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2011
Para Gracinha, de todos n贸s.
Vários momentos de Gracinha: na Primeira Comunhão, com a irmã Yedda, de tirolesa no carnaval, no dia de seu casamento, com amigas no carnaval do Iate Clube, com Bolívar, com afilhado no colo e com os cinco filhos em La Paz.
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Gracinha com Yedda, a sua m達e D.Nenem, cuidando de passarinho, na varanda da casa de Cachoeiro, com os irm達os Rubem e Yedda, com o neto Rafael, em San Francisco com sua filha Ana Maria, na praia em Jo達o Pessoa, ao lado de seu quadro e na Ponta do Siri, em Marata鱈zes.
Família reunida: em comemoração do aniversário de Claudio, com os 5 filhos na casa de Alvaro, com netos na casa de Beatriz em Guarapari e com Mariana, a neta caçula.
Apresentação Parte I As irmãs Coelho ...........................................................
19 Rachel Coelho, minha mãe ...................................... 23 Chico Braga, meu pai .................................................. 25 Caderninho ...................................................................... 27 Rua 25 de Março, 162 .................................................. 31 Lá em Marataízes ........................................................... 35 Olha lá o Zeppelin ........................................................ 37 Zig Braga ........................................................................... 39 Viagem de trem .............................................................. 41 Férias no Rio de Janeiro .............................................. 43 Casamento com Bolívar .............................................. 45 As primeiras cartas ........................................................ 49 Barriga de asa .................................................................. 53 Franqueza de criança .................................................... 55 Napoentá ........................................................................... 57 Bebeta em La Paz ........................................................... 59 A minha casa .................................................................... 63
Parte II
Minha querida mãe ....................................................... 73 Dever de casa .................................................................... 77 Receitas de Dona Gracinha ........................................ 81 Arroz de forno ................................................................... 82 Biscoitos de nata ............................................................. 83 Broa de fubá ..................................................................... 83 Ovos nevados .................................................................. 84 Soufflé de ameixa ........................................................... 84 Torta de nozes ................................................................. 85 A pintura de Anna Graça e sua vivência cultural ..... 87 Minha sogra adorável ................................................... 95 Minha avó é o máximo! e minha bisa é o dobro!! .. 99
Árvore genealógica
A idéia de editar um livro com as histórias que Dona Gracinha gosta de contar é bem antiga e deve ter passado pela cabeça de muita gente. Ouvi Carol dizer que este seria um dos primeiros projetos que gostaria de realizar quando se aposentasse. Ela pensava em fazer um livro com a ajuda dos pequenos da família. Algo bem alegre e colorido, para as crianças lerem e para as novas vovós contarem para seus netos. A coisa ganhou força quando Cláudio achou por bem instalar um computador na casa de mamãe para que ela pudesse desfrutar das maravilhas da informática e se distrair com as possibilidades da internet. Mamãe poderia se valer da intimidade que tinha com os teclados, adquirida nos tempos em que trabalhou no Cartório de um irmão. Vez por outra andei sentando diante do computador com Pipa na cadeira ao lado, atentíssima. Depois de ajudá-la a responder as mensagens que ela recebe e de abrir os arquivos contendo coisas engraçadas, imagens bonitas e fotografias de parentes, tratei de começar a colocar as histórias dela nos arquivos. Ao assumir a agradável incumbência de redigir alguns dos seus relatos preferidos, sugeri algumas histórias que a ouvia contar com grande entusiasmo, como a da vez que foram ver o 11
Zepellin passar no céu de Marataízes e das manias de Zig, seu cachorro que detestava homem fardado. A vida na fazenda do Frade, as irmãs Coelho que se casaram com quatro rapazes Costa, as idas de trem ao Rio e acontecimentos com os filhos pequenos são lembranças que têm força suficiente para se manterem intactas e presentes por tantos e tantos anos. Devo dizer que a atenção de mamãe ao que vai sendo escrito na tela é permanente. Ela não deixa que se escreva uma palavra a mais e é econômica no uso de adjetivos e redundâncias. Não há “ç” que fique no lugar de “ss” ou um “s” onde deveria ser “z”. O texto tem que ser direto e verdadeiro. Agora no Natal o assunto do livro voltou à pauta familiar. Bebel atiçou o quanto pôde e Manaira prometeu fazer o projeto gráfico. Carol ficou satisfeita e lá fui eu mais um pouco puxar pela memória de mamãe em busca de mais histórias. Achei por bem pedir que contasse como foi o casamento dela com papai e alguns fatos vividos com os filhos ainda pequenos. Não poderia ficar de fora o que consta do caderninho de meu avô, com o registro das datas de nascimento e morte de parentes, coisa que ela guarda como relíquia. Ajudaria a tornar acessível um pedacinho da história da família formada por Chico Braga e Nenem do Frade. Diana sugeriu incluir as receitas de doces que a vida inteira comeu na casa dela, a começar pelos famosos biscoitos de nata de Vovó Gracinha. Ao tomar conhecimento da empreitada, Ana Maria confirmou que tinhas as receitas em casa e mandou as mais famosas, inclusive a da Broa de Milho, cuja casca torradinha mamãe deixava Dr. Edson Moreira, o pediatra de nós todos, comer todinha, em agradecimento pelas consultas. No começo do ano passado, pedi a Bebel que desenhasse os 12
móveis da casa de mamãe. O texto sobre eles já tínhamos escrito em duas ou três sentadas, as imagens poderiam reforçar as palavras. Diana se animou a fotografar alguns quadros pintados por mamãe, sobretudo o que ela diz ser a sua obra prima, a Casa dos Braga, onde nasceu e viveu por muitos anos. Depois Cacá fez um registro fotográfico de seus quadros e objetos de arte. Neste começo de ano, quando tudo isso aconteceu, Beatriz estava em Guarapari, com os dedos longe do teclado. Ela me disse que o trabalho que ela fez na faculdade sobre a nossa casa em Cachoeiro já tinha sido parcialmente aproveitado no livro sobre tio Rubem. Conseguimos incorporá-lo aqui também. O sobrado em formato de chalé é uma espécie de troféu de família. Uma simpática referência para todos nós. Quando soube do que estava sendo feito, Cláudio lembrouse de incluir as cartas do começo do namoro de mamãe com papai, que estão muito bem guardadas no grande livro de capa de couro que ela ganhou do marido. Dá gosto de ver o amor dos dois, bem sei que dá vontade de chorar, de tão bonitas que são as cartas de um para o outro. Cláudio se dispôs também a falar dos quadros que ela andou pintando, que estão nas paredes do apartamento dela e nas casas dos filhos. Rafael está revisando e atualizando a apresentação de fotos de mamãe que fez muito sucesso na comemoração dos 85 anos dela. Vai ajudar a enfeitar a nossa festa. Bebel, por sua vez, tratou de atualizar a árvore genealógica que havia produzido com Manaira há quatro anos. Como sabemos, as novidades são muitas. Dos filhos de Dona Gracinha, Afonso é quem tem a memória mais potente e quem conta as histórias mais antigas. Sendo assim, seria natural que ele escrevesse alguma coisa sobre a vida da caçula dos Braga, da mãe de cinco, da avó de 16, da bisavó de 9 e da senhora sempre alegre e jovial que foi adotada definitiva13
mente por mamíferos e por fãs locais, nacionais e internacionais. Quando os textos já estavam quase prontos, faltando apenas retoques e correções, lembrou-se de incluir no livro a contribuição dos genros e noras, dos netos e bisnetos e de Dona Graça. Mesmo porque, já tinha gente reclamando, querendo escrever também. A ajuda de Carol na revisão dos textos foi fundamental e Bebel caligrafou os títulos e tudo mais. Trabalhou-se pesado no fim de semana para que as meninas pudessem editar tudo, cuidar de fazer uma bela capa e conseguir mandar para a gráfica pelo menos 5 dias antes do dia G, de Gracinha. Ao ficar decidido que a festa seria no Spírito Jazz, casa de shows onde a aniversariante sempre vai assistir shows de filho e de netos, Bento e Murilo resolveram cuidar da produção musical do evento. O microfone estará aberto para Beatriz, Luiza Amália, Carol, Dani, Cláudio, Afonso, Bebel e mais quem se aventure a cantar e fazer Dona Gracinha ter certeza que a família que ela criou é, de fato, muito animada e musical. Assim, este pequeno livro é um presente para a nossa querida aniversariante dos dias 25 de Janeiro desde 1922, um simpático testemunho de parentesco aos seus descendentes e às pessoas que fomos agregando ao longo da vida, uma pequena demonstração de amizade aos seus queridos amigos. Viva Dona Gracinha! Alvaro
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empre foi muito bom sentar ao lado de Dona Gracinha e ficar ouvindo ela contar histórias, nas quais os personagens são sempre pessoas amigas e da família, nos lugares mais variados. Testemunham uma vida passada ao lado de gente que ela gosta, que começa na fazenda do avô dela, percorre cidades do interior e capitais, aqui e lá fora. Parece que tudo aconteceu há pouco tempo atrás.
Minha mãe era filha do fazendeiro Joaquim Coelho, dono da Fazenda do Frade, distante umas duas léguas do centro de Cachoeiro. Naquele tempo era comum os fazendeiros contratarem uma professora para cuidar da educação das crianças, como alfabetizá-las e ensinar um pouco de aritmética e prendas domésticas. Mais tarde eles mandavam os filhos para a cidade a fim de frequentarem uma escola regular. As filhas aprendiam a costurar e a fazer a roupa dos irmãos menores. As irmãs Coelho eram seis. Elas eram filhas da minha avó Jerônima, conhecida por Nominha, e de meu avô Manoel Joaquim Coelho. Rachel, minha mãe, era a mais velha de todas. As outras eram: tia Meca, tia Adelaide, tia Pequenina, tia Aurora e tia Tutucha, a única que não cheguei a conhecer. Tio Trajano, tio Maneco e tio Adrião, completavam a família Coelho, que vivia na fazenda do Frade bem de fronte de uma pedra enorme conhecida por Mãe do Frade, que fica pertinho das pedras do Frade e da Freira. O que é interessante é que quatro das moças Coelho se casaram com quatro irmãos da família Costa, que morava perto da fazenda do meu avô, nas redondezas de Rio Novo. Eram eles: 19
Chico Costa, Alvaro Costa, Luiz Costa e Nhozinho, o mais novo, que também não cheguei a conhecer. Minha mãe gostava de contar que quando uma de suas irmãs se casava com um dos irmãos Costa, a outra já começava a namorar um dos concunhados. Ela comentava o fato, ressaltando que só ela e tia Meca não se casaram com um Costa. As duas já deviam estar casadas quando eles apareceram. Tia Meca, batizada América, casou-se com Manoel Cristóvão, um comerciante português e dono da fazenda Boa Esperança, lá pelas bandas da localidade de Coutinho, por onde passa a estrada de ferro que vai de Cachoeiro para Carangola, em Minas Gerais. Meus pais chegaram a morar lá por algum tempo, antes de virem para Cachoeiro. Ela teve muitos filhos. As moças se chamavam Margarida, Laura, Inês, Marta e América, conhecida por Mequinha. Os homens eram Chico, Pedrinho, Cristovinho e Colombo, ou melhor, Colombo Cristóvão, isso mesmo: o inverso de Cristóvão Colombo. Ele era o filho caçula da família e foi o meu grande companheiro de infância. Era pouco mais velho do que eu e isso facilitou a nossa amizade. Lembro-me que ele me ensinava muita coisa, inclusive a jogar bola de gude e a pescar camarão na beira do rio. Depois de uma briga, que teve até tapas, ficamos de mal por algum tempo. Mas isso não impediu que, dias depois, ele atravessasse a rua e fosse lá em casa perguntar à minha mãe se eu podia ir brincar com ele. Eu fui, mas ficamos brincando sem falar um com o outro, durante bom tempo, até ficarmos de bem outra vez. Tia Tutucha morreu muito cedo, deixando três filhos. Coelhinho, por ser o mais novo, acabou vindo morar na nossa casa na Rua 25 de Março, onde já morava vovó Nominha depois que ficou viúva. Ele ficou conosco até se casar com Ismênia, com vinte e poucos anos. 20
Tio Lula foi viver com tia Aurora na Vila de Itapemirim, onde sempre íamos passear durante as férias em Marataízes. Era uma casa boa em terreno muito grande, na beira do rio Itapemirim, onde existia uma jabuticabeira, um pé de jambo e outro de sapoti. Eles não tiveram filhos, mas adotaram um afilhado, Byron, que mais tarde veio para Vitória e trabalhou durante um tempo com meu filho Afonso. Tio Chico, já casado com tia Adelaide, veio morar em Cachoeiro, onde constituiu uma enorme família. Chiquinho, Costinha, Elza, Lucy, Mahir, Jadir, Wilson, Delfina, Santinha e Glorinha são os meus primos dessa banda. Santinha foi a minha melhor amiga de infância e sua única filha foi batizada Anna Graça em minha homenagem. Tio Alvaro e tia Pequenina vieram um pouco mais tarde para Cachoeiro. Também tiveram muitos filhos: Mirtes, Jerônimo, Alvinho, Abigail, Esmeraldina e outros tantos de quem já não me recordo os nomes. Tio Adrião, casado com tia Noca, veio morar em Cachoeiro para os filhos poderem estudar. Eram muitos: Alair, Aracy, Nair, Constança, Mariinha, Adriãozinho... Tio Trajano e Tio Maneco ficaram morando em Espírito Santo, um povoado perto da Fazenda do Frade, onde até hoje vivem alguns de seus filhos. Carly, Carmosina, Carlinhos eram alguns deles. Todos juntos formávamos uma família numerosa, como tantas daquele tempo.
