é bem crescidinha e passou por muitas pequenas e grandes revoluções. Em todas elas, desde o início, deu as mãos à sua amada como um recurso indispensável. Veja bem: em 1895, pouquíssimas pessoas conseguiam compreender o que era um filme e seus potenciais. A técnica ainda era incipiente e havia sido recém-descoberta, mas os irmãos Lumière resolveram, um belo dia, filmar a chegada de um trem à estação. Argumento simples: o trem vem do lado direito para o lado esquerdo da tela, em perspectiva diagonal. Existem pessoas na estação, o trem para, as pessoas sobem e descem, fim. Até aí, nada de espetacular, exceto ser o primeiro plano
de sequência da história ou o primeiro filme a ser exibido comercialmente. E foi justamente então que surgiu algo curioso. Em sua primeira exibição, enquanto o trem vinha “de encontro à tela”, várias pessoas que assistiam se apavoraram e fugiram para o fundo da sala com a ilusão de que seriam atropeladas, mutiladas e estraçalhadas pela locomotiva. Pois aí está o primeiro uso de violência no cinema, ainda que não planejado, arrancando intensas emoções no espectador. Vários gêneros cinematográficos foram fundados nos alicerces da brutalidade. O faroeste é uma mistificação da conquista do lado selvagem do vasto continente norte-americano. Na real, a coisa foi bem diferente. Não que tenha sido um mar de rosas, onde todos cantavam Give Peace a Chance de mãos dadas, mas, de acordo com um artigo veiculado pelo Instituto Mises, o maior número anual de homicídios em qualquer cidade do velho oeste dos EUA foi de cinco. Isso mesmo, cinco pessoas, o que é o equivalente a uma manhã indisposta para o Clint Eastwood no menos sangrento de seus filmes. A verdade é que Hollywood encontrou uma aliada muito forte na violência e passou então a vender duelos, tiros certeiros, assaltos a diligências ao
preço de qualquer dólar furado. Pouco precisa ser dito sobre os filmes de terror, tendo ele uma cena com sequências rápidas de cortes de Jason (Friday the 13th, 1980) ou com mutilações explícitas de Jogos Mortais (Saw, 2004). Existem, ainda, filmes como Laranja Mecânica (Clockwork Orange, 1971). Dirigido por Stanley Kubrick, o longa retrata a força da opressão dentro de uma sociedade, seja ela por parte das pessoas, seja pelos meios ou pelo Estado, inserido em um contexto distópico incrivelmente verossímil. Outro que merece ser comentado é o controverso Violência Gratuita (Funny Games, 1997), que está disposto a discutir, pasmem, a banalidade que é abordada a violência no cinema. Filmes de guerra, em sua esmagadora maioria, são compostos por armas, tiros, repressão. Thrillers ou suspenses, como são mais conhecidos, transmitem perseguições, crimes não resolvidos, pessoas desaparecendo e corpos aparecendo, o medo da dor. É só parar para analisar e verá que em cada um deles há violência explícita ou implícita. Outro fator relevante é o ataque aos ouvidos. Não que este que vos escreve tenha algum problema com palavrões, mas o fato de O Lobo de Wall Street
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(The Wolf of Wall Street, 2013) possuir a contagem de 569 “fucks” pronunciados ao longo de seus 180 minutos denota uma forma de agressão ao espectador. Sem contar os outros palavrões. E não se trata de um filme pé de chinelo sem qualquer expressão. É uma mega produção do renomado Martin Scorsese com um elenco que conta com Jonah Hill e Leonardo Di Caprio. A questão é tão controversa nos Estados Unidos que existe até mesmo um documentário sobre liberdade de expressão e censura nos filmes. Seu nome: Fuck. Grandes diretores construíram seu império (monetário e ideológico) tendo a violência como sua arma principal. Caso interessante: no início dos anos 60, Hollywood já havia arrancado todos os dólares possíveis com seus filmes clássicos. O público, até então deslumbrado, perdeu o interesse nas mesmas histórias água com açúcar de sempre, galãs e mocinhas, bandido malvado e feio, herói bonitão e luta do bem contra o mal. Foi então que uma turma de diretores novos começou a ganhar destaque. Inspirados na New Wave francesa, eles vieram com uma proposta mais visceral e próxima da realidade. O mundo não seria mais um conto de fadas mágico com direito a final feliz. Nele haveria sexo, drogas, rock and roll e, naturalmente, violência. A galera do New Hollywood entrou com o pé na porta, se apoiando na contracultura, tendo seu ápice nos anos 70. Levaram Cannes, Oscar e qualquer outra premiação dita importante que você puder pensar. É só nomear o festival e eu digo um filme dessa corrente que levou a estatueta para casa. Num táxi em Nova Iorque, na máfia ítalo-americana, nas calçadas de Veneza ou nas mandíbulas de um gigante tubarão, a violência é usada não só como entretenimento, mas como um meio de crítica social. Ao contrário da “era de ouro de Hollywood”, essa nova geração estava disposta a mostrar o lado ruim do mundo, sobretudo do
dito american dream. Estavam prontos para discutir a igualdade racial, a guerra, questionar tiranias e os paradigmas particulares ou universais. Isso não é novidade no cinema e nem durou para sempre, mas certamente a influência no cinema norte-americano e, consequentemente, em suas derivações pelo mundo pode ser sentida até os dias de hoje. A violência não é uma só. A começar, bons filmes não agridem necessariamente os nossos olhos. Quantos de nós não nos sentimos incomodados por um ponto de vista que nos violentam as ideias? Incomodam porque suas perspectivas são plausíveis, bem construídas e fazem sentido. “Nós compramos coisas que não precisamos, com um dinheiro que não temos, para agradar pessoas que não gostamos.” Pois bem, é valendo de proposições como essa que Clube da Luta (Fight Clube, 1999) afeta seus espectadores. O nome remete ao óbvio, mas a luta não é o que há de mais agressivo. O filme é narrado por um homem que não possui sentido na vida. Vive um consumismo desmedido, tem um emprego que não lhe satisfaz e visita grupos de ajuda em busca de algo que lhe traga humanização e ajude a sanar sua insônia crônica. Uma sucessão de fatos faz com que ele encontre com Tyler Durden, uma espécie de mentor com quem funda um clube que reúne homens para lutar entre si. Assumindo os riscos de quebrar algumas regras, vou mais além. Trata-se de uma metáfora de desconstrução: quebra de inércia, desestagnação e rompimento de paradigmas do personagem que, por sua vez, se encaixam também com questões existenciais de nosso próprio tempo e espaço. Um desapego que queima desde seu pequeno império de coisas acumuladas, passando por sua carne, até o centro de seus ideais. O ensino pela dor. É claro que existem exceções para a regra. Sabemos que a violência não é o único recurso aplicado
no cinema, mas eu arriscaria dizer que é o principal e mais recorrente. As formas de uso são tão múltiplas que certamente algumas boas delas foram deixadas de fora deste pequeno ensaio. Então, a pergunta que fica é: por que somos tão fascinados pela dor? Uma resposta plausível seria porque a sociedade ocidental viveu mais de mil anos sob o domínio majoritário de uma religião que buscava a salvação através do sofrimento da carne e as consequências disso ainda são refletidas em nossa cultura. Desde as fotografias de guerra até as batidas e explosões minuciosamente produzidas de Hollywood, o ser humano tem uma tara especial pela catástrofe, pelo bizarro. Isto é, quando não nos afeta diretamente, é claro. A dor que atrai, que prende os olhos, que vende fotos no jornal, minutos na TV e horas e horas de filmes é a dor dos outros, não a nossa própria. As imagens produzidas no cinema criam um distanciamento entre homem e arte, apesar da linguagem audiovisual gerar empatia suficiente para nos apegarmos a personagens da trama. Sabemos que por mais que milhares tenham acabado de morrer diante de nossos olhos em algum lugar da Iugoslávia, representado na tela, podemos terminar de ver o filme, dizer “Que catástrofe!”, comer uma pizza e ir seguir a vida numa boa. Seja como for, tudo que produzimos é resultado indissociável de nosso contexto, nossa natureza e nossa cultura. O mundo é um lugar violento. O cinema não poderia ser de outra forma.
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Leonne de Castro Cineclube Carcará
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No meu corpo, mando eu!!!!! Vista Poesia - Isadora Canela e Mariana Gouveia
“O corpo é meu. Faço com ele o que bem entender!”, “Do meu corpo, cuido eu!”, “O corpo é meu e eu exijo respeito!”. A essas vozes afirmativas e emancipatórias misturam-se outras tantas todos os dias nas nossas mais variadas práticas sociais. A corporeidade tornou-se o centro do debate e do manifesto na sociedade contemporânea, uma clara consequência da consolidação de uma sociedade individualista cuja marca é o corpo, responsável pela mediação entre o homem e o mundo, como afirma o psicólogo, sociólogo e professor Le Breton. Percebemos pelos discursos afirmativos uma evidente defesa de uma política corporal que exige determinadas atitudes e comportamentos, além de uma ética do ser, principalmente a dos corpos femininos. Embora a vigilância sobre os corpos femininos seja mais evidente, naturalizada e, na grande maioria das vezes, cruel
e violenta, neste texto não me deterei apenas a eles, mas, de um modo geral, como a nossa sociedade tem respaldado, mantido e reverberado certos modelos e padrões corporais, principalmente quando vinculados à tríade corpo-saúde-gordura. E ao confirmar determinadas causalidades, geram-se violências e massacres diários em relação àqueles que não se adequam aos padrões de magreza-leveza impostos principalmente pelas indústrias da moda, dos biocosméticos, da medicina e do fitness. O gordo é considerado hoje o novo vilão da contemporaneidade, diz a psicanalista Joana Novaes. Nessa mesma linha, o cantor e compositor Leo Jaime, em seu blog, em 2011, já nos dizia que o “gordo é o novo preto”. Tais afirmações avaliativas nos levam à compreensão de que o gordo carrega os traços da exclusão, do estigma, do preconceito; numa leitura mais agressiva o corpo gordo
é o não-humano, o abjeto, o monstro. Isso é preocupante! Leo Jaime se refere ao movimento americano “Fat is new black” que denuncia e combate a perseguição às pessoas que estão acima do peso. Sim, há uma perseguição por meio de um discurso de “moralização da estética” (bastante agressivo e falacioso) de que o gordo é incompetente, não é talentoso, não é desejável, é preguiçoso e pouco produtivo. Nas redes sociais, todos os dias, lemos e visualizamos atos intolerantes e desrespeitosos em relação ao corpo gordo. São, de um lado, piadas, ironias, comentários agressivos e, de outro, “conselhos”, dicas, uma avalanche de “pessoas do bem” dizendo o que o gordo deve fazer para se tornar mais encaixado na sociedade. No Grupo da UFV no Facebook, por exemplo, tivemos um caso assim. Um estudante perdeu a carteirinha, outro a achou e pos-
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tou o seguinte recado na rede social: “achei a carteirinha desse fracassado hoje perto do RU, vejam como ele é um falho na vida, é gordo e faz educação física, kkkkkkkkk”. Na foto da carteirinha, há várias setas vermelhas indicando o curso que o estudante faz. Esse post repercutiu. Dizem que o “rapaz” que postou é fake. A questão é: não importa se é fake ou não, o que me surpreende é o fato de o texto reforçar as relações causais excludentes e preconceituosas de que o gordo é vilão, é falho “na vida”, é fracassado, porque é gordo e estuda Educação Física. Como se a gordura o transformasse automaticamente em um profissional incompetente, inábil. Este texto é uma afronta; é inaceitável que isso aconteça, ainda mais dentro do espaço universitário, local de transformação, de quebra
a questões históricas, culturais, sociais, regionais, fisiológicas. A pessoa nem sempre é gorda porque ela quer, embora se identifique assim, e exige ser respeitada porque assim quer ser; mas, muitas vezes, são gordas por causa de questões fisiológicas e até culturais ou históricas. Negligenciando, muitas vezes, nossa estrutura óssea, nossa fisiologia, nos violentamos, submetemos nossos corpos a encaixes e formatos menores, plásticos, contidos: tiram-se peles e costelas, colocam-se próteses, injetam-se plásticos, toxinas botulínicas, gases: tudo isso para atender às demandas e exigências do submundo do mercado da beleza e da moda fitness, da moda lânguida, verticalizada, sem curvas, sem rugas, sem organicidade. A filósofa Marcia Tiburi, em ensaio na Revista Cult (2015), nos
Para não sermos excluídos, ironizados, rechaçados, agredidos, nos violentamos todos os dias para atendermos a um modelo de corpo onde nem sempre nos encaixamos com muita facilidade. de paradigmas (ou que deveria ser!). É como se estivéssemos jogando os gordos nas fogueiras! Olhares inquisidores que agem por meio dos corpos; é por meio do olhar que representamos o outro, que identificamos, classificamos e/ou julgamos aquele que nos é diferente. Para não sermos excluídos, ironizados, rechaçados, agredidos, nos violentamos todos os dias para atendermos a um modelo de corpo onde nem sempre nos encaixamos com muita facilidade, já que nossos corpos são múltiplos e variados devido
provoca sobre a essencialidade do plástico na vida contemporânea, afirmando que se já “fomos homem-máquina, hoje a substância é o homem-plástico”. De maneira bastante provocadora (mas pertinente) argumenta que “nossa carne é moldada nas academias como se fosse de plástico. Nossa pele deve ser lisa como ele. Materialidade morta, o plástico usurpa o lugar da natureza perecível e promete o imperecível”. O culto ao plástico se conforma com a vida artificial, com o desejo de ser imortal: corpos siliconados, protéticos, plas-
tificados. Será que queremos ser esta materialidade morta? Qual o custo desta plasticidade? Qual o custo deste anseio pela busca deste corpo que parece ser “ideal”, “padrão”? Essa necessidade de se ter um corpo que seja “imperecível”? O custo, na maior parte das vezes, é alto, altíssimo: transtornos alimentares (bulimia, anorexia), mortes em decorrência de dietas “milagrosas” e procedimentos cirúrgicos (plásticas, cirurgias bariátricas, entre muitos, muitos outros...), até a depressão e o suicídio, principalmente entre jovens e jovens mulheres. Muitas mulheres apostam TODA a sua “felicidade na/da vida” no corpo “padrão”, que geralmente é aquele fomentado e divulgado por modelos e manequins de passarela, blogueiras fitness, atrizes, que os tem porque precisam, muitas vezes, fotografar bem na televisão, no caso das atrizes; e as modelos de passarela, porque as roupas têm de ser as vedetes e não os corpos delas. Mas isso não é uma exigência e determinação do feminino; muitos homens também tem sucumbido a essa construção corpórea: alguns pela perfeição do corpo endurecido, “bombado”, musculoso; outros, pelo corpo enxuto, porém musculoso. Para isso: dietas, batata doce, frango, chia, atum, Whey Protein, ovos (sim, ovos; não são mais os vilões), treinos, até cirurgias. A sociedade precisa repensar essa relação com o corpo; nós precisamos refletir sobre a importância de nosso corpo na constituição de nossas identidades, de nossas relações sociais, de nossa forma de pensar as questões que nos rodeiam, ou seja, do nosso estilo de vida.
