Histórias

Page 1

HISTÓRIAS QUE MAMÃE CONTAVA



1 DÁ-LHE MEU CACETINO!

Um velho tinha três filhos: Francisco, Pedro e José. Francisco era o mais velho, Pedro o do meio e José o mais novo. Trabalhavam duro na roça mais viviam passando necessidade. Um dia o filho mais velho, Francisco, falou: - Papai eu vou sair para procurar emprego. Assim talvez consiga ajudar a nossa família. - É meu filho, então vá. - respondeu o pai. O rapaz preparou uma mochila com comida e água, se despediu de todos e saiu. Andou, andou, andou e chegou numa fazenda. Procurou o dono e lhe pediu um emprego. O dono da fazenda disse que tinha um, mas que só pagaria depois de um ano. Ele concordou. Trabalhou um ano e foi conversar o patrão. O dono da fazenda fez as contas e como pagamento deu-lhe uma toalha. Francisco ficou indignado. - Mas rapaz, eu trabalhei um ano para você e você vem me pagar com uma toalha? O fazendeiro respondeu: - Essa toalha é melhor do que dinheiro. O dinheiro é fácil de alguém roubar, mas a toalha, quem é que vai querer roubar uma toalha? Antes que Francisco voltasse a protestar, o fazendeiro o chamou num canto, estendeu a toalha e falou: “compõem-te mesa!” Imediatamente a toalha se encheu de todo tipo de comida. Francisco ficou abismado. - Ah, entendi. Se é assim, você tem razão. Essa toalha é mesmo melhor do que dinheiro. Agradeceu ao fazendeiro e saiu. Andou, andou e, quando anoiteceu, chegou à casa de uma velhinha. A velhinha, quando o viu, foi logo fazendo a maior choradeira. - Meu netinho, que bom que você apareceu. Nessa casa estamos passando necessidade. Traz alguma coisa de comer aí? – disse olhando para sua mochila. Ele falou: - Aguarde um pouquinho e a senhora vai ver. Estendeu a toalha e falou: “compõem-te mesa!” E a toalha se encheu de comida de tudo que é qualidade. A velhinha ficou impressionada. - Meu netinho, que coisa maravilhosa. Essa toalha é mágica. Não quer morar aqui em casa? Ele agradeceu e disse que precisava retornar para a casa dos pais. Passaria ali a noite e na manhã seguinte, bem cedo, prosseguiria viagem. A velha armou uma rede para ele e assim que ele dormiu, ela pegou e trocou a tolha dele por outra parecida. O rapaz acordou na manhã seguinte, pegou a toalha e saiu. Andou, andou, andou. Passou o dia andando. Sentiu fome mas não quis abrir a toalha. Não via a hora de chegar em casa. Ao chegar, a família toda se alegrou e o pai foi logo pergun-


tando: - Meu filho o que você conseguiu nesse tempo todo fora de casa? O filho respondeu: - Ganhei uma toalha. - Mas como? Uma toalha? Trabalhar esse tempo todo para ganhar uma toalha? – falou o pai indignado. O filho retrucou: - Ah, mas não é uma tolha qualquer. Querem ver? Esticou a toalha e ordenou: “compõe-te mesa!” Não aconteceu nada. “Compõe-te mesa!”. Nada. O velho que era muito esquentado pegou um chicote e deu uma surra no rapaz. Aí o filho do meio, Pedro, veio falar com o pai: - Pai, quem vai agora sou eu. O pai respondeu: - Pra que? Pra ganhar uma toalha? - Eu prometo que não faço como meu irmão. Vou trabalhar e trazer dinheiro. O pai acabou concordando. - Então vá, mas se chegar sem nada lhe dou uma surra maior que a que dei no seu irmão. E lá se foi o outro rapaz em busca de emprego. Andou, andou, andou e chegou à mesma fazenda. O fazendeiro disse a mesma coisa: “só te pago depois de uma ano”. Ele concordou. Depois de um ano, pediu para acertar as contas. O patrão fez as contas e como pagamento lhe deu um carneirinho. O rapaz protestou: - Mas como? Eu trabalho um ano e senhor me paga com um carneirinho? O fazendeiro falou: - Calma. Veja isto: “roda meu carneirinho!” O carneiro começou a rodar e cada vez que rodava ia caindo um monte de dinheiro em volta dele. O rapaz feliz da vida agradeceu ao patrão e foi embora. Andou, andou, andou e, de noite, chegou à casa da mesma velhinha que havia enganado seu irmão. Pediu para dormir lá. - Você pode dormir aqui sem problema meu netinho, mas eu não tenho nada para lhe oferecer. Sou muito pobre. Estou passando necessidade. O rapaz respondeu: - Que não seja por isso. Vou arrumar dinheiro para senhora.

Ilustração


E ordenou ao carneirinho: “roda meu carneirinho!” O carneirinho começou a girar a sua volta foi se enchendo de dinheiro. A velha ficou feliz da vida. - Meu netinho, vou preparar um banquete para você. Vou comprar um monte de comida. Preparou um banquete para o rapaz que comeu até se fartar e foi dormir. Enquanto ele dormia, a velha pegou o carneirinho e trocou por outro parecido. No dia seguinte, o rapaz levantou-se cedinho e foi embora levando o carneirinho que a velha havia trocado. Chegou em casa, o pai na maior expectativa. - Cadê o dinheiro que você disse que ia trazer? O rapaz falou para o carneiro: “roda meu carneirinho!” O carneiro não saiu do lugar. “roda meu carneirinho!” Nada. O pai furioso. - Mais um idiota dos meus filhos foi enganado. Trabalhou um ano e não ganhou nada. Pegou o chicote e deu uma surra no rapaz. Aí o filho mais novo, José, pediu: - Pai, deixa eu ir! O velho respondeu: - De jeito nenhum. Filho meu não vai mais sair por aí, trabalhando de graça não. – Mas pai, eu prometo que não me deixo enganar. – Você tá é querendo apanhar. – Se eu for enganado o senhor pode me bater o quanto quiser. O velho acabou concordando: - Então vá. Mas se chegar aqui sem dinheiro, vai levar uma surra maior do que a que dei nos seus dois irmãos. – Pode deixar. Antes de sair, José pediu a seus dois irmãos que lhe contassem detalhadamente o que tinha acontecido em suas viagens. Quando eles falaram da velhinha, ele logo desconfiou. É aí que está o nó. Vou ficar esperto. Chegou na mesma fazenda e o fazendeiro veio com a mesma conversa. “Só pago depois de um ano”. Trabalhou um ano e foi acertar as contas. O fazendeiro fez as contas e lhe entregou como pagamento um cacetinho. O rapaz indignado falou: - Mas meu senhor, eu trabalho um ano e como pagamento recebo um pedaço de pau? - Calma. Não é um pedaço de pau qualquer. Que ver? O homem mandou soltar um cão feroz que veio para cima dele querendo abocanhá-lo. Ele orde-

Ilustração


nou: “dá-lhe meu cacetinho!” E o cacetinho começou a bater no cachorro que fugiu desesperado. - Entendeu como funciona? Você agora tem como se defender. O rapaz impressionado começou a pensar numa maneira de vingar os irmãos. Agradeceu o patrão e saiu. Andou, andou e de noite chegou na casa da velhinha. Ela veio com a mesma conversa: - Ah meu netinho, o que você traz aí de novidade? - Um pedaço de pau pra me defender de coisa ruim. – Ah é? E como funciona? – Tem algum bicho brabo aí? - Tem um carneiro que vive preso, porque não pode ver um estranho que derruba com uma cabeçada. – Então solte ele! A velha soltou o carneiro que veio para cima do rapaz, para dar-lhe uma cabeçada. O mais que depressa ele ordenou: “dá-lhe meu cacetinho!” E o cacetinho começou a bater no carneiro que fugiu desesperado. A velha ficou maravilhada. – Meu netinho, que coisa mais incrível! Mas você deve estar com sono. Viajou o dia inteiro. Vou armar sua rede. A velha armou a rede, o rapaz deitou-se e fingiu que dormia. Enquanto isso, ela preparou um cacetinho parecido com o dele e veio sorrateiramente para trocar. Quando foi tentar fazer isso o rapaz ordenou: “dá-lhe meu cacetinbo!” E o cacetinho começou a bater na velha. Ela desesperada começou a gritar: - Meu netinho pára com isso! Você vai me matar.

