Lágrimas no Rio - Amostra

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Conteúdo

Ficha técnica..........................................................................................................................................2 Dedicatória............................................................................................................................................3 Prefácio..................................................................................................................................................4 Capítulo 1 - Respeito e Amizade............................................................................................................7 Capítulo 2 – O Funeral.........................................................................................................................12 Capítulo 3 – Os Rivais...........................................................................................................................16 Capítulo 4 – Amados e Odiados...........................................................................................................20 Capítulo 5 – Maria da Conceição.........................................................................................................24 Capítulo 6 – Orgulho e Preconceito.....................................................................................................28 Capítulo 7 – Uma Questão de Justiça...................................................................................................32 Capítulo 8 – O Almoço de Natal...........................................................................................................36 Capítulo 9 – Por Quem Tocam os Sinos................................................................................................40 Capítulo 10 – Dor.................................................................................................................................46 Capítulo 11 – Medindo Forças.............................................................................................................51 Capítulo 12 – Consolidando o Poder....................................................................................................57 Capítulo 13 – Desenhando o Futuro....................................................................................................62 Capítulo 14 – Pontas Soltas..................................................................................................................68 Capítulo 15 – A Maldição dos Montenegro.........................................................................................74 Capítulo 16 – Mas Livrai-nos do Mal....................................................................................................80 Capítulo 17 – Um Funeral Nunca Visto................................................................................................88 Epílogo.................................................................................................................................................93 Agradecimentos...................................................................................................................................94 Biografia..............................................................................................................................................95 Outras Obras do Autor.........................................................................................................................96 TERRAS DE XISTO E OUTRAS HISTÓRIAS..........................................................................................96

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Ficha técnica “LÁGRIMAS NO RIO“

Copyright © Setembro - 2015 by Manuel Amaro Mendonça All right reserved.

Todos os direitos reservados

Revisão: Alcídia Amorim Prefácio: Isidro Sousa Capa: Pedro Góis

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Este livro é um trabalho de ficção. Nomes, personagens, lugares, negócios, eventos e incidentes são, ou os produtos da imaginação do autor, ou usados de forma fictícia. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas, ou eventos reais é mera coincidência.

ISBN-13: 978-1522839811 ISBN-10: 152283981X

Contacto: amaro.autor@gmail.com

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Dedicatória Para a Delmina

A minha transmontana preferida.

“Na adversidade é que se fazem os grandes cálculos, e que se traçam os grandes planos.”

In “A Neta do Arcediago”