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Maria Carmen Aires Gomes Departamento de Letras
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Mídia, violência e espetáculo Uma das formas de compreender o presente é olhar para o passado. Pensar, a partir do que já fomos, no que nós nos transformamos. Assumir uma perspectiva histórica é interessante para a reflexão sobre o contemporâneo não só porque permite identificarmos as singularidades do nosso tempo, mas também porque possibilita observamos as continuidades. Assim, é possível fazer o presente tropeçar em suas crenças dadas como certas. Uma dessas certezas contemporâneas é a atribuição da mídia ao papel de nexo essencial entre violência e espetáculo. Filmes que nos fazem rir da crueldade e da sanguinolência, jogos que permitem a produção de prazer a partir de matanças generalizadas, séries que apresentam mafiosos truculentos e assassinos em série como heróis pelos quais devemos torcer e sentir empatia, o jornalismo mundo cão e seus apresentadores vociferantes... Exemplos não faltam para alimentar a ideia de que a mídia transformou, pela primeira vez ou de forma radical, a violência em espetáculo. Mas não é o caso. O vínculo entre violência e espetáculo já existia em outros contextos históricos em que a mídia não era onipresente. Os romanos puniam criminosos colocando-os em uma arena para serem devorados por leões sob os olhares atentos e vibrantes de um anfiteatro lotado. Séculos mais tarde, em praça pública, bem em frente à igreja principal de Paris, um condenado tinha seus membros atados por cordas a quatro cavalos que arrancavam em direções opostas para literalmente despedaçar - de modo bastante ineficaz e por isso mesmo mais doloroso e espetacular - o desviante. Os suplícios espetaculares desapareceram, mas não se apagaram as formas de espetáculo da violência. Ainda antes da expansão midiática, tornou-se popular na capital francesa, em meados do século XIX, a visitação pública a necrotérios para observação de cadáveres infantis como uma experiência de entretenimento. Na mesma época, ficaram famosos os então chamados shows de aberrações.
Se a mídia não tem protagonismo histórico nas relações entre violência e espetáculo, quais rupturas ela promove nessa dinâmica? Uma possível resposta exige pensar que a própria ideia de violência não é precisa ou estática. Ao mesmo tempo em que a mídia ganhava espaço no tecido social no último século, ampliavam-se as formas de compreensão da noção de violência, ancoradas num respeito cada vez maior à dignidade humana. Hoje se fala não apenas de violência física, mas também de violência linguística, simbólica, moral e psicológica. Não raro, jornalistas e comunicadores cometem os mais variados tipos de violência, sem sequer perceberem as feridas que provocam. O público se diverte com o sofrimento e a dor dos outros, inconsciente da violência que testemunha. Já nos causa aversão, na maioria das vezes, a exposição banal da violência física na mídia. Aprendemos a questionar, em grande parte, o espírito amoral de alguns produtos de entretenimento. Mas certas formas de violência ainda escapam à nossa sensibilidade. Talvez, um dia, nos incomode a brutalidade de assistir um jornalista estender o microfone para a mãe que acabou de perder seu filho em uma tragédia e perguntar, ao vivo e em transmissão nacional, como ela se sente.
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Henrique Mazetti
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Departamento de Comunicação Social
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Para sempre Yellow As férias de julho tinham tudo para ser ótimas. Conhecer o Recife, capital de Pernambuco, estava em nossos planos fazia um bom tempo. Para isso, pensamos em tudo: compramos muita comida, mandamos dar banho em nossos sete gatos, colocamos remédio para pulgas, pedimos a amigos que gentilmente ocupassem nossa casa para fazer companhia aos nossos oito animais domésticos que adotamos ao longo dos últimos nove anos. Afinal, para tirar férias é preciso uma logística que garanta o bem estar de nossos companheiros de moradia. No dia 23 de julho, porém, fomos surpreendidas com a notícia de que o nosso gato Yellow foi encontrado morto no quintal de nossa casa, lugar que fora cuidadosamente murado, gramado e cuidado para eles. Ao seu lado um rato morto! Penso que todos sabem que em casa que se tem gato, não tem rato, portanto, o rato veio envenenado de outro quintal para morrer e matar de maneira CRUEL o nosso gato. Em pesquisas realizadas no sentido de tentar entender o motivo de um rato envenenado vir parar em nossa casa, descobrimos que ele provavelmente estava envenenado por “chumbinho”, veneno esse “comercializado por quadrilhas que adquirem o produto de forma criminosa (através do roubo de carga, contrabando a partir de países vizinhos do Brasil ou desvio da lavoura), fracionam e/ou diluem e revendem no comércio informal. Algumas casas agrícolas comercializam esse veneno de maneira clandestina, tornando-se corresponsáveis por participar desse comércio ilegal”. Descobrimos que um rato envenenado por chumbinho não morre no local do crime, mas sai em busca de água para aliviar os terríveis efeitos do veneno. E o gato, ao morder o rato, é envenenado também e morre da forma mais sofrida possível. Sabemos que os maus tratos contra animais são hoje disciplinados pela Lei 9.605/98, em seu artigo 32, que diz: “Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: pena de detenção, de três meses a um ano, e multa. § 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos. § 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal”. Portanto, a violência começou bem antes da morte do Yellow, pois até mesmo um rato tem o direito de ter uma morte digna. E mais: o veneno colocado que matou o rato e o nosso gato poderia ter matado um ser humano. É importante esclarecer que a morte por envenenamento por chumbinho é hoje muito comum entre suicídio em humanos. E quem comercializa ilegalmente este produto é corresponsável. A nossa dor pela interrupção da vida de Yellow, que por quase cinco anos foi uma companhia doce, alegre e carinhosa em nossas vidas, nos levou a pesquisar e entender mais sobre envenenamentos. Infelizmente, nada poderíamos ter feito para salvar o nosso gato, cujo espaço entre sofrimento e morte durou cinco minutos, conforme foi possível ver pela câmera. Entretanto, iniciamos uma campanha de conscientização de combate à violência contra animais. Fizemos uma faixa e colocamos em frente à nossa casa, produzimos adesivos para carros, batemos de porta em porta na rua, tudo isso para disseminar a mensagem: Diga não à violência contra animais!
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Heloisa Raimunda Herneck
Departamento de Educação
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Adriana Maria Penna Colaboradora
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A lei é dura, mas é lei. Violência legitimada? Dura lex, sed lex. Toda pessoa, principalmente, todo estudante de Direito já deve ter ouvido essa expressão. A lei é dura, mas é lei e, portanto, deve ser respeitada, apesar da dureza da mesma. Mas o que seria essa dureza? A lei também pode ser violenta, assim como alguns atos violentos que ela combate? Então quer dizer que existe um tipo de violência que é legítimo e outros não? Antes de divagar sobre o tema, fazem-se necessárias algumas considerações: Ao pensar na violência, a primeira situação que nos vem à cabeça é de alguém sendo agressivo com outra pessoa, através da força física, principalmente. No entanto, a violência, assim como vários outros substantivos abstratos da nossa língua (como amor, felicidade, paz, etc), existe a partir do momento que nós, humanos, conferimos algum significado a ela. Sendo assim, numa situação de violência doméstica, por exemplo, a violência não se esgota em um tapa na cara, pontapés ou xingamentos. Existe todo um contexto por trás da agressividade que fez legitimar a violência, por mais que este não seja
visível a olho nu. Como sempre gostei de analisar as coisas de uma maneira mais holística, pretendo aqui, como estudante de Direito, relacionar violência e Direito através de um ângulo mais global, e não apenas diferenciar furto de roubo, por exemplo. Até porque, como já ressaltado, a agressividade é apenas uma das faces da violência. Pretendo demonstrar que muitas vezes o instrumento utilizado pela sociedade para combater a violência (as leis criadas e aplicadas) pode ser um disseminador da mesma, e o quanto isso é contraditório. Tal fato pode ser percebido claramente (se a violência for pensada naquele sentido estrito de agressividade) quando lembramos as ditaduras vivenciadas por vários Estados pelo mundo afora. É amplamente difundido que tudo o que os governos de Hitler, Mussolini ou de Garrastazu Médici fizeram fora baseado em leis, chegando-se facilmente à conclusão de que a Justiça e o Direito nem sempre andam lado a lado. Mas e atualmente? O Estado Democrático de Direito superou a violência?
Ao pensar sobre o tema, coincidentemente encontrei numa livraria o livro “Pilhagem: Quando o Estado de Direito é ilegal”, dos autores Ugo Mattei e Laura Nader. Este livro, como o próprio nome indica, trata da “exploração violenta praticada por agentes políticos poderosos que transformam os mais fracos em suas vítimas – a serviço da dominação cultural e econômica do mundo ocidental”. Um outro livro, “O Universalismo europeu: a retórica do poder”, de Immanuel Wallerstein, também aborda essa temática de como a violência é utilizada por um Estado para legitimar o poder e impor uma suposta superioridade cultural de alguns povos sobre outros, desde o período colonial. E saindo do plano internacional, voltando para o direito interno brasileiro, tais ideias defendidas por esses autores também podem ser aplicadas. Será que não é violenta a forma como o sistema penitenciário brasileiro pune os infratores da lei? Será que não é violento o pensamento de que diminuir a maioridade penal resolveria a criminalidade de um país? Naldinho Lourenço 23/02/2015
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Será que não é tão violento quanto o holocausto a lei ser dura para alguns e elástica para outros? Ou não é violento o Estado querer determinar como eu devo formar minha família? E a violência da polícia contra jovens (negros, principalmente) todos os dias? Você deve estar pensando “Essas desigualdades são impostas pelo capitalismo e as leis existem justamente para coibir as desigualdades e violências”. Sim! Pensou certo! Essa era pra ser a função do Direito: a paz social. O que ocorre é que essa paz que ele busca é expressão de uma violência que deixou de ser individual para ser coletiva, é uma violência de poder. Freud explica. Foucault também. As discriminações de classe, cor, gênero e orientação sexual são formas de se violar o direito à igualdade previsto constitucionalmente, aqui no Brasil, inclusive. Mas, apesar das leis proibirem tais comportamentos, eles continuam existindo e matando seres humanos todos os dias. E por quê? Percebe-se que diante de um contexto em que a violência está intricada, as leis se fazem necessárias, sim. O que é desnecessário e violento é a forma como elas têm sido utilizadas por determinadas pessoas, tanto por quem as aplicam, quanto por quem as interpretam, e também por quem criam as normas. Uma possível solução para o paradoxo que se instaura é a ocupação dos espaços de tomada de decisão pela sociedade civil conscientizada, e a conscientização daqueles que não o são, para que não prossigamos reproduzindo os discursos que legitimam as diversas violências, mascaradas por um Estado Democrático de Direito.