Ilustração


E o rapaz: - Só vou mandar parar quando você der conta da toalha e do carneirinho que roubou dos meus irmãos. A velha imediatamente providenciou a devolução da toalha e do carneirinho que havia trocado. Só então, o rapaz ordenou ao cacetinho que parasse de bater nela. Pegou o carneirinho, a toalha e o cacetinho e foi embora. Quando estava se aproximando de casa, de longe, o pai viu que ele trazia um carneirinho e uma toalha e foi logo se preparando para lhe dar uma surra. – Lá vem o outro bobo com uma toalha e um carneirinho. Enganaram a ele também. E antes que o filho mais novo explicasse o que tinha acontecido, o pai pegou o chicote e foi logo batendo. - Calma pai! Deixe eu explicar! – Que explicar que nada. Você também foi enganado. E continuou batendo. O rapaz mais que depressa ordenou: “dá-lhe meu cacetinho!” E o cacetinho começou a bater no velho. O velho desesperado: “mas o que é isso? Manda esse negócio parar!” E o José: “pára meu cacetinho!” E o cacetinho obedeceu. Então ele ordenou para o carneirinho: “roda meu carneirinho!” O carneirinho começou a rodar e a sua volta foi se enchendo de dinheiro. Pegou a toalha e estendeu. “compõe-te mesa!” E a toalha se encheu de tudo que é comida. A família toda abraçou José e agradeceu. E naquela casa nunca mais faltou comida, nem dinheiro nem quem viesse bulir com ninguém.

Ilustração


2 GUIMAR E GUIMAZINHO Um carvoeiro tinha um filho único que o ajudava na carvoaria. Eles tiravam lenha para o carvão, sempre de um mesmo lado da mata. Certo dia o filho perguntou: - Pai, por que não vamos para o outro lado da floresta? O pai respondeu: - Porque é mal-assombrado. E o filho insistiu: - Mas o que acontece? O pai respondeu: - Quem vai tirar lenha daquele lado, não volta mais. Quando eu morrer você deve continuar tirando lenha, sempre deste lado. Não vá nunca para o lado de lá! Depois que o velho morreu, o rapaz convidou dois amigos e foi tirar lenha do outro lado da mata. Chegaram lá, uma mata fechada, tudo parecia normal. Começaram a tirar lenha e, de repente, apareceram três ursos enormes. Os rapazes saíram correndo. Os dois amigos conseguiram fugir, mas o filho do carvoeiro foi dominado pelos ursos e arrastado, durante muito tempo, pela floresta. Ao chegar a um descampado, onde havia uma casa, os três ursos se transformaram em três criaturas humanas. Um velho, uma velha e uma moça. Eles prenderam o rapaz em um quarto escuro, tipo cela de cadeia, com uma pequena abertura na porta de ferro, através da qual lhe serviam comida. A velha era feiticeira, o marido não. Mas ele fazia tudo que a velha mandava. A moça já havia aprendido alguns feitiços com a velha. Geralmente, era ela quem ia levar a comida para o rapaz. Um dia perguntou o nome dele. Ele disse que se chamava Guimazinho. Ela ficou surpresa. - Guimazinho? Que engraçado. Eu me chamo Guimar. Guimazinho então perguntou a Guimar o que pretendiam fazer com ele. Ela explicou que seus pais eram canibais que comiam as pessoas que prendiam alí. Mas ela iria fazer o possível para não deixar isso acontecer. Iria pensar em um jeito de tirá-lo dalí. Certa noite, o velho chamou a moça e avisou: - Levanta amanhã cedinho e esquenta a água, nós vamos matar o rapaz! Guimar saiu escondida e avisou a Guimazinho. Pediu para ele ficar preparado, pois iriam fugir juntos. Por volta da meia noite, quando o velho e a velha dormiam profundamente, Guimar preparou um


Ilustração

cavalo, deu um jeito de pegar a chave da porta de ferro que estava com o velho e soltou Guimazinho. Como já foi dito, ela havia aprendido alguns feitiços com a mãe. Um deles era o feitiço do cuspe que fala. Antes de fugirem, ela cuspiu no quarto e na cozinha. Também pegou um punhado de alfinetes, uma porção de goma, um punhado de sal e os colocou na mochila. Quando o dia estava amanhecendo, o velho chamou: - Guimar? O cuspe do quarto respondeu: - Senhor! - Bote a água no fogo. – Sim senhor. Tempos depois o velho tornou a chamar: - Guimar? O cuspe da cozinha respondeu: - Senhor! – A água já está fervendo? O cuspe da cozinha: - Já. O velho levantou-se e foi até o quarto onde havia prendido Guimazinho. Ao chegar lá, viu o portão de ferro aberto sem ninguém dentro do quarto. Foi ao quarto de Guimar e também estava vazio. Foi à cozinha e não havia ninguém. Desesperado gritou para velha.: - Acorda mulher que Guimar e o rapaz fugiram! A feiticeira ficou louca da vida. – Pegue um cavalo e vá atrás deles! Você foi o culpado. Confiou demais na sua filha. Sem contestar, o velho pegou um cavalo e foi atrás dos fugitivos. Guimar, que havia aprendido a escutar barulhos à distância, percebeu o tropel do cavalo de seu pai. Embora já estivessem longe, o cavalo do velho estava enfeitiçado e em pouco tempo iria alcançá-los. Ela avisou a Guimazinho: - Papai está vindo atrás da gente. O cavalo dele é mais veloz que o nosso. Vai nos alcançar. Mas não se preocupe. Vou fazer um feitiço. Nosso cavalo vai se transformar em uma laranjeira, eu vou


me transformar numa flor de laranjeira e você num beija-flor. O velho vai parar e tentar pegar a flor da laranjeira. Você não pode deixar ele fazer isso, senão se desfaz o encanto. E assim aconteceu. O velho viu a laranjeira na beira da estrada, sentiu o perfume da flor e não resistiu. Parou e tentou pegar a flor. O beija-flor deu-lhe várias bicadas e ele desistiu do seu intento. Ainda andou um pouco procurando o casal e como não viu nenhum vestígio deles regressou. Ao chegar em casa, falou para a velha que não tinha conseguido alcançá-los. Os dois haviam mesmo escapado. A velha contestou. - Mas não é possível. Enfeiticei o cavalo para correr mais que o deles. Como que você não os alcançou? Você não encontrou nada pelo caminho? E o velho respondeu: - A única coisa que vi no caminho foi uma laranjeira com uma flor linda e perfumada. Tentei pegar a flor mas um beija-flor valente não me deixou. - Mas você é mesmo um estúpido - praguejou a velha. - A laranjeira era o cavalo, a flor era Guimar e o beija flor era o rapaz. O velho: - Me desculpe minha velha. Como que não desconfiei! Eu vou voltar lá e dessa vez eles não escapam. Saiu de novo na perseguição de Guimar e Guimazinho. Guimar percebeu e avisou a Guimazinho: - Papai está vindo atrás de nós de novo. Não se preocupe. Vou fazer outro feitiço. O cavalo vai se transformar em uma igreja, eu vou me transformar em uma santa e você irá se transformar em um padre. O velho vai entrar na igreja e perguntar por nós. Quando ele perguntar, você repete seguidamente sem parar, como se estivesse rezando: “Não-sei-se-era-eu, não-sei-se-era-eu, não-sei-se-era-eu”. E assim aconteceu. O velho chegou esbaforido à igreja e perguntou: - Seu vigário, o senhor não viu passar por aqui uma moça e um rapaz num cavalo? E o padre: - “Não-sei-se-era-eu, não-sei-se-era-eu, não-sei-se-era-eu” O velho ainda insistiu e o padre repetia a mesma coisa: - “Não-sei-se-era- eu, não-sei-se-era-eu, não-sei-se-era-seu” O velho se encheu e foi embora. Chegou em casa e falou para a velha: - Eles fugiram mesmo. Não encontrei mais a laranjeira com a flor nem o beija-flor.