de Camilo Castelo Branco

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Prefácio

Conheci a escrita de Manuel Amaro Mendonça durante um concurso literário, no qual ambos participámos na condição de autores concorrentes. Dentre os imensos trechos submetidos, o dele despertou-me a atenção... quer pela simplicidade, sensibilidade e intensidade, quer pela boa estrutura narrativa e o modo inteligente como explorava o mote do certame. Um laço de amizade estreitava-se entre nós, na mesma época em que ele, arregaçando as mangas e recorrendo aos meios porventura mais acessíveis que encontrara disponíveis, num universo tantas vezes inacessível ou menos transparente como é o editorial, decidiu publicar o seu primeiro livro: «Terras de Xisto e Outras Histórias». Em paralelo, enquanto promovia a obra inaugural e sem se deixar deslumbrar pelo seu feito, mantinha participações, com a humildade que o caracteriza, noutros projetos similares. Foi igualmente por essa altura, aquando do lançamento de «Terras de Xisto», que eu passei a organizar antologias literárias, para as quais tive o grato prazer de selecionar contos assinados por este autor. Congratulei-me com o privilégio de conhecer bastante melhor as suas criações literárias. Fi-lo com um olhar muito mais atento, já que enquanto lia também avaliava, porque visava selecionar bons textos para incluir nas minhas obras coletivas. E as pequenas narrativas de Manuel Amaro Mendonça que chegavam às minhas mãos surpreendiam sempre pela positiva. Não só surpreenderam os meus olhos ávidos como deslumbraram outros profissionais do ramo editorial, ao ponto de ele ter sido distinguido, em finais do ano transato, com uma brilhante classificação num concurso literário e, mais recentemente, em Fevereiro deste ano, ter vencido outro certame similar. O que veio confirmar, sem sombra de dúvida, o real talento deste autor. Um autor esforçado e dedicado, que se preocupa em trocar opiniões e ouvir o que outros parceiros das letras têm para lhe transmitir, recebe críticas com humildade e não se acomoda à sombra da bananeira; porque está ciente de que o caminho a percorrer é longo e a evolução do processo narrativo raramente esgotará – essa evolução só finaliza quando se atinge a perfeição, ou a maturidade absoluta, e perfeitos dificilmente seremos! Por todas estas razões e mais algumas, aceitei, com uma satisfação ainda maior, redigir estas linhas à laia de prefácio, para serem incluídas no segundo livro de Manuel Amaro Mendonça. Embora lesse o manuscrito de «Lágrimas no Rio» com o pensamento focado no prefácio, deliciei-me com a leitura. E não tenho dúvidas de que esta nova obra de Manuel Amaro Mendonça irá deliciar todos os leitores que apreciam uma boa narração dramática. Sim, uma narrativa dramática. Porque estamos perante um drama que atinge toda uma população rural, algures numa aldeia transmontana, durante a quadra natalícia do longínquo ano de 1830. Um facto bastante peculiar: esta novela, que apresenta um toque ligeiramente camiliano e se desenrola numa aldeia remota dos confins de um Portugal de séculos passados, situada nas margens do Rio Douro, principia e finaliza os seus capítulos com eventos funerários. No primeiro capítulo, lêse: «O cheiro a incenso, cera e fumo bateu-lhe forte, junto com o bafo quente das braseiras e o som monocórdico de um interminável rosário. As dezenas de candelabros espalhados pela nave do templo tremeluziam com as velas amarelas escorrendo cera. Todos os bancos estavam cheios e havia muitas pessoas em pé, encostadas às paredes. Alguns olharam-nos com curiosidade. No centro, bem em frente ao altar, um caixão de madeira crua continha o corpo amortalhado de um homem com http://manuelamaro.wixsite.com/autor

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fartas barbas». Uma descrição magistral dessas mesmas ambiências iniciando a narrativa, outra singularidade que destaco nesta obra antes de prosseguir: as descrições pormenorizadas de ambientes, diálogos e personagens, verdadeiramente cinematográficas, que mergulham o leitor de corpo e alma na trama, transportando-o para universos nos quais predominam ruralidades e realidades de um Portugal menos conhecido, mescladas com imagens magnificentes de paisagens transmontanas, das suas aldeias remotas e das gentes simples e humildes que as povoam. Tudo isto sem olvidar referências às invasões napoleónicas, um período conturbado da História de Portugal, ocorridas anos atrás («Andou pelas fraldas do Marão atrás dos franceses com as milícias do Silveira. Combateu na defesa de Amarante e dizem que matou muitos jacobinos.»), ou mesmo os linguajares daquele povo simplório, «‘Inda “hás des” ficar “arrepesa” e depois vai ser tarde», verdadeiro bálsamo que nos conduz às entranhas do Portugal profundo. Entre um e outro desses funestos eventos, uma sucessão de inusitados acontecimentos. De acordo com as palavras do autor, o protagonista, Avelino Montenegro, filho do proprietário mais abastado de São Cristóvão do Covelo, regressou do Porto, onde estudava as “ciências necessárias para gerir o património da família”, à sua aldeia natal, cumprindo ordens paternas que zelavam pela sua segurança, já que terão chegado aos ouvidos do patriarca rumores de uma iminente guerra civil, entre Dom Pedro e Dom Miguel, pelo trono de Portugal. O jovem fidalgo, habituado à agitação boémia da cidade portuense, na qual sopravam os ventos do liberalismo, mostra-se enfastiado com a vida pacata da aldeia, porém, os lindos olhos azuis de uma camponesa que trabalha como lavadeira fazem-no repensar as suas alternativas. «Ele aproveitava as visitas para trocar umas palavras com Conceição e deixar-se perder pelos seus belos olhos azuis... no “escano” da cozinha, à lareira, debaixo do olhar atento da mãe», «O rapaz anda embeiçado pela Ceição do falecido Varejão», «– E agora, o menino também anda por aí nas bocas do povo. – Eu?!? – Sim, pois, essa Maria dos Anjos vive mesmo ao lado da Ana e da Conceição. E não passa um dia que as visitas do menino a casa do Varejão não sejam para aí “badaladas” por essa víbora», «Ora porque ia levar o dinheiro prometido pelo pai, ora porque ia saber se precisavam de alguma coisa, outras vezes “só porque ia a passar”, nunca um Montenegro tantas vezes calcorreara aquela parte da aldeia» e, por último, «Mantiveramse calados olhando as botas impecavelmente engraxadas de Avelino darem passos simultâneos com as gastas e enlameadas socas de madeira da jovem». O autor, na sua divulgação, acrescenta: e trazem-lhe dissabores! Ao jovem fidalgo, pois claro. De facto, estes excertos transmitem: Avelino perde-se de amores pela bela Conceição, que nutre por ele uma paixão desde a infância, e não tarda a andar «por aí nas bocas do povo». Não obstante, à medida que nos afundamos na leitura, vislumbramos magníficas imagens visuais deste protagonista sensível aos problemas dos varejadores, que «varejam as oliveiras carregadas de água» naqueles montes longínquos que tinham o imponente Marão no limite do horizonte, excelentes descrições da região transmontana banhada por fortes temporais, em que os pobres trabalhadores rurais se dedicam a recolher a azeitona para a produção de azeite agasalhados por intempéries torrenciais. Belas imagens de paisagens agrestes de um Portugal profundo, do ambiente aldeão e das frequentes reuniões na taberna de Covelo, onde se desenrola boa parte da ação. E a riqueza do vocabulário? Perfeitamente adaptada à época e ao povo que habita uma aldeia remota cheia de vida. No entanto, deixo o alerta: desengane-se o leitor que acredita encontrar neste livro uma aventura romântica, ou um daqueles dramalhões povoados de amores contrariados que fazem chorar as pedras da calçada, como acontece frequentemente nas novelas camilianas. Claro que o leitor http://manuelamaro.wixsite.com/autor

