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Ricardo Mesquita 20 a

contíguas aos seus imóveis, como é o caso da legislação do Município de Natal, padece de inarredável inconstitucionalidade, uma vez que a Constituição Federal de 1988 é expressa ao atribuir a competência do ente público, em cada uma das esferas federativas, para conservar o patrimônio público respectivo. Resta claro, portanto, que normas com esse conteúdo, por serem materialmente inconstitucionais, precisam ser afastadas do ordenamento jurídico, para que se possa exigir do Poder Público municipal, titular legítimo das obrigações pertinentes aos bens públicos municipais, a obrigação de construir e manter as calçadas urbanas de sua alçada. ________________________________________ 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme analisado no decorrer deste artigo, as calçadas figuram como bens públicos municipais e, sob essa perspectiva, mostra-se patente a inconstitucionalidade das leis que imputam a responsabilidade precípua pela sua feitura, manutenção e adaptação aos particulares proprietários de imóveis urbanos. Ressalte-se, ainda, que a atribuição de obrigações aos cidadãos quanto às calçadas que se situam em frente aos seus imóveis, além de ter como consequência jurídica uma afronta à Constituição, tem, como resultado prático, a absoluta ausência de padronização legal dessa parte da via pública, circunstância que inviabiliza a concretização da acessibilidade plena nas cidades. Repise-se, no ponto, que a ausência de acessibilidade acarreta, ainda, outra ofensa à Constituição, uma vez que impede o exercício da liberdade individual de ir e vir das pessoas com deficiência ou com dificuldade locomoção. Constata-se, portanto, que os Municípios precisam ser formalmente incumbidos da responsabilidade pelas suas calçadas urbanas, de modo a se permitir que a sociedade e os órgãos de defesa dos interesses coletivos possam deles exigir tanto a construção das calçadas, quanto a sua manutenção e adaptação para fins de acessibilidade.

________________________________________ NOTAS [1]Código Civil, art 98. São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem. [2]CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 23 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 1243. [3] De acordo com o inciso I do artigo 99 do Código Civil, os rios, mares, estradas, ruas e praças consistem em bens de uso comum do povo, de modo que essa também deve ser a classificação adotada quanto às calçadas urbanas no que se refere à destinação dos bens públicos. [4]Destaque-se, ainda, que o inciso XXXIX do artigo 3º da Lei Municipal nº 275/2009 conceitua “via pública” como a “superfície por onde transitam veículos, pessoas e animais, compreendendo a calçada, a pista, o acostamento, a ilha, o canteiro central e similares, situada em áreas urbanas e caracterizadas principalmente por possuírem imóveis edificados ao longo de sua extensão” - grifos acrescentados. [5] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 20 ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 772.

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Arquiteto e Urbanista Ricardo Tempel Mesquita CAU A78906-2 (41)3277-5299 / 98536-6059 (WhatsApp) arqmesquita@gmail.com

