Morfologia e Mobilidade Urbana, o caso de Madri - Ensaio Teórico Manuella de Carvalho - FAU/UnB

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MORFOLOGIA E MOBILIDADE URBANA, O CASO DE MADRI Ensaio Teórico // Disciplina obrigatória para obtenção de graduação Universidade de Brasília // Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Departamento de Teoria e História em Arquitetura e Urbanismo

Manuella de Carvalho Coelho // 09/0028881 Prof. ° orientador: Valério Medeiros Banca Avaliadora: Ana