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Sendo a mais velha, a minha mãe ia sempre com o pai a Cachoeiro fazer compras. Eles iam a cavalo, numa longa viagem, ela montada no seu Pensamento. No caminho, sempre paravam na fazenda de um amigo do meu avô para descansar. Lá havia um rapaz que era muito encantado por ela, mas ela nunca demonstrou interesse por ele. Quando chegavam a Cachoeiro eles iam direto para o armazém do Sr. Luisinho Pinheiro, que ficava no bairro do Coronel Borges, para fazer as compras e saber das novidades. Algumas vezes ela ficava mais uns dias na cidade, a pedido das primas que gostavam muito da sua companhia. Era a oportunidade que ela tinha para passear e conviver com pessoas da sua idade. Em Cachoeiro, onde tinha, além das primas, muitas amigas, Rachel era conhecida por Nenem do Frade. Quando ela chegava, era sempre motivo para se fazer um baile, para todas se divertirem. Anos mais tarde, já idosa e viúva, ela sempre ia visitar as irmãs Adelaide e Pequenina, que moravam no bairro do Coronel Borges. E dizia: “Estou indo lá no Borges, ver minhas irmãs.” E quando nós, admiradas, a interpelávamos pela forma como se referia ao nome do bairro, sem pronunciar o “Coronel”, ela, gaia23
ta, dizia: “Que Coronel, que nada... Já dancei tanto com o Borges, quando solteira...” E foi num desses bailes que ela conheceu o comerciante Francisco Braga, que havia chegado do Rio de Janeiro para visitar sua mãe, que morava na cidade. Logo começaram um namoro e ele não voltou mais para o Rio. Meu filho Cláudio costuma brincar com essa história, dizendo que tudo aparenta ter acontecido, mais ou menos, como uma inversão da letra do hino da minha terra: “Foi pra Cachoeiro, pra voltar e não voltou...”. E, também, como uma confirmação de trechos da letra de outra música famosa nossa: “Morena boa, lá de Cachoeiro, Rio de Janeiro não tem mulher assim... Eu abandono o Rio de Janeiro e vou para Cachoeiro de Itapemirim.” Casaram-se pouco tempo depois e como ele não tinha emprego na cidade, foram morar na Fazenda do Frade.
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A bem da verdade, meu pai não tinha o menor conhecimento sobre o cultivo da terra nem a criação de animais. Meu avô dizia que Chico Braga era uma boa pessoa, mas era incapaz de tirar os sapatos dos pés e andar descalço, tal como as outras pessoas faziam na roça. Criado no Rio de Janeiro, meu pai havia estudado o bastante para exercer a função de rábula, o que facilitou muito para arranjar trabalho e ficar conhecido como uma pessoa séria, prestativa e competente. E foi por esse motivo que ele acabou sendo escolhido o primeiro prefeito da cidade e, mais tarde, designado como tabelião do 1º Ofício. O Cartório Braga ficava defronte à Escola Técnica, na Rua 25 de Março, logo depois da ponte, instalado numa casa baixa de duas portas, do lado esquerdo de quem ia lá de casa para a Praça Jerônimo Monteiro. Era um Cartório pequeno, com talvez dois ou três funcionários. Na parte de dentro, que eu me lembre, havia uma espécie de escrivaninha grande onde meu pai, Chico Braga, fazia o seu trabalho de tabelião, redigindo inventários, escrituras e demais documentos. Atendia as pessoas e os advogados que frequentavam o lugar e, por certo, aproveitava as folgas para tratar da política. Ele passava o dia inteiro lá no cartório, só voltando pra casa para almoçar e no fim da tarde, depois do expediente. Andava 25
lentamente, sem pressa, cumprimentando os conhecidos que encontrasse pela frente e os que estivessem na janela acompanhando o movimento da rua. Chegando em casa, ele tirava imediatamente o chapéu e o paletó e os pendurava no cabide que existia na sala, bem perto da porta. De colete por cima da camisa ia se sentar na velha cadeira de balanço, de onde chamava sua filha Yedda para desatar suas botinas. Nessas condições aguardava o jantar, que era servido por volta das cinco e meia da tarde. Guardo uma foto dele que registra aquela cena diária, sentado confortavelmente na sua cadeira de balanço. Tenho lembrança dos queijos enormes que ele trazia pra casa e que gostava de repartir com os filhos casados, Armando, Braguinha e Carmosina. Isso era feito durante o café que era servido às nove horas da noite, quando se reunia a família, para conversar sobre os acontecimentos do dia. Rosca doce, broa de milho, pão de sal, papa de milho verde, aipim cozido, batata doce, queijo branco e queijo do reino, que tinha o formato de uma bola vermelha eram saboreados com café com leite e, às vezes, com chocolate ou chá. Assinante de um jornal do Rio de Janeiro, que era diariamente trazido pelo carteiro, meu pai também se mantinha atualizado sobre os fatos importantes da política da capital do país. Minha mãe, por sua vez, era leitora assídua dos romances em folhetim que vinham publicados na parte de baixo da página do jornal. Tinha o hábito de ler e guardar as histórias. A mesa do café era quase sempre dividida com amigos que iam lá em casa para jogar baralho com meu pai. Nesse tempo, na falta de outras diversões, as famílias tinham o costume de se visitarem por motivo qualquer, geralmente à noite. Muitas e muitas vezes, vi meu pai sentado na mesa da sala, escrevendo a mão em livros enormes, possivelmente completando o serviço diário do Cartório.
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Guardo com muito cuidado um pequeno caderninho de capa de couro pintada com as iniciais de meu pai, verdadeira preciosidade para a memória da família Braga. As primeiras páginas, até o registro do meu nascimento em 1922, foram preenchidas por papai. Mais adiante, eu mesma fiz as demais anotações. Nele estão indicadas as datas de nascimento e morte dos filhos do casal. Ele começa no casamento de Franscisco de Carvalho Braga e com Rachel Coelho Braga, que aconteceu em 14 de março de 1895. Em cada uma de suas páginas estão anotados o nome da criança, a data do nascimento e a data do batizado, seguida do nome do padrinho e da madrinha. Não falha um. O primeiro filho, Jerônimo, conhecido por Braguinha, nasceu em 24 de janeiro de 1895. O nome dele deve ter sido uma homenagem a minha avó, que era chamada de Nominha, apelido de Jerônima. Carmosina, que veio a ser minha madrinha, nasceu no dia 4 de fevereiro do último ano do século XIX. Tio Trajano foi quem a batizou, junto com Anna Marques. Ela morreu com pouco mais de 30 anos, de complicação pós parto, em 14 de julho de 1929, para a tristeza de todos nós. 27
Armando veio ao mundo em 3 de maio de 1902 e viveu muito bem até 1975. Ele sempre trazia notas novinhas para presentear os meninos. De implicância, ele sempre dava em dobro para Beatriz, que era sua afilhada. Depois de algumas páginas, o caderninho traz uma informação curiosa: “23 de fevereiro de 1874 nasceu o inocente Francisco de Carvalho Braga. 3 de março de 1876 nasceu Rachel de Coelho Braga”. Na página seguinte está escrito que em 1903, no dia 13 de outubro, nasceu Carlinda e que ela faleceu logo depois, em 3 de janeiro de 1906. Lá está dito que Newton nasceu em 24 de abril de 1906 morreu em 1907. É bom que se diga que esse foi o primeiro dos dois filhos do casal com este nome. O querido Newton Braga, casado com Isabel e pai de Edson, Marília e Rachel, nasceu bem depois, em 11 de agosto de 1911, conforme está registrado na sequência cronológica do nascimento de todos os filhos do casal. Fica-se sabendo que João nasceu em 6 de março e que morreu poucos dias depois. O curioso é que está dito que foi batizado em casa como Manoel e na igreja como João. Ali papai escreveu: “Cremos ser de 8 meses sua gestação”. Na próxima página está escrito: Rubem nasceu em 12 de janeiro de 1913. Batizou-se em abril do mesmo ano. Padrinhos Jerônimo Braga e Carmosina Braga. Nas páginas seguintes está dito que Francisco nasceu em 1 de abril de 1914 e faleceu em 7 de junho e que Carlinda, a segunda delas, nasceu em 28 de novembro de 1915 e faleceu em 30 de julho do ano seguinte. Francisco, o segundo também, nasceu em 18 de janeiro de 1917 e faleceu em 16 de agosto do mesmo ano. Logo depois aparece a informação sobre Yedda, que nasceu em 01 de fevereiro de 1919. Batizou-se em 10 de março de 1921. 28
Foram padrinhos Dr. Bernadino Monteiro e D. Inah Monteiro. Ele era um político importante e grande amigo de papai. Finalmente, está escrito com a letra de meu pai que Anna Graça nasceu em 25 de janeiro de 1922. Batizou-se em 27 de fevereiro do mesmo ano. Foram padrinhos Dr. Cleveland Paraíso e Carmosina Braga Paraíso. Era a estréia da caçula de Chico Braga e Nenem do Frade. A próxima página fala do nascimento de meu sobrinho Lauro e da morte de Carmosina. Na seguinte fica-se sabendo que Newton formou-se dia 5 de março de 1932 e Rubem no dia 10 de janeiro de 1932, ambos em Direito. Está escrito também que meu pai faleceu no dia 29 de dezembro 1930. Ele era diabético e ficou muito abalado com a morte de Carmosina. Registra ainda que “Yedda colou grau em 16 de janeiro de 1934 – professora. Começou a trabalhar neste mesmo ano”. A seguir estão as anotações da morte da minha tia Anna Marques, em 9 de setembro de 1935, de Braguinha em 8 de maio de 1942, com 55 anos, da minha mãe em 20 de agosto de 1950, com 74 anos e de tia Graça Guardia em 7 de setembro de 1951, aos 91 anos. Anotei as datas de falecimento de meus irmão Newton, ocorrida em 1 de junho de 1962, com 51 anos, de Armando em 22 de novembro de 1975, com 73 anos, de Rubem em 19 de dezembro de 1990, com 77 anos e de Yedda, que ocorreu em 27 de janeiro de 1998, aos 79 anos. Para falar a verdade, acho que bobeei por não ter registrado nas páginas restantes daquele caderninho as datas de nascimento dos meus cinco filhos: Afonso e Beatriz, Alvaro, Cláudio e Ana Maria, dos meus 16 netos: Ana Paula, Carlos Guilherme, Ana Carolina, Marcelo, Márcio, Renato, Murilo, Rafael, Manaira, 29
Isabel, Bento, Diana, Fernanda, Bianca, Mariana e Daniel, bem como dos meus queridos nove bisnetos que já nasceram até hoje: Victória, Marcelo, Valentina, João Pedro, Luís Felipe, Manu, Theo, Alice e Leonardo, que nasceu em Genebra e que até agora só conheço de fotografia. Poderia também ter anotado o dia em que nasceram os meus outros oito sobrinhos: Lucinda e Carmosina, filhos de Braguinha e Lúcia; Armando, Alberto e Andral, filhos de Armando e Perly; Edson, Marilia e Rachel, filhos de Newton e Isabel; e Roberto, filho de Rubem e Zorah. Seria uma boa maneira de reafirmar que a vida continua e que os descendentes de Chico Braga e Nenem do Frade continuam se multiplicando.
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Passados alguns anos e depois de terem nascido vários filhos na Fazenda do Frade, papai resolveu ir morar em Cachoeiro com a família em busca de melhores condições para criar a prole. Foram morar numa pequena casa ao lado do Córrego do Amarelo, na Rua 25 de Março. Com a mudança do seu parente Severino Veloso para o Rio, meu pai comprou a casa que ele havia construído há alguns anos para viver com a família. Era um sobrado situado num terreno grande, localizado naquela mesma rua, bem próximo de onde papai e mamãe moravam com os filhos. Na parte de cima havia duas salas, quatro quartos, copa, cozinha e dependências, além de uma varanda comprida. Em baixo, um grande porão, onde se guardava lenha, ferramentas e móveis sem uso. A casa era fresca, de cômodos amplos, pé direito bem alto, com piso de tábua corrida e forro de madeira. As portas eram bem grandes e as janelas tinham vidros e persianas. Como se usava naquela época, cada cômodo era pintado de uma cor e havia uma barra com aplicações de flores ou frutas no alto das paredes das salas. A entrada principal era feita por um caramanchão, de onde 31
partia uma escada para a varanda, junto da tamareira que havia sido plantada ali. No outro lado da casa havia um quintal onde um pé de fruta-pão dominava o ambiente e fazia muita sombra. Nos fundos, no alto do morro, ficavam mangueiras, dois pés de abiu roxo e um enorme cajueiro. Foi nessa casa que eu nasci e me criei. Morei lá até depois de casada. Foi nela onde nasceram Alvaro e Cláudio. Os gêmeos, por prudência, nasceram na Santa Casa. Após morar na Bolívia por um ano, onde nasceu a caçula Ana Maria, e, depois por mais um ano na Colômbia, voltamos à casa por uns seis meses até que nos mudamos para Vitória, em 1957. Durante muitos e muitos anos, mesmo depois da morte de meu pai, a nossa casa deu abrigo a parentes vindos da roça para estudar, tratar da saúde ou passear em Cachoeiro. Sempre havia alguém hospedado por lá, sendo que alguns ficavam conosco por longos períodos. Com a ida de Newton e Rubem para estudar fora, somente eu e Yedda ficamos morando na casa com minha mãe. A chegada de um hóspede era sempre bem-vinda, pois ajudava a movimentar a nossa rotina. Em 1939, Yedda se casou e se mudou para o Rio. No ano seguinte eu me casei com Bolívar e ficamos morando lá, com Dona Nenem e os meninos que foram nascendo. Com a nossa mudança para Vitória, a casa ficou aos cuidados de Jorge e Bebeta, pessoas da minha grande estima, que nela moraram com os filhos por uns bons anos. Além de cuidarem muito bem dela, eles nos hospedavam com alegria sempre que íamos a Cachoeiro. Em 1987 a Prefeitura de Cachoeiro decidiu desapropriar o velho sobrado para nele instalar uma biblioteca pública, o que 32
garantiu a sua manutenção e, mais do que isso, um uso nobre pela população da cidade e por muitos visitantes, curiosos de conhecer a casa onde nasceram meus irmãos Newton e Rubem. Além de muitos livros, o sobrado abriga, em um de seus cômodos, um pequeno conjunto de documentos, fotografias, publicações e objetos da nossa família. É conhecido como a Casa dos Braga.