Ilustração


A velha perguntou: - E o que você viu pelo caminho? - Encontrei uma igreja com uma santa e um padre rezando uma reza esquisita. Perguntei várias vezes se ele tinha visto um rapaz e uma moça num cavalo e ele ficava repetindo “não-sei-se-era-eu, não-sei-se-era-eu, não-sei-se-era-eu”. A velha mais uma vez ficou louca da vida. – Mas não acredito! Como você não desconfiou? A igreja era o cavalo, a santa era Guimar e o padre era o rapaz. E velho: - Puxa vida! Tava na cara. Como que eu não descobri. Deixe eu voltar lá de novo. A velha falou irritada: - De jeito nenhum. Você é um idiota. Quem vai atrás deles agora sou eu. Pegou o cavalo e saiu. Guimar pressentiu que a velha estava à caminho e falou para Guimazinho: “se prepare que agora quem está vindo atrás de nós é minha mãe!” Ele falou: - E o que a gente vai fazer? - Vou usar uns feitiços que aprendi com ela. Vamos ver se vai dar certo – respondeu. Quando a velha surgiu, longe na estrada, Guimar jogou o punhado de alfinetes e eles se transformaram em uma imensa floresta de espinhos. A velha começou a praguejar e teve muito trabalho para desfazer o feitiço. Enquanto isso, Guimar e Guimazinho conseguiram se adiantar uma pouco. Não demorou muito, a velha apareceu novamente, lá longe na estrada. Guimar jogou o punhado de goma que trazia e a goma se transformou em um imenso atoleiro. A velha xingou e maldisse a hora que ensinou à filha aquelas bruxarias. Teve novamente grande dificuldade em desfazer o feitiço mas conseguiu. Em pouco tempo estava novamente no encalço de Guimar e Guimazinho. Guimar então jogou o punhado de sal e um imenso oceano surgiu entre eles e a velha. A velha tentou desfazer o feitiço, mas não conseguiu. Então rogou uma praga: - Esse rapaz um dia vai esquecê-la e você vai vagar pelo mundo sozinha! A praga da velha demorou a acontecer. Primeiro eles se casaram e foram morar num vilarejo. Tornaram-se criadores de ovelhas. Até que um dia Guimazinho quis ir a sua cidade natal para saber se ainda encontrava algum parente ou amigo. Guimar concordou em ficar sozinha cuidando das ovelhas enquanto ele faria a viagem. Assim que adentrou em sua cidade natal, Guimazinho se esqueceu totalmente de tudo que havia acontecido com ele. Era como se tivesse voltado no tempo e tivesse retornando da mata, no dia que foi perseguido pelos ursos. A mãe ficou muito feliz e os amigos queriam saber como ele havia conseguido escapar das garras dos ursos, mas ele não lembrava de mais nada. Voltou a sua rotina de lenhador, tomando o cuidado de não ir mais para os lados da floresta encantada. E assim passaram-se 10 anos. Um dia ele foi à feira, na cidade, fazer compras, e ao chegar lá, deparou-se com uma roda de gente que assistia à uma mulher tocando acordeom para um carneirinho dançar. Todos estavam encantados com o número e aplaudiam. Guimazinho também gostou muito e aplaudiu. Depois de algumas músicas, a mulher passou o chapéu para recolher contribuições. Guimazinho colocou a sua contribuição e a mulher olhou demoradamente para ele. Era Guimar. Como ele não a reconheceu, enquanto a roda se desfazia, Guimar foi saindo , levando o carneirinho e cantando o seguinte: “Marcha, marcha carneirinho, não se esqueça de andar, não faça como Guimazinho que se esqueceu de Guimar!” Guimazinho já estava indo embora, mas quando ouviu a música se tocou. Guimar? Espere! Ela está falando de mim. Claro, Guimar. Como eu pude esquecer? Guimazinho ficou muito emocionado e pediu perdão a Guimar por tê-la esquecido. Ela o abraçou


e disse que compreendia. Ele não tinha culpa. O esquecimento foi causado pela praga que a mãe dela rogou. Como já havia se passado 10 anos, a praga perdeu o efeito. Guimazinho levou Guimar para casa da mãe dele e contou o que aconteceu na floresta encantada, pois agora se lembrava de tudo. Houve muita festa. A família e os amigos comemoram. E Guimar e Guimazinho viveram felizes para sempre.

Ilustração


3 OS PÉS DE MANJERICÃO Um velho viúvo tinha três filhos. Ele plantou para cada filho um pé de manjericão. Dependendo do que acontecia aos filhos, os pés de manjericão reagiam. Quando acontecia algo de ruim a algum deles, o pé de manjericão correspondente murchava. Se o acontecimento fosse bom, o pé de manjericão ficava verde e vibrante. E assim o velho conseguia saber o estado de saúde e emocional dos filhos, através dos pés de manjericão. Um dia o velho ficou cego. Os filhos tentaram de tudo, mas não havia médico que conseguisse curar a cegueira do pai. Uma velhinha apareceu na casa deles e disse que havia um remédio, num país muito distante, capaz de curar qualquer tipo de cegueira. Esse remédio vinha de um pássaro, que ao cantar, soltava uma saliva, e essa saliva, curava a cegueira. O filho mais velho, quando ouviu a notícia se prontificou a ir atrás do pássaro. O pai argumentou, dizendo que não seria necessário correr tanto risco pois ele já estava velho e o filho, ainda jovem, poderia até perder a vida, nessa viagem a um país desconhecido e distante. Mas não houve jeito de fazer o filho desistir. Então velho mandou providenciar para o filho um cavalo, um alforje com bastante comida, uma espada e um cachorro. E o filho partiu. Cavalgou o dia inteiro e quando foi de noite, chegou a uma floresta. Parou e acendeu uma fogueira em um descampado. Tirou comida do alforje e começou a comer. Aí apareceu uma velhinha com os cabelos imensos que batiam nas pernas, tremendo de frio. - Meu netinho deixe eu me esquentar na sua fogueira, pois estou com muito frio. O rapaz achou a velha muito esquisita, mas ficou com pena dela e disse: - Tudo bem. Pode se esquentar. – Por favor, amarre seu cachorro, sua espada e seu cavalo que eu tenho medo. – a velha continuou. - Eu não tenho com que amarrar. – respondeu o rapaz. A velha retirou três fios de seu imenso cabelo e falou para ele: - Amarre com esses fios de cabelo. E ele amarrou o cavalo, o cachorro e espada com os fios de cabelo que a velha lhe deu. Assim que terminou, a velha pegou um pedaço de madeira e partiu para cima dele. - Me tudo que você tem aí. – disse ameaçando-o. O rapaz gritou para o cachorro: - Rubacão! A velha respondeu: - Engrossa, engrossa correntão! E os fios de cabelo que amarravam o cachorro a espada e o cavalo se transformaram em grossas cor-


