Colheres de Bambu - Alvaro Abreu

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Irreverência e criatividade Soube da existência de Alvaro Abreu no final dos anos oitenta, quando voltei do mestrado para lecionar na UFES. Integrei-me ao Núcleo de Estudos e Pesquisas do Departamento de Economia, onde trabalhavam Haroldo Correa Rocha e Ângela Morandi. Naquela época articulamos um trabalho – financiado com recursos do Bandes e do Geres – com o objetivo de propor “Políticas e Diretrizes Setoriais para a Indústria no Espírito Santo”. Alvaro Abreu, por sua vez, havia retornado de Brasília, onde esteve no CNPq trabalhando com o honorável Lynaldo Cavalcanti, de quem me tornei amigo anos mais tarde. Veio para assessorar a Diretoria no Bandes nos projetos de tecnologia e inovação. O Bandes e o Espírito Santo, por certo, devem muito a Alvaro Abreu pelo seu gênio criativo, bem como por sua incessante qualidade de, permanentemente, ver, rever e propor políticas e projetos que, por suas características altamente inovadoras, não-raro a muitos mais incomodam do que mobilizam. Não fosse um acidente de percurso impactante – um infarto –, certamente só conheceríamos os atributos intelectuais já citados de Alvaro Abreu. A recomendação médica de uma vida mais calma, menos estressante e o desenvolvimento de um hobby nos possibilitou a oportunidade de conhecer outro talento – até então “adormecido” – deste grande capixaba, talento que talvez nem ele mesmo conhecesse plenamente: ao inquieto e criativo formulador de políticas e projetos, revelou-se o irreverente artista e suas belíssimas colheres de bambu. Para nossa felicidade, após alguns anos de insistência e recorrentes negativas, ele concordou em nos dar o privilégio de expor sua arte no Espaço Cultural Bandes. Que todos usufruam desta rara oportunidade! José Antonio Bof Buffon Diretor-presidente do Bandes


Viva As colheres de bambu feitas por Alvaro Abreu têm uma característica peculiar. Já observei em algumas circunstâncias: é raro que alguém as veja sem procurar tocá-las. O que será que isso quer dizer? Em geral a apreensão visual basta para que saibamos se gostamos ou não de um objeto, se queremos ou não que ele esteja em nosso cotidiano. Mas as colheres são como ímã. Mesmo que por um breve instante, estabelece-se uma pausa, um intervalo, em que alguma conexão ocorre entre o ser que passa e se detém e o que ele vê, algo mais fundo do que o consumo fugaz de tantos estímulos visuais a que estamos submetidos em nosso dia-a-dia. Esse apelo a uma fruição “gratuita”, a uma alegria meio “boba”, um prazer quase infantil no envolvimento dos vários sentidos do espectador, me parece ser um dos principais méritos dos objetos esculpidos por Alvaro. Por “trás” dessa qualidade primordial está o rigor das formas essenciais, num jogo de repetição e variação, que os torna unos no conjunto, ao mesmo tempo em que cada um permanece único. O processo de confecção das peças é paciente. Alvaro vai retirando partes dos pedaços de bambu que encontra até que não mais encontre o que retirar. A escolha da matéria é significativa. No Oriente, onde é usado há pelo menos 3.760 anos, o bambu sempre foi considerado uma planta sagrada. Dizem que seu interior oco é um compartimento de pureza. Ele é parente da grama, o que significa que, cortado, cresce de novo, sem necessidade de replantio. A remoção das hastes maduras é que o impele a emitir novos brotos, fortes e saudáveis. Em tempos em que a sustentabilidade se tornou um imperativo, lembremos também que essa planta atua como um filtro para a atmosfera, por conta de seu metabolismo acelerado, que o torna um campeão de sequestro de carbono. A matéria-prima conjuga resistência, flexibilidade e durabilidade – uma proeza invejável, diga-se!


Trata-se de um trabalho difícil de enquadrar. É design? Sim: são objetos que podem se repetir e que atendem a uma determinada função. É artesanato? Sim, podem ser vistos dessa forma, afinal são feitos à mão. É arte? Sim, dizem os museus que já os colocaram em suas paredes e opino eu também. Embora na verdade escapem a qualquer classificação, a quietude e a imanência que eles manifestam sempre me fizeram lembrar das naturezas mortas de Giorgio Morandi. Se existisse a expressão, poderíamos falar aqui de “natureza viva”, pois Alvaro transforma a natureza em utilidade sem que haja uma perda do atributo inicial, ou seja, os objetos permanecem natureza – natural e artificial; feita por Deus e feita pelo homem, em harmonia. Talvez esteja na palavra “viva” – sendo adjetivo ou substantivo – uma chave para entender a obra de Alvaro Abreu e o efeito que ela provoca em nós. Ele começou a se dedicar a esse labor depois de um infarto. Respondeu à morte com o fazer, e o fazer com as mãos – uma coisa simples, pequena, um dia após o outro, todo dia. Não faz para ganhar dinheiro. Ao recusar-se a transformar as colheres em mercadorias, ele nos interdita a possibilidade de consumir – verbo que corre o risco de definir a sociedade atual, em seu duplo sentido de comprar e esgotar, exaurir. No intervalo de tempo em que paramos para observá-las, é pela afirmação da vida que elas nos encantam e nos fazem suspirar e querer viver. Adélia Borges Jornalista e curadora na área de design