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Sei que meu pai foi um dos fundadores de Marataízes, por volta de 1925. Ele com mais uns três amigos, dentre eles Mário Rezende, foram de trem até a Barra do Itapemirim e de lá seguiram a cavalo para conhecer uma praia que existia mais ao sul, afamada por suas águas que faziam bem à saúde. Lembro muito bem da primeira vez que fomos veranear em Marataízes e ficamos hospedados numa pequena casa de chão batido, coberta de palha, como eram as casas dos pescadores. Conhecidos por maratimbas, os moradores do lugar eram pessoas de pele muito branca queimada de sol, cabelos escuros e lisos, que falavam de forma cantada, usando termos próprios. Depois de alguns anos, em 1928, meu pai construiu uma das primeiras casas de tijolo da cidade. Ela existe até hoje e fica num terreno de esquina, bem próximo da igrejinha e defronte para uma pequena praia rodeada de pedras, conhecida por Bacia das Turcas. A casa tinha uma varanda virada para o mar, uma sala grande, quatro quartos, além de cozinha e banheiro. O ano de construção da casa está fixado no alto da parede da frente, como era costume da época. Era comum passarem vendedores de frutas e farinha de mandioca vindos das redondezas. As frutas, quase sempre man35
ga, abacaxi, melancia, jaca e banana, vinham em cargueiros no lombo de éguas guiadas pelo dono, que aproveitava o verão para vender seus produtos. O peixe era vendido na praia, à tarde, depois da chegada dos barcos que haviam saído para a pesca ainda de madrugada. Eram barcos pequenos tocados a remo e a vela. A gente acompanhava a volta deles, vendo as velas crescendo no horizonte. A pesca era farta, os barcos vinham carregados de peroá, pescada, cação e sarda cavala. A carne de vaca era rara e só às vezes aparecia alguém vendendo carne de porco e galinha. Peixe fresco era a comida de todos os dias, podendo ser frito, assado ou cozido. Não se falava em moqueca nem se conhecia coentro. Lembro-me muito bem do gosto muito especial do peroá assado, recheado de farofa. No quintal das casas sempre havia uma cacimba, um poço de uns quatro metros de fundura, de onde se tirava água com uma lata amarrada na ponta de uma corda. Mais tarde, foram instaladas bombas mecânicas, que eram tocadas a mão. Pagava-se uma pessoa para bater bomba duas ou mais vezes por dia, para encher a caixa d’água da casa. Chico Braga aproveitou pouco da casa de Marataízes, pois faleceu em dezembro de 1930. Ela foi vendida por minha mãe alguns anos depois e o dinheiro apurado foi de grande utilidade para nosso sustento.
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Foi lá pelos idos de 1930. Soubemos, em Cachoeiro, que o Graf Zeppelin passaria no litoral do Espírito Santo dentro de alguns dias. Meu pai, homem bem informado, resolveu nos levar a Marataízes para vê-lo passar. A viagem era feita de trem e levava três horas. Em Paineiras, o trem parava para pegar passageiros e a gente aproveitava para comer uns pasteizinhos que vendiam por lá. Nessa viagem fomos em cinco, todos na expectativa de ver o famoso Zeppelin nos céus: papai, mamãe, eu, minha irmã Yedda e meu primo Coelhinho. Eu devia estar com uns oito anos e Yedda com onze. Fomos preparados para passar uns três dias por lá, já que não sabíamos a data certa do acontecimento. Ficamos hospedados na nossa casa, que meu pai havia construído pouco tempo antes. O Zeppelin viria do sul costeando o litoral, para garantir o rumo da viagem ao nordeste brasileiro. Passamos três dias na maior expectativa de vê-lo surgir no horizonte e nem sinal dele. Meu pai, desapontado, resolveu nos levar de volta no dia seguinte. Acordamos bem cedo e fomos para a estação, que ficava 37
bem pertinho da nossa casa. Lá estávamos nós, esperando para embarcar no trem de volta para Cachoeiro, quando alguém gritou “olha ele lá! olha ele lá!”, apontando para a Ponta do Siri, que ficava no final da praia de Marataízes, bem longe. Era apenas um pequeno ponto escuro no horizonte, sobre o mar. Mas era mesmo o Zeppelin. Durante um bom tempo ele foi se aproximando lentamente de onde nós estávamos, aumentando sempre de tamanho. Descobrimos, então, que voava bem devagar. Enfim lá estava ele sobre as nossas cabeças, nos fazendo prender a respiração, de tanta emoção. Era um espetáculo muito além do que alguém poderia supor. Ele voava bem baixinho, praticamente em silêncio, majestoso. Era cinza metálico, brilhante e de grandes proporções, o que causava um verdadeiro deslumbramento nas pessoas que estavam ali, de pé, de olhos para o céu. Voltamos para casa cheios de novidades para contar. Até hoje aquela imagem maravilhosa não me sai da memória e muito menos as emoções que senti há mais de oitenta anos.
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Ele veio bem pequeno da casa de Tia Adelaide, irmã de minha mãe. Foi criado com o maior carinho, até ficar um cachorro enorme. Gostava de ficar com a cabeça nas pernas da dona, como que se lembrando dos tempos em que ficava no colo dela, quando era ainda bem pequeno. Ele era um cachorro bem grande de pelo curto e cinza, com manchas brancas e de uma cor mais escura. Seu nome era Zig. A sua principal atividade, por puro instinto, era atuar como vigilante do portão da nossa casa, feito de ferro batido. Gostava de ficar se refrescando, esparramado no chão de ladrilho hidráulico do caramanchão. Na verdade, acho que ele defendia a casa da aproximação de vendedores e dos homens fardados, sobretudo do carteiro, que preferia deixar as correspondências na casa da vizinha, do outro lado da rua. Quando avistava o carteiro vindo pela calçada, Zig imediatamente voltava para casa, para evitar a presença do intruso. Isto depois de conseguir nossa autorização para interromper o passeio. Dormia debaixo da mesa da copa, ao lado da gata que já vivia na casa quando ele chegou. Sempre que a gata dava cria, Zig suportava em silêncio o convívio com os filhotes, que teimavam em subir nas suas pernas e no resto do seu corpo. Pacientemente e 39
tentando se livrar da companhia dos bichanos, ele pegava um por um na boca para levá-los, cuidadosamente, para o alto do morro nos fundos da casa. Para seu desconsolo, a gata trazia todos os filhotes de volta. De vez em quando, Zig gostava de dormir na cama do meu primo Raul, que morava na nossa casa. Raul sempre vinha assobiando pela rua. E quando Zig percebia que ele estava chegando em casa, ia descendo bem devagarzinho da cama, pois sabia que estava fazendo coisa errada e poderia levar uns tabefes. Zig era um cachorro exigente. Só aceitava comida muito bem feita, talvez porque tinha sido acostumado pela dona a comer angu bem misturado com pequenos pedaços de carne. Reclamava com mamãe se a comida não estivesse a seu gosto até que ela tomasse providência para que o angu ficasse bem cozido. Esperto, sempre que via a minha mãe calçando sapato de salto para sair, descia as escadas correndo e ficava esperando por ela lá na beira do portão. Zig gostava de acompanhá-la em suas idas à missa de domingo, entrando com ela na igreja para deitar-se ao seu lado. A mim, ele esperava diariamente no portão do Liceu. Para o desespero de muitas alunas de uniforme igual ao meu, ficava conferindo quem passasse, até me encontrar e começar o caminho de volta. Era companhia certa quando eu ia ao centro da cidade e até mesmo quando precisava ir ao dentista. Ficava deitado na porta, esperando o serviço terminar. Com tudo isso, Zig era um cachorro muito conhecido pelos moradores de Cachoeiro e era tido como um animal manso que gostava de acompanhar seus donos pelas ruas da cidade. Tanto assim que passou a ser chamado de Zig Braga. Ele viveu mais de 11 anos, tendo tido morte natural. Está enterrado na sombra do pé de fruta-pão que existe até hoje no quintal da nossa casa. 40
A viagem de trem entre Vitória e Cachoeiro durava quase 7 horas. Nas terças, quintas e domingos, o trem saía de Vitória às 10h da manhã para chegar no Rio de Janeiro às 8h da manhã do dia seguinte. Ele passava por Cachoeiro às 4h da tarde e chegava a Campos dos Goytacazes por volta das 10h da noite, onde se podia tomar lugar no carro leito. A cabine de dormir oferecia duas camas em beliche e um pequeno lavatório com pia e espelho. Era o trem preferido por quem morasse em Cachoeiro, pela comodidade do horário e o conforto de poder viajar dormindo. Mas esse luxo custava caro. Os que não podiam comprar o leito por falta de dinheiro ou de vaga deveriam se contentar em fazer a viagem inteira sentados nos bancos estofados do carro comum. O trem chegava na Estação Barão de Mauá, na região central da cidade. A viagem de volta podia ser feita no mesmo trem, que partia do Rio às 9h30 da noite, oferecendo também a opção do carro leito. O trem era a melhor alternativa para se chegar ao Rio de Janeiro, a Vitória e às cidades do sul de Minas Gerais. As estradas eram muito ruins e os carros bem desconfortáveis. Pela estação iam e vinham as pessoas e as novidades. Os 41
jornais do Rio chegavam com um dia de atraso, mas chegavam. Lembro que certa vez minha mãe foi levada para a Capital para tirar uma espinha de peixe que se prendeu na sua garganta e que não conseguiram retirar em Cachoeiro, por falta de recursos. Nem consigo imaginar o ela passou durante tantas horas sacudindo naquele trem, que balançava de um lado para outro sem parar.
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Antônio Paraíso, irmão de meu cunhado Cleveland, era advogado e acho que trabalhava na Rádio Maynink Veiga, no Rio de Janeiro. Antônio era pessoa muito simpática e com grande roda de amigos. Gostava de ambientes frequentados por artistas e funcionários de rádio. Ele era casado com dona Alice, uma professora, grande amiga da minha irmã Carmosina. Por conta dessa amizade, numa das nossas idas de férias ao Rio, eu e Yedda nos hospedamos em sua casa na Rua General Rocca, que deve ficar em Vila Isabel ou na Tijuca. Me lembro que certa vez ele nos levou para conhecer a Rádio Maynink Veiga, onde havia um pequeno auditório para umas 20 ou 30 pessoas, no qual se podia ver, através de um grande vidro, os apresentadores de programas e os artistas cantando ao microfone, sempre acompanhados por um pequeno conjunto. Para sorte nossa, naquela tarde iria se apresentar Carmem Miranda, que já era bem famosa. Foi uma alegria poder assistir de pertinho a Pequena Notável cantar alguns de seus sucessos para os ouvintes que só podiam escutá-la pelas ondas do rádio. Como sempre acontecia quando íamos ao Rio, saímos para 43
tomar um lanche na Confeitaria Colombo, que era o lugar mais elegante e charmoso da cidade. Meu irmão Armando almoçava lá diariamente, sempre acompanhado de amigos, dentre eles, Chico Alves, pai do meu amigo Luiz Flores, e Evaldo Gomes, irmão de Hélio Gomes, grande companheiro de pescaria de Bolívar. Normalmente a gente ficava hospedada em Vila Isabel – casa de tia Menara, filha de tia Gracinha e, portanto, sobrinha de vovó Donana. Acho que Newton, meu irmão, gostava de me chamar de Donana em sua homenagem. De lá, arrumadas e muito animadas íamos de ônibus passear no centro da cidade, onde se podia ir ao cinema, andar pelas calçadas da Cinelândia e encontrar gente conhecida, sobretudo conterrâneos que estudavam no Rio, como era comum naquele tempo. Sempre aproveitávamos para olhar as vitrines e fazer algumas comprinhas, normalmente sapatos, enfeites, tecidos e chapéus. Nessa época, as mulheres sempre usavam chapéu para ir ao Centro da cidade. Para nós, mocinhas de Cachoeiro, aquilo era uma agradável obrigação. Como na nossa cidade não existia esse hábito, tínhamos que comprar nossos chapéus tão logo chegássemos ao Rio para que pudessem ser usados durante toda a nossa permanência por lá. Certa vez, quando eu e Yedda voltamos das férias no Rio de Janeiro trazendo os simpáticos chapéus de palha, Zig não resistiu à tentação de estraçalhar aqueles estranhos objetos. Não adiantou reclamar nem tentar consertar. Ficamos sem os nossos chapéus.