rentes. O rapaz tentou se defender, mas a velha bruxa levou a melhor. Quebrou uma perna e uma costela dele e o jogou em um poço. E foi embora com todas as suas coisas. Aí o pé de manjericão do rapaz começou a murchar. O pai e os irmãos ficaram sabendo que alguma coisa ruim estava acontecendo com ele. O irmão do meio disse ao pai: - Eu irei atrás dele e se não encontrá-lo, eu mesmo buscarei o remédio. O pai pediu que ele não fosse, mas o rapaz insistiu dizendo que o seu irmão estava precisando de ajuda. Ainda estava vivo, já que o pé de manjericão havia apenas murchado. Se tivesse morto, o pé de manjericão também teria morrido. O pai concordou. E mandou preparar a mesma coisa que dera ao filho mais velho: um cavalo, um alforje com comida, uma espada e um cachorro. E aconteceu a mesma coisa com o filho do meio. Chegou à mesma floresta de noite e acendeu uma fogueira. A velhinha bruxa apareceu e fez a mesma coisa. Pediu para se esquentar na fogueira, depois para que ele amarrasse o cavalo, a espada e o cachorro e quando ele os amarrou com os fios de cabelo dela, ela o atacou, tomou os seus pertences e o jogou no poço. O pé de manjericão do segundo filho também murchou. O pai e o filho mais novo ficaram muito tristes. E o filho mais novo pediu: - Pai, deixa eu ir atrás dos meus irmãos e do remédio! O pai não quis deixar. Ele insistiu, insistiu até que o velho concordou. Mandou providenciar a mesma coisa que havia providenciado para os irmãos: um cavalo, um alforje com comida, uma espada e um cachorro. E o filho partiu. No caminho encontrou um ratinho que estava quase morrendo de fome. Parou e deu comida ao ratinho. À noite, chegou a mesma floresta. Acendeu a fogueira e a velha apareceu. - Meu netinho me deixe esquentar na sua fogueria que estou morrendo de frio. O rapaz desconfiou logo da velha. - Não deixo não. Vá se esquentar noutro lugar. - Mas meu filho, eu vou morrer de frio. Me deixe ficar só um pouquinho. O rapaz pensou em dar corda para ver o que a velha queria. - Tá bom. Só um pouquinho e a senhora vai embora. E a velha veio se aproximando. - Meu netinho, amarre sua espada, seu cachorro e seu cavalo que eu tenho medo. O rapaz respondeu: - Não vou amarrar não. Além do mais se eu quisesse amarrar não tinha com o que. A velha mais que depressa ofereceu três fios de cabelo para ele fazer a amarração. O rapaz desconfiou. “Essa velha é bruxa. Vou fingir que amarro só para ver qual é a intenção dela.” E fingiu que amarrava o cachorro, a espada e o cavalo. A velha pegou uma tora de madeira e veio para cima dele. O rapaz gritou: - Rubacão! E velha respondeu: - Engrossa, engrossa correntão! Os fios de cabelo se transformaram em correntes, mas como não tinham sido amarrados, as correntes caíram no chão. O cachorro avançou em cima da velha e a derrubou no chão. O rapaz pegou a espada e fingiu que ia matá-la. A velha desesperada começou a gritar: - Não me mate, não mate! O rapaz perguntou: - Onde estão meus dois irmãos. - Estão ali num poço. - Tire eles de lá, senão eu te mato ! A velha foi até o poço e tirou os dois rapazes. - Agora me devolva o que você roubou deles! A velha devolveu os cavalos, os cachorros e os alforjes. O rapaz empurrou a velha para dentro do poço e retirou a corda que permitia que quem caísse lá pudesse sair. Pegou os dois irmãos que es-


tavam muito debilitados e os levou a um hospital. Enquanto os dois se recuperavam no hospital, ele seguiu viagem em busca do pássaro cuja saliva curava cegueira. Os pés de manjericão dos três voltaram a ganhar vitalidade. O velho se alegrou pois sabia que os seus três filhos agora estavam bem. O filho mais novo chegou finalmente ao lugar onde havia o pássaro que ao cantar soltava uma saliva capaz de curar qualquer cegueira. Mas descobriu que o pássaro pertencia a uma princesa. Teve que vencer muitos obstáculos até chegar à presença da princesa. Quando conseguiu, contou a ela que veio de um país distante, que enfrentou muitas dificuldades e queria adquirir o pássaro cuja saliva podia curar a cegueira do seu pai. A princesa ficou sensibilizada com a atitude do rapaz, mas informou-lhe que o pássaro não podia ser vendido. Para consegui-lo, o pretendente teria que se casar com ela. E o seu pai era um rei muito exigente com os pretendentes à sua mão. O rapaz se dispôs a enfrentar todos os desafios para conseguir se casar com a princesa, que era uma mulher muito bonita. Após enfrentar mil peripécias, ele conseguiu finalmente se casar com a princesa e obter o consentimento do rei para levá-la até sua terra com o pássaro cuja saliva curava cegueira. Na volta, o rapaz passou no hospital onde seus dois irmãos já estavam recuperados, apresentou-os à princesa e deu-lhes a notícia de que finalmente havia conseguido o pássaro que curaria a cegueira do pai. Os irmãos ficaram impressionados e logo começaram a sentir inveja do irmão mais novo. Principalmente por ele ter conseguido casar com uma princesa.

Ilustração


Depois de cavalgarem por muito tempo, pararam em um poço para tomar água. Os irmãos mais velhos deixaram cair, de propósito, o balde que retirava água de dentro do poço e pediram ao irmão mais novo que descesse lá para pegar. Ele desceu e, quando chegou ao fundo, os irmãos puxaram a corda. Em seguida, ameaçaram a princesa de morte se ela contasse a verdade para o pai deles. O pé de manjericão do filho mais novo começou a murchar. Quando os filhos mais velhos chegaram em casa, contaram ao pai que haviam conseguido o pássaro e, inclusive, trazido junto a princesa que era dona dele, com autorização do rei. O velho perguntou pelo filho mais novo e eles fingindo surpresa disseram que nem sabiam que ele também tinha ido atrás do pássaro. Não tinham notícias dele. O velho ficou muito triste. A princesa ameaçada pelos irmãos não falou nada para o velho, mas ficou também muito triste, e quando ela estava triste o pássaro não cantava. Os rapazes tentaram de tudo mas não havia jeito do pássaro cantar. O irmão mais novo já estava quase sem esperança de sair do poço quando olhou para o alto e viu o ratinho que ele alimentou lá em cima. Depois de olhar por um tempo na direção do rapaz, o ratinho começou a empurrar a corda que estava na beira do poço para dentro. A corda foi descendo aos poucos até chegar ao nível que ele estava. O rapaz pendurou-se na corda e foi subindo até conseguir sair. Quando chegou ao topo o ratinho havia desaparecido. Seguiu sem demora para sua casa. Quando a princesa o viu, ficou muito alegre. O passarinho começou a cantar. Ele recolheu a saliva e passou nos olhos do pai. O velho passou a enxergar e o filho mais novo contou tudo o que aconteceu. O velho passou todas as suas propriedades para o nome do filho mais novo e deserdou os outros dois.

Ilustração


4 O REINO DE TIBIRIRI Um velho pescador tinha um filho. Ele sempre o levava para as pescarias. O jovem não se conformava com o fato de o pai só pescar num único lugar. Ás vezes não conseguia pegar nenhum peixe. - Pai por que não vamos pescar em outro lugar? - Não filho, vamos ficar aqui mesmo. - Mas por que? - Há muitos lugares mal-assombrado nessas redondezas. Aqui é seguro. Quando o velho morreu, seu filho continuou o mesmo oficio. Como o lugar em que seu pai costuma pescar não estava dando peixe e ele não tinha medo de assombração, foi pescar noutro lugar. Assim que jogou a rede conseguiu pegar um monte de peixe. Já estava se preparando para ir embora, quando viu surgir de dentro d’água a cabeça de uma moça. Era um rosto muito bonito. A cabeça estava solta na água com se tivesse apartada do resto do corpo. Ele não se intimidou. Pegou os peixes e a rede e foi para casa. Na noite seguinte, foi ao mesmo local e viu que a moça estava com metade do corpo fora d’água. Não se importou. Pegou um monte de peixe e voltou para casa. Na outra noite ao chegar ao local, a moça estava com o corpo inteiro fora d’água. Era uma linda mulher de rosto e de corpo. Uma princesa. E falou para ele: - Eu estava encantada e você me desencantou. Fui vítima de uma feitiçaria e há anos estava presa nesse lugar. Para me desencantar era preciso que a mesma pessoa aparecesse aqui três vezes seguidas sem se assustar comigo. Várias pessoas apareceram, mas não retornaram e fugiram assustadas. Você foi o único que teve coragem de retornar. Eu sou uma princesa e meu pai prometeu minha mão a quem me desencantasse. Então devo me casar com você. Só que meu reino é muito distante e você vai ter que ir até lá. Chama-se Reino de Tibiriri. Arrume suas malas e me aguarde no cais do porto, depois de amanhã, que passarei lá de navio para te pegar! Mas não conte a ninguém o que aconteceu! O rapaz saiu feliz da vida. No caminho passou na casa de uma prima e não se conteve. Contou o que aconteceu. Ela ficou morrendo de inveja. Tinha esperança de se casar com ele. Agora com essa história de princesa... Pediu que antes de embarcar, ele passasse lá na casa dela para se despedir. O rapaz preparou a mala e no dia da viagem passou na casa da prima para se despedir. Ela lhe ofereceu uma bebida e ele bebeu agradecido. Acontece que havia sonífero na bebida e ele caiu num sono profundo. Quando a princesa chegou de navio o encontrou dormindo na praia, tentou acordá-lo e não conseguiu de jeito nenhum. Deixou um bilhetinho dizendo que passaria novamente daí a oito dias e que ele estivesse preparado. Deixou também um lenço no qual estavam bordados a floresta e as flores. Quando o rapaz acordou, ficou sem entender o que aconteceu, por que dormira daquele jeito. Preparou-se novamente e oito dias depois estava indo para o cais, quando sua prima mais uma vez lhe ofereceu o refresco. Ele tomou e mais uma vez caiu no sono, enquanto esperava a princesa. Ela apareceu, tentou acordá-lo e não conseguiu. Deixou outro bilhete e um lenço no qual estavam bordados o mar e os peixes. No bilhete dizia que iria passar daí a oito dias e que seria a última vez. Que ele não contasse para ninguém e que não tomasse nada que alguém oferecesse, pois estava desconfiada que estavam lhe dando algo para provocar o sono. Mas