Aprendizagens Entender a paralisia cerebral

Malu Navarro Gomes Pedagoga Psicopedagoga Educadora no projeto Feliz Idade

Conviver com crianças, jovens e adultos que apresentam paralisia cerebral tem sido uma experiência única, que me sensibiliza e me enriquece com as lições que essas pessoas e suas famílias me ensinam. Trabalhei durante dezesseis anos como Coordenadora Pedagógica em instituições voltadas a alunos com paralisia cerebral. Eu, uma pedagoga que até então havia atuado somente com alunos ditos “normais”, de repente me vi frente àquele desafio. Havia respondido a um anúncio de jornal em que uma escola procurava uma coordenadora pedagógica, sem especificar qualquer detalhe. Durante a entrevista, fui informada da condição dos alunos: eles tinham paralisia cerebral; tais crianças e jovens usavam cadeira de rodas. — Este fato a aflige? questionou quem me entrevistava. — Não, por certo, não, respondi. A entrevista então se estendeu. Comentei sobre as possibilidades pedagógicas, sobre como percebia o processo de alfabetização naquelas circunstâncias. Assim começou minha jornada neste mundo fascinante, desafiador e gratificante. Senhoras e senhores apertem o cinto, vamos juntos aprender com a minha viagem que lá começou. Embora para convidá-los a me acompanhar nessa viagem tenha consultado livros técnicos, as referências maiores dizem respeito à prática adquirida naqueles anos em que me aventurei a conhecer essa realidade. Tecnicamente falando, os termos Paralisia Cerebral (PC) e Encefalopatia Crônica Não Progressiva da Infância possuem o mesmo significado e são usados para denominar “Um grupo de transtornos específicos decorrentes de um dano ou lesão no cérebro, de ordem não evolutiva e que, devido à área afetada, resulta na inabilidade, dificuldade ou descontrole do movimento voluntário e da postura, portanto, na perda do controle motor.” Tal lesão ocorre até o terceiro ano de vida, em um momento bastante delicado, quando o sistema nervoso central (SNC) da criança se encontra em processo de desenvolvimento. Por isso, tais distúrbios se apresentam como definitivos embora seja possível, como decorrência do amadurecimento encefálico, observar mudanças em suas expressões clínicas. Não se constituem como doença, portanto não são transmissíveis, tampouco têm cura. São muitas e variadas as causas da paralisia cerebral. Há estudos que afirmam que em 47% dos casos de paralisia cerebral, a causa deveu-se a mais de um fator. Parece, no entanto, existir em comum uma deficiente maturação do sistema nervoso central da criança. Fatores pré-natais quando a lesão ocorre durante a gravidez. Cerca de 35%

dos casos de PC são determinados dessa forma. Fatores perinatais – que ocorrem durante o parto, sendo a prematuridade e a anoxia (ausência ou redução da oxigenação do cérebro) neonatal as causas mais citadas e conhecidas nesta categoria. Fatores pós-natais, situações surgidas depois do nascimento.

Vencer os desafios da comunicação A fim de me inteirar da realidade dos alunos, organizei-me de modo a conhecer mais profundamente quem eram aquelas pessoas e assim perceber como poderia auxiliá-las em seu percurso escolar. A opção foi simples e direta: iniciei conversando com as crianças e jovens pedindo que me falassem além do seu nome e idade. Os horários de entrada, intervalo e de saída se mostraram perfeitos para aqueles bate papos informais. Em pouco tempo já conhecia a maioria dos alunos – e melhor – eles a mim. Um jovem rapaz que teria dezessete anos foi uma das primeiras pessoas com quem conversei nos intervalos. Notei como era importante para ele ser um dos primeiros a falar comigo, uma vez que era um dos alunos mais antigos daquela instituição. Do jeito dele, me deu as boas-vindas e passou a me informar sobre sua classe, as dinâmicas que mais motivavam aqueles jovens alunos e fez considerações sobre seu presente e seu futuro. Para nos comunicar utilizávamos uma prancha acoplada à sua cadeira de rodas onde havia o Sistema Bliss de Comunicação – trabalho sob a responsabilidade da fonoaudióloga daquela escola – onde se encontravam dispostas as letras do alfabeto grafadas em maiúsculas, os numerais, desenhos representando uma pessoa em ação, bebendo água, bocejando, comendo, dormindo, caminhando... Havia também pronomes, substantivos, adjetivos, tudo isso disposto em quadrantes que o jovem identificava e com seu dedo indicador apontava para que eu lesse e, juntamente com ele, fôssemos construindo frases completas. Não foi fácil para ambos utilizar esse modo novo de comunicação. Resolvi confessar para ele: — Nunca participei de uma conversa como esta. Então, preciso que você entenda que se há alguém aqui com dificuldade de comunicação, essa pessoa sou eu. Preciso que você tenha paciência comigo e, aos poucos, você perceberá que conseguiremos conversar sem nenhum problema. É só uma questão de tempo para que eu me acostume. Tudo bem? Sua reação de aprovação e incentivo foi tão extraordinária, que quase caiu da cadeira de rodas em que estava sentado e que servia de apoio para a prancha de comunicação.

Vencer os limites da paralisia cerebral

A pessoa com paralisia cerebral pode apresentar desde uma leve dificuldade ao caminhar, até a impossibilidade de fazê-lo sozinho. Pode não conseguir firmar a cabeça, assim como pode virar o rosto e parte do corpo para o lado ao dirigir-se à pessoa que se encontra à sua frente, como se para ela não estivesse atentando. Pode apresentar grande dificuldade em pronunciar palavras, falar enrolado, falar normalmente ou não conseguir articular palavras. Pode de-

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