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Um dia, durante o recreio no pátio do Liceu Muniz Freire, o diretor, seu Fernando de Abreu, fez sinal pra mim, me chamando para conversar. Fiquei meio espantada, embora soubesse que ele tinha comigo uma atenção muito especial. Ele era um homem tido por todos como muito sisudo e decidido. Ao chegar perto, ele foi logo me dizendo que era muito amigo de meu pai, ainda que fossem de políticas diferentes. Em seguida ele falou com entusiasmo: – Gracinha, eu gostaria muito que você se casasse com um dos meus filhos! Nem me abalei com aquela conversa e fui logo respondendo: – Ah, não vai dar não, seu Fernando. – Mas, afinal, por que não, menina? – Como o senhor bem sabe, seu filho Jesuíno já está noivo de Gegeta e Murilo é muito meu amiguinho e companheiro, e ainda muito novo pra casar. – Então você se casa com Bolívar! – Ah, com esse é que não posso mesmo. Ele foi namorado da minha irmã Yedda! Que me lembre, aquela nossa conversa acabou por ali mesmo. Eu tinha 17 anos e estava terminando o curso ginasial. 45
Pois bem, um belo dia estava eu trabalhando no cartório de meu irmão Newton, ali perto da praça Jerônimo Monteiro, quando vi o seu Fernando porta adentro com uma carta na mão direita. Ele balançava o envelope como se festejasse um grande acontecimento. – Olha aqui, Gracinha, a carta que lhe trago em mãos! Soube em seguida que ela tinha sido trazida junto com encomendas que Bolívar havia mandado lá do Rio de Janeiro. A essa altura, o meu namoro com o filho dele já tinha começado, mas ele ainda não sabia de nada. Era coisa muito recente. Dias antes, voltando de uma visita ao meu afilhado que estava adoentado, deparei-me com Bolívar na rua e fiquei admirada em ver que ele ainda estava em Cachoeiro. – Uai, você ainda não foi para o Rio? Ao ouvir isso, ele perguntou brincando: – Você queria que eu já tivesse viajado? Vendo que eu fiquei meio sem graça com seu comentário, ele disse que tinha um assunto para conversar comigo e que gostaria de ir lá em casa à noite, se eu concordasse. Ao chegar em casa, comentei o fato com a minha cunhada Lúcia. Ela me falou, com uma cara entre gaiata e maliciosa, que aquilo era sem dúvida uma demonstração de interesse da parte dele. Logo após o jantar, Bolívar subiu as escadas e entrou na sala de estar, para um certo espanto da minha mãe. Nessa época, meu irmão Braguinha estava doente, aguardando melhorar um pouco para ir para o sanatório em Belo Horizonte, como era de costume. Como Bolívar estava terminando o curso de medicina, ele se interessou pelo caso e conversaram bastante. Para me tirar de casa, Bolívar me chamou para ir com ele até o bar do Itamar, que ficava ali na cabeça da ponte, para comprar cigarro. Achei bom e lá fomos nós caminhando sem pressa pela Rua 46
25 de Março, conversando sobre a possibilidade de um namoro. Ele disse que queria viajar no dia seguinte, já com alguma coisa começada. Dito e feito. A primeira carta dele chegou daí a uns três dias. Confesso que eu fiquei muito admirada e bem contente. Como eu não podia ir ao Rio, a troca de correspondência foi se intensificando. Vez por outra Bolívar vinha me visitar em Cachoeiro, aproveitando que ele tinha que ir frequentemente a Vitória, para inspecionar a realização das provas parciais que ocorriam nos colégios da cidade. O namoro foi curto. No Natal daquele mesmo ano, 1939, ficamos noivos. Nós nos casamos em agosto de 1940. Foi tudo bem rápido. Logo depois de casados, ficamos dois meses em Vitória, para que Bolívar pudesse fazer seu trabalho como inspetor federal de ensino. Nomeado médico do Centro de Saúde, voltamos para Cachoeiro e fomos morar com mamãe. Em 1945 fomos passar uma temporada em São Paulo, onde Bolívar foi fazer um curso de saúde pública na Escola Paulista de Medicina, que ele terminou com louvor. Engravidei dos gêmeos logo que voltamos para Cachoeiro.
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Em 8 de agosto de 1939, escrevi uma carta para Bolívar e, ao final lhe disse, “guarde estas minhas cartas, meu bom amigo e um dia eu as tomarei junto das suas para arquivá-las sob o título: ‘Nós’ E estarão sempre guardadas juntas...” Tempos depois Bolívar me deu de presente um grande livro de capa de couro azul escuro, onde se pode ler em letras douradas: NÓS 1939 - 1940. Tinha as páginas em branco, para que eu pudesse colar em cada uma delas as cartas que escrevemos nos primeiros tempos do nosso namoro. Assim foi feito, não só com as cartas desse período, mas também com toda a correspondência que trocamos ao longo dos anos. Bolívar viajava muito e naquela época o telefone era muito ruim. Lá estão as cartas escritas no Rio de Janeiro, em São Paulo, Vitória e Cachoeiro e também as de período que Bolívar esteve nos Estados Unidos. A primeira carta que ele me escreveu é bem curta e diz o seguinte: Anna Graça, Ainda guardo na minha memória as palavras que trocamos na noite anterior à minha viagem. Outro não é o meu intento se não cumprir o prometido, 49
enviando-te estas poucas linhas. Como disse, será esta lacônica, porém por todas as minhas mais sinceras saudades. Esperando por noticias tuas, fico em Ubaldino 90, Amaral -14 Segue a assinatura dele, cheia de estilo. O curioso é que a carta vem em envelope impresso do Correio, endereçada para: Senhorinha Ana Graça Braga E. Santo Cachoeiro de Itapemirim Nada a mais além de um carimbo, onde se pode ler TARDE e D. FEDERAL, o que faz supor que o carteiro me encontraria com facilidade. Tratei de responder, rapidamente: Bolívar, aproveitando o espaço que tenho agora entre o estudo e a almoço, escrevo-lhe esta carta. Faço-o logo hoje porque estarei ocupada com as matérias mais difíceis que terei por estes dias. Penso também que será melhor escrever mais cedo, antes que se dissipe de você alguma lembrança... Não falo por mal, creia-me, mas não é verdade que fomos tão surpreendidos pelos nossos sentimentos? e quem sabe se eles são frágeis e se resistem bem à distância? Somos tão novos nesse caso que não devemos estranhar o que possa acontecer, não é mesmo? Esperei sua carta com ansiedade e certeza. Você me ensinou a acreditar no que diz, quando fala sério, e eu aprendi. Ficou comigo o nosso amigo Amiel; foi pena que você não o levasse, com a capa que preparei com cuidado... Mas não faz 50
mal porque assim me fará companhia, aliás ótima. Mando-lhe daqui, uma grande paz para que você incorpore no seu espírito; e peço-lhe que me mande dizer como tem estado seu espírito e como tem resolvido seus “casos”. Não me negue nada, Bolívar. A sinceridade há de ser sempre o nosso principal cuidado. Porque você sabe que esperando qualquer notícia, aqui está, Anna Graça 25.7.39. A resposta de Bolívar veio datada de 29.7.939 e recheada de coisas muito boas de uma moça de 17 anos ler e ficar entusiasmada. Gracinha, Que carta agradável a tua! Como gostei das suas palavras! Como soube sentí-las o meu coração! Achei-a tão íntima, tão comunicativa, tão expressiva e tão cheia de ti mesma, que tenho medo de não saber respondê-la como merece, embora seja assim todo o meu querer. Vejamos. Julgaste então ser preferível escrever-me logo, afim de que não se dissipasse, não se extinguisse alguma lembrança... que por ventura ainda existisse em mim? Erraste, Gracinha. De fato, depressa fomos surpreendidos, fomos traídos pelos nossos sentimentos – se assim é bem dito –, porém espero e confio que saibam eles resistir à distância – que tanto te preocupa – se nos propusermos a purificá-los com todas as nossas forças e querer, cultivando-os com o que de melhor existe em nós mesmos – sinceridade e lealdade. Somos novos nesse caso, não estranharei o que nos possa acontecer, porém podes ter a certeza que sentirei, se acaso não vir confirmados os meus sonhos em relação a ti. Grande alegria e satisfação íntima invadiram-me a alma, 51
sabendo da ansiedade e certeza com que esperaste algo da minha parte; tudo isso decorrente da confiança que já depositavas em mim, em minhas palavras quando ditas para serem guardadas e que tão bem soubeste fazê-lo. Não te desapontei ainda e espero que tal não aconteça nunca, Gracinha. Felizmente já são terminados os meus casos. Tiveram desfecho mais cedo que o esperado. Já nada mais existe em relação a eles. Ajudaste-me o quanto pudeste. Confesso não fôra ti, talvez a estas horas eles ainda existissem. Que sejam eles um pesadelo como outros no meu sono e que tenham o fim dos demais – o esquecimento. Era o que me cumpria dizer-te. Não te neguei, não te ocultei nada, Gracinha. Pensei escrever, querida, porém... logo julguei talvez não fosse bem se somos tão novos nesse caso, se tudo ainda quase que está por começar. Tenho inveja do nosso Amiel. Ele te faz companhia, aliás ótima. Tenho inveja sim, e porque não dizê-lo? Falo desta forma, porque talvez não me saísse tão bem quanto ele. Faltam-lhe os sentidos e portanto não reage nem mesmo quando ferido no seu amor. Pode ser usado o quanto se queira e posto de lado quando já nos invade, quando já não nos apetece, sem que exteriorize o que se passa no seu íntimo, pleno as vezes de lamentos, lamurias, de dores e sofrimentos. Ouve tudo, vê tudo, sente tudo calado, quieto, silencioso e sem um ai de repulsa. Não reclama nada para si. Tudo lhe corre bem. Pouco lhe importa o desprezo e a reprovação. Assim como ouve e o que se lhe é guardado e reservado. Consola-me no entanto saber que devido a sua constituição, a sua situação neste mundo em que vivemos, não poderia nunca trair-me – por mais que se esforce – olhando para os teus olhos, para o teu ser; apaixonando-se pelas tuas palavras; pelos teus gestos; procurando sentir em comum as tuas lágrimas e preocupações; gozando e compartilhando afinal destas alegrias e do prazer do seu convívio... Saudades do teu, Bolívar 52
Custei muito a engravidar, embora não evitasse nem sentisse qualquer sintoma de que havia algum problema mais sério comigo. Quando passamos um ano em São Paulo em 1945, tive uma pequena indisposição que me levou a consultar um ginecologista. Ele me receitou um tratamento para evitar as hemorragias que eu estava tendo com alguma frequência nos últimos tempos. Não sei se foi em função dele, mas o fato é que engravidei pouco depois que voltamos para Cachoeiro. Bolívar ficou muito contente e aliviado com a notícia, pois ele pensava que o problema poderia ser dele, das doenças típicas dos homens da época. A gravidez correu muito tranquila, com a barriga crescendo muito rápido. Apenas uma semana antes do parto, fiz uma radiografia que revelou a existência de duas crianças. Bolívar quase endoidou. Ele imediatamente comunicou a novidade para a família e os amigos, debaixo de grande entusiasmo. Pra quem esperou por um filho durante 6 anos, ganhar dois de uma só vez era uma festa. Eu engordei pouquíssimo na gravidez, mas diziam que a minha barriga tinha asas para os lados. Na verdade, acho que eu 53
só conseguia comer aos poucos porque a cabeça de Afonso pressionava o meu estômago o tempo todo. Beatriz nasceu primeiro e Afonso 5 minutos depois, de pé. A menina pesava mais de 3 quilos e o menino mais de 3 quilos e meio. Beatriz era muito tranquila e Afonso já nasceu esfomeado. Eu tinha que dar de mamar primeiro para Beatriz para então dar para ele, que mamava esbaforido, com muito apetite. Ainda estávamos na maternidade da Santa Casa quando uma conhecida minha, que também tinha tido uma criança naqueles dias, se ofereceu para dar leite para os meus filhos. Ela tinha muito leite e o filho dela mamava bem pouco. Pois bem, resolvi aceitar a oferta e lá se foi o meu Afonso para mamar nos peitos da moça. Nem bem ele começou a sugar o leite dela e ouviu-se um grito. Era a minha conhecida que se assustava com a voracidade do menino, não permitindo que ele continuasse a mamar. Não houve outra solução que não fosse completar a mamada com uma boa mamadeira de leite de vaca, o que resolveu o problema. A nossa casa estava sempre cheia de visitas. Todo mundo queria conhecer os gêmeos. A trabalheira de cuidar de duas crianças pequenas era enorme. Era fralda de morim de algodão que não acabava mais. Tivemos que reforçar o enxoval. Bolívar tratou de arranjar um carrinho para levarmos os dois para passear. Quando mais crescidinhos, eles iam sentadinhos um de frente para o outro. Eram sempre motivo de atenção por parte de quem nos visse passar na calçada. Cachoeiro era uma cidade ainda bem pequena, onde todos se conheciam. Pouco tempo depois, num desses passeios, encontrei com um grande amigo do meu pai que, ao me ver grávida novamente, me disse com a melhor cara deste mundo: – Gracinha, mas pra que tanta pressa? 54
De fato, Alvaro chegou 13 meses depois dos gêmeos. Ele nasceu lá na nossa casa, na mesma cama e no mesmo quarto em que eu também nasci, com a ajuda de uma parteira e a assistência do Dr. Dalton Penedo, médico amigo da família. Yedda, minha irmã, que não teve filhos, foi quem escolheu o nome do recém-nascido, inspirada em um rapaz que tinha conhecido e que a tinha impressionado muito. Ela dizia que era uma pessoa muito inteligente. Não satisfeita, inventou pro menino o apelido de Zau Zau, talvez por achar que Alvaro fosse um nome muito sério para um recém-nascido. O nascimento de mais um filho aumentou o movimento na nossa casa. Era um corre-corre sem fim. A vantagem é que sempre tinha a ajuda de boas empregadas. Nesse tempo eu já não podia contar com o apoio de minha mãe, já muito idosa e meio doentinha. Minha sogra, dona Cezarina, sempre nos visitava de manhã. Como morava lá na Praça, ela andava um bom pedaço para conseguir ver os netos. Naquele tempo, as pessoas andavam a pé pra cima e pra baixo, literalmente, acompanhando o nível do rio Itapemirim. A Ilha da Luz ficava lá em cima e a nossa casa cá embaixo. – Vou descer, vou dar um pulo lá na casa de Gracinha pra 55
ver os meninos dela. Assim foi também quando Alvaro nasceu. Posso imaginar que ela deve ter voltado para casa dizendo que o menino era muito bonitinho. Deve ter repetido isso algumas vezes, a ponto de chamar a atenção de Etelvina, a filha mais velha de Camila, irmã de Bolívar, que devia estar lá com uns 3 ou 4 anos de idade. Etelvina era esbaforida e muito levada. A menina fez questão de acompanhar a avó para ir conhecer o nenem na primeira oportunidade. Posso imaginar o trabalho que deu para a avó no caminho, até chegarem lá em casa. Cheia de curiosidade, Etelvina entrou pela porta da sala e foi direto para o quarto onde estava o berço de Alvaro. Ela queria ver a carinha do bebê. Minha sogra, como sempre fazia, tinha trazido uns biscoitinhos pra mim e, nem bem começamos a conversar, ouvimos Etelvina gritar lá do quarto, indignada: – Mas que menino feio, Vovó!!!