o rapaz acabou contando à prima as recomendações da princesa e no dia de encontrá-la, como a prima sabia que ele não beberia nada, colocou o sonífero numa rosa e lhe entregou para oferecê-la à princesa. Pediu que ele cheirasse a rosa para sentir o quanto era perfumada. Ele cheirou e em pouco tempo caiu no sono. A princesa passou e mais uma vez não conseguiu acordá-lo. Ela deixou um bilhete dizendo que ele havia perdido a última chance de viajar com ela. Agora se ele quisesse encontrá-la teria que viajar por sua própria conta. Deixou mais um lenço, no qual estavam bordados o céu, as estrelas, a lua e o sol. Na ponta do lenço, havia uma aliança amarrada. Quando o rapaz acordou ficou desesperado. Passou vários dias desnorteado. Deixou crescer o cabelo e a barba e saiu pelo mundo procurando quem soubesse onde ficava o reino de Tibiriri. Nenhum ser humano soube lhe dizer onde ficava. Nem os animais da floresta. Nem os peixes. Foi falar com os pássaros. Perguntou ao Sabiá que disse que não conhecia. Perguntou ao gavião que também não sabia. Perguntou a vários outros pássaros que também jamais haviam ouvido falar do reino de Tibiriri. Por último, foi falar com o urubu . O urubu, com quem ele falou, disse que não conhecia, mas talvez seu avô conhecesse. Foi falar com o avô do urubu e esse falou que não conhecia, talvez o bisavô conhecesse e o bisavô não conhecia. Talvez o tataravô. Explicou-lhe que seu tataravô só atendia através de uma flauta. Ensinou-o como tocar a flauta para se comunicar com ele. O pescador tocou a flauta várias vezes e depois de muito tempo, um urubu velho apareceu, com as penas caindo, mal conseguia se manter de pé. O bisavô falou para o tataravô: - Pai, esse moço aqui está querendo saber se o senhor conhece um tal de reino de Tibiriri? O urubu velho respondeu: - Claro que conheço. Estou vindo de lá. Por isso demorei tanto para chegar. O reino está em festa. Estão preparando o casamento da princesa. O rapaz perguntou ansioso: - Como eu faço para chegar lá? O urubu velho respondeu: - Se você quer chegar lá em tempo de assistir ao casamento da princesa, tem que ir voando. - Como eu posso ir voando? - Se me providenciar três bois para a viagem eu o levo em minhas costas. Ah, preciso também de três varinhas. Mas se apresse, senão não dá tempo. O rapaz providenciou o que o urubu velho pediu. Três bois e três varinhas. Montou nas costas dele com os três bois mortos e três varinhas e o urubu velho decolou. Voaram, voaram, voaram e o urubu velho falou: - Minha vista tá meio ruim, você pode me dizer que tamanho está enxergando a terra? O rapaz respondeu: - Do tamanho de uma roda de carro. O urubu velho ordenou: - Solte uma das varinhas! O rapaz soltou uma das varinhas e ela se transformou numa imensa árvore da altura que eles estavam voando. O urubu pousou sobre a árvore e lá comeu um dos bois. Voaram, voaram, voaram e o urubu voltou a perguntar: - Que tamanho está a terra agora? O rapaz respondeu: - Do tamanho de um pires. - Solte outra varinha! O rapaz soltou mais uma varinha e ela se transformou numa árvore da altura que eles estavam voando. O urubu pousou e comeu mais um boi. Voaram, voaram, voaram e o urubu voltou a perguntar: - E agora? Que tamanho que está a terra? O rapaz respondeu: - Não estou mais vendo a terra não. O urubu replicou: - Então já estamos perto. Solte a outra varinha! O rapaz soltou a terceira varinha e ela mais uma vez se transformou em uma imensa árvore da altura que eles


estavam voando. O urubu pousou e comeu o terceiro e último boi. Voaram, voaram, voaram e depois de muito tempo, finalmente, começaram a avistar os domínios do reino de Tibiriri. O urubu fez uma manobra e consegui pousar bem nos jardins do palácio. Havia muita confusão, muita gente apressada. O urubu disse ao rapaz: - Bem, cumpri o que prometi. Agora é com você. Vou procurar um lugar para descansar um pouco, pois não quero perder a festa. Uma escrava passou pelo rapaz com um pote de água na cabeça e ele perguntou: - Moça, como eu faço para ver a princesa? A escrava respondeu:

Ilustração

- Imagina! Ver a princesa é coisa muito difícil! Não é pra qualquer um. Você não quer trabalhar? Estão precisando de gente. Por que você não ajuda na preparação da festa? Venha aqui! A escrava levou o rapaz até um poço e falou: - Eu estou carregando água para o banho da princesa. Você vai retirando água do poço e eu levo até o banheiro da princesa. O rapaz começou a puxar água e colocar nuns potes. Quando a escrava retornou ele puxou um lenço do bolso para enxugar o suor e ela ficou fascinada com a beleza do lenço. -Moço me venda esse lenço para eu presentear a princesa. Esse lenço é muito bonito. Parece com ela. O rapaz respondeu: - O lenço eu não vendo, pode levar e oferecer à princesa. A escrava saiu correndo e no caminho derrubou o pote de água. Mesmo assim foi falar com a princesa. - Desculpe senhora minha princesa eu quebrei um pote. Mas foi devido a emoção que tive quando vi esse lenço que parecia com a senhora. Um estrangeiro mandou de presente. A princesa pegou o lenço e reconheceu o mesmo que deixou com o rapaz que a desencantou. - Obrigada. Agradeça ao estrangeiro e cuidado para não quebrar os potes. A escrava saiu correndo e quando chegou ao poço o rapaz, de propósito, puxou outro lenço para enxugar o suor. A escreva não se conteve. - Minha nossa senhora! Esse lenço é ainda mais lindo que o outro! Por favor, moço, me venda esse lenço para eu presentear minha princesa. O rapaz respondeu: - Pode levar o lenço e falar que eu mandei de presente. A escrava saiu correndo e entregou o novo lenço à princesa como um presente do rapaz que a esta-