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Teresa Chaves Silva Departamento de Direito
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Nós pedimos com insistência: Não digam nunca: isso é natural! Diante dos acontecimentos de cada dia. Numa época em que reina a confusão. Em que corre o sangue, Em que se ordena a desordem, Em que o arbitrário tem força de lei, Em que a humanidade se desumaniza, Não digam nunca: isso é natural!” (Bertolt Brecht) 13
Aldemir Martins
Baseado em fatos reais: literatura e violência
O que passa pela cabeça do público leitor quando perguntamos sobre as formas de representação da violência pela literatura? Muito provavelmente, a maioria poderia fazer referência aos textos de autores mais contemporâneos como Rubem Fonseca, Dalton Trevisan, Patrícia Melo, Paulo Lins, Ferréz, Marçal Aquino. O que este público “esquece” é o fato do texto fundador da literatura no Ocidente, A Odisseia, criada por Homero para relatar a trajetória de Ulisses após a guerra contra a cidade-estado de Troia, trazer inúmeras cenas de violência em seu enredo. O segundo texto, também em versos, A Ilíada, relata os feitos dos heróis da Grécia Antiga contra os inimigos troianos. Apenas um exemplo retirado deste último texto: a cena que relata a fúria e a indiferença de Aquiles arrastando o corpo sem vida de Heitor, bem diante dos olhos estarrecidos do pai. Já em língua portuguesa, a tônica permanece: Os Lusíadas, de Camões, outro poema épico traz em seus versos decassílabos a história dos heróis portugueses. Para ilustrar um episódio representativo da violência, recorro à cena em que o esqueleto de Inês de Castro (a falecida esposa do rei que combatia os mouros) é vestido com trajes suntuosos e joias para cerimônia do “beija-mão”. O quadro é de arrepiar mesmo os mais corajosos inimigos do rei... E quanto à literatura brasileira,
como a violência foi e é representada? Bem, antes devo fazer uma explicação breve sobre a que me refiro como violência. Normalmente, pensamos que apenas as tentativas de agressão física e aquelas que são levadas realmente a cabo – tortura e assassinato – são classificadas como “violência”. Há o que denominamos violência psicológica e que faz de modo mais “silencioso” quase incontável número de vítimas. Não podemos ainda esquecer a violência perpetrada pelo Estado, seja colonial e/ou contemporâneo. Começarei o breve panorama pela literatura brasileira do século XIX dando destaque à representação feita por José de Alencar, tendo os povos nativos como modelo de nacionalidade. O que lemos, contudo, é o retrato de um corpo “indígena” completamente esvaziado de sua identidade própria. Outra amostra degradante dos textos alencarianos é a peça O demônio familiar. Nela, um jovem escravo é representado como uma espécie de “doença” capaz de contaminar a boa família, muito embora ele seja o responsável por unir o casal de jovens apaixonados ao final da trama. Pasmem, o castigo dado a ele, uma espécie de moral da história, é a liberdade. Ainda no século XIX, cabe dar destaque à obra de dois escritores: Machado de Assis e Aluísio Azevedo. O “bruxo do Cosme Velho” pas-
sa longe das peripécias ficcionais da personagem Harry Potter. Machado traz à tona do debate abolicionista uma voz do além-túmulo, Brás Cubas, oito anos antes da abolição. No romance Memórias póstumas de Brás Cubas, além da violência física tão naturalizada à época da escravidão, há o cinismo sem fim da personagem que dá título à obra. Outro texto machadiano para se pensar a herança de tanta violência e desigualdade é o conto Pai contra mãe. Nele se cruzam os destinos de um “trabalhador” branco que, na falta de outra profissão decide sair à busca de escravos fugitivos. O conto termina com uma sentença – “Nem todas as crianças vingam” – e nos faz refletir sobre a falsa facilidade com que algumas pessoas se ocultam atrás do biombo da meritocracia. Os textos de Aluísio Azevedo, por sua vez, encontram-se repletos de imagens preconceituosas com relação à população negra, mestiça e pobre. Para reforçar o peso dos estereótipos, sob a desculpa que tais personagens seriam “produto do meio em que vivem”, Azevedo se vale, principalmente, de duas figuras de linguagem: a coisificação e a zoomorfização, ambas responsáveis por eliminar a humanidade dos sujeitos representados, como se estes fossem coisas, objetos ou animais. Dois romances são de leitura obrigatória para compreender como funciona tal operação: O Cortiço, o texto mais conhecido de Azevedo e O Bom Crioulo, de Adolfo Caminha. Devo saltar para o século XX, obrigatoriamente indicando leituras: Os sertões, de Euclides da Cunha, o relato da Guerra de Canudos; Recordações do escrivão Isaías Caminha e Clara dos Anjos, de Lima Barreto, para reflexão sobre os preconceitos racial, de gênero e classe; um romance e um livro de contos de Monteiro Lobato: O presidente negro e Negri-
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nha; o relato de prisioneiro durante a I Guerra Mundial – A sinistra aventura – de autoria de José do Patrocínio Filho; Vidas secas e Memórias do cárcere (este último em dois volumes de caráter autobiográfico a partir do ponto de vista do escritor e preso político), ambos de autoria de Graciliano Ramos. Outro clássico que não deve ficar de fora: Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa. Nos estertores do século XX, há o romance Cidade de Deus, do carioca Paulo Lins, um divisor de águas no tocante ao que denominei literatura ruidosa, dentro do espectro das narrativas contemporâneas da violência. Outros marcos, já no século XXI, são o romance Ponciá Vicêncio e o livro de contos Insubmissas lágrimas de mulheres, ambos de Conceição Evaristo; o romance histórico Um defeito de cor, de autoria de Ana Maria Gonçalves. O breve panorama é certamente incompleto por natureza, pois a intenção foi de trazer para o público leitor contemporâneo alguns destaques no que diz respeito à representação da violência, mesmo em textos nos quais este elemento não ocupa papel central, como é o caso de Memórias do cárcere. Finalizo aqui, chamando atenção para uma característica presente na maioria destas narrativas: sua relação com a imagem – as cenas de violência – e nos textos mais contemporâneos a presença da intertextualidade também com a música, no caso mais específico de Cidade de Deus. Só uma advertência a quem se aventurar por tal seara: em sua maioria, tais narrativas – baseadas em fatos reais – nem sempre nos permitem a leitura por mero entretenimento...
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Adélcio de Sousa Cruz Departamento de Letras
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El Aplauso - Antoni Muntadas
Bastidores - Rosana Paulino
Violência e Arte forma e visibilidade dentro do campo das artes plásticas e visuais. A arte é ela mesma uma plataforma de denúncia, escancarada ou sutil, dos atos vis e covardes de uma violência silenciosa, oculta e invisível que acontece em casa, nas ruas e nos locais de trabalho e lazer. Abusos morais, físicos e verbais ganham um suporte estético e poético para dar vez e voz ao tema que os indivíduos e a sociedade preferem não ver ou debatem em escassas ocasiões. Women of Allah - Shirin Neshat
ManMan - Louise Bourgeois
Guerras, conflitos armados, assaltos, terrorismo são algumas formas de uma violência explícita que vemos todos os dias estampadas nas folhas de jornais e nas telas de tevês. Mas qual é o papel da arte em meio ao bombardeio midiático que nos cerca? Existe uma relação direta entre arte e vida. E se a violência faz parte de nosso cotidiano, a arte está aí para mostrar que essa realidade não está tão distante de nós. Atos violentos não figuram apenas em estatísticas abstratas e não acontecem apenas com o outro, esse sujeito abstrato e desconhecido, sempre distante do alcance do nosso olhar. A arte não é um mero espelho, mas uma janela por onde se pode ver e enxergar de muitas formas o que acontece dentro e o que se passa fora. A arte não põe apenas o dedo na ferida, ela aponta caminhos e também alternativas. Se quisermos sair de um estado de barbárie, imersos em atrocidades - às vezes veladas e quase banais, no qual estamos todos de alguma forma inseridos -, precisamos nos aproximar da arte. Será preciso deixar que ela entre, ainda que devagarinho, para ocupar um lugar onde a raiva, o rancor, o desrespeito, a in-
veja, a vingança, a falsidade e o autoritarismo se sobressaem. Assim como algumas das vanguardas artísticas que marcaram o século XX (o Futurismo, quando viu seu sonho ser transformado em pesadelo, ao se envolver diretamente na Primeira Grande Guerra), muitos artistas viram ou vivenciaram a violência, de perto ou à distância, mas conseguiram transformar a dor e a angústia em matérias-primas no desenvolvimento de seus trabalhos. Os quadros Tiradentes Esquartejado (1893) de Pedro Américo e Guernica (1937) de Pablo Picasso, ou mesmo as séries de gravuras e pinturas desenvolvidas por Goya entre os séculos XVIII e XIX, são obras sempre citadas para nos lembrar de episódios nefastos da história da humanidade. A arte contemporânea também se debruça sobre essa temática e artistas criam trabalhos, muitas vezes chocantes, dessa violência nem sempre explícita e muitas vezes velada, mas não menos perversa e brutal, que vivenciamos todos os dias. É essa violência quase invisível e aceita que vai deixando marcas na pele e no labirinto emocional. É o corpo individual, político e social que sofre as consequências da brutalidade, da ignorância e do descaso, e que ganha
A arte transforma. E, se acreditamos na capacidade criadora do ser humano, é nosso papel dar crédito ao seu poder transformador, pois é na arte que atitudes violentas - baixas e mesquinhas - são transformadas em ações e objetos carregados de sentido. A arte nos dá força e coragem para lutar por uma transformação real, onde o compromisso e o respeito com o indivíduo e a sociedade prevalecem. A arte nos faz acreditar que viver em um mundo mais consciente e equilibrado não é mera utopia.
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Mariana Lopes Bretas
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Departamento de Comunicação Social
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So wake me up Então me acorde when it’s all over quando tudo acabar
“Eu sou branca, hétero e rica, eu tô no topo”. Este é o bordão da personagem Senhora dos Absurdos, da obra “220 Volts” para TV e teatro do ator Paulo Gustavo. Abro este texto com essa referência para trazer em ponto a questão da violência. Violência essa presente em todo e qualquer lugar que vamos e fazemos parte. “Eu tô no topo” – pelo fato de ser branca. Eu que vos escrevo sou negro. Tenho pai negro e avós paternos negros, além do meu avô materno ser negro. Sou magro, alto e tenho cabelo afro, ou black power,
como comumente dizem. Esta caricatura que acabo de descrever já me rendeu muitas opiniões. Algumas bem interessantes e outras nem tanto, como a de um dia desses, indo de ônibus para uma festa. Uma beldade feminina branca e de straight hair me disse que eu deveria passar um dólar para os bandidos do bairro todo dia – fazendo referência ao seriado americano “Everybody Hates Chris”. Em outro momento ela proferiu o seguinte texto: “Posso tocar seu cabelo?” Eu permiti. Ela: “Nossa, mas é macio, não pensei que fosse. Até porque
ele é ruim, né? Opa, não pode falar ruim, é crespo, né?!” Diante disso, eu não me senti ofendido. Mas sei que o comentário foi uma violência. Essa de cunho racial e causada totalmente por um estereótipo onde o negro é aquele de passado sujo, trazido de longe e que não tem as características físicas mais belas para os padrões da sociedade. Faço este relato pessoal e deixo em aberto algumas questões: Por que não conseguimos ver as pessoas da forma que elas são? Por que o diferente é tido como ruim, errado ou estranho? Por que o negro sofre racismo? Por que o índio sofre racismo? Por que o branco sofre racismo? Por que as pessoas cometem racismo? Gostaria de destacar que a violência racial não é exclusividade do negro. E todos sabemos disso. Mas o que vejo no meu contexto social e inter-racial é uma maioria negra que é violentada pelo simples fato da pele ser escura, do olho não ser claro e do cabelo não ser liso. Poderia eu citar casos de racismo mundialmente conhecidos. Mas não. Meu discurso é breve. Escrevo em primeira pessoa e este texto não é literário. Seu conteúdo é totalmente lícito e real.