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Cláudio nasceu em novembro de 1949, dois anos depois de Alvaro. Ele veio ao mundo faltando um minuto para a meia noite. Fiz questão de registrá-lo o dia 8, embora houvesse quem afirmasse que ele havia nascido nos primeiros minutos do dia 9. Era uma criança enorme e bem serena. Nessa época, Maria Daniel já estava trabalhando lá em casa. Ela era uma pessoa muito carinhosa com as crianças e dedicou muita atenção ao Claudinho, como ela o tratava. O menino foi crescendo sob cuidados especiais da sua babá que, para fazê-lo dormir, costumava cantar cantigas de ninar, com ele no colo, sentada na cadeira de balanço de papai. Um dia, no começo da noite, já taludinho, Cláudio desandou a chorar. Não havia o que fizesse ele parar com a manha. Como ele estava começando a falar as primeiras palavras. Soluçando ele repetia sem parar: – Tanta napoentá! tanta napoentá! tanta napoentá! Maria Daniel tentava entender o que o menino queria, sem qualquer sucesso. A coisa foi ganhando força. Ninguém sabia o que Cláudio queria com tanta convicção. Até que Beatriz, com seus 4 anos, chegou perto deles e disse: 57
– Ele tá querendo que você cante a música do vapor. Era uma cantiga que dizia: “A maré encheu e tornou a vazar, chegou a hora do vapor entrar”. Foi a salvação. Maria Daniel cantou e ele dormiu imediatamente. Exausto. Além de ainda não falar direito, o menino tinha a língua presa e trocava o C pelo T. Ficou famosa na família a sua preferência por “pitolé de tôto temado”.
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Em 1955, Bolívar foi convidado pela Organização Mundial da Saúde para trabalhar como assessor do Ministro da Saúde da Bolívia. Foi um fato muito comentado em Cachoeiro. É que Bolívar era médico sanitarista e construiu e dirigiu o Centro de Saúde da cidade e muito interessado em questões de saúde pública. Ele havia passado 3 meses nos Estados Unidos em 1953, para conhecer instalações de saneamento básico em cidades do interior. Eu aproveitei e fui me encontrar com ele lá. Passamos uns 50 dias viajando de um lado para o outro do país, sempre hospedados em casas de família. Os meninos ficaram com Angelina e Cristalino, em Guarapari. O que Bolívar fez em Cachoeiro ganhou repercussão nacional e deve ter chamado a atenção de pessoas da OMS em Washington, que o convidaram para trabalhar fora do Brasil. Ele viajou na frente para arrumar uma casa para a família em La Paz. Eu, já grávida de Ana Maria, passei a mão nos quatro filhos e peguei um avião no Rio de Janeiro, que fez escala em Lima, no Peru, onde nos hospedamos em um hotel muito chique. De lá, no dia seguinte, voamos para La Paz. Encontrei Bolívar muito magro e abatido, pois ele sentia muito mais do que outros os efeitos das alturas bolivianas. 59
Ali por volta do meio de setembro resolvi convidar Bebeta para passar uns tempos conosco e ajudar a cuidar das crianças depois do nascimento da menina. Ela chegou lá no avião do Correio Aéreo Nacional. Acho que foi Yedda que arranjou um jeito de ela embarcar. Fomos buscá-la no aeroporto lá no altiplano que existe em torno de La Paz e a encontramos vestindo uma roupinha muito leve, própria para quem mora em clima quente. Tratei de levá-la pra casa e enfiá-la de baixo de muitas cobertas depois de alimentá-la com uma sopa bem quente. Ela estava completamente enrijecida de frio. Aos poucos ela foi recuperando as forças e logo estava mais animadinha e pronta para contar as novidades lá da terra e histórias de lobisomem para as crianças. Ela veio trazendo um vidro de pimenta malagueta para Bolívar, mas quem aproveitou mesmo foram os amigos brasileiros que iam comer lá em casa. Bebeta não falava uma palavra de espanhol mas isso, nem de longe, atrapalhou o entendimento dela com as duas moças bolivianas que trabalhavam na nossa casa. Ela nem parecia incomodada com as diferenças de idioma. Pouco depois nos mudamos para um apartamento no primeiro andar de um prédio na Praça Isabel La Católica, que ficava na avenida que ia do centro da cidade para o bairro de Calacoto, onde sempre íamos passear em casa de amigos brasileiros. A maternidade ficava do outro lado da praça, bem pertinho. Ana Maria era uma criança muito saudável, uma bitela, como diria Dona Cezarina, minha sogra italiana, morreu pouco depois que chegamos na Bolívia. Alguns colegas de trabalho de Bolívar e os poucos brasileiros que viviam em La Paz, sobretudo o pessoal de embaixada e da representação militar, foram me visitar e conhecer a menina que 60
tinha nascido de parto normal. Bebeta se arrumou toda para levar as crianças para conhecerem a irmãzinha. Ao chegar na maternidade ela se deparou com muitas flores que eu havia recebido das visitas. No quarto ela me disse que levou o maior susto ao ver tantas flores, chegando mesmo a pensar que eu tivesse morrido. Nessa época, lá em Cachoeiro, flores em hospital era coisa de despedida e não de boas vindas. Para deixar a casa mais tranquila, algumas vezes Bebeta levou os meninos ao cinema e voltava de lá sempre muito constrangida. É que Afonso, sempre moleque, ficava xingando os piores nomes feios que aprendera, certo de que ninguém estava entendendo o que ele falava em português. Bebeta fez grande sucesso com nossos amigos, sobretudo com o casal Meira Mattos. Certo dia, ela preparou uns biscoitos fritos, coisa sempre presente na mesa de café dos brasileiros do interior, e serviu para quem estava lá em casa. Foi um grande sucesso, visto que todos estavam saudosos do gosto daquele biscoito caseiro.
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Eu morei em muitas casas durante a minha vida. Cada uma delas tinha suas peculiaridades e eram arrumadas da melhor forma que se conseguia. Isso de andar de um lado para outro obrigava a ir deixando coisas para trás e em arranjar outras para completar o que estivesse faltando. É nesta minha casa de hoje, meu apartamento aqui em Vitória, que consegui reunir o maior número de móveis e objetos que estiveram presentes em diferentes momentos da minha vida. As peças da mobília contam um pouco da história da minha família. Elas foram trazidas, aos poucos, de Cachoeiro e do Rio de Janeiro. Os móveis do meu quarto de dormir foram do quarto dos meus pais. Os da sala de jantar foram da casa de minha irmã Carmosina. Do apartamento de minha irmã Yedda eu trouxe algumas peças avulsas. Da mobília de quarto dos meus três filhos, tenho comigo a cômoda, uma mesinha de cabeceira e uma cadeira. Tudo feito em jacarandá, na oficina de Licínio Moura, em Cachoeiro. As três camas de solteiro, o guarda roupas, as cadeiras e duas mesinhas de cabeceira estão na casa de Afonso, nos quartos dos seus filhos Renato e Murilo. Também está comigo a cadeira de balanço que foi de meu pai. 63
M贸veis do quarto: arm谩rio, cama, criado mudo e c么moda.
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No meu quarto está um guarda-roupa feito em peroba, com a parte da frente toda em espelho e uma grande porta no centro. Pequenas tiras em macheteria enfeitam a parte alta, complementando o detalhe em relevo. Na parte de baixo existem duas gavetas pequenas nas laterais e um gavetão no centro. A cama de casal é bem alta, com cabeceira e guarda. Nela dormiram meus pais, depois eu com minha mãe viúva, depois eu com Bolívar e, agora, eu sozinha. Nessa cama nasceram meus filhos Alvaro e Cláudio. Uma grande penteadeira, com espelho e tampo de mármore rosa, por certo trazido do estrangeiro, ao lado de uma mesinha de cabeceira também com tampo da mesma pedra, compõe um conjunto. Em todas as peças os mesmos detalhes em macheteria. Esses móveis foram adquiridos por meu pai, pouco antes de morrer. Estiveram na nossa casa em Cachoeiro até que Beatriz resolveu trazê-los para Vitória, para mobiliar o quarto da minha neta Ana Carolina. Eles vieram para cá logo depois que me mudei. Aqui, o meu quarto é bem maior do que o do apartamento de Alvaro, onde morei depois que saí da nossa casa na Madeira de Freitas. Em um dos quartos de hóspedes está uma velha cama de viúva, em jacarandá bem escuro, que deve ter sido da minha avó paterna, Donana. Ao lado dela, está a cômoda em jacarandá da mobília e uma mesinha de cabeceira, que eram do quarto dos meninos lá da casa de Cachoeiro. Na sala de jantar fica a mesa de peroba que pode ser usada com quatro ou seis cadeiras. Um sistema de correr, existente no centro, permite aumentar em uns 50cm o seu tamanho. As cadeiras têm assento de palhinha e espaldar alto, com detalhes em macheteria. Uma cadeira de formato similar às demais, mas com encosto em couro, fica à disposição para uso eventual. 65
A cristaleira e o étagère que compõem a sala de jantar.
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Ao lado da mesa, a cristaleira que foi de Carmosina, com tampo de mármore cinza, duas portas e duas gavetas na parte de baixo, pé de palito e um pequeno armarinho com laterais e portas em vidro com desenhos jateados na parte de cima. Um espelho compõe o fundo do espaço entre o mármore e o fundo de madeira. Um étagère de boa altura, também em peroba, tem tampo em mármore cinza, duas gavetas e duas portas na parte de baixo, que dão acesso às prateleiras internas. Na moldura do espelho, duas pequenas prateleiras oferecem a possibilidade de guardar pratos, pequenos jarros e objetos. É um móvel robusto. A sapateira em peroba, também da mobília de Carmosina, é hoje utilizada como lugar para guardar garrafas de bebidas no canto da sala de estar, onde também estão uma mesinha de centro e uma outra, mais alta, ambas trazidas do apartamento de Yedda. De lá também veio uma estante em madeira escura onde estão guardados os livros de Rubem, Newton e outros autores de grande estima. Ao lado de um dos dois sofás, está o criado mudo de uma portinha e uma gaveta, pertencente à mobília do quarto de mamãe. Serve como mesinha de apoio. A cadeira de balanço do meu pai está colocada sobre um tapete no canto da sala de estar, bem diante da porta de entrada. Ela tem o encosto e o assento de palhinha, como nas cadeiras antigas desse tipo. Na sala de televisão estão três móveis trazidos da casa de Yedda. Uma mesinha para a tv, um armário escuro com muitas gavetas e uma pequena poltrona de pés finos, desenhada por Tenreiro. A minha máquina de costura foi de mamãe e era usada para fazer as roupas das crianças. Ela é montada, como era comum, em um pequeno móvel com 4 gavetas pequenas sobre um pé de ferro. 67
Na parte de baixo, o grande pedal para movimentá-la. No corredor, uma estante estreita e alta foi trazida da casa de Yedda. Nela estão outros livros de estimação. Uma outra estante, bem mais larga e baixa, de fabricação caseira, guarda os livros de arte, maiores, e uma coleção encadernada de Machado de Assis, que me foi dada de presente por Bolívar. Nas paredes do apartamento estão pinturas que também ajudam a contar um pouco mais da minha história. Muitos dos quadros que pintei e que estão na sala de tv, no corredor, na sala de jantar e nos quartos de hóspedes, mostram aspectos do interior dos cômodos e das paisagens vistas das diversas janelas das casas em que vivi e que frequentei. Não sendo propriamente uma pintora e modéstia à parte, fiquei bem vaidosa quando Rubem veio me contar que Gabriel García Marques, disse a ele que havia gostado muito dos meus quadros, que viu no apartamento dele em Ipanema, onde estava hospedado. Na sala de visitas estão várias obras trazidas do apartamento de Yedda. Dentre os quadros a óleo está um retrato de Rubem com dedicatória de Portinari, ao lado de um desenho de Yedda, feito por Lasar Segall. Um busto de Yedda, em bronze, feito por Bruno Giorgi e um retrato a óleo feito por Iza, sua esposa, completam o conjunto de registros feitos no tempo em que esses meus dois irmãos conviveram intensamente com aqueles artistas, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Sobre a estante, existe uma pequena obra em bronze, na verdade um estudo da escultura “Os Estudantes”, feita também por Bruno Giorgi, que fica nos jardins do prédio do MEC, no Centro do Rio. Ao lado dela, um casal abraçado, feito por Murilo Miranda e uma escultura de uma mulher segurando os cabelos, também feita por Bruno. No corredor estão desenhos de Carybé, feitos durante a via68
gem que fez com Rubem pelo Espírito Santo, inclusive o original de um velho sobrado que existia perto da nossa casa, na Rua 25 de Março, em Cachoeiro. Um retrato de Yedda feito por Anita Malfatti também fica por ali. Crônicas ilustradas de Rubem também estão emolduradas nas paredes. No quarto de costura estão duas serigrafias feitas por Scliar e uma pequena aquarela feita por Di Cavalcanti. No outro quarto, estão um óleo de minha sobrinha Ana Maria e uma outra serigrafia de Scliar. Na varanda está uma escultura em bronze de Bruno Giorgi, que retrata um casal abraçado, que ficava na varanda do apartamento de Yedda. No meu quarto estão dois desenhos de Clóvis Graciano, uma aquarela de Bruno Giorgi e um desenho a nanquim, de Carlos Leão. Sobre os móveis da sala, muitos objetos de grande estima e expressão dos tempos que vivi. Uma pequena jarra francesa trazida da Colômbia é um bom exemplo do que guardo com carinho.
ada um tem um pouco para dizer sobre a mãe, a sogra, a avó e a bisavó Gracinha. O carinho de filho que sempre viveu bem próximo dela, uma casa como referência de lugar seguro e acolhedor, um pouco do que foi ensinado na cozinha, a admiração pelo seu gosto por cores pastéis. Ela é uma verdadeira unanimidade entre os parentes mais velhos, os que já estão no mundo há algum tempo e os recém chegados. Vindos todos dela.