va ajudando a retirar água do poço. E assim aconteceu com o terceiro lenço. A princesa suspeitou então de que o rapaz, que estava mandando os lenços, era o que a tinha desencantado, mas queria ter certeza se era ele mesmo. Falou para a escrava: - Diga a esse rapaz que vá pessoalmente levar água na minha bacia do banheiro! A escrava voltou e falou para o rapaz o que a princesa havia pedido. Ele pegou uma jarra d’água e levou até o banheiro. Despejou na bacia e colocou a aliança dentro. A princesa ao entrar no banheiro viu a aliança dentro da bacia e não teve mais dúvida. Pediu para a escrava chamar o rapaz. Ele foi até a sua presença e apesar de estar muito sujo e barbudo ela o reconheceu. O rapaz contou-lhe o que havia acontecido. Ela falou: - Vou ver o que eu faço. O casamento está marcado para daqui uma hora. Pediu à escrava que cuidasse do rapaz. Fosse com ele imediatamente ao barbeiro, comprasse roupas elegantes, perfumes etc. E assim foi feito. Dentro de uma hora o rapaz estava pronto. Parecia um príncipe. Enquanto isso, o noivo da princesa esperava pela chegada dela no altar. A princesa pediu para o rapaz ir para igreja e se colocar ao lado do seu noivo. Terminou de se arrumar e ao entrar na igreja todos os olhares ansiosos se voltaram para ela. Caminhou calmamente até a presença do juiz e do padre e, ao colocar-se diante deles, pediu para fazer uma indagação a todos os presentes. E falou: - Vocês é que deverão decidir o meu destino. Por favor me respondam: eu tinha uma chave de ouro e perdi. Mandei fazer uma chave de prata. Mas acabei de encontrar novamente a chave de ouro. Com qual das chaves eu devo abrir a porta? Todos responderam sem vacilar: “com a de ouro, com a de ouro”. A princesa então falou: - Pois muito bem. Eu vou me casar com este rapaz - e apontou o pescador que a desencantou. - Ele é a minha chave de ouro. O noivo saiu desiludido, dizendo que iria se matar. Os amigos e familiares o socorreram. O pescador casou-se com a princesa. Houve uma grande festa e mamãe esteve lá. Quando veio embora, pediu um pote de doce para trazer pra gente. Chovia muito. Ela escorregou na lama, o pote caiu e quebrou, derramando todo o doce no chão.

Ilustração


5 O GALO QUE FOI BUSCAR MILHO NA SERRA

Houve uma grande seca no sertão e a bicharada começou a passar fome. O galo, muito esperto, tinha ouvido falar que na serra havia muita fartura, especialmente uma grande plantação de milho. Só que a serra era habitada por um grupo de leões. Isso ele não contou pra ninguém. Pegou um saco, colocou nas costas e saiu convidando os demais: - Pessoal, eu estou indo buscar milho na serra. Quem quer ir comigo? Vamos lá minha gente, se ficarmos aqui sem fazer nada, vamos todos morrer de fome. Vários animais foram aderindo. Primeiro o gato, depois o burro, depois o carneiro, em seguida o pato e finalmente o peru. Andaram no sol escaldante o dia todo, morrendo de fome, sem encontrar nada para comer. Lá pelo final da tarde, para espanto de todos, encontraram uma cabeça de leão que havia sido degolado. Quem teria feito aquilo? O galo que sabia da história dos leões que habitavam a serra se perguntava: Será que mataram todos? Mas quem os teria matado? Estavam tão famintos que não conseguiram raciocinar direito. Nenhum dos animais se interessou pela cabeça do leão, com exceção do gato que a guardou em seu saco. Ao anoitecer estavam chegando à serra. De longe avistaram uma luzinha e ao aproximarem-se viram uma enorme fazenda cercada por uma grande plantação de milho. O galo chegou à entrada da casa e gritou:

Ilustração


- Ô de casa? A porta se abriu e apareceu um leão. Depois outro, depois outro, depois outro e ao todo eram doze leões. A bicharada ficou paralisada de medo. Mas o gato, muito esperto, despejou no chão a cabeça de leão que trazia no saco e falou: - Gente, uma cabeça de leão é muito pouco! Vamos ter que arrumar pelo menos mais umas três pro jantar! Hoje mesmo matamos doze leões e só sobrou essa cabeça! Os leões olharam uns para os outros não querendo acreditar no que viam. Mas perceberam que a cabeça de leão que o gato trazia era de verdade. E não pensaram duas vezes. Saíram correndo e abandonaram a fazenda. A bicharada fez a maior festa. Na casa havia todo tipo de comida. Comeram à vontade. E foram se esparramando pelos vários cantos da casa. O gato foi dormir perto do fogão à lenha. O galo foi para cima do telhado. O peru acomodou-se embaixo de um jirau. O burro ficou próximo à uma janela, pelo lado de fora. O carneiro, na porta do quarto. O pato não encontrava lugar e ficou zanzando pela casa. Começou a cair um temporal. Choveu bastante. E quando chove na serra, principalmente à noite, faz muito frio. Os leões que fugiram da casa, lá no meio do mato começaram a sentir muito frio. E um deles falou: - Se pelo menos tivesse um fogo pra gente se esquentar. Quem tem coragem de ir à casa pegar um tição pra gente fazer uma fogueira? Um disse eu não vou, outro eu não vou, outro eu não vou. Até que apareceu um, o mais corajoso do grupo, que disse que iria. E foi. Chegou à casa sem fazer barulho e foi sorrateiramente rumo ao fogão à lenha, onde o fogo já tinha se apagado. Mas ele viu os olhos do gato que brilhavam no escuro e pensou que fossem tições de fogo. Veio bem de vagarzinho e, quando foi tentar pegar o que ele achava que era tições, o gato meteu-lhe as unhas. O leão saiu correndo assustado. Ao passar pela porta do quarto, o carneiro deu-lhe uma cabeçada que ele caiu zonzo. O

Ilustração

peru, ao ouvir o barulho, gritou: “glú-glú-glú-glú”. O leão levantou-se e pulou a janela. Caiu bem nos pés do burro. O burro deu-lhe um coice e ele foi parar lá no meio do terreiro. Aí o galo, lá do alto do telhado, cantou: “cu-cu-ru-cu”. O leão levantou-se e saiu correndo desesperado em direção à floresta. Chegou esbaforido onde estavam seus companheiros e relatou o seguinte: - Quando eu fui pegar o tição do fogo, aquele rapazinho que mostrou a cabeça de leão que trazia no saco, me meteu um par de esporas e me arranhou todo. Eu me assustei e sai correndo, quando passei pelo quarto, aquele da cabeça grande me deu uma cabeçada que eu cai zonzo. Me levantei e fugi pela janela. Ao cair do outro lado, aquele que usava uma gravata vermelha falou: “eu engulo, eu engulo, eu engulo”. Aí o que usa botas, me deu um chute, que eu fui cair no meio do terreiro. E tinha um lá em cima do telhado que ficava só gritando: “se eu for lá acabo com tudo”. E mais outro andando pela casa e dizendo: “paz, paz, paz, paz”. Maldita hora que eu decidi voltar àquela casa. Não volto mais lá de jeito nenhum. Prefiro morrer de frio aqui no meio do mato. Se o leão mais corajoso do grupo pensava assim, imagine os demais. Nunca mais voltaram à casa e a bicharada ficou morando lá para sempre.


6 A FORMIGUINHA QUE FOI RECLAMAR DO PINGO DE NEVE QUE CAIU EM SEU PÉ Uma formiguinha estava cavando o chão para fazer a sua casa quando caiu um pingo de neve no seu pé. Ela olhou para o alto e falou: “Neve, tu és tão valente e cai no meu pé leve”. A neve respondeu: “Eu sou valente, mas o sol me derrete.” A formiguinha foi falar com o sol: “Sol, tu és tão valente, que derrete a neve e a neve cai no meu pé leve.” O sol respondeu: “Eu sou valente, mas a nuvem me tapa.” A formiguinha foi falar com a nuvem: “Nuvem, tu és tão valente que tapa o sol, o sol derrete a neve e a neve cai no meu pé leve.” A nuvem respondeu: “Eu sou valente. mas o vento me carrega.” A formiguinha foi falar com o vento: “Vento, tu és tão valente que carrega a nuvem, a nuvem tapa o sol, o sol derrete a neve e a neve cai no meu pé leve. ” O vento respondeu: “Eu sou valente, mas as paredes me tapam.” A formiguinha foi falar com a parede: “Parede, tu és tão valente que tapa o vento, o vento carrega a nuvem, a nuvem tapa o sol, o sol derrete a neve e a neve cai no meu pé leve.” A parede respondeu: “Eu sou valente, mas o rato me roi.” A formiguinha foi falar com o rato: “Rato, tu és tão valente que roi a parade, a parede tapa o vento, o vento carrega a nuvem, a nuvem tapa o sol, o sol derrete a neve e neve cai no meu pé leve.” O rato respondeu: “Eu sou valente, mas o gato me pega.” A formiguinha foi falar com o gato: “Gato, tu és tão valente que pega o rato, o rato roi a parede, a parede tapa o vento, o vento carrega a nuvem, a nuvem tapa o sol, o sol derrete a neve e a neve cai no meu pé leve.” O gato respondeu: “Eu sou valente, mas o cachorro me pega.”