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conhecerá o amor que brota nos corações sensíveis do fidalgo e da lavadeira, um sentimento genuíno que beneficia da forte oposição da orgulhosa e preconceituosa matriarca dos Montenegro. Mas adianto já o triunfo desse amor sobre quaisquer preconceitos. Não é intenção do autor destacar simplesmente uma estória de amores e desamores nesta obra. Isso seria muito redutor! Mais importante do que a trama amorosa é a sucessão de estranhos incidentes que envolve não só as vidas dos protagonistas, mas de toda uma comunidade. Situações dramáticas que despoletam com o que parece ser um simples terramoto, que aparentemente apenas assusta com o tilintar de loiças e abanar de paredes, mas que se revelará mais catastrófico do que meramente assustador. E revelarse-ão, na sua origem, causas bem mais tenebrosas do que uma simples manifestação da força da Natureza. Já que, em determinado momento da trama, entre a preocupação de socorrer feridos e dar sepultura aos mortos, descortinar-se-á um segredo nefasto com contornos diabólicos, algo sinistro que se manifesta quando vislumbra a luz do dia, envolvendo a família Montenegro em particular e trazendo consequências devastadoras para a população em geral. E de repente, quando o amor entre o fidalgo e a camponesa parece encaminhar-se para o enlace esperado, eis-nos perante uma luta titânica do Bem contra o Mal... Podia levantar mais o véu sobre a teia tecida e bem urdida por Manuel Amaro Mendonça neste «Lágrimas no Rio», que, de facto, faz jus ao título, todavia, prefiro reservar as surpresas e respetivo desfecho para a vossa leitura. A leitura de uma ruralidade profundamente marcada pelas agruras do tempo e da vida, presentes da primeira à última linha, cujos eventos funestos e fenómenos inusitados farão, naquela aldeia das margens do Douro, verter muitas lágrimas no rio. Uma leitura que (estou convicto disso) será deveras prazenteira!

Isidro Sousa

http://isidelirios.blogspot.pt Lisboa, 16 de Abril de 2016

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Capítulo 1 - Respeito e Amizade

Chovia. Eram grossas e geladas as pingas que caíam dos céus, naquela noite do mês de dezembro de 1830. O céu de chumbo, tornava a noite ainda mais escura, mal se conseguindo divisar as bermas dos caminhos. Os dois cavaleiros, chegavam ao cimo da íngreme subida que terminava na igreja da freguesia de São Cristóvão do Covelo. Mantinham-se curvados, em silêncio, debaixo dos capotes encharcados. A lama da estrada, que deixara as suas marcas nas patas brancas dos cavalos bem tratados, sujou a calçada à entrada do pequeno templo. Um homem saiu e apressou-se a segurar as rédeas das montadas para que os cavaleiros desmontassem em segurança. – Obrigado, Manuel! - Agradeceu o mais velho.