Que coisa estranha, mamãe! Eu, o mais velho dos seus cinco filhos – três meninos e duas meninas, sendo a última, nove anos mais nova do que eu e a outra, a minha gêmea. Os dois filhos do meio, Alvaro, dois anos mais velho do que o outro, Cláudio, nasceram no sobrado da Rua 25 de Março, lá em Cachoeiro de Itapemirim. Portanto, eu considero serem eles os mais originais do seu berço farto, de quatro partos e cinco filhos. Você se casou com meu pai em 1940, na igreja de Nossa Senhora dos Passos, do outro lado do rio Itapemirim, no dia 8 de agosto... Eu sei, você me contou certa vez, que o seu namoro com o Bolívar, filho do meio de Fernando e Cezarina foi “sem querer”. Aluna do Liceu Muniz Freire, ginasiana, você, a caçula de Chico Braga de Neném do Frade, era muito admirada pelo diretor do colégio, o Seu Fernando de Abreu, pai de Murilo, Bolívar e Gesuíno e o velho sempre lhe dizia “Gracinha você poderia se casar com um dos meus filhos?” Em 1939, um pouco antes, Bolívar estava se formando em medicina na Faculdade Nacional de Medicina do Rio de Janeiro, onde ele estava desde 1932. Quando Yedda se casou com Murilo Miranda na velha 73
Matriz em Cachoeiro, você se sentou entre Genuíno e Bolívar, para assistir ao casamento da irmã mais velha; de repente Bolívar lhe perguntou: “Graça, você quer se casar comigo agora?” No que você lhe respondeu prontamente que sim, ele então se levantou do banco da igreja e fez que ia ao altar falar com o padre, voltou e sentou. Assim começou o flerte e o seu futuro grande amor... Sei que aconteceu um encontro um dia antes de Bolívar zarpar para o Rio no trem das quatro... Naquela noite, em sua casa, você me disse que Bolívar lhe chamou: “Graça, vamos até o Bar do Itamar comprar cigarro comigo”. Você foi e voltou conversando com ele na 25 de Março até a sua casa... Ali a conversa dele pegou você de surpresa, tenho certeza disso... Aliás, mamãe, em falar em cigarro, já se vão cinquenta anos que eu fumo sem parar e essa conversa que escrevi acima me deu uma vontade de fumar o meu Hollywood. Já que estou na Tecmaran com o Alvaro pensando que me manda, escrevendo estas palavras soltas no tempo feliz da sua vida, vou sair pra fumar lá em baixo... Bem, em 1940, meu pai se casou com a senhora e foram morar na sua casa, na Rua 25 de Março junto com a minha avó Neném. Era a Segunda Guerra, Rubem lá ia cobrir para o Diário Carioca na Itália e deixava Roberto, seu único filho, com vovó e vocês, que o criaram até mais ou menos 1945, penso eu. Você e papai ficaram seis anos sem ter filhos e em 1946, no dia 18 de setembro, correram para a Santa Casa e você deu a luz a um casal de gêmeos: Beatriz e eu. Daí você fez mais dois meninos, o Alvaro em 1947 e o Cláudio em 1949, como falei lá em cima nesse texto. Bem, ainda viria mais uma menina, que nasceria em La Paz, na Bolívia, em 1955, a Ana Maria, a sua caçula. A gente estava por lá graças à indicação do meu pai para nortear as o controles de endemias em nome da ONU, junto ao 74
Ministério da Saúde da Bolívia e mais tarde na Colômbia, até 1957, quando voltamos para Cachoeiro. Não posso me esquecer de três fatos importantes acontecidos lá: primeiro, a ida de Bebeta para La Paz no avião do CAN – Correio Aéreo Nacional; a chegada do meu primo mais querido, o Edson da Rocha Braga, também pelo mesmo vôo, nas mãos do Comandante Guilherme Silva, o “Lélé” e a chegada do Dr. Adhemar de Barros, fugindo do Brasil. Ele foi parar lá em casa e comeu feijão preto com carne seca, certamente... Na Bolívia você ficou amiga da Serrana e do então Major do Exército Carlos Meira Mattos, adido militar do Brasil na Bolívia naquela época. Em 1958 chegamos em Vitória, todos. Tempos depois meu pai assumiu a Secretaria de Estado da Educação a convite do Dr. Carlos Lindenberg. Fomos morar na casa da esquina da então Rua da Árvore, em frente linha do bonde “Centro - Praia do Canto”, perto do ponto da Praia do Barracão. Foi assim e, em junho meu pai me mandou subir no telhado e amarrar a antena para que pudéssemos ouvir a transmissão, pela Rádio Nacional, da Copa vitoriosa de 1958 no rádio Telefunken da eletrola que havia comprado, que também serviu de escuta dos discos de jazz e rock and roll, Elvis Presley, Noel, Ary, Miltinho, Bonfá, João Gilberto, etc. Ficamos na casa até 1960, quando então meu pai comprou uma casa na Rua Madeira de Freitas, na Praia do Canto e assim, fomos criados felizes, iguais, unidosnuma terra que nos acolheu carinhosamente mas que levou o meu pai para sempre em 5 de maio de 1962, num dia cheio de sol de outono. Você, minha mãe, ficou com cinco filhos sendo eu, o seu mais velho, com 15 anos, junto com Beatriz, seguidos de Alvaro, Cláudio e a pequena Ana Maria com cinco anos, apenas. 75
Essa história foi contada no meu pequeno livro “Tio Rubem e nós”, da Editora Contexto, há poucos anos atrás. Minha mãe, obrigado por tudo, sei que sou aquele que te deu mais trabalho na infância com muitas febres e pedradas, mas, que sempre protegeu você e meus irmãos do jeito que melhor podia. Valeu, minha mãe! Um grande abraço do seu filho, Afonso
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Um dia, minha irmã Ana Maria, Nena para nós da família e os amigos íntimos, me falou a respeito de um curso novo que uma faculdade da cidade estava oferecendo e que algumas conhecidas minhas já tinham se inscrito, digo inscrito, sem vestibular! Tratava-se de “Design de Interiores”, assunto de que sempre gostei. Fiquei entusiasmada, consegui uma vaga e assim me iniciei, já madura, na vida universitária. Entre as matérias oferecidas havia uma chamada “Design do Habitat”. Nos foi pedido como “dever de casa” que escolhêssemos para descrever algum local que as pessoas frequentassem: mercado, casa, hospital, loja, teatro, etc. Formamos um grupo de cinco alunas, as amigas queridas, e começamos a pensar no assunto para o trabalho. Várias sugestões dadas, idéias trocadas, eu quieta... Quando vi que não havia consenso, sugeri o que eu queria muito: usar como tema a Casa dos Braga, em Cachoeiro de Itapemirim, já transformada em Centro Cultural, à época. Esta explicação se faz necessária para a compreensão do texto que se segue*: Entrevistamos mamãe pra nos dizer um pouco sobre a casa, sua vida nela, desde pequena até pelos idos anos 50, quando nos mudamos para Vitória, em 1958. 77
Ao escolhermos o tema de nosso trabalho sobre Habitat, nós as cinco participantes do grupo, pensamos em várias hipóteses. Mas eu tinha, no fundo do coração, uma sugestão a fazer. Calei-me. Não queria impor a minha vontade. Quando as quatro colegas estavam quase decididas pela idéia inicial, apresentei a minha. Aceitaram de bom grado e com entusiasmo. Fiquei feliz e emocionada por poder transmitir um pouco da história da Casa da minha família, que é bastante minha também. Dizem que o amor é cego. Ainda bem. Ao chegarmos lá, uma mistura de saudade, alegria e de decepção tomou conta de mim. Encontrei-a mal cuidada e envelhecida. Se pudesse, voltaria no tempo e a mostraria bela e acolhedora como guardo na lembrança. Respirei fundo e entrei. Se demonstrar, fui passando pelos cômodos com os sentimentos aflorados, fazendo de conta que era antes... “... É extraordinário que eu esteja aqui nesta casa, nesta janela, e ao mesmo tempo é completamente natural e parece que toda a minha vida fora daqui foi apenas uma excursão confusa e longa; moro aqui. Na verdade onde posso morar senão em mina casa?...” (Rubem Braga crônica “Em Cachoeiro” 1947) Ainda hoje a casa conserva a mesma estrutura. É uma construção bem ao estilo chalé, elevada do nível da rua com um porão habitável. A família ocupava o andar de cima, que se alcançava entrando num caramanchão, de onde se sobe 13 degraus, alcançando então uma varanda estreita e comprida com piso de ladrilho hidráulico. Existiam duas entradas principais. Uma para a sala de visitas, que nunca era usada, e outra para a sala de jantar. Na sala de visitas ficava um grupo de sofás e cadeiras de braço em jacarandá com o assento e as costas em palhinha. A sala de jantar, cuja porta dava para a varanda era aberta às 6h da manhã e só era fechada depois que chegasse a última pessoa da casa. 78
Uma cadeira de balanço repousava sob a janela. Havia logo na entrada um porta-chapéu. A mesa de jantar era bem grande de madeira escura, com tantas cadeiras à volta quantas pessoas morassem ali. Havia uma cristaleira e um relógio de corda na parede, que já existia na casa quando ela foi comprada. Existiam três quantos amplos e interligados e mais um que chamávamos de passagem, que era uma espécie de corredor. O banheiro era apenas um, com banheira, chuveiro e instalação sanitária. A cozinha ficava bem nos fundos, antecipada de uma pequena copa onde havia uma mesa grande para passar roupa a ferro de brasa. Ai também fica a geladeira que todas as manhãs era abastecida com uma barra de gelo, vinda num carro puxado a burro e que chegava enrolada em um pano grosso. Nessa copa tinha uma enorme talha de barro que recebia água de filtro do alto da parede. Na cozinha havia uma pia com bancada e um fogão a lenha, com serpentina para esquentar a água do chuveiro. Fora da casa ficava o tanque de alvenaria, grande, onde eram lavadas as roupas das crianças, pois a roupa dos adultos e de cama e mesa eram lavadas pela lavadeira que vinha na segunda feira bem cedo buscá-las para trazer de volta lá pela quinta-feira, muito bem passadas e empilhadas com cuidado. Quando eu tinha uns 7 ou 8 anos, ficamos um período em Marataízes. Quando chegamos, estava tudo muito bonito! Na varanda, ao invés das grades de madeiras, luzia agora uma fileira de balaústres brancos, abaixo do beiral de cimento armado. A casa por fora estava pintada de verde claro, com janelas e porta em tons mais escuros. Naquele tempo era usada uma cor de tinta para cada cômodo da casa e havia também o detalhe das barras pintadas, acima da linha das portas e janelas. Assim, a sala de visitas era pintada a óleo, em verde claro e a barra, com uns 30 79
cm de largura, era uma fileira de rosas vermelhas entrelaçadas em folhas verdes escuras. Os pintores fixavam um papel grosso na altura da barra todo recortado com o desenho das rosas e das folhas por cima deles iam pintando pelos vãos, as rosas vermelhas, muitas rosas e as galhadas verdes. Na sala de jantar, também pintada a óleo numa cor de ocre, a barra tinha frutas pintadas: maças, uvas, peras...que bonito. Nos quartos a modalidade já era outra; lembro-me do quarto de mamãe: era pintado de azul bem claro em tinta comum e por cima o pintor passava um rolo com pequenos relevos, que ele mergulhava em tinta azul (natiér) e então aparecia uma trama que eu sempre achei parecido com as casas de abelha, porém um pouco maior. No alto havia também a barra, com flores azuis e uns arabescos marrons claros. Em contraposição aos detalhes da pintura das salas e dos quartos, a copa e a cozinha eram tão rudes... Na copa havia um guarda-comida que era um armário alto com duas prateleiras onde ficavam as xícaras pendurada em ganchos e os pires e os pratos de sobremesa. Na segunda prateleira, ficavam os pratos e, sempre aí, os bolos e as roscas doces. A porta do armário tinha tela na altura das prateleiras para conservar os alimentos; a parte de baixo era fechada, pois aí eram guardadas as travessas e terrinas. Na crônica “Os trovões de antigamente” Rubem Braga escreveu: “Nossa casa era bonita, com varanda, caramanchão e o jardim grande ladeando a rua. Sim, nossa casa era muito bonita, verde, com uma tamareira junto à varanda” . Beatriz * Extraído do trabalho apresentado na FAESA (Jun/2002).