Ilustração

A formiguinha foi falar com o cachorro: “Cachorro, tu és tão valente que pega o gato, o gato pega o rato, o rato roi a parede, a parede tapa o vento, o vento carrega a nuvem, a nuvem tapa o sol, o sol derrete a neve e a neve caí no meu é leve.” O cachorro respondeu: “Eu sou valente, mas o pau me mata.” A formiguinha foi falar com o pau: “Pau, tu és tão valente que mata o cachorro, o cachorro pega o gato, o gato pega o rato, o rato roi a parede, a parede tapa o vento, o vento carrega a nuvem, a nuvem tapa o sol, o sol derrete a neve e a neve cai no meu pé leve.” O pau respondeu: “Eu sou valente, mas o fogo me queima”. A formiguinha foi falar com o fogo: “Fogo, tu és tão valente que queima o pau, o pau mata o cachorro, o cachorro pega o gato, o gato pega o rato, o rato roí a parede, a parede tapa o vento, o vento carrega a nuvem, a nuvem tapa o sol, o sol derrete a neve e a neve cai no meu pé leve.” O fogo respondeu: “Eu sou valente, mas a água me apaga.” A formiguinha foi falar com a água: “Água, tu és tão valente que apaga o fogo, o fogo queima o pau, o pau mata o cachorro, o cachorro pega o gato, o gato pega o rato, o rato roi a parede, a parede tapa o vento, o vento carrega a nuvem, a nuvem tapa o sol, o sol derrete e neve e a neve cai no meu pé leve.” A água respondeu: “Eu sou tão valente, mas o boi me bebe.” A formiguinha foi falar com o boi: “Boi, tu és tão valente que bebe a água, a água apaga o fogo, o fogo queima o pau, o pau mata o cachorro, o cachorro pega o gato, o gato pega o rato, o rato roí a parede, a parede tapa o vento, o vento carrega a nuvem, a nuvem tapa o sol, o sol derrete a neve e a neve caí no meu pé leve.” O boi respondeu: “Eu sou valente, mas o homem me mata.” A formiguinha foi falar com o homem: “Homem, tu és tão valente que mata o boi, o boi bebe a água, a água apaga o fogo, o fogo queima o pau, o pau mata o cachorro, o cachorro pega o gato, o gato pega o rato, o rato roi a parede, a parede tapa o vento, o vento carrega a nuvem, a nuvem tapa o sol, o sol derrete a neve e a neve cai no meu pé leve.” O homem falou: “Eu sou valente, mas Deus me mata.” A formiguinha olhou para o alto e pensou: “É, com Deus não dá pra ir falar” e voltou a fazer sua casinha.


7 JOÃO SEM MEDO Havia um homem chamado João sem medo. Ele tinha este nome porque dizia que nunca tinha tido medo de nada. Um dia João sem medo foi se confessar. Quando o padre falou: “meu filho, conte os seus pecados”, ele disse o seguinte: - Padre, existe algo errado comigo. Eu nunca encontrei do que ter medo. O padre meio incrédulo perguntou: - Meu filho, você está falando a verdade? Você nunca teve mesmo medo de nada? E João sem medo respondeu: - Não senhor. Até hoje nunca tive medo de nada. Ai o padre falou: - Então vá procurar do que ter medo! Saia pelo mundo e quando anoitecer, esteja onde estiver, durma neste lugar! Quando tiver encontrado do que ter medo volte aqui para se confessar! E João sem medo pegou seu cavalo, um alforje com comida, uma rede e saiu pelo mundo. Ao anoitecer, estava perto de uma casa velha abandonada. Desencilhou o cavalo, colocou a sela, os arreios e o alforje no alpendre da casa e armou a rede. Descobriu um fogão a lenha dentro da casa. Pegou um pedaço de carne no alforje, acendeu um fogo no fogão e começou a assar a carne. Aí apareceu uma mão com um sapo espetado num espeto querendo colocá-lo também no fogão. João sem medo não se intimidou. Deu um tapa nela e disse: - Tire essa mão fedorenta e o sapo daí! A mão afastou-se, mas logo retornou e ele mais uma vez deu um tapa e repetiu: - Tire essa mão fedorenta e o sapo daí! A peleja prosseguiu por algum tempo até que ele conseguiu assar a carne e a mão assar o sapo. João sem medo comeu a carne assada com farinha e um pedaço de rapadura, bebeu água e foi deitar-se na rede. Já estava quase dormindo quando ouviu uma voz dizer: - Eu caio? Ele respondeu: - Pode cair. Aí caiu um braço do alto do telhado. João sem medo continuou deitado. A voz prosseguiu: - Eu caio? João sem medo respondeu: - Pode cair. Aí caiu outro braço. A voz continuou: - Eu caio? João sem medo respondeu: - Caia logo de uma vez! Aí caíram duas pernas e o tronco de um homem. As duas pernas e o tronco se juntaram e formaram o corpo


de um homem sem cabeça. O homem sem cabeça avançou na direção de João e os dois começaram uma luta. Lutaram até de madrugada. Quando o galo cantou o homem sem cabeça desapareceu. João sem medo voltou para rede, deitou e dormiu. Acordou com o sol alto. Pegou suas coisas, montou no cavalo e seguiu viagem. Quando estava entardecendo encontrou um casarão bonito, tipo um castelo. Ao contrário da primeira casa, esta estava bem cuidada. As portas e janelas estavam abertas. Apeou, bateu palmas e não apareceu ninguém. Foi entrando devagar e ficou impressionado com a limpeza e cuidado dos móveis. Chegou à sala de jantar, viu uma mesa posta com 13 lugares. Continuou sua busca pela casa, mas não encontrou ninguém. Até que ouviu um barulho de cavalos aproximando-se. Doze cavaleiros chegaram na casa, desceram dos cavalos e tomaram seus lugares à mesa. Estavam todos armados com espadas. João tentou falar com eles, mas nenhum lhe deu atenção. Na verdade eles não falavam. João sentou-se no lugar que ficou vago e começou a comer também. Quando terminaram de jantar, os homens levantaram-se, pegaram seus cavalos e seguiram por um caminho. João sem medo foi atrás deles. Ao chegarem a um descampado havia outros doze cavaleiros, também armados de espada, aguardando-os para uma batalha. Começaram a lutar. João sem medo de longe só observava. Os cavaleiros, que jantaram com ele, eram mais hábeis na espada e logo conseguiram ganhar a luta. Montaram em seus cavalos e foram embora. João pensou em seguí-los, mas lembrou que o padre havia dito que ele deveria dormir no lugar onde estivesse quando caísse a noite. Armou sua rede numa árvore no meio dos cadáveres e começou a dormir.

Ilustração


Ilustração

Acordou com um barulho e viu uma velha com uma bacia aproximando-se dos mortos. Ela passava um ungüento no local onde os homens haviam recebido golpes de espada e as feridas cicatrizavam. Aos poucos eles começavam a se mover e voltavam ao estado normal. Como a velha não havia notado sua presença no escuro, ele aproximou-se dela e a golpeou com a espada. Os cavaleiros que ela havia ressuscitados partiram para cima dele e ele os matou. Voltou para rede e dormiu. No dia seguinte, viu os doze cavaleiros com quem jantou aproximarem-se do local, e abismados lhe perguntarem o que aconteceu. Eles contaram que há vários anos travavam aquela batalha. Todo dia matavam os inimigos e no dia seguinte eles estavam vivos novamente. Como eles não entendiam como isso era possível emudeceram. João contou-lhe a história da velha com o ungüento, mas eles não acreditaram. Como ainda havia um resto do líquido na bacia da velha, para provar que estava falando a verdade, João propôs que os cavaleiros cortassem seu pescoço e em seguida passassem o ungüento para colá-lo. Eles assim o fizeram, mas na pressa, na hora de colar a cabeça, colaram-na ao contrário. João voltou a viver. Mas como a cabeça estava colada ao contrário o que ele viu quando abriu os olhos foi as suas costas e a própria bunda. E começou a gritar. Os cavaleiros desesperados cortaram-lhe novamente o pescoço e o colaram do lado certo. João agradeceu e os cavaleiros também o agradeceram e cada um seguiu seu destino. João foi procurar o padre para se confessar. Quando o padre falou: - Meu filho, conte os seus pecados. Ele respondeu: - Padre, encontrei do que ter medo. O padre então lembrou. - Ah, você é o João sem medo! - Era. - Como assim? Do que você tem medo? - Da minha bunda, padre.