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Lucas Araújo Silva
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Departamento de Letras
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O enfrentamento da violência familiar: os diversos lados da mesma moeda Os argumentos utilizados para combater a violência social e o debate que se instala, quando este tema é tratado, é recorrente em todos os encontros pessoais, seja no âmbito doméstico, no local de trabalho, nas ruas ou nos mais diversos relacionamentos humanos. A discussão se justifica à vista das constantes notícias relacionadas à violência que são veiculadas, quando não são por nós vivenciadas, em nossa sociedade. Ali, a mãe troca moradia pelo corpo de sua filha ainda criança; ao nosso lado, mulheres são vítimas da ira de afetos; por toda parte, o medo do outro que rouba, que assassina, que estupra e mata nos ameaça e nos impele a pensar em possíveis soluções para reduzir a violência em nossa sociedade. Permeando tais conflitos, o Direito surge como o liame pacificador que se realiza entre a sociedade e o conflito, buscando seu permanente
apaziguamento. Neste contexto, a violência social passa a ser enfrentada frontalmente, mediante a correta aplicação da lei, instrumento do qual se vale o Direito. E nas famílias brasileiras, o enfrentamento da violência merece especial proteção do Estado, principalmente porque é, de acordo com a Constituição Federal, sua base. Em razão disto, após 1988, os princípios garantidores da proteção à família passaram a incidir sobre as leis, alterando-as, como se deu, por exemplo, com o Código Civil Brasileiro e com o Código Penal, ou inspirando a criação de novas leis de proteção e coibição a todos os tipos de violência contra a pessoa ou contra a entidade familiar. Assim, passa o ordenamento jurídico brasileiro a conferir à família uma proteção mais ampla, reconhecendo-a em suas diversas manifestações. Tornam-se então reconhecidas
as uniões estáveis, conferindo-lhes a lei o status de família; ficam reconhecidas também as uniões homoafetivas, dando o Supremo Tribunal Federal interpretação ao art. 1723 do Código Civil conforme a CF/88, amparando as uniões entre pessoas do mesmo sexo que, voltadas para a formação de uma família, assim devem ser compreendidas. A família extensa ou ampliada passa a ser juridicamente definida como aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade. Por sua vez, o Código Penal passa a punir mais gravemente o crime de lesão corporal quando praticado no âmbito familiar contra membros da família ou contra pessoas com quem o agressor conviva ou tenha convivido ou, ainda, prevalecendoVista Poesia - Isadora Canela e Mariana Gouveia
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-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade. Recentemente surge a expressão feminicídio, caracterizando a situação criminosa em que o crime de homicídio passa a ser mais gravemente apenado e se torna hediondo quando praticado contra mulher, pela sua condição de sexo feminino. Leis também são criadas para coibir as diversas formas de violência com base nos mesmos princípios garantidores da proteção da família e à pessoa humana, onde se destacam a lei de proteção às mulheres vítimas de violência doméstica, conhecida como Lei Maria da Penha, a lei de proteção às crianças e adolescentes, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Estatuto do Jovem. O termo violência passa a ser compreendido na legislação brasileira de maneira bem complexa. Na lei Maria da Penha, que cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, as relações pessoais permeadas por este tipo de violência, que não ficam adstritas à orientação sexual, ficam protegidas as mulheres vítimas de violência decorrente de qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. No Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o público infanto-juvenil é o destinatário da proteção prioritária e absoluta do Estado. De maneira pontual esta lei vem dar cumprimento ao dever constitucional imposto à família, à sociedade e ao Estado de assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, os direitos inerentes à pessoa humana, destacando-se aqueles relacionados ao respeito à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Assim disciplinando, a CF/88 impôs ao legislador o dever de elaborar uma legislação que efetivamente
Nas famílias brasileiras, o enfrentamento da violência merece proteção do Estado assegurasse os direitos que elencou, situando a família como o primeiro lugar e instância onde eles devem se realizar e fomentando sua estruturação através de um sistema que garantisse a proteção integral de crianças e adolescentes, como fez o ECA. A criação e a educação da criança e do adolescente no seio da sua família se tornam garantia legal, prioritária e absoluta. Tudo isto porque a família é a base do Estado e destinatária de sua proteção especial. É de se mencionar o recente Estatuto do Jovem, lei publicada em agosto de 2013, que passa a disciplinar os direitos dos jovens, assim compreendidos aqueles entre 15 e 29 anos de idade, estabelecendo os princípios e diretrizes das políticas públicas de juventude e criando o Sistema Nacional de Juventude. De acordo com este Estatuto, todos os jovens têm direito de viver em um ambiente seguro, sem violência, com garantia da sua incolumidade física e mental, sendo-lhes assegurados a igualdade de oportunidades e facilidades para seu aperfeiçoamento intelectual, cultural e social. Merece especial atenção uma de suas diretrizes que se volta a zelar pelos direitos dos jovens com idade entre 18 e 29 anos privados de liberdade e egressos do sistema prisional, formulando políticas de educação e trabalho,
incluindo estímulos à sua reinserção social e laboral, bem como criando e estimulando oportunidades de estudo e trabalho que favoreçam o cumprimento do regime semiaberto. Com tais considerações, o tema violência deve ser discutido mediante o conhecimento das práticas necessárias ao seu enfrentamento, onde a realização das boas leis é, por decerto, o instrumento para o seu combate. Afinal, o Direito até hoje construído no Brasil, quando o assunto é a violência, decorreu de enfrentamentos e lutas contra a própria violência. Vale lembrar as ideias do filósofo alemão Rudof Von Ihering, para quem o direito não se realiza se desprovido de força, onde “a defesa do direito deve ser, sobretudo, um dever do interessado para consigo próprio e para com a sociedade, porque os direitos são obtidos na luta, duramente conquistados e mais duramente mantidos”.
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Luciene Rinaldi Colli
Departamento de Direito
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A violência a partir do olhar de Paulo Freire Não há no mundo alguém que possa afirmar não ter experimentado alguma forma de violência em sua vida, uma vez que ela se apresenta a nós nas suas mais diversas facetas, em todos os lugares habitados pelo homem. Se olharmos para os livros sagrados, todos trazem alguma marca de formas de violência. Povos massacrando uns aos outros pelas históricas guerras injustificáveis. Os motivos são diversos: ciúmes, invejas, dinheiro, prazer e poder, que danificam as boas relações entre nós, seres humanos. Muitos perderam a própria vida na busca pela paz tão desejada pelos povos. Desde os faraós no Egito até a atualidade, podemos encontrar alguém sendo escravizado. Não faltaram os libertadores. Moisés marcou a história da humanidade na luta para livrar o povo hebreu das mãos do faraó. O filósofo Sócrates, na sua busca pela verdade, foi condenado ao envenenamento e teve uma morte cruel. Jesus Cristo afirmou com veemência que todos deveriam ter vida em abundância e foi pregado, covardemente, em um madeiro. Luther King lutou pela justiça em favor de seu povo e foi assassinado. Inúmeros sacerdotes e religiosos perderam suas vidas em prol do povo simples, injustiçado pelos poderosos. Índios e negros foram escravizados e, muitos, dizimados. As sociedades do mundo inteiro se dividem em muitos pobres e poucos ricos. Vivemos desde os primórdios uma “perfeita” desigualdade. Em meio a tantas opressões, um educador brasileiro iniciou no nordeste do país o seu trabalho e contribuição pela libertação de seu povo e logo foi preso, no período da ditadura, levado para a cadeia em Brasília e, de lá, exilado na Bolívia. Não se adaptando com a altitude daquelas terras, o educador pediu asilo ao Chile, onde foi recebido pelo então
ministro da reforma agrária. Naquele período, escreveu o manuscrito de Pedagogia do oprimido, entregou-o ao então ministro Jaques Chonchol que tratou logo de publicá-lo. Depois de seis anos de exílio e de muitos trabalhos junto aos camponeses do Chile, Paulo Freire se tornou conhecido nos centros mais importantes do mundo, como Estados Unidos, ensinando em Harvard e, em seguida, convidado a trabalhar no Conselho Mundial de Igrejas em Genebra, Suíça, de onde assessorou trabalhos de libertação dos povos em diversos países do mundo. Por que me alongo nessa história? Porque Freire dedicou toda a sua existência em prol da libertação dos lascados da terra, contra a qualquer tipo de violência. Ao escrever “Pedagogia do Oprimido”, não escreveu para os oprimidos, mas sim do oprimido. É o sujeito oprimido e violentado que se liberta e, se libertando, tem energia suficiente para libertar também o opressor. Seu objetivo é a libertação de ambos. “Na verdade, porém, por paradoxal que possa parecer, na resposta dos oprimidos à violência dos opressores é que vamos encontrar o gesto de amor. Consciente ou inconscientemente, o ato de rebelião dos oprimidos, que é tão ou quase tão violento quanto a violência que os cria, este ato dos oprimidos, sim, pode inaugurar o amor.” Para o educador pernambucano, enquanto a violência dos opressores faz dos oprimidos homens proibidos de ser, a resposta destes à violência daqueles se encontra infundida no anseio de busca do direito de ser. Os opressores, violentando e proibindo que os outros sejam, não podem igualmente ser; os oprimidos, lutando por ser, ao lhes reiterar o poder de oprimir e de esmagar, restauram-lhes a humanidade que haviam perdido no uso da opressão. Por isto é que so-
Não sou se você não é, não sou, sobretudo, se proíbo você de ser -Paulo Freire
mente os oprimidos, libertando-se, podem libertar os opressores. Estes, enquanto classe que oprimem, nem libertam, nem se libertam. A proposta freiriana é de que não haja nem opressor, nem oprimido, e sim a libertação de ambos, com a qual alcançaremos o homem novo. Por nada se justifica a violência, seja entre homens e mulheres ou dos homens contra a natureza e os animais. Daí a proposta de Paulo Freire em prol de uma educação para a liberdade, para a autonomia. Daí a importância de nós, professores, sermos educadores que, ao mesmo tempo que ensinam, aprendem com os educandos. Onde se recria uma relação de profundo respeito e amorosidade entre aluno e professor. Não são poucos os alunos que padecem com as nossas atitudes, quando utilizamos da avaliação para punir os alunos. Não são poucos os alunos que contribuem para o adoecimento de professores, que perdem o encanto com a educação pela indisciplina dos mesmos. Somente na amorosidade recuperaremos o encantamento e a ética entre o aprender e ensinar, que ocorrem simultaneamente entre educadores e educandos.
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Edgar Pereira Coelho
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Departamento de Educação
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Experiência em Ensino
“Trabalhar com tecnologia é entrar numa zona de risco” Arquivo do projeto
A internet em 2015 não é mais novidade. Há de tudo, para todos os gostos, jeitos e formas de acesso. Tem aplicativo que ajuda a emagrecer, a escolher vinho e até a acompanhar o ciclo menstrual. A lista é vasta e quase que infinita. E nos deixa a dúvida: no cotidiano das escolas, como lidar com essa presença maciça das tecnologias? Conversei com a professora Silvana Claudia dos Santos que ministra a disciplina optativa “Novas Tecnologias Aplicadas à Educação” na UFV e que é pesquisadora do assunto. Nós não nos conhecíamos antes e, durante este breve encontro, pude perceber que ela é uma entusiasta da educação. Ao falar dos desafios do ensino ligado à tecnologia, a animação era contagiante. Apesar de ministrar uma disciplina teórica, Silvana me explicou que busca tornar mais práticas as atividades em sala, aplicando na
vida cotidiana os conceitos da teoria. “A gente acaba falando do uso de tecnologias em qualquer área da educação. Eu procuro proporcionar, além de um estudo teórico onde nós aprofundamos o conceito de tecnologia, o estudo da tecnologia e a formação de professores, e as vivências práticas que possam ser significativas e contribuir com a formação dos professores no uso destas tecnologias”, explica Silvana. Na quase uma hora que conversamos, uma frase me marcou: “Trabalhar com tecnologia é entrar em uma zona de risco; se a gente quer fazer alguma coisa diferente, tem que assumir este risco”. Para manter a ousadia, ela destacou que o primeiro desafio é a infraestrutura. E me contou, no bom humor: “Algumas aulas foram ministradas via chat do Facebook. E justamente no dia em que estava programada uma destas aulas, a internet não funcionou. É claro que não é fácil”.
O uso da tecnologia no Ensino precisa, além de uma infraestrutura que funcione e que seja constantemente atualizada, da receptividade de todos. “A receptividade passa pelo receio do novo. A gente percebe que há muito receio da parte dos professores em lidar com isso.”, relata Silvana que, categoricamente, professa: “Não há como fugir, o que nos cabe é aprender a lidar com isso. É uma mudança de paradigmas. E a mudança efetiva acontecerá gradativamente. Lidar com tecnologia e educação é um trabalho de formiguinha”.
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Mariana Bellozi Departamento de Comunicação Social
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Relato de Extensão - Projeto
“Rede Moinhos: circulação de saberes e fazeres para a promoção da igualdade racial” Arquivo do projeto
Identificar, apoiar e divulgar práticas pedagógicas para a promoção da igualdade racial, especialmente na zona da mata mineira, este é o objetivo do projeto de extensão, coordenado pela professora Jaqueline Cardoso Zeferino do departamento de Educação, em parceria com o Fórum Mineiro de Entidades Negras (Fomene). Desenvolvendo, desde 2014, oficinas de dança afro-brasileira, estudos de temáticas relacionadas à questão negra como corpo e estética negra, atividades de socialização de práticas realizadas nos territórios educativos dos estudantes, educação para as relações étnico-raciais, educação quilombola, religiosidade de matrizes africanas e afro-brasileiras, entre outros temas, o projeto promove, bimestralmente, encontros com a Rede de Saberes Quilombolas, comissão do Fomene que trata de
questões relacionadas ao tema Comunidades Quilombolas, composta por mais de 20 entidades parceiras. Aprovado pelo Programa de Extensão Universitária (Proext), o “Rede Moinhos: circulação de saberes e fazeres para a promoção da igualdade racial” conta com a colaboração de Patrícia Vieira, bolsista estudante de enfermagem da UFV, Lucas Abreu, estudante de licenciatura em Educação do Campo da UFV (Licena) e cerca de 30 estudantes quilombolas da Licena. A partir de 2016, estão previstas 20 bolsas para estudantes negros(as) da UFV que vão atuar em atividades de mapeamento, fortalecimento e divulgação das práticas pedagógicas da zona da mata mineira. Segundo Jaqueline, que é ligada desde a adolescência a práticas da cultura afro-brasileira e se especializou em estudos africanos e afro-
-brasileiros em 2007, “nós constituímos a segunda maior população negra fora do continente africano, segundo dados da SEPPIR (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial”. E ainda assim, lamenta Jaqueline: “os currículos acadêmicos e as práticas pedagógicas escolares e não escolares apresentam-se bastante reducionistas no que se refere à educação para as relações étnico-raciais”. Se depender da professora Jaqueline e seu projeto de extensão, essas práticas vão aumentar.