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Não me recordo de ter visto mamãe ir à cozinha para, sozinha, preparar um almoço de domingo como eu normalmente costumo fazer em minha casa, pelo simples prazer de reunir os amigos e parentes. É bem verdade que no passado as donas de casa tinham uma maior disponibilidade de ajudantes, que trabalhavam inclusive aos domingos. Gosto muito de dizer que a comida da mamãe sempre teve um gosto suave, com poucos condimentos. Coentro é um tempero que não participava no preparo das refeições lá em casa. Acho até que mamãe nunca preparou uma moqueca capixaba. Já a ouvi contar que tio Rubem levou o Vinícius de Moraes a Cachoeiro e ela então preparou um arroz de forno com banana da terra frita que deixou saudade no poeta. Certa vez ela o encontrou no Rio de Janeiro e ele comentou que aquele arroz servido em Cachoeiro foi o melhor que já havia comido na vida. Na verdade, mamãe sempre gostou mesmo é de ir à cozinha para preparar broa de milho, ovos nevados, além dos clássicos biscoitinhos de nata que eu, quando criança, adorava comê-los ainda crus enquanto ajudava a enrolá-los. Esses biscoitos eram sempre bem guardados (escondidos seria o termo mais correto) numa lata para acompanhar o cafezinho servido às visitas. Hoje, 81
mamãe mantém os biscoitos a sete chaves, para dar aos netos e bisnetos que vão na casa dela ou levar quando vai visitar quem esteja adoentado. No Natal a tradição era a torta de nozes recheada com ovos moles. Quando éramos pequenos a torta era deixada sobre a mesa de jantar, intacta, à espera do Papai Noel. A sensação, na manhã do dia 25 de dezembro, era conferir se o velhinho havia comido um pedaço da delícia, pura prova de que esteve na casa fazendo entrega dos tão esperados presentes. A torta continua participando das festas de fim de ano, fazendo o mesmo sucesso de sempre. Tivemos a Laudelina, carinhosamente apelidada de Ina, que veio pra nossa a casa de Cachoeiro ainda muito menina, para ser minha babá e ficou conosco em Vitória até se casar com Luiz Muller. Ela se tornou uma grande doceira, treinada por mamãe, naturalmente. Diariamente ela preparava sobremesas para o jantar. Alvaro não perdoava tecendo algum comentário do tipo: esse doce ficou um pouco mole ou tá doce demais... Hoje posso crer que os comentários eram pelo simples prazer em chatear nossa querida Ina, considerando que era ele mesmo o que mais comia das tais sobremesas. Detalhe: Ina nasceu exatamente no dia do nascimento de Beatriz e Afonso, o que levava mamãe a afirmar que os dois, junto com ela, eram seus trigêmeos. Ana Maria
Tomar umas 3 xícaras de arroz cozido e juntar umas 2 colheres de manteiga, 2 gemas e ½ xícara de queijo ralado. Misturar bem. Arrumar em pirex untado e levar para assar. Na hora de servir cobrir com banana da terra frita. 82
1 copo de nata 1 ovo 1 colher (cheia) de manteiga 2 xícaras de açúcar 1 pitada de sal Polvilho doce (ou araruta) que dê para enrolar. Segundo Diana, usa-se quase 1kg. Amassar os biscoitos com um garfo, depois de arrumados no tabuleiro untado com manteiga e levar para assar.
6 colheres de manteiga 2 xícaras de açúcar 3 gemas 2 xícaras de fubá 1 xícara de trigo 1 xícara de leite 3 claras em neve 2 colheres (rasas) de sopa de pó Royal 1 pitada de sal. Bater o açúcar com manteiga e gemas. Juntar as farinhas o leite e por último o pó Royal. Derramar em forma de furo untada e levar para assar em forno pré aquecido.
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Bater em neve 3 claras, juntar 2 colheres das de sopa de açúcar e misturar bem. Ferver ½ litro de leite com uma pitada de baunilha. Colocar dentro do leite as claras, às colheradas, virando-as com um garfo. Quando a clara estiver cozida, tira-se do leite e coloca-se numa peneira para escorrer. Bater 3 gemas com 3 colheres (das de sopa) de açúcar, misturar 1 colher das de sobremesa de maisena ou fécula, juntar ao leite em que foram cozidas as claras e levar ao fogo brando, mexendo sempre, sem deixar ferver. Colocar um pouco de baunilha neste creme e quando estiver grosso, derrama-se por cima das claras que foram arrumadas numa compoteira ou prato côncavo. Polvilhar canela e servir gelado.
Bater 4 gemas com 6 colheres de açúcar, 1 colher de maisena, 1 pitada de baunilha. Misturar depois 2 copos de leite e levar ao fogo, sempre mexendo, e retirar do fogo logo que abrir fervura. Bater 4 claras como para suspiro e juntar 4 colheres de açúcar. Fazer um doce com 200 gramas de ameixas sem caroço e depois de frio picar as ameixas e juntar as claras batidas e, em seguida, levar ao forno brando em pirex untado. Depois de assado suspiro derramar o creme e colocar na geladeira.
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Massa: 1/2 kilo de nozes, pesado com casca e tudo 6 ovos 1 colher de farinha de rosca 6 colheres de açúcar bem cheias Bater as gemas com o açúcar até ficar um creme grosso. Juntar as claras em neve e as nozes passadas na máquina e depois, por último, a farinha de rosca. Misturar bem, sem bater, levar ao forno em forma untada com manteiga e polvilhada com farinha de rosca. Quando assada, virar sobre o mármore, cortar ao meio e furar bastante com um garfo. Ovos moles: 1 xícara de açúcar 1 xícara de água. Fazer uma calda em ponto de pasta. Quando estiver quase fria, juntar 4 gemas passadas na peneira. Mexer bem até formar um creme espesso. Usar esse creme para rechear o bolo. Cobertura: 5 claras em neve 10 colheres de açúcar 1 colher (chá) de suco de limão Bater as claras em neve. Adicionar o açúcar aos poucos batendo sempre e por fim colocar o suco de limão. Cubra a torta e enfeite com nozes.
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Pelo que sei minha mãe Gracinha sempre gostou muito de desenhar, desde os tempos do colégio. Lembro-me dos desenhos que ela fez retratando Marataízes, já quando era casada com meu pai Bolívar, que morreu em 1962. Mais tarde começou a pintar a óleo, adotando seu nome Anna Graça como nome artístico. Acredito que ela nunca teve pretensão de ser uma pintora de fato, daquelas que expõem e vendem suas obras; ela pintava simplesmente pelo prazer de pintar, para lhe fazer bem à sua já tão bondosa alma, e dava seus quadros principalmente para seus filhos. Ela sempre viveu rodeada por muita cultura. Sua irmã Yedda casou-se com Murilo Miranda, que foi um importante incentivador das artes e letras no Brasil, tendo sido o editor da famosa Revista Acadêmica, que nas décadas de 1930 e 1940 foi o principal veículo divulgação artística e literária do país. Seu irmão, o cronista Rubem Braga também gostava de desenhar e adorava quadros e esculturas. Retratado por Cândido Portinari, ganhava as obras dos seus amigos autores antes mesmo de eles tornarem renomados. Sua cunhada Isabel, casada com seu irmão Newton Braga, poeta maior de Cachoeiro, sempre gostou muito de 87
desenhar, vindo mais tarde a se tornar uma grande pintora, fazendo quadros a óleo muito coloridos, alegres e cheios de vida. Yedda conviveu intensamente no meio artístico e literário brasileiro, pois Murilo e Rubem eram amigos de todos os seus principais participantes, desde a época em que todos eram apenas iniciantes e desconhecidos. Yedda foi modelo de vários artistas renomados. Ela tem a sua cabeça feita em bronze pelo Bruno Giorgi, escultor famoso que fez, entre outros trabalhos, as estátuas dos Candangos, de 1959, que fica na Praça dos Três Poderes, em Brasília e o célebre Monumento à Juventude Brasileira, de 1947, que se encontra nos jardins do edifício do Ministério da Educação, no Rio (atual Palácio Gustavo Capanema), considerado unsdos primeiros no país a ser feito dentro do conceito do célebre arquiteto francês Le Corbusier. O escultor deu para Yedda e Murilo o modelo daquela obra, pequeno e em gesso, que depois foi passado para o bronze. Ele também pintou um óleo do rosto de Murilo, que deve ter sido um dos poucos quadros que fez. Com a morte do casal, essas duas peças, junto com todo o seu acervo cultural, foram herdadas por D. Gracinha, assim como a cobertura em que moraram em Copacabana, no Rio, que me foi por ela vendida e onde tenho o prazer de morar desde 1998. Yedda também teve seu rosto desenhado por Lasar Segall, outro renomado pintor brasileiro. D. Gracinha, que mora em Vitória, fez questão que os retratos de Murilo e Yedda permanecessem no apartamento onde eles moraram. Com a morte de Murilo em 1971, D. Gracinha mudou-se para o Rio para fazer companhia à sua irmã Yedda por uns dois anos. Embora tivessem temperamentos e vivências bem diferentes, mamãe e sua irmã sempre tiveram uma ligação muito forte, que se fortaleceu ainda mais depois que ambas ficaram viúvas. 88
Esculturas de Bruno Giorgi, Yedda e Rubem (desenhados respectivamente por Lasar Segall e Portinari). Abaixo, Estação de Marataízes retratado por Isabel Braga e retrato de Murilo Miranda por Bruno Giorgi.
Quadros de Anna Graça: barcos em Marataízes, Praia de Manaíra, na Paraíba, Convento da Penha, frutas, flores, plantas e jardins na casa dela.
A casa verde da famĂlia de Chico Braga e Nenem do Frade, na Rua 25 de Março, em Cachoeiro.
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Embora sempre tenha morado em Cachoeiro e Vitória, ela vinha muito ao Rio de Janeiro visitar seus irmãos, que aqui residiam. A partir daí começou a aperfeiçoar seus quadros a óleo – que havia começado a pintar no final dos anos 1960 – passando a seguir as orientações de uma pintora e professora italiana, indicada por seu irmão Rubem. Gostava principalmente de pintar paisagens, plantas e flores. No seu curso fez alguns quadros de cenários de natureza morta, bem como de, digamos, natureza viva, retratando pessoas que para ela posavam. Tenho em minha casa um quadro de mamãe, feito em 1983, do Convento da Penha, principal referência capixaba, que me ajuda diariamente a matar a saudade da minha terra, pois fica na sala onde faço minhas refeições. Outro quadro dela que gosto muito é o de uma planta bem florida (acredito que uma azaléia) num vaso, que ficava na varanda da cobertura de Yedda. Em 1972, Anna Graça fez o que considero sua obra-prima: um óleo retratando com perfeição a Casa dos Braga, sobrado em que seus pais, seus irmãos e ela e sua família moraram em Cachoeiro de Itapemirim. Ali hoje é uma biblioteca municipal, e passou a ser uma das referências turísticas da cidade. Foi nessa casa que D. Gracinha, meu irmão Alvaro e eu nascemos. Claudio Rio de Janeiro, 12/1/2011, a exatos 98 anos do nascimento, em 12/1/1913, do meu querido tio Rubem Braga.