8 O MARIDO BOBO

Uma mulher tinha um marido muito bobo. Ela vivia ensinando um monte de coisas para ele, mas não adiantava, ele sempre entendia tudo errado. Certa vez ele viu um anel de ouro dela guardado num porta jóias e perguntou: - Mulher, pra que você guarda esse anel nessa caixinha? - Ah, isso é pro futuro – ela respondeu. Um dia, quando a mulher saiu para fazer alguma coisa na cidade ele se plantou na frente da casa e ficou perguntando para todo mundo que passava: - Ei, você é futuro? A maioria das pessoas estranhava a pergunta e respondia que não. Até que apareceu um sujeito que ficou meio pensativo com a pergunta. Primeiro, disse que não era. Depois deu uma volta e passou de novo na frente da casa. O bobo era tão bobo que não percebeu que já tinha perguntado para ele e havia dito que não era. Quando o bobo lhe perguntou outra vez: - Ei, você é o futuro? Ele respondeu: - Sim, sou eu mesmo. - Ah rapaz, que bom que eu te achei. Minha mulher guardou uma encomenda aqui em casa pra você e eu tinha a maior curiosidade de saber quem você era. Espere aqui que eu vou buscar.

Ilustração


E trouxe o anel de ouro e entregou ao sujeito. O homem muito surpreso agradeceu e saiu rapidinho dali. Quando a mulher voltou para casa o bobo foi correndo falar com ela. - Mulher fiz uma coisa que você vai ficar muito contente. - O quê? - Entreguei a encomenda pro futuro. - Que história é essa? - Ele passou aqui na frente de casa e eu entreguei o anel pra ele. - Homem você ficou maluco. O futuro não é uma pessoa. Quando a gente diz “isso é pro futuro” é porque um dia a gente pode precisar vender para pagar alguma dívida. Aquele anel valia muito dinheiro. Ah, mas você é mesmo caso perdido. Não adianta te explicar as coisas. Pra onde esse homem foi? - Seguiu ai pela rua. - E como ele estava vestido? O bobo explicou. - Então vamos atrás dele. Os dois saíram correndo pela rua e lá mais adiante, onde a estrada se bifurcava e começava uma vegetação fechada, a mulher falou: - Você vai pela esquerda, eu vou pela direita. Quem encontrar o homem primeiro grita “achei!. Tá certo? - Tá certo. A mulher já tinha percorrido um bom pedaço do caminho, quando ouviu o grito do marido: “Achei!Achei!” Ela veio correndo esbaforida e logo de longe estranhou, pois não havia ninguém no lugar além do marido. - Cadê? Onde está o homem? - Não, não era o homem não. Eu queria que você visse que coisa mais interessante. Olha só o que tem na ponta desse espinho de cardeiro. A mulher olhou e na ponta do espinho tinha um cocô de passarinho. - Você me chamou aqui pra isso? -Não é interessante? Como que esse passarinho conseguiu fazer cocô certinho na ponta desse espinho? A mulher deu uns tapas no marido bobo e falou: - Chega! Cansei da sua ignorância! Pode ir embora. Você só entra lá em casa de novo, quando tiver aprendido alguma coisa na vida. E o bobo saiu pelo mundo para tentar melhorar o seu aprendizado. Ao passar por uma floresta, viu um caçador com a arma apontada para um veado. O homem já ia puxar o gatilho quando o bobo saiu de trás de uma árvore e deu um grito espantando o veado. O caçador ficou louco da vida. - Como você faz uma coisa dessas! Não sei onde estou que não lhe dou um tiro! A troco de que você espantou a minha caça, seu idiota? - Me desculpe - disse o bobo - eu estou fazendo uma peregrinação pelo mundo para aprender. Eu pensei que estivesse fazendo uma coisa boa. Reconheço que sou ignorante. Me ensine como devo fazer. - Da próxima vez você deve dizer: “haja sangue pra nós bebermos!” - Ah, então é assim que se diz? Me desculpe mais uma vez. Muito obrigado pela lição! Lá mais adiante, o bobo se deparou com dois homens discutindo. Aproximou-se e começou a gritar: - Haja sangue pra nós bebermos! Haja sangue pra nós bebermos! Os dois homens pararam de discutir e partiram para cima dele. - Que é isso rapaz? Você tá querendo que a gente se mate? - Não, não de jeito nenhum! É que eu aprendi que era isso que tinha que dizer. Me ensinaram errado. Qual é o certo? - Em vez de dizer o que você disse você deve dizer: “Deus te aparte para nunca mais!”- disse um dos homens. - Ah, então esse é que é o certo? E saiu de novo na sua peregrinação. Ao passar diante de uma igreja, dois noivos que acabavam de casar estavam sendo saudados pelos parentes e amigos. Ele aproximou-se e começou a falar alto: - Deus te aparte pra nunca mais! Deus te aparte pra nunca mais!


Ilustração


Os parentes dos noivos o cercaram e já iam começar a bater, quando ele mais uma vez apelou, dizendo não ter tido a intenção, que foi aquilo que lhe ensinaram a dizer, etc, etc, e perguntou: - Me desculpem. O que eu devo dizer mesmo? - Você deve rezar para os noivos serem felizes nesse mundo e no outro. - Ah, então é isso? E seguiu a sua caminhada. Lá mais adiante, encontrou um jumento morto. Ajoelhou-se próximo ao jumento e começou a rezar. Um homem estava passando e perguntou o que ele estava fazendo. - Estou rezando pra esse coitado ser feliz nesse mundo e no outro. - Mas rapaz, não se reza para animais, eles não tem alma como as pessoas. - Ah é? Então que eu tenho que fazer? Como é que é o certo? Havia uma epidemia que andava matando os animais. Uma peste. E o homem disse que ele teria que falar o seguinte: “Haja sol e vento para acabar com essa peste”. - Ah, então é assim que se diz? E saiu novamente pelo mundo. Passou numa belíssima lavoura de milho e feijão que o dono estava cuidando, cortando o mato. Admirando a plantação ele como se tivesse elogiando, falou: - Haja sol e vento pra acabar com essa peste! O agricultor perguntou: - Você está falando da minha lavoura? - É.Não é assim que se diz? - perguntou o bobo. - Que história é essa rapaz? O lavrador pegou a enxada e ia bater nele e mais uma vez o bobo se defendeu: - Pelo amor de Deus não me bata. Não digo por mal. Foi isso que me ensinaram . Me diga por favor qual é o certo! O agricultor ficou com pena do bobo e falou: - Você tem que dizer assim: “quem te planta é quem te colhe e quem te colhe é quem te come”. - Ah, é assim que se diz? E seguiu seu caminho mais uma vez. Lá na frente, no meio do mato, viu um cara abaixando as calças procurando um lugar para fazer necessidades. Começou a gritar: - Quem te planta é quem te colhe quem te colhe é quem te come! O homem se recompôs, abotoou as calças e partiu para cima dele. - Como é que é rapaz? E o bobo repetiu: - Quem te planta é quem te colhe, quem te colhe é quem te come! O homem começou a bater nele. - Você ta querendo dizer que eu vou ter que comer meu cocô? - Não, não, não é isso! É que... O homem não quis saber de conversa. Deu uma grande surra no bobo. E ainda ameaçou: - Vá embora logo, senão quem vai comer cocô é você! O bobo saiu assustado e no caminho decidiu: - Ah, eu vou parar de procurar o que é o certo das coisa. Caramba, só me ensinam errado!

Fim



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.