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Laryssa Rocha
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Departamento de Comunicação Social
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Reflexão em Pesquisa - Projeto
“Os Filhos das Vítimas: análises do Desenvolvimento Socioemocional e dos Padrões de Comportamento de Crianças e adolescentes que presenciam a Violência Doméstica Interparental” Desde 2008, Karla Maria Damiano, professora do departamento de Economia Doméstica vem pesquisando sobre violência contra a mulher e violência doméstica, segundo ela, motivada pelo fato da violência contra a mulher ser um dos mais graves problemas da sociedade brasileira. Como comenta Karla, “é no âmbito doméstico onde acontecem as mais terríveis humilhações, agressões físicas e sexuais”. Sua pesquisa atual “Os Filhos das Vítimas: análises do Desenvolvimento Socioemocional e dos Padrões de Comportamento de Crianças e adolescentes que presenciam a Violência Doméstica Interparental” iniciou-se em 2012 e, desde então, tem produzido análises sobre a violência doméstica na zona da Mata Mineira, sob três aspectos diferentes: da vítima, dos executores da
lei e dos filhos das vítimas. As recentes reflexões da professora Karla têm sido embasadas pela teoria da personalidade e seus oitos estágios de desenvolvimento do psiquiatra Erik Erikson. Sua pesquisa, que conta com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e tem como objetivo principal analisar como a violência doméstica presenciada pelos filhos das vítimas afeta o curso de seu desenvolvimento socioemocional e seus padrões comportamentais, termina no fim deste ano de 2015.
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A violência não é força, mas fraqueza, nem nunca poderá ser criadora de coisa alguma, apenas destruidora. Benedetto Croce
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Laryssa Rocha
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Departamento de Comunicação Social
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Malena Stariolo
A violência do Mesmo à nuca do mundo A experiência de Comunicação está situada no centro da vida e não confinada aos instrumentos tecnológicos e mecanicistas. Os meios, a princípio, são de transmissão de informação e só se tornam “de comunicação” quando alcançam uma interlocução com as culturas, estimulando conversações e reposicionando os indivíduos em seus modos de dizer e fazer na coletividade. Nesta comunicação viva no cotidiano (mediada ou não pela experiência midiática), os indivíduos se constituem na relação uns com os outros, compartilhando aspectos em comum na comunidade. Tais aspectos expandem o conhecimento da vida em coletivo, sobre o indivíduo e habilitam os membros à comunicação. Na realidade dinâmica da experiência de comunicação – onde reside tudo aquilo que se nomeia, que existe de fato – ainda se encontra mais duas dimensões: percepções/ sensações na dimensão do sensível e aquilo já instituído no mundo coletivo, na dimensão lógica. O indivíduo nasce em um mundo onde as coisas já estão instituídas (como o alfabeto e as leis) e foram nomeadas segundo a cultura da comunidade. Porém, ao redor de todas as coisas, existe a dimensão do sensível: lugares, coisas e pessoas inspiram variadas sensações/ percepções (afetividades, intuições, paixões) que se associam às nomeações no campo da experiência. Mas esse indivíduo comunitário se constitui tanto nas relações com seus membros, quanto com outro de fora de sua comunidade. Desta maneira, os coletivos também se constroem na interação com outros. Porém esta relação se dá em meio a tensões, colisões, negociações e adesões, formando uma tessitura de experiências que medeia futuras comunicações. No contato com outras culturas, algumas comunidades
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preservam suas tradições com mais intensidade; outras promovem alguma mudança; e ainda existem aquelas mais abertas à experiência do que vem de fora. Cada comunidade encontra sua própria maneira de se relacionar com os elementos externos à sua cultura, enfrentando as problemáticas que derivam de suas escolhas. “Aquilo que vem de fora” adere e se entrelaça com a vida, adaptando-se às tradições da comunidade, provocando atualizações, hibridações e motivando transformações que, até certo ponto, podem ajudar na qualidade de vida do coletivo. Porém, em geral, aquilo que vem de fora e se associa com as culturas possui intenso traço vinculado ao massivo, um poder hegemônico que mundializou a cultura, reproduzindo os mesmos padrões, referências e traços atrelados ao consumo e ao mercadológico. Um dos principais efeitos disto nas comunidades estaria na singularização das coisas: tudo parece se tornar fácil demais; todos têm a sensação da sabedoria por conta do acesso às múltiplas informações; toda a tentativa de preservar as tradições pode ser vista como conservadorismo. Este seria, então, o ambiente tirânico instituído pela “comunidade mundializada”, que impõe os mesmos padrões de comportamento e consumo. Neste ambiente tirânico, as experiências desenvolvidas podem ossificar as mesmas lógicas, perpetuar os mesmos dizeres, valores e imagens. Percebendo e sentindo as práticas e coisas instituídas ao redor, o indivíduo constrói a mediação de sua experiência, coadunando ou negociando as interpretações, incisivas e afirmativas legitimadas e consolidadas pela “comunidade mundializada”. Por exemplo: a distinção pelo consumo de bens culturais, característica deste ambiente. A instituição de padrões como norma para pertencer ao coletivo faz parte da experiência desta “comunidade”, como duplamente se associa aos sentimentos próprios no
Dá trabalho enxergar nossas costas campo do sensível. Para ser aceito na “comunidade” o indivíduo precisa passar por rituais: as palavras-chave mais utilizadas, os comportamentos mais comuns, as maneiras de ser e de fazer já certificadas. É imposto um rito de passagem (uma lógica ritualística) que dá sentido e ordena os significados. Para ser aceito ele precisa fazer escolhas mais inclinadas à singularização. Tais padrões ritualísticos compartilham com as mesmas gírias, falas, discursos, narrativas, imagens, gestos e sons que fazem parte do ambiente comum desta “comunidade”. Assim, ela exerce seu poder e organiza os principiantes na hierarquia do ambiente comum. O Mesmo se torna comum, regulando as relações na “comunidade”. O divergente, então, configura-se como ameaçador à estabilidade do Mesmo. Aqui não podemos pensar em polarizações. O divergente não está na tradição clássica, na geração passada ou em alguma instituição religiosa, política ou social. Não se trata de um duelo entre o polo da “comunidade mundializada” versus “as tradições inventadas” clássicas ou modernas. O divergente seria, digamos, um terceiro elemento esquecido no tempo e no espaço. Quando convocado a estar presente, o divergente põe a comunidade para pensar suas práticas e lógicas instituídas. A sutil violência aparece no fechamento da comunidade para o divergente (assim, evitando refletir sobre suas práticas e lógicas); está na imposição ao divergente na direção de sua extinção, já que não se adapta às lógicas ritualísticas do Mesmo. Aquilo que diverge não aceita ser fagocitado para dentro das normas
e valores do ambiente tirânico, sem que haja ao menos um trabalho de crítica, capaz de um esboço mínimo de transformação na própria comunidade. A circulação e reverberação do Mesmo simplificam as coisas e a sociedade paga um preço alto por isto: a eliminação do contexto. O trabalho do contexto fornece sentidos à experiência e renova as sensibilidades ao redor. A tirania da intimidade na “comunidade mundializada” expande sua sutil violência sobre o divergente, assegurando estabilidade e hierarquia; e pseudo-segurança e poder. Fragilizado em sua invisibilidade, o divergente pode ser metaforizado, neste texto, como uma espécie de “nuca do mundo”. A nuca é uma região do corpo raramente vista por nós. Dá trabalho enxergar nossas costas. Precisamos cruzar os espelhos. Da mesma forma, existe trabalho em entender o que se esconde na nuca do corpo social a partir da leitura cruzada de alguns teóricos experientes, explicadores de contextos. Para terminar, voltemos ao exemplo da distinção pelo consumo. Se a felicidade está em consumir cada vez mais o padrão (moda), na busca de ser aceito na “comunidade mundializada” e se distinguir socialmente, natural que no campo do sensível desta experiência apareça o elemento humano da inveja. A inveja jorra em um mundo pautado na distinção social pelo consumo. E, como consequência da simplificação, torna-se natural matar o outro, já que se o indivíduo inveja a felicidade da outra pessoa, esse mesmo indivíduo procura sequestrar para si tal felicidade ou eliminar esse sentimento vivido pelo outro.
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Ricardo Duarte Gomes da Silva
”
Departamento de Comunicação Social
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“Não é a pobreza que explica tudo” A violência tornou-se parte do nosso cotidiano. Vivemos com medo. Seja de uma agressão física, moral ou psicológica. Os meios de comunicação podem estar elevando nossa sensação de que a violência tem aumentado, bombardeando-nos com notícias sobre guerras religiosas entre países, terrorismo, assassinatos em série, acidentes de todos os tipos, homicídios, latrocínios etc. Também noticiam sobre violência moral e psicológica, decorrente de discriminação de todo tipo – contra mulheres, negros, pobres, idosos, pessoas com deficiência e outras “minorias” –, que, não raro, se transformam em violência física e de diversos outros tipos de infração. Mas, no nosso país, não tenho dúvidas de que os atos violentos a que estamos sujeitos aumentaram. Não estamos em guerra com
outros países, mas vivemos num clima de guerra civil, com medo de sermos assaltados a qualquer momento, de sermos agredidos, enfim, de sofrermos algum tipo de violência. Estudo a pobreza e concordo que ela, como muitos teóricos defendem, acaba levando à marginalidade. Tudo empurra a camada financeiramente menos favorecida para o crime: a falta de dinheiro, de perspectiva, de estrutura familiar e de cuidados com educação. Como pode uma criança, sem uma educação adequada, transformar-se num cidadão consciente e honesto? Nem as famílias, nem as escolas e nem as igrejas estão conseguindo educar essas crianças. Muitas, então, vão cometer algum tipo de delito. Difícil imaginar, por exemplo, que, para as crianças que vivem em locais pobres, onde há
tráfico de drogas, a criminalidade não se torne algo banal, rotineiro. Vendas ilegais de drogas, roubos, latrocínios, homicídios, agressões, tudo faz parte do seu dia a dia. Faz parte, inclusive, a possibilidade de morte. Ela é iminente. Por isso, não acredito que pena de morte vá coibir essa criminalidade. Mas, mudemos o cenário. Vamos olhar para o outro Brasil. Não dos despossuídos, mas daqueles que têm perspectivas de um futuro melhor, que possuem famílias estruturadas e que têm condições de obter educação melhor. Vamos olhar para esse outro Brasil. Nele, não há infratores que geram violência para nós? Infelizmente, vejo que sim! E muitos. Basta olhar as notícias diárias nos jornais, TVs e rádios. A corrupção e o mal feito de todo tipo parecem tomar conta do país. Aline Soares
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Então, penso, não é a pobreza que explica tudo. Para os cientistas e para os tomadores de decisão das várias esferas da administração pública, seria mais simples se a pobreza explicasse tudo, ou pelo menos grande parte da criminalidade e da violência. Se assim fosse, programas de transferência de renda, aumento do emprego, aumento do salário mínimo e todo tipo de política pública que retirasse a população da condição de pobreza e miséria, reduziria os níveis de criminalidade e de violência. Deixo, então, minha lógica de economista, e tento raciocinar de outra forma. Como cidadã. E como uma pessoa que gostaria de viver numa sociedade melhor, em que pudesse ter o bem-estar de sair despreocupada pelas ruas em qualquer parte do país – infelizmente, nem em Viçosa é possível mais –, de saber que posso deixar qualquer objeto em qualquer lugar e que não serei vítima de furto, de que não preciso ficar o tempo todo atenta para não ser vítima de golpe de algum “esperto”. A pobreza e a desigualdade podem explicar parte da história. Mas, talvez, uma parte menor. Acho que vivemos uma crise moral. Uma crise institucional. Pa-
rece que o oportunismo, no pior sentido da palavra, ao invés de diminuir – quando identificamos e criticamos a “lei de Gerson”, ou seja, da “esperteza” nossa –, parece ter aumentado. Nossos princípios e valores morais parecem ter chegado ao seu pior nível Vejamos, por exemplo, os níveis de corrupção. Muitos dizem que sempre houve e que apenas não eram divulgados. Acredito que sempre tenha existido, mas não creio que ela estava entranhada em todas as esferas do setor público e privado, na dimensão que vemos atualmente. Sérgio Buarque de Holanda, já em 1936, em Raízes do Brasil, escrevia como aqui o público e o privado estavam entremeados. Mas, ainda assim, minha sensação é de que havia homens públicos probos. Atualmente, está difícil de acreditar na seriedade dos partidos e dos próprios políticos. Acredito, como muitos, que o cenário político que vemos é apenas reflexo da nossa sociedade. Os políticos apenas nos representam. Mesmo assim defendo que o exemplo tem que vir “de cima”. Na família, por exemplo, os pais devem educar os filhos, e não o contrário. Nesse sentido, precisamos de lideranças exemplares.
Mas façamos também a nossa parte. Infelizmente, quando todos queremos ser “espertos”, todos perdemos. Vivendo numa sociedade em que não há confiança nas pessoas, não é possível que haja bem-estar. Não é possível reduzir a violência. Enfim, como economista, sou favorável a políticas de redução da pobreza e da desigualdade. No entanto, como cidadã comum, que está sujeita a todo tipo de violência, não creio que esses são os maiores fomentadores da violência hoje. Acredito que vivemos uma crise de valores, uma crise institucional. Cabe, principalmente, às elites política, financeira e intelectual dar o exemplo. Mas, também, cabe a cada um de nós, por meio de atos corriqueiros e cotidianos, elevar a confiança dos que nos cercam. Numa sociedade cooperativa, creio que a violência deixará de ser objeto de tamanha preocupação, como ocorre atualmente.