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Dona Graça, uma heroína. Viúva aos quarenta, teve que trabalhar, para se sustentar, e o mais difícil, Formar 5 filhos, todos capetas, e ela conseguiu esta proeza, conseguiu, inclusive, formar até o Afonso! Merece nossos aplausos!!! Carlos Guilherme Minha sogra cheia de Graça. Ana significa cheia de graça em hebreu. Graça, aquela que quer viver bem com todos, atrai pelo seu entusiasmo e originalidade. Conheci Anna Graça ainda menina, aos 13 anos de idade, ao iniciar um namorico com seu filho Afonso. Lembro que senti uma sensação muito boa e hoje concluí: ela era realmente como seu nome. A partir daí iniciamos uma relação de sogra, mãe, amiga e avó dos meus filhos. Nesses anos todos de convivência com essa pessoa querida aprendi muito e sou grata pelo seu 95
afeto, sempre presente na minha vida através das suas ações generosas. ...e ela ainda consegue ser espirituosa. Êh, êh!! Parabéns Anna Graça! Luiza Amália Tiro ao Alvaro. Acertei no que vi e no que ainda não havia visto. Mas que já pressentia. Os comentários que chegavam sobre o meu alvo eram mais que favoráveis em relação a ela. Com a torcida entusiasmada de mamãe, ganhei um prêmio acumulado que superou qualquer possível expectativa. Nas horas mais importantes ela esteve e tem estado junto de mim, com suas demonstrações práticas de cuidado e carinho, seu jeito franco de enfrentar as coisas, sua serenidade para relativizar os problemas, sua presença de espírito que faz brotar uma gargalhada assim do nada e que tão bem faz à alma da gente. Em mais este seu aniversário, me alegro e brindo e agradeço. Por ela, por Alvaro e por nossos filhos e noras e genros e netos, por meus cunhados e cunhadas, sobrinhos e sobrinhas, pelas crianças que fazem a quarta geração dessa família rica de gente bonita que ela criou. E por tantos primos e amigos que vieram junto. A ela, minha sogra que agora me ensina a ser também sogra e avó, ofereço meus melhores sentimentos, gestos e sorrisos. Minha querida Dona Gracinha! Carol 96
Para uma grande mulher com muito amor e carinho: exemplo de vida, de otimismo e de bom astral. Te amo! Sua sempre nora, Lyginha Dona Gracinha, Apesar de termos nos encontrado tão poucas vezes, sua simplicidade, elegância e jovialidade sempre me encantaram. A senhora é, com certeza, uma pessoa muito especial. Beijos, Alice Weiss Costumo dizer que gosto tanto da minha sogra que estou até pensando em me separar de Ana Maria para poder me casar com Dona Gracinha e, dessa forma, me tornar padrasto de Afonso, Alvaro e Cláudio e ainda, sogro de Carlos Guilherme. Lá ia ser engraçado!!!!! Um beijo minha sogra! Nenem
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Pela manhã verdes, À tarde âmbar, À noite tudo veem Os olhos de Vovó Gracinha. Ana Paula Vovó Gracinha: Anna Graça. Minha vòzinha querida... Vai amor por onde passa! Cacá Querida vovó, não tenho a menor dúvida que no dia em que você nasceu Deus revelou seu nome a meus bisavós: Gracinha. Não conheço ninguém que se encaixe melhor neste nome do que você. Você é a nossa Gracinha. Te amo. Marcelo Que delícia falar da vovó Gracinha, serena, amável e cheia de histórias para contar, que só 99
a experiência de vida é capaz de criar. Sou fã de carteirinha dos famosos biscoitinhos de nata e da melhor torta de nozes. Beijos da neta agregada... Helia Bisa, sou sua primeira bisneta, nasci apressada e ainda caprichei no dia: quatro de novembro, mesmo dia do aniversário do biso Bolívar. Victória Querida e cheia de graça é a minha bisa Gracinha! Marcelinho Bisa, acho você legal e carinhosa. Um beijinho bem fofinho! Valentina Quando eu era pequena, adorava ir dormir na casa de vovó Gracinha. Muitas vezes eu ia com meu primo Marcinho, quando então nós 3 ficávamos até tarde da noite jogando roleta! Sempre havia uma pausa para um lanche, um mingau de Cremogema com chocolate... mas acho que essas pausas eram mesmo para despistar as acusações de roubo no jogo! Anos mais tarde, quando fui morar no Rio, vovó sempre me dava uns biscoitinhos de nata ou de araruta quando eu ia a Vitória. Aliás, já que moro fora do Brasil, sempre que estou de férias em Vitória ganho uns biscoitinhos 100
ou um delicioso bolo de fubá! No ano passado, 2010, vovó Gracinha ganhou mais 2 bisnetos, e um deles é Leonardo, meu querido filho com o Rubinho. O Leonardo é um menino muito gostoso, risonho e participativo. Em breve pretendemos levá-lo a Vitória para que vovó Gracinha e toda a família o conheçam! Ana Carolina Vovó, tive o privilégio de viver meus primeiros anos na sua casa. Tenho orgulho disso. Parabéns e um beijo grande, do seu companheiro de nicor (licor). Márcio Querida Vovó Gracinha, sou muito feliz com a honra de compartilhar seu carinho de avó com seu neto Márcio. Com vocês, reencontrei o amor das vovós. Esse é um dos presentes mais bonitos do casamento. Parabéns! Janaína Vovó Gracinha, felicidades para você, espero que continue a pessoa maravilhosa e boa que é para os seus netos e bisnetos, continue passando tranq ilidade e conforto com suas palavras sábias, de uma mulher bem vivida e original, verdadeira e honesta. Cada dia que você proporciona o almoço, fico melhor e bem alimentado para 101
o resto do dia. Fico esperando chegar o novo dia para poder te ver e beijar, dizendo muito obrigado. Continue a mulher maravilhosa que é, e sempre morará em nossos corações. Beijo do seu neto Renato Dona Gracinha, obrigada pelo neto lindo, feliz, correto e generoso, que você colocou no mundo, graças ao seu filho Afonso e sua nora Luiza também. Conheço pouco a senhora, mas lhe admiro à distância, esperando que um dia possa conhecê-la melhor.Muitas felicidades, construídas diariamente. Abraço e beijo, da sua nora-neta Colette Quem melhor conta a história sobre como eu nasci e escolheram meu nome é vovó Gracinha. Lembrando que estava na casa de sua irmã no Rio de Janeiro, minha querida e figuraça madrinha Yedda, quando recebeu uma ligação de meu pai dizendo: – Mamãe, nasceu o Murilo! Ela logo encheu-se de felicidade por mais um neto chegando, mas foi surpreendida pelo comentário da irmã: – Murilo, uma homenagem ao meu marido, mesmo nome! Vovó não se conteve e disse: – Que nada Yedda, o nome é o mesmo de meu cunhado, Murilo de Abreu! Sempre que vovó Gracinha me conta essa 102
história ela completa dizendo o tanto que gostava do irmão de vovô Bolívar e como ele era especial para a família e para ela, um verdadeiro amigo e companheiro. Com essa passagem eu fico orgulhoso de fazê-la lembrar, ainda mais, das coisas boas da vida! Viva Gracinha! Murilo Vó Gracinha é daquelas pessoas que andam sempre arrumadas, ou melhor, impecáveis. Não importa se é para ir ao banco ou simplesmente comprar pão. Sempre prática e vaidosa. Lembro de uma ocasião em que eu, ainda garoto, perguntei por que ela continuava a pagar passagem de ônibus, mesmo depois dos 60. A resposta foi sábia: – Ah meu filho, o que são uns trocados para não ter que dizer a idade. Sabedoria de quem criou cinco filhos, antes de virar avó de tantos netos e bisnetos. Uma gracinha de avó! Um beijo do neto e outro da bisneta Alice. Rafa D. Gracinha é uma unanimidade, impossível não gostar do seu jeitinho. Fico muito feliz ter essa ‘vovó emprestada’ em minha vida e espero chegar aos meus 89 anos com a elegância e praticidade da querida Vovó Gracinha. Júlia 103
Como diz tio Afonso: essas meninas de Alvaro não podem ver um ônibus que se metem dentro. Mas sabe, parando pra pensar, isso é coisa da vovó, que sempre gostou de bater pernas por aí. E eu me saí assim, pra frente, menina que não para muito quieta: estou há 8 anos em São Paulo. Com tantas outras netas longe, acho que vovó se arrepende um pouco de tal ensinamento... Prática e com um enorme coração, tem sempre a casa aberta para receber quem quiser acompanhá-la nos almoços da semana. Estando em Vitória, não abro mão do almocinho. A leveza e a simplicidade são um exemplo de como levar a vida e fazem dessa avó a nossa Gracinha. Manaira Sempre achei muito fofo ter uma avó chamada Gracinha – a avó dos biscoitos de nata, das melhores tiradas e dos mais marotos conselhos de namorados. Adoro ir na casa dela pra ouvir as histórias da época em que era menina em Cachoeiro, com aventuras em volta da Casa dos Braga, no Caçadores ou no footing dominical. Me emocionei ao ler as cartas trocadas no primeiro ano de namoro com vovô Bolívar, em especial com a que lhe dizia que “a sinceridade há de ser nosso principal cuidado”. Vovó Gracinha tem ótimas expressões. Algumas dessas pérolas a gente usa sempre: – ‘Êh, êh; então.’ – ‘Espia!’ 104
Mas a melhor mesmo é quando alguém suspira perto dela: – ‘Ai ai’. Ela rebate, ligeira: – ‘Ai ai pra mim também!’ Bebel Muito querida, essa vó! Leva a vida sempre numa boa. Com tanto amor no coração, É a gentileza em pessoa. Obrigado por tudo, vovó! Bento Muitos beijos e flores para essa Bisa Gracinha que perfuma nossas vidas! Dani – Beijo de coração, Bisa! Manu – Bi-sa! (Acaba de aprender a falar ao olhar a foto de Gracinha na exposição do avô Alvaro) Theo Foi por pouco! Fiz que ia nascer no dia dela! Quando soube, ela voou às pressas para a Capital Federal para ganhar um presentinho especial de aniversário. Mas eu não apareci! Esperei o dia seguinte para dar o ar à Graça, Gracinha de vó! 105
Foi com ela que aprendi a bordar e a tomar gosto pelas linha e agulhas. Ponto corrente, ponto atrás. Todos usados nos paninhos de bandeja que até hoje vejo na minha casa e na casa dela. Guardo com muito carinho as memórias que tenho das tardes que passamos juntas, desenhando flores, escolhendo as cores e bordando. Outro dia fizemos juntas duas fornadas de seus famosos biscoitos de nata. Felizes somos nós que temos uma vó tão Gracinha! Diana Quando era pequena, eu achava que Gracinha era um adjetivo carinhoso que todos davam à minha avó. E realmente ela é uma graça mesmo! Vem à minha memória, os passeios deliciosos e as férias na casa dela. Lembro dos suspiros e biscoito de nata, da sua alegria e das sopinhas de ervilha que ela rapidamente servia quando nós chegávamos de viagem! Lembro dos bordados e as tardes no Boulevard da Praia... E das longas conversas! Ah! Como é bom conversar com a minha “vó” e ouvir a sua doce voz! Sempre uma palavra de equilíbrio e força! Tem uma simpatia natural, uma maneira própria de levar a vida. É maravilhoso ter uma avó tão querida e charmosa como a minha! Tem gente que é bem nascida! A minha avó é bem vivida! Vovó Gracinha! Te AMO muito!!! João Pedro e Luis Felipe são muito sortudos por terem uma Bisavó tão especial! Beijos, Fernanda 106
Vó Gracinha, a sua companhia é muito agradável. Gosto muito da minha avó emprestada! Sempre muito animada. Qualquer situação fica muito melhor quando está por perto! Beijos carinhosos do André Sempre amorosa, atenciosa e carinhosa com seus filhos, netos e bisnetos... Não tinha como ela ter outro nome além de Gracinha. Tenho muito orgulho de ser sua neta! Beijos, Bia Uma avó moderna, sábia e carinhosa, como Vovó Gracinha: o sonho de muitos e o privilégio de poucos. Seus netos: verdadeiros sortudos dela ter tido muito filhos, que por sua vez insistiram em aumentar ainda mais a família. Vovó Gracinha, é um orgulho ser sua neta. Te amo muito! Mariana Vovó Gracinha, mulher de fibra, valente, de eterna mocidade. Irradia luz e traz consigo amor, alegria e fraternidade. Daniel 107
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Árvore Genealógica Os frutos de Anna Graça e Bolívar em janeiro de 2011. 109
Anna Graça Braga de Abreu e Bolívar Moioli Pereira de Abreu e Silva 1 Afonso Braga de Abreu e Silva 18.9.1946 Luiza Amália Sodré de Abreu 30.9.1949 1.1 Márcio Sodré de Abreu 13.6.1973 Janaína da Conceição Magalhães de Abreu 26.8.1975 1.2 Renato Sodré de Abreu 25.12.1976 Colette Dantas 3.2.1961 1.3 Murilo Sodré de Abreu 5.2.1980 2 Beatriz Braga de Abreu e Lima 18.9.1946 Carlos Guilherme Lima 4.5.1941 2.1 Ana Paula de Abreu e Lima 29.6.1966 2.2 Carlos Guilherme de Abreu e Lima (Cacá) 5.10.1968 2.3 Marcelo de Abreu e Lima 31.5.1971 Helia Regina Dorea Lima 12.1.1970 2.3.1 Victória Dorea Lima 4.11.1996 2.3.2 Marcelo Dorea Lima 18.08.1998 2.3.3 Valentina Dorea Lima 31.05.2000 2.4 Ana Carolina de Abreu e Lima (Ula) 26.4.1975 Rubens Rezende Godinho (Rubinho) 7.2.1960 2.4.1 Leonardo Rezende Godinho 30.9.2010 3 Alvaro Braga de Abreu e Silva 23.10.1947 Tereza Carolina Frota de Abreu 30.7.1951 3.1 Rafael Frota de Abreu (Rafa) 8.2.1976 Júlia Cristina da Cruz Torres de Abreu 6.10.1979 3.1.1 Alice Cruz Torres de Abreu 12.2.2010 3.2 Manaira Frota de Abreu 16.7.1978 Gustavo Fernandes Bonbonatte 22.10.1982 3.3 Isabel Frota de Abreu (Bebel) 29.9.1979 3.4 Bento Frota de Abreu 13.1.1982 Daniela Moraes 15.3.1973 3.4.1 Manu Moraes de Abreu 14.11.2007 3.4.2 Theo Moraes de Abreu 11.5.2009 3.5 Diana Frota de Abreu 26.1.1984 Nelio Augusto Secchin 28.2.1984 110
4 Claudio Braga de Abreu e Silva 8.11.1949 4.a Lygia Coutinho Farah 9.6.1956 4.1 Fernanda Farah de Abreu 6.9.1980 André Mathias Zorman 27.5.1975 4.1.1 João Pedro Farah de Abreu Zorman 14.9.2006 4.1.2 Luis Felipe de Abreu Zorman 12.11.2010 4.2 Bianca Farah de Abreu (Bia) 23.7.1983 4.b Alice Deirò Weiss 1.6.1948 4.3 Mariana Weiss de Abreu 22.3.1990 5 Ana Maria Braga de Abreu Mendes (Nena) 29.9.1955 Astrogildo Mendes Netto (Nenem) 9.8.1952 5.1 Daniel de Abreu Mendes 18.2.1981
3.4.1 3.4.2 4.1.1
3.3
2.4.1
3.4
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4.1.2
3.5 4.1
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2.3.3
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2.2 2.1
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4b 4.3
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3.2
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1.2 1.3
Este livro foi diagramado na Mandacaru Design, em São Paulo. Tem projeto gráfico de Manaira, desenhos e caligrafia de Bebel e fotografias de Cacá e Diana, todos netos de Dona Gracinha. A capa foi uma gentil colaboração de Brena Ferrari. O texto foi composto na fonte Arno e a impressão foi feita em papel MD Extra Alta Alvura 90g e pela Gráfica Kroma em Vitória - ES, no verão de 2011.
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