Para conhecer Alvaro cabeludo convicto, ex-atleta e pescador. Sonso e cabeça dura, tem senso de direção, gosta de escrever, acredita no poder das mãos, adora pedra, couro, madeira e barbante. Habilidoso, se acha o próprio MacGyver. Bambu flexível, instigante, durável, resistente, de muitas espécies, tem gomos, nós, paredes, fibras escuras, casca envernizada, é bonito, moldável e muito gentil ao tato. Desafio fazer surgir uma peça a partir de qualquer pedaço de bambu, sem projeto, simplesmente achando e tirando todo tipo de defeito de forma e textura. Ferramentas foice, faquinhas, cacos de vidro, grosa, serrinha, muro de cimento, lixas, goiva, pedra de amolar, toco de madeira, forno microondas, luz transversal, fundo escuro, ponta dos dedos, olhar de pontaria, bancada entulhada, cadeira de balanço, conversa mole, ideias novas, problemas antigos, areia da praia. Processos escolher um pedaço, serrar, desbastar, definir contorno, matar quinas, aceitar limites, tirar lascas, cortar, cortar mais um pouco, cavar, continuar cavando, raspar, lixar, tentar com a goiva, raspar com vidro, conferir, alisar, achar defeito, raspar, lixar novamente, sentir o peso, avivar a quina, raspar só mais um pouquinho, passar os dedos, escolher outro pedaço, serrar... Resultados curvas, retas, quinas e superfícies na forma de colheres, conchas, espátulas, facas, varetas e peças esquisitas. Todas diferentes umas das outras. Destino serem guardadas em grandes caixas ou dadas de presente para quem peça e mereça. Emoções prazer em trabalhar com as mãos e sem qualquer pretensão, vaidade boa com os elogios de quem gosta mesmo das colheres e orgulho safado das reclamações de quem ainda esteja na fila para ganhar a sua.


Exposições e workshops 1996 | Exposições no lançamento do livro “Crônicas do Meu Primeiro Infarto”: Iate Clube do Espírito Santo - Vitória, ES; Museu Casa dos Braga - Cachoeiro de Itapemirim, ES; Museu da República - Rio de Janeiro, RJ; Galeria Carpe Diem - Brasília, DF; Casa da Cultura HotelGlobo - João Pessoa, PB. 1997 | Exposição + workshop: Casa da Cultura da América Latina, UNB - Brasília, DF 1998 | Exposição + workshop: Museum für Völkerkunde - Viena, Áustria 1999 | Exposição individual: Centro Cultural CEMIG - Belo Horizonte, MG; Workshop: Centro de Cultura do Projeto TAMAR - Regência, ES 2002 | Expositor convidado: Exempla 2002 - Munique, Alemanha; Exposição individual: Rosemarie Jäger Galerie im Kelterhaus - Hochheim, Alemanha; Exposição individual + workshop: Espaço SESC Copacabana - Rio de Janeiro, RJ. 2005 | Workshop: Museu da Casa Brasileira - São Paulo, SP 2008 | Exposição coletiva 7+1: Museu Vale - Vila Velha, ES Acervo Em 2002, a direção do museu Die Neue Sammlung – The International Design Museum, em Munique, selecionou um painel com 52 peças para integrar seu acervo permanente que, composto por mais de 70 mil objetos, é a maior coleção de design do mundo. Publicações “Crônica do Meu Primeiro Infarto” Ed. Relume Dumará, 1996. Neste livro, o artista narra o começo da história das colheres de bambu. Catálogo da “Exempla 2002: O Mundo da Madeira” traz o artigo “Colheres de Bambu”, ilustrado com fotografias das colheres e do ambiente de trabalho, e a capa é um pote de bambu de Alvaro Abreu. As colheres têm merecido matéria jornalística de circulação nacional e no exterior, como as revistas brasileiras Vida Simples e Casa Claudia, a alemã Kunsthandwerk & Design (capa da edição com foto de Vitor Nogueira) e a publicação cultural argentina Todavía.


Serviço Espaço Cultural Bandes Av. Princesa Isabel 54, Ed. Caparaó, Centro, Vitória - ES De 17 de Novembro a 17 de Dezembro de 2010 Visitação: de segunda a sexta, das 9h às 18h Tel: (27) 3331.4444 www.bandes.com.br Bandes Diretor-presidente José Antonio Bof Buffon Diretor de Crédito e Fomento Everaldo Colodetti Diretor de Administração e Finanças José Sathler Neto CrÉDITOS da exposição e catálogo Produção Mandacaru Design Projeto e Coordenação geral Bebel Abreu Programação visual Manaira Abreu e João Guitton Texto de apresentação Adélia Borges Seleção e organização das peças Carol Abreu Fotografia Diana Abreu Montagem e preparação técnica do espaço Equipe Tuca Sarmento Marcenaria Francischeto Impressão Gráfica Kroma Assistente de produção Letícia Marques Monitores Isis Dequech e Antônio Monteiro Agradecimentos Bento Abreu, Christoph Schneebeli, Fabrício Coradello e Nélio Augusto Secchin.


Alvaro Abreu nasceu em Cachoeiro de Itapemirim. É engenheiro mecânico, mestre em engenharia de produção. Foi professor da UFES, técnico em desenvolvimento tecnológico do CNPq e trabalhou no BANDES durante quatro anos em favor da indústria capixaba. É empresário. Casado com Carol há 38 anos, é irmão de 4, pai de 5 e avô de 3. Tem muitos amigos. Escreveu livro sobre o infarto que teve aos 46 anos e começou a fazer colheres aos 47. Já deve ter feito mais de 3.500 peças com bambu de diferentes origens. Trabalha diariamente cortando e raspando, esteja sozinho, conversando, sentado na varanda ou andando na beira do mar. Sempre leva ferramentas e pedaços de bambu em suas viagens. Não vende o que faz e gosta de dar de presente colheres feitas para pessoas queridas. Ao fazer suas colheres de bambu, o tempo não é uma variável relevante. Por princípio e convicção.



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