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Silvia Harumi
”
Departamento de Economia
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Até que aconteça com você A cantora Lady Gaga lançou em setembro deste ano o clipe de “Til It Happens To You”, música que faz parte da trilha sonora do documentário “The Hunting Ground”, de Kirby Dick, que aborda os casos de violência sexual ocorridos nos campi universitários dos Estados Unidos. O emocionante clipe em preto e branco narra com imagens perturbadoras quatro histórias de estupro e adverte que esta é a realidade do que acontece diariamente nas universidades americanas. O vídeo mostra o drama e a dificuldade de superação pelos quais passam as jovens vítimas deste crime, buscando conscientizar e incentivar o não silenciamento dos casos, Na letra da música, feita em parceria com Diane Warren, Gaga fala sobre a impossibilidade de saber como é isso até que se passe pelo mesmo: “Você diz que vou me sen-
tir melhor com o passar do tempo, Nova York medidas de combate a que vou me recompor, que vou ficar abusos sexuais nas universidades. bem. Me diga, o que você sabe? Me “Todos temos a responsabilidade de diz como é que você pode saber. Até garantir que tenhamos leis mais sólidas para proteger que aconteça com as nossas estudanvocê, você não sates”, reivindicou a berá como é”. cantora no artigo Em dezemassinado junto bro do ano passado, Lady Gaga com o governador do estado. revelou que foi “É uma realidade violentada sexuestarrecedora que almente quando muitos na docêntinha 19 anos por um homem 20 cia, no governo e Assista ao clipe na sociedade em anos mais velho e geral ainda se negam a reque necessitou de vários anos de terapia para superar o trauma. conhecer. Hoje, muitas estudantes Contou ainda que não denunciou o universitárias sofrem abusos sexuais agressor, mas que um dia o encon- e poucos agressores são repreenditrou casualmente em uma loja, o que dos. Além disso, frequentemente as vítimas não têm os recursos que nea deixou paralisada de medo. Em junho deste ano, Gaga co- cessitam para se recuperar”, reforçou brou dos legisladores do estado de Gaga.
A realidade que Gaga mostrou no clipe e denunciou em seu artigo também é experimentada aqui por nós. Casos de violência contra as mulheres também acontecem em nosso campus.
Paulo César Guarino, chefe da Divisão de Vigilância da UFV, reconhece esta realidade, mas informa que há poucos casos registrados e que a maioria deles referem-se a brigas de relacionamentos, perseguições, ameaças e agressões de ex-namorados.
Em Viçosa na UFV
Apesar de não haver registros, são muitos os casos de violência contra as mulheres na universidade. Repito: muitos. O coletivo feminista Vacas Profanas recebe denúncias constantemente, desde situações que acontecem nos trotes – principalmente os dos
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cursos formados majoritariamente por homens –, assédios e machismo por parte de professores e funcionários até ocorrências mais graves como agressões e estupros. De acordo com Alice da Silva Vitória e Maria Júlia Brito, do coletivo, muitos destes casos são abafados. “A gente joga no ventilador para expor mesmo, pois, se deixar baixo, a UFV não vai divulgar. E, a partir do momento em que é exposto, eles têm que tomar alguma posição”, opinam as estudantes. Segundo a Pró-reitora de assuntos comunitários, Viviani Lírio, “quando há casos no campus, temos acesso e braços específicos de ação”. Ela conta que está sendo consolidada uma Política de Direitos Humanos, no momento em fase de discussão com os coletivos. Uma primeira versão foi criticada e algumas adequações foram feitas. Agora os estudantes
estão fazendo contrapropostas e estima-se que a política seja colocada em avaliação no próximo ano. Viviani informa ainda que as vítimas podem denunciar pela Ouvidoria, anonimamente ou não, e procurar a Pró-reitoria. O Coletivo Vacas Profanas está inserido no Fórum de Combate aos Opressores e procura resolver estes e outros casos demandados de mulheres que procuram ajuda. Tornou-se um ponto de referência, um refúgio ao qual as estudantes podem recorrer. Elas reúnem-se às quartas-feiras, às 12h30 na sala do DCE, no Porão, para conversar, desabafar e relatar situações que presenciaram ou pelas quais passaram para, a partir daí, discutir o que pode ser feito. De acordo com as integrantes do coletivo, os casos mais frequentes no campus, por serem naturalizados, são os de assédio,
principalmente verbal e de professores – e aí, neste caso, as alunas vítimas desta violência não sabem o que fazer. Entretanto, ainda segundo elas, desde o caso do professor que fez apologia ao estupro em sua página no Facebook, vários casos que estavam escondidos vieram à tona – as vítimas tiveram coragem de denunciar. A violência contra as mulheres no campus pode não ser registrada, pode estar sendo velada ou silenciada, mas acontece, sim. Acontece nas salas de aula, nos alojamentos, em todos os espaços. Ignorar é tão violento quanto. E esta violência não está limitada ao ambiente acadêmico apenas, vai além das Quatro Pilastras. Muitos casos têm ocorrido recentemente nas festas universitárias, como o que aconteceu com Mariana Singulani, estudante do curso de Letras.
#MachistasNãoPassarão Vista Poesia - Isadora Canela e Mariana Gouveia
Foi em um sábado de setembro. Primeiro dos dois dias da festa mais conhecida de Viçosa e uma das maiores micaretas universitárias do país, a Nicoloco. Multidão uniformizada com seus
abadás roxos. Canecas penduradas nos ombros e nos pescoços. Open Bar e música boa garantidos. Chuva no momento certo. Diversão à beça. Mas para Mariana a experiência foi outra.
Ela levou para a festa o ingresso do domingo e teve, então, que voltar para casa para pegar o outro. Quando retornou, não conseguiu encontrar suas amigas, de tão lotado que estava o lugar. E foi aí que iniciou o pesadelo. Andando sozinha à procura de algum conhecido, ela teve que se desvencilhar de vários homens que lhe puxavam, pegavam nela, tentavam beijá-la: o drama constante pelo qual as mulheres passam nas festas. Sem respeito, isso tornou-se comum. “Que mulher nunca passou por isso numa micareta? Estamos acostumadas, certo?”, ironizou Mariana. Em seguida, porém, ela foi abordada por um homem que parecia conhecê-la. De repente ele a empurrou para o meio de uma
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roda formada por cinco rapazes, que começaram a pular em volta dela, gritando. Desesperada, Mariana tentou escapar. Pediu para os meninos que a deixassem sair, mas eles mantiveram-na cercada. Foi quando ela escutou “Pega no peito dela!” e viu uma mão indo em sua direção. Instintivamente, tentou dar um tapa no rosto do sujeito, sem sucesso. A rodinha então se abriu. Todos riam enquanto Mariana fugia, bastante irritada. Em nenhum momento ela encarou os membros da rodinha, não queria reconhecê-los. Mas confessa que se arrependeu disso, pois assim poderia tê-los denunciado.
Mariana desistiu de ir à festa no dia seguinte e publicou um relato do acontecimento na página do grupo da UFV no Facebook: “Penso em tudo que poderia ter me acontecido, aqueles segundos dentro da rodinha dos babacas, parecia que eu ia ser estuprada, nunca me senti tão impotente e vulnerável. Ainda tem quem pense que estupro é coisa de gente doente, que o cara que faz isso tem problema mental, mas agora afirmo o que sempre pensei: é machismo, é achar que a mulher é um objeto. Mas eu não fui estuprada, né? Se estupro for penetração, eu realmente (ainda bem), não fui mesmo! Se você acha
que beijar a força, encoxar, passar aquela mão boba e tudo que não houver consentimento é algo normal, reveja seus conceitos e mude, mas mude rápido, ou você pode acabar estragando a festa de outras pessoas. Tenho certeza de que não fui a única que passou por isso e talvez alguém tenha passado por algo pior. Isso tem que acabar!”, desabafou. Foram feitos vários relatos parecidos aos de Mariana. A coordenadora da Casa das Mulheres – que faz parte de uma rede de enfrentamento da violência contra as mulheres –, Glaucia Arruda, informa que vários casos surgem principalmente após as festas e são, em sua maioria, de violência sexual. Ela aproveita para reforçar que caracteriza-se violência “não apenas o ato sexual em si, mas também o pegar, o tocar e o dizer de forma que agrida”. Preocupadas, as integrantes do Vacas Profanas convidaram as meninas que relataram seus casos para participar da reunião do Coletivo. Coincidentemente, estava acontecendo na ocasião a Assembleia de Políticas Públicas para Mulheres em Viçosa. Aproveitaram, então, o momento, para criar uma série de requerimentos, como a criação de um posto de apoio para mulheres nas festas, que seriam atendidas por outras mulheres. Para Mariana, esse posto de atendimento seria muito importante: “A gente poderia buscar esse apoio quando ficasse perdida ou quando passasse por situações como a que eu passei”. Também fizeram reivindicações como reverter parte do valor arrecadado nas festas para associações de mulheres, preparar melhor os seguranças e promover campanhas de conscientização. Toda esta problematização foi apresentada por uma inte-
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violentada. Mas no vídeo que vi parece que a cidadã não estava se importando, não. Parece que ela realmente queria ser estuprada”. O depoimento polêmico causou revolta, claro. As integrantes do Vacas Profanas retornaram à Câmara para protestar contra a cultura do estupro e a culpabilização da vítima, carregadas nas palavras do vereador. Ele, por sua vez, se desculpou, o que não ame-
niza a gravidade da situação. Os organizadores da Nicoloco procuraram o Coletivo e, junto com a Defensoria Pública, se mostraram dispostos a ajudar no enfrentamento da violência contra as mulheres. Dispuseram-se, inclusive, a conversar com organizadores de outros eventos, a fim de implantar as medidas combativas no maior número de festas possível.
“Parecia que ela queria ser estuprada”
culpa é do cara machista!”. De acordo com Glaucia, tem que se trabalhar contra esse machismo cristalizado, arraigado: “Isso é uma violência e precisa ser combatida!”. Para Mariana, não vai se conseguir educar os homens da noite para o dia, mas medidas de conscientização podem contribuir para que discursos machistas não sejam repetidos nas próximas gerações: “Deve-se ensinar a respeitar a mulher, o corpo da mulher e que o homem não tem direito sobre ela”. Alguns comentários apareceram na postagem de Mariana no Facebook. Um deles, postado por um perfil fake, comparou a situação dela na Nicoloco com “exibir um leque de dinheiro na rua”, que seria “pedir para ser assaltada”, culpando-a pelo fato de estar na
festa, “ambiente no qual já sabe-se que acontecem essas coisas”, de acordo com as descabidas palavras dos comentários. Esse pensamento errôneo da sociedade tem que mudar. As pessoas precisam entender que, ao invés de educarem as mulheres para se comportarem ou se vestirem de tal maneira, deve-se educar os homens a respeitar, pois o agressor é o único responsável pela violência e não a vítima. Alice e Maria Julia ressaltam que o diálogo com as vítimas contribui para fazê-las compreender que não são culpadas: “A vítima ouvir alguém falando que ela não teve culpa é essencial, pois a voz para denunciar só vem depois de perceber isso. E muita gente, por achar que tem culpa, deixa de fazer a denúncia”.
Luana Mota
grante do Coletivo na Tribuna da Câmara Municipal, junto com os casos de assédio e agressão que aconteceram na Nicoloco e que acontecem recorrentemente em outras festas. A integrante solicitou o apoio do poder público para combater esta violência. E o que aconteceu a seguir foi um lamentável episódio. Na ocasião, um vereador comentou: “Teve uma pessoa que parece que foi estuprada,
O discurso do vereador exemplifica um fato absurdo, porém, infelizmente, bastante comum – a culpabilização da vítima, ou seja, quando a vítima é responsabilizada pela violência que sofreu. “Quando fala que ela bebeu, que dançou de forma sensual, a roupa que estava vestindo... ela deixa de ser vítima e passa a ser a culpada, como se estivesse pedindo aquilo ou facilitando a situação”, repudia Glaucia Arruda, coordenadora da Casa das Mulheres. “A vítima nunca é culpada. Em hipótese alguma. É um absurdo tentar justificar estes acontecimentos. A culpa não é da bebida, a culpa não é da festa”, comenta Mariana Singulani e completa: “A
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Mulheres unidas em LUTA O Coletivo feminista Vacas Profanas se mostra bastante importante no combate à violência contra as mulheres. Para Alice e Maria Julia, as militantes do grupo são companheiras de luta e, juntas, conseguem adquirir força para encarar o machismo do dia a dia. Para Mariana, este tipo de violência é o crime mais silenciado que existe, uma vez que a vítima se sente constrangida para falar sobre o fato. “No meu caso me senti à vontade, mas talvez, se fosse algo pior, não falaria”, disse a estudante. “Mas é muito frequente e a gente não fica sabendo. Precisamos dar voz a essas mulheres para que a população fique ciente de que isso acontece!” Então, mulheres, não se culpem nem abram mão de sua li-
berdade e direito de escolha para evitar tais situações. E, principalmente, não fiquem em silêncio. Se forem assediadas ou agredidas, denunciem! A denúncia é importante para que as mulheres deixem de ser vistas como objetos sexuais e vítimas frágeis do poder dos homens. É importante para mostrar que elas devem ter controle sobre a própria sexualidade e que podem se igualar na sociedade. Apesar do medo e do constrangimento, procurem ajuda! Busquem o Coletivo ou a Casa das Mulheres – localizada atrás do Colégio Viçosa –, que informa, orienta, encaminha os casos e faz o acompanhamento das mulheres que sofreram violência. Podem também procurar a Delegacia, que também possui uma sala da Casa das Mulheres.
Luana Mota
Integrantes do coletivo Vacas Profanas fazem protesto na Câmara após o discurso do vereador.