O mais novo resmungou um obrigado e correu a abrigar-se na porta do templo logo seguido pelo companheiro. Eram, Honório Montenegro, o maior proprietário da região e seu filho Avelino Sampaio Montenegro. Honório era baixo, quase careca, mas com fartas barbas e a puxar para o gordo, mantinha uma postura de homem sério e austero que desarmava qualquer tentativa de brincadeira ou familiaridade. No entanto, todos na aldeia o respeitavam e estimavam, por reconhecimento para o seu sentido de justiça e pagamento honesto do trabalho. O mais novo, Avelino, regressado há apenas algumas semanas dos estudos no Porto, estava enfastiado pela vida pacata da aldeia por troca da agitação boémia da cidade. O seu regresso antecipado, a mando do pai, não lhe agradou nada, mesmo depois de todas as explicações sobre os receios da guerra civil que se avizinhava, com o ex imperador do Brasil, D. Pedro, a caminho de Portugal para fazer a guerra ao seu irmão D. Miguel. – Continuo sem perceber porque sou preciso aqui, todo molhado, nesta cerimónia, senhor meu pai. Resmungou Avelino. – Quantas vezes terei de explicar? - Honório estava a ficar agastado com a rabugice do filho. - Este homem trabalhou para nós muitos anos, a filha ainda trabalha. É uma questão de respeito pelas pessoas. – E o senhor não lhes paga? E bem melhor que a maioria dos proprietários das redondezas? Pareceme que os respeita o suficiente. – Há coisas que o dinheiro não compra. - O homem mais velho olhou o mais novo nos olhos enquanto aproximava o seu rosto do dele e sussurrava. - Espero que não você não venha a aprender isso da pior maneira. A lealdade e a honestidade não se compram, dedicam-se. O seu avô destruiu praticamente tudo o que o pai dele lhe deixou, com arrogâncias como a sua; tinha terras, mas ninguém trabalhava para ele. Foi o meu trabalho de muitos anos, que trouxe as pessoas da aldeia de novo a trabalhar para nós. http://manuelamaro.wixsite.com/autor

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O jovem desviou o rosto, contrariado e ergueu bem a cabeça com orgulho para passar através da porta que lhe abriram para dar acesso à nave da igreja. Afinal, ele é um Montenegro, filho de um dos homens mais ricos da região. Todos naquela igreja lhe são inferiores, como o avisara sua mãe, não passam de camponeses miseráveis. Logo que passou a porta olhou a enorme pedra tumular, no chão, com o brasão e o nome Montenegro gravados. Conduzia à cripta onde várias gerações da sua família repousavam. Calcou-a decididamente e avançou para o interior. O cheiro a incenso, cera e fumo bateu-lhe forte junto, com o bafo quente das braseiras e o som monocórdico de um interminável rosário. As dezenas de candelabros espalhados pela nave do templo tremeluziam com as velas amarelas escorrendo cera. Todos os bancos estavam cheios e havia muitas pessoas em pé, encostadas às paredes. Alguns olharam-nos com curiosidade. No centro, bem em frente ao altar, um caixão de madeira crua continha o corpo amortalhado de um homem com fartas barbas. Pouco a pouco, foi perdendo a audácia e encurtando os passos; as pessoas olhavam-no, uns com receio, outros com admiração, outros ainda com desdém. Mas a maior parte, praticamente ignorouo, compenetrado no fervor das orações, cabeças baixas e olhos marejados de lágrimas. Honório passou ao lado do filho e sussurrou-lhe um “Venha!” enquanto se encaminhava para junto do ataúde. Mesmo ao lado do esquife, num dos bancos corridos, estavam duas mulheres vestidas de negro, com a cabeça baixa e dois rapazes jovens, um dos quais não conseguia conter as lágrimas e chorava mansamente. – Senhora Ana. - Honório falou respeitosamente em voz baixa e com uma pequena vénia. - Eu e o meu filho Avelino vimos, em nome da família, apresentar o mais profundo pesar pelo seu marido. – Muito obrigada a vossa senhoria, senhor Montenegro. - A mulher de rosto moreno ergueu para eles uns olhos azuis marejados de lágrimas enquanto falava numa voz enrouquecida pela dor. - O meu marido sempre o estimou muito, trocava qualquer trabalho só para ir trabalhar para o senhor... morreu a fazer aquilo que queria. – Não pense a senhora que vamos esquecer isso. Vou dar ordens para que vos seja pago o que o vosso marido ganhou e mais uma mesada para vos aliviar um pouco a falta dele. – Oh, senhor Montenegro. - Ela tentou beijar-lhe as mãos, mas ele impediu-a. - O senhor é um santo, não sabia o que ia fazer da minha vida, eu que não posso trabalhar desde que apanhei a tísica.... os meus filhos ainda não trabalham muito... – Obrigada senhor Montenegro. - A outra mulher, muito jovem e também com os estonteantes olhos azuis, falou. - Prometo que vou trabalhar muito, meu senhor, vou ser a melhor lavadeira que tem. Não haverá ninguém que faça tanto e tão bem como eu. – Sossega, menina. - Honório deu-lhe um sorriso benevolente enquanto passava a mão na cabeça coberta com o lenço negro. - És uma boa rapariga e tens trabalhado bem. http://manuelamaro.wixsite.com/autor