“A persistência da violência contra a mulher” foi o tema da redação do ENEM 2015. Pertinente e atual, o tema permitia um só posicionamento: contrário à violência. Argumentos de defesa iriam na contramão dos Direitos Humanos e anulariam, assim, a prova. O fato repercutiu nas redes sociais, gerando posts como “obrigado ENEM por fazer sete milhões de pessoas pensarem no assunto”. E, homens, respeitem as mulheres, não as tratem como objetos. Aceitem o “não” sem insistir e sem exigir que elas expliquem o “não”. Entendam que cantadas e assovios não são elogios. Que não é intimidando, humilhando ou ofendendo que se conquista uma mulher. Que não é paquera quando não há o consentimento. Que a roupa que ela está usando, a aparência e o comportamento dela, o lugar e a situação em que ela está não são indicativos para a violência sexual. Saibam que fazer comentários obscenos, pegar, tentar agarrar e passar a mão é crime! Mudem estas atitudes que, não deveriam, mas foram naturalizadas. Mudem para que não seja preciso outras matérias como essa para mostrar para os homens como tratar as mulheres.
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Robson Filho
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Departamento de Comunicação Social
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Ensaio Fotográfico
Vitrine
A personagem desta fotonovela se chama Alice. Ela possui vários nomes, vários rostos, várias histórias, em vários lugares. Sua trama reproduz os relatos de três mulheres que já foram violentadas. Violência verbal, violência doméstica, abusos sexuais. Marcas originadas do caos. Alice pode ser fictícia mas suas experiências, seus traumeas, suas cicatrizes são reais. Equipe: Caroline Bacelar, Isadora Canela, Lucas Kato, Mariana Elian *Prêmio de melhor fotonovela no Congresso Intercom/2014
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Violência, desigualdade, diversidade
Laryssa Rocha
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Maria Clara Epifania
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Daniela Rezende
Departamento de Ciências Sociais
Robson Filho
ticas das vítimas: vide comentários sobre as mortes de jovens nas periferias de Viçosa, em que o suposto envolvimento com tráfico ou uso de drogas parece justificar sua eliminação; ou a alegação de que mulheres que se vestem ou agem de determinada maneira provocam a violência. Esses fatos devem nos provocar a reflexão sobre porque determinados tipos de violência são justificáveis e quais os impactos dessa tolerância perversa para a organização da nossa vida em sociedade. Em outros termos, devemos nos perguntar: o que essa violência seletiva e sua naturalização dizem dos princípios ou dos fundamentos que constituem a sociedade brasileira? Que ações ou estratégias podem ser desenvolvidas para que nosso convívio em sociedade seja orientado pelos critérios de equidade e valorização da diversidade? Como superar a violência como forma de interação com a diferença? Denúncias recentes envolvendo casos de violência em universidades brasileiras nos aproximam ainda mais desse tema e, se nos fazem pensar sobre o papel da universidade na reprodução da violência, também podem ser tomados como oportunidades para desenvolvermos estratégias para sua superação. As respostas para essas questões devem ser buscadas coletivamente, mas é possível pensar em algumas prioridades. O estabelecimento de canais seguros para que a violência possa ser denunciada, o tratamento tempestivo e eficaz das denúncias e a produção de informações e conhecimento sobre o tema são passos importantes e necessários.
Robson Filho
A violência se apresenta hoje como um grave problema e como uma das principais preocupações dos cidadãos latino-americanos. Além de seus aspectos associados à segurança e à sobrevivência, dimensões mais imediatas e aparentes do fenômeno, este nos impõe uma reflexão, também, sobre a organização da vida em sociedade ou sobre os pactos que fundamentam o convívio coletivo. Mais que um “problema social”, a violência pode ser tomada, então, como um reflexo dos processos e escolhas relacionados à construção e à organização da sociedade brasileira. Neste sentido, o fato de os riscos da violência estarem distribuídos desigualmente entre a população é um indicador de questões mal ou não resolvidas em nossa fundação. Essa desigualdade se apresenta na relação entre renda e criminalidade violenta ou na análise dos diferentes tipos de violência a que distintos grupos sociais estão expostos. Em outras palavras, a violência pode ser entendida como um fenômeno mais ou menos generalizado, mas que se apresenta de forma seletiva: algumas pessoas pagam com a bolsa, outras com a vida. Refiro-me, por exemplo, às altas taxas de homicídio de jovens negros, que assumem caráter epidêmico, configurando-se como extermínio ou genocídio que compromete uma geração. Ou à violência contra as mulheres, muitas vezes silenciosa, lenta e contínua, outrora justificada pela defesa da honra (uma virtude tipicamente masculina?) dos agressores. Ou ainda aos assassinatos de gays, lésbicas, travestis e transgêneros que, apesar de usualmente realizados com requintes de crueldade que permitiram classificá-los como crimes de ódio, são invisibilizados. Esses tipos de violência são ainda tolerados ou naturalizados e, até mesmo, justificados pelas caracterís-
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O respeito aos Direitos Humanos nas moradias estudantis Levantamento apontou uma realidade complexa, que agrega aos desafios acadêmicos histórias de homofobia, racismo e assédio, mesmo entre os próprios estudantes. realização de uma pesquisa, mas sim a de um levantamento inicial que permitisse identificar os gargalos mais relevantes e usar esse conhecimento para implementar ações da PCD. O esforço foi possível graças à idealização e ação sistemática de duas estudantes, Caroline Maria da Fonseca Lima e Ana Carolina Leonor, à época integrantes da Comissão de Moradores de Alojamento (CMA). Na Universidade Federal de Viçosa (UFV) há seis prédios de moradias estudantis, com vagas limitadas, totalizando 1.390 vagas. O levantamento junto aos Viviani Lírio orientou levantamento da moradores desses locais foi realidade sobre moradias estudantis. realizado em 2013 e contou com a participação de 92 es“Outro dia estava deitada de pijama, tudantes, cerca de 7% do total de quando cheguei aqui o porteiro já residentes dos cinco prédios: Velho, estava na porta.”, relata a estudante Feminino, Pós, Posinho e Novo. O de História e representante da Cotrabalho foi elaborado com apoio da missão de Moradores de AlojamenPCD e da Divisão Psicossocial, teve tos, Saraline Eduarda da Silva. Ela, uma primeira fase organizada ainda que está no Feminino há dois anos, em 2013 e foi concluído em 2014. respondeu ao levantamento realizaEntre as questões apresentadas do em 2013 e aponta um dos prono levantamento estavam a possível blemas enfrentados no local. violação dos direitos humanos sofriSaraline diz ainda que as entreda pelo estudante ou por terceiros; vistas que são realizadas pelas moa vivência de situações de opressão radoras para inserção de uma nova como racismo, homofobia, bullying, colega no quarto são munidas de almachismo, etnofobia, capacitismo gumas barreiras. “Já houve discrimi(discriminação em relação às pes- nação, racismo inclusive. Existe cersoas com deficiência), entre outros; to limite. Até que ponto isso não é além de avaliação da acessibilidade preconceito? O prédio, às vezes, tem dos prédios; a ocorrência de trotes muita vaga e a aluna não consegue nos alojamentos; assédio; e também entrar.” averiguação de realização de denúnOs dados coletados entre os cias sobre as questões apresentadas. alojamentos são distintos, mesmo
Esther Dulci
Nas moradias estudantis, casos de homofobia e uma sequência de trotes. O ambiente era de repressão, humilhação, agressões. O ano era 2012. “O preconceito é o principal problema dos alojamentos. É um ambiente extremamente machista”, afirma o estudante de Agronomia, Lindemberg Ribeiro Caetano, e morador do alojamento Pós, desde 2013. Ele veio de Belo Horizonte e chegou a ir para um dos quartos do Pós, mas não foi aceito pelo grupo e teve que sair do local. Uma semana depois, achou um novo grupo que o acolheu no alojamento. Lindemberg, que é gay, diz que dessa vez foi aceito na casa onde vive. “Me senti feliz por perceber que me aceitaram. Mas sei que a minha realidade não é o que acontece sempre”, conta. Foi a partir da observação de casos como esse que nasceu a necessidade de se conhecer melhor a realidade das moradias estudantis em relação aos Direitos Humanos, identificando casos de racismo, homofobia, preconceito de gênero ou quaisquer outros tipos de opressão que interfiram na vida acadêmica dos alunos em vulnerabilidade social. “A gente percebeu de 2012 para 2013 que havia muitas violências – vamos colocar assim – na universidade. Bastava uma”, aponta a Pró-reitora de Assuntos Comunitários (PCD), Viviani Lirio, à época Assessora Especial para Assuntos Estudantis da própria Pró-Reitoria. A PCD é responsável pelas ações de promoção da saúde e qualidade de vida da comunidade universitária, incluindo o serviço de moradia. Por se tratar de uma primeira sobrevisão, a proposta não foi a da
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entre aqueles masculinos e os femininos. “Não me surpreendeu que os maiores casos eram de homofobia e racismo. Racismo cada vez mais subliminar porque já é lei. Então vai nas entrelinhas ofensivas, mas ainda acontece, para a nossa tristeza. Assim como de gênero, no mesmo sentido”, afirma Viviani Lírio. No entanto, a pró-reitora se disse surpresa em perceber que uma parcela significativa dos problemas relatados, principalmente assédio, eram provocados pelos estudantes, muitas vezes residentes, o que, segundo ela, indica a necessidade premente de ações educacionais.
Ações As reclamações dos moradores apresentadas no levantamento foram avaliadas pela Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários. O estudo já apresentava como objetivo a elaboração de um plano de ação para superar problemas. Antes mesmo da finalização da compilação dos dados sobre o levantamento, foi realizada uma ação em que os trotes foram alvo da campanha “Não trate @s Calour@s com violência, diga não ao trote”, iniciada no primeiro semestre de 2014. A ação contou com uma arte do morador de alojamento Flávio Teodoro e não se restringiu apenas aos moradores de alojamenicluD rehtsE
Estudante afirma que há casos de discriminação nos alojamentos.
tos. Flyers, cartazes em diversos pontos do campus, adesivos e banners foram distribuídos por toda a universidade. Com o apoio do municipio, faixas com mensagens de boas vindas aos calouros e contra os trotes foram espalhadas pela cidade. Para 2016, a expectativa é de realização de circuitos de palestras para cada moradia estudantil. Pelo fato dos prédios apresentarem problemas distintos, as ações foram pensadas para cada um deles. “Se a gente identifica que em determinado local a homofobia é mais presente, como tem em um dos prédios, vamos trabalhar a homofobia lá. Se tem um prédio que o problema relacionado à religiosidade é mais presente, vamos trabalhar”, explica Viviani Lírio. Para melhorar o convívio entre os porteiros e os moradores é realizado um trabalho permanente. Nesse esforço destaca-se a importância do respeito, do tom de voz moderado, da parceria e da tranquilidade. Isso requer esforço na convivência. A partir das informações coletadas, percebeu-se a necessidade de novo levantamento, mais amplo e mais estruturado. Tal proposta já está sendo organizada pela PCD e deve ser efetivada no próximo ano, com o apoio das mesmas estudantes idealizadoras e de novos colaboradores, sob a coordenação do psicólogo Felipe Stephan Lisboa, atual assessor para Assuntos Estudantis da PCD. O questionário foi aprimorado e será expandido, mantendo a adesão voluntária, tanto para outros agentes da comunidade acadêmica, como para os campi de Florestal e Rio Paranaíba. Essa expansão do público-alvo deve-se, segundo a pró-reitora de Assuntos Comunitários, ao fato de que ficou claro que os problemas e as denúncias relacionadas aos Direitos Humanos que chegavam à PCD e aos seus órgãos relacionados vinham também de servidores e de estudantes que não eram residentes nas moradias estudantis. “A gente não pode esquecer também que tem estudante
em vulnerabilidade que recebe bolsa-moradia e mora na cidade. Então, o fenômeno que acontece aqui acontece em uma república lá na cidade”, afirma. Além disso, para a representante da Comissão de Moradores de Alojamentos, Saraline Eduarda da Silva, o levantamento é importante, mas há outras questões iniciais. “Talvez possa informar aos moradores a importância de se responder ao questionário. No outro não foi feito”, pontua.
Atuação efetiva O estudante Lindemberg Ribeiro Caetano pondera que houve melhorias na convivência nos alojamentos, mas acredita que isso não foi por qualquer interferência da UFV, mas pela própria vivência e troca de experiências entre os estudantes. “O papel da universidade é de orientar a formação humana das pessoas. Não é só aprender. Vamos nos formar para atuar com pessoas: gays, lésbicas, pessoas com deficiência, gringos, e a universidade não prepara a gente para essa vivência, pelo menos com o morador de alojamentos”, declara. A pró-reitora de Assuntos Comunitários, no entanto, afirma que a universidade está atenta aos problemas que acontecem no campus e ao redor. “Nós temos um longo caminho educativo aí, porque eu acho que faz parte da universidade essa formação, e nós temos a colaborar.”, conclui.
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Kelly Scoralick Departamento de Comunicação Social
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A violência nossa de cada dia? Há tempos ouvimos falar sobre a banalização da violência e o tempo apressado não tem parado para pensarmos sobre as pequenas violências. Por concordar com Lucas Araújo Silva, estudante de Letras e professor de Inglês no CELIN: “Violência é violência independente do tamanho”, quero falar sobre aqueles minutos ou frações de segundo em que a violência acontece na nossa cara, do nosso lado, repetida por amigos inseparáveis, colegas próximos, parceiros no amor, irmãos de fé, vizinhos antigos. “Violência é tudo aquilo
que impede minha liberdade causando dano à minha vida”, declara Olga Maria, professora do ensino básico, técnico e tecnológico da UFV, lotada no departamento de Economia Doméstica. Já repararam que a gente só vê a violência alheia e pode até jurar que vivemos na maior harmonia e respeito com todo mundo? A falta de respeito é a violência do dia-a-dia mais apontada pelas pessoas entrevistadas do CCH. Quando Josiane Vilela, estudante de História, diz que “passar na frente de alguém numa fila ou en-
trar em uma sala de aula atrasado sem pedir licença” são violências rotineiras; e Alejandra Cedano, intercambista boliviana, chama de violência “o falar mal de outra pessoa (...) e o uso exagerado da buzina” que ela chama de “contaminação auditiva e violência sonora”, ambas estão tratando de falta da respeito ao próximo. Assim como Mara Gabriele, estudante de Geografia, quando diz que “perturbar o sono de quem trabalha à noite e tem que dormir durante o dia” é prejudicar as pessoas. Falta de gentileza pode ser uma amostra de violência? Para Wescley da Silva Xavier, professor de Administração, um dos tipos de violência cometida pelo “ritmo de vida que estamos levando” é a falta de cordialidade no convívio, entre pedestre, aluno, professor, no trânsito e em várias instâncias. Já repararam que as pessoas têm fechado a cara até para nossos “bons dias”? E que muitos motoristas insistem em fechar os cruzamentos, enquanto as filas para o cinema, consultas médicas e até para o Restaurante Universitário vivem sendo furadas? No nosso ambiente universitário, presenciamos diariamente cenas de irritação, maus tratos e arrogância que configuram atos violentos, desde os cometidos contra o patrimônio público, como tem visto Alisson Freitas, estudante de Ciências Contábeis, até os interpessoais, como exemplifica Ana Paula Lucas, estudante de História, ao narrar um episódio cometido por um professor que julgou a vida e o futuro de um aluno. Abusar da boa vontade de um colega que “carrega o fardo dos trabalhos em grupo” ou não se comprometer com nada na república onde mora também
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representa a parte violenta do convívio universitário, segundo Vinícius Mendes França, estudante de Administração, que ainda reclama dos assaltos ocorridos no campus. Arrisco dizer que cada um de nós, ufevianos, já sofreu ou conhece alguém que já teve sua bike roubada, seu carro arranhado por um anônimo que fugiu, precisou engolir respostas ásperas de um atendente. Quem já não ouviu palavras malditas e indelicadas? A agressão verbal é considerada por Sheila Arcanjo Cupertino, técnica administrativa do CCH, “a pior das pequenas violências”. Palavras ofensivas e tratamentos ríspidos também incomodam Lucas Nogueira, estudante de Ciências Contábeis (“apelidos de má fé”), Mara Gabriele (“falar o que não deve na hora errada”) e Alejandra (“quando um homem fala palavrão e muitas coisas feias a uma mulher”). Alguns, como Leonardo Rodrigues, estudante de Geografia, se sentem invadidos pelas falas das operadoras de telemarketing que nos ligam a qualquer hora e “realizam força psicológica extrema para conseguirem vendas”. E por causa da sua insistência e fala mecanizada, os que trabalham ao telefone como têm sido xingados! Em analogia ao profeta Gentileza, podemos sim dizer que violência gera violência. Assim concorda Lusvânio Teixeira, estudante de Ciências Contábeis: “No dia a dia considero que a falta de educação e incompreensão de algumas pessoas
em atitudes fundamentais para um bom convívio social levam a prática/sofrimento de atos violentos. Situações e atitudes como a de motoristas que não respeitam a faixa de pedestre, que utilizam vagas de deficientes, pessoas que furam fila e outros tipos de injustiças viabilizam a prática da violência”. Essas situações e atitudes são tão comuns no nosso meio que “acho que não é violência se comparado às violências graves que ve-
mos no dia a dia”, defende Carla Fonseca, assistente administrativa da Comunicação. Rodrigo Abranches, estudante de Secretariado Executivo, concorda ao considerar as atitudes desrespeitosas (“furar fila, desrespeitar o silêncio, ganhar vantagens sobre algo que não te pertence, não cumprimentar, não responder mensagens, dentre outras”) como fatores culturais e/ou
pessoais e como falta de educação e gentileza Essa é a questão levantada por Wescley: “O problema é que cada vez mais se naturaliza ou não se reflete quando isso acontece”. Alguns atos são considerados culturais, portanto naturais de serem cometidos pelas pessoas, mas “quando, por exemplo, entro em uma padaria, alguma loja ou qualquer outro lugar e dou bom dia e falo obrigada e não recebo nenhuma resposta, aí sim acho que tem alguma coisa de errado. Não sei se consideraria isso um tipo de violência, acho que olharia mais como um desrespeito... que de certo modo não deixa de ser violência (risos)”, pensa alto Bruna Caroline, mestranda de Administração. Estamos cercados de violência e “algumas se tornaram tão culturalmente enraizadas que o próprio fato de apontá-las e reclamar delas é taxado como “vitimismo”, lamenta Kamilla Botelho, técnica em assuntos educacionais da Economia Doméstica, que observa a naturalização dos atos violentos no cotidiano: “violência contra a criança, o meio ambiente e os animais de rua”. Se por um lado existem as leis que punem os crimes ambientais, os crimes contra os animais, as crianças, adolescentes, idosos e mulheres; por outro, a violência obstetrícia nem é amplamente discutida e muito menos denunciada. Ensinar (para não dizer impor) às crianças comportamentos “de menina ou de menino” é algo que não
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se discute porque “desde sempre é assim, é o certo e nada tem de violento”, proclama em alto tom a maioria dos pais e mães. Largar o cachorro na rua porque ele está dando muito trabalho não é considerado abandono, “é assim que se faz, melhor para ele que vai ficar mais livre”, explicam os ex-donos. Os procedimentos médicos desrespeitosos, as piadinhas inocentes, as atitudes machistas, preconceituosas e sem cuidado passam despercebidos e são desculpados pela “normatividade da vida”, considerados atos naturais. Não “precisa discutir, acontece mesmo, é normal, você está exagerando”: é assim que reagem os que preferem a manutenção do status quo e nem têm tempo ou interesse para falar sobre isso. E é justamente o silêncio uma das formas mais violentas da nossa vida diária. Alguém que não sabe ouvir, só fala de si e não ouve o outro, vive cometendo violências sem saber. Alguém que fica mudo, literalmente, não responde às tentativas de diálogo do ser que diz gostar. Simplesmente resolve “não responder mensagens por pura falta de vontade...”, como destaca Mara Gabriele, certamente tem consciência que pratica a indiferença violenta, deixando o outro no vazio de atenção, no vazio sem palavras. As palavras, entretanto, nem sempre representam pensamentos bem informados, conversas respeitosas, diálogos inteligentes. Temos convivido nos últimos tempos com a falazada barulhenta das frases repetidas que tentam encobrir o vazio de ideias, como aponta a jornalista Eliane Brum: “O vazio de pensamento não é silencioso, mas repleto de clichês, frases prontas e repetições”. Em artigo no El Pais, a jornalista lamenta “o surto de burrice” que assola o país, exemplificado no falar sem pensar, repetir
sem criticar, compartilhar sem ler. Para Brum, é preciso enfrentar a boçalidade “que corrompe a vida, a privada e a pública, dia após dia”, com o pensamento. E para esse enfrentamento ela recomenda o livro “Como conversar com um fascista – reflexões sobre o cotidiano autoritário”, onde a filósofa Marcia Tiburi fala da prática da distorção de palavras, da produção de rótulos, do rebaixamento da linguagem à distribuição da violência. A violência nossa de cada dia surge então na ignorância reproduzida por discursos vazios de verdade e cheios de ódios. Em nome da família e de Deus, somos obrigados a ouvir cada coisa inacreditável. E haja estômago. O perigo maior é que o palavratório estúpido vindo de professores universitários, pastores, promotores e todo tipo de profissional de renome acaba sendo aceito, elogiado, repetido e compartilhado aos quatro ventos. E a violência acontece sem doer, pelo menos de imediato. Não dói e nem é percebida por quem a recebe. A vítima sente-se (coitada!) bem informada e dona da verdade. E os discursos vão refletindo e formando as práticas de convivência. E raramente a violência do silêncio - de
diálogo ou de ideias - é colocada na mesa, reclamada, reconhecida. E por ser constituída por atos automáticos e rotineiros se repete sutilmente em casa, no trabalho, na rua, “nas redes sociais e internet em geral”, como acrescenta Kamilla. Não prestamos atenção no pequeno círculo violento do nosso conviver. No nosso egocentrismo, apontado pelo Wescley, falamos mais alto com quem grita conosco, andamos ainda mais devagar quando ouvimos a estridente buzina do carro atrás, mandamos o filho calar a boca, o amor/amigo para aquele lugar... Todos concordamos com Itamar de Sousa, porteiro do edifício Fábio Ribeiro Gomes que “violência não é uma coisa boa”, mas quando pensamos em violência cotidiana, muitos de nós, talvez a maioria, não se coloca como o sujeito da ação violenta. É mais fácil, mais rápido e menos dolorido apontar os pequenos atos violentos cometidos por terceiros. É o estudante que não levanta os olhos do notebook quando o professor fala com ele, é a professora que não admite revisar a prova, é o colega que não apaga o quadro para a próxima aula (o que deixa indignada Nádia
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Dutra, professora da Ciências Sociais). É o outro que não tem paciência porque pensa de outro jeito, é o mesmo que deixou de me curtir porque mudei de aparência... Há décadas se diz que o mundo vive de aparências. Quantas de nós não sofremos para fazer as sobrancelhas, e os homens que depilam com cera quente até os pelos das costas ou fazem laser na barba! Tenho amigas que passam fome para emagrecerem até o dia da festa de casamento e há as que nem vão à festa porque não cabem mais no vestido do ano retrasado (Oi?). A violência contra o corpo é um mal naturalizado que cometemos a todo momento, contra o outro e contra nós mesmos: quando desprezamos alguém ao lado por causa do seu figurino e quando não damos conta de ir à piscina porque não estamos magras ou fortes o suficiente. Em nome da beleza-padrão sofremos com a calça apertada (lembram-se dos espartilhos de Downton Abbey?), o salto exagerado, as contas das calorias diárias, as horas na academia. Porque não nos encaixamos no modelo Gisele Bündchen ou Cauã Reymond, dá-lhe remédio para emagrecer, tinta no cabelo e muitos lamentos na frente do espelho. Vocês já pararam pra pensar que o Brasil é um dos líderes em cirurgias plásticas, cada vez mais realizadas por jovens? E que há – e não são poucas – adolescentes que já fizeram mais de uma cirurgia por motivos estéticos? A violência contra o próprio corpo tem sido questão de muita gente interessada em se livrar des-
sa tirania, em viver mais leve, sem roer de unhas, sem tantas amarras de modismos e padrões estabelecidos. Ainda mais tirana, a meu ver, é a violência a que nos obrigamos no convívio com certas pessoas. “Pessoas rancorosas ou mal-humoradas são, pra mim, um tipo de violência”, opinou Lucas Araújo. E o pior é que compactuamos e aceitamos os queridos violentos da nossa vida. Quando engolimos constantemente a grosseria de familiares, aceitamos a desconfiança desrespeitosa
dx parceirx, toleramos a rispidez dx amigx. Porque achamos que temos que conviver sempre com essas pessoas e que, um dia, elas vão apreender a delicadeza do relacionar-se, seguimos tendo dores de estômago, ataques de sonolência e faltas de ar. Em nome da boa educação, generosidade e cortesia, a gente se agride quando nos submetemos a essas relações descuidadas. E o pior é que acabamos por disseminar o veneno, devolvendo ao mundo nossa amargura, impaciência, preguiça, desesperança e medo. Daí o mundo (e não somente o Brasil, viu Chico Buarque?) vai se tornando o lugar da delicadeza perdida. A palavra violento (assim
como bárbaro e sinistro) vira adjetivo elogioso, sinônimo de sensacional e alta qualidade/performance (“O cara é violento, bom demais”). Os abraços são economizados, os “bons dias” mal vistos, as declarações de amor mal faladas. “Falar no que realmente importa é considerado uma gafe”, já dizia Clarice Lispector. E a gente vai aceitando que “a vida é assim mesmo, fazer o quê?”. O melhor é resignar-se, se encaixar e sobreviver. Não acredito que a gente sobrevive bem às pequenas violências. Vamos é morrendo aos poucos, cortando as asas aqui, largando pra lá, evitando pensar e falar. E se o contrário da morte não é a vida, mas o amor, como defendia Cazuza, o antídoto da violência diária então é o amor em pequenos – e diários – goles. Praticar, provocar e cometer gestos de amor (incluindo aí a paciência e a resistência em conversar com um fascista), enfraquece a violência que vai ficando sem lugar na vida da gente. “Creio que um pouco mais de sensibilidade, amor e humanismo podem remediar grande parte dessa violência”, recomenda Lucas Araújo. É um alívio saber que tem gente que ainda acredita “na capacidade do ser humano de ser melhor consigo e com o próximo”.
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Laene Mucci
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Departamento de Comunicação Social
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