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– Obrigado, senhor Montenegro! - Os dois rapazes sussurraram quase em uníssono, sem levantar os olhos, em resposta a uma cotovelada da mãe. Logo ali a atitude de Avelino começava a modificar-se... os olhos da jovem órfã ficaram gravados a fogo no seu cérebro, apesar dela os ter baixado rapidamente. Após mais uns minutos de palavras de circunstância com outros familiares do falecido, despediramse e saíram ambos do ambiente opressivo do velório. Calado, assoberbado pela dor mansa daquela gente que chorava um ente querido, Avelino sentia as lágrimas a quererem irromper. Foi o primeiro a chegar à porta e, sem se benzer à saída, deitou um olhar de soslaio aos órfãos conseguindo surpreender a jovem a olhá-lo. Cá fora, o ar gélido e a chuva permitiam por fim respirar livremente e o jovem inspirou por várias vezes, de forma prolongada. Honório olhou o filho e permitiu-se um sorriso triste enquanto perguntava:

– Não imaginava, não é? Uma coisa é ver de longe, outra é estar no meio deles... são pessoas como nós. Sofrem, choram, riem... e precisam de comer. Este homem que ali jazia, chamavam-lhe o Quim Varejão e trabalhava para nós há perto de quinze anos. – São os três filhos dele? - Quis saber o jovem.

– Sim. Havia um quarto, mas morreu em 1813 durante a tísica que abrasou a aldeia, logo após o nascimento da menina Maria da Conceição. Você era uma criança ainda. Morreu tanta gente... tantas crianças... e Ana, a mulher do Joaquim, escapou por pouco. Esteve muito doente por alguns anos. Depois arribou e ainda teve mais dois filhos. – O senhor gostava dele, não era?

– Se gostava? Era capaz de ir com este homem até ao fim do mundo. Confiava-lhe a minha vida sem hesitar, que não era pessoa de se deixar bater nem de ver injustiças e maldades. Sempre foi arrojado. Em novo, andou pelas fraldas do Marão atrás dos franceses com as milícias do Silveira. Combateu na defesa de Amarante e dizem que matou muitos jacobinos. – Era mesmo um homem extraordinário. - Reconheceu o jovem.

– E trabalhador como nenhum! Punham-lhe duas sacas de azeitona às costas e subia monte acima a deixá-las nas carroças. – Como é que morreu então?

– Sempre o mais trabalhador, era o primeiro a subir às oliveiras e colocar-se nas pernadas mais difíceis onde ninguém queria ir. Esta manhã, subiu à nossa oliveira maior, nas “Fragas Traiçoeiras” e como os ramos estavam muito escorregadios da chuva, caiu desamparado no penhasco. Dizem que se ergueu, furioso, rebentou com a vara no chão e lançou pragas aos quatro ventos. Só depois de dar mais alguns passos, tombou e não se levantou mais. - Havia lágrimas e um sorriso triste no rosto de Honório. - Assim se foi um grande homem e um grande amigo. – O senhor conheceu-o, já ele trabalhava para o avô? http://manuelamaro.wixsite.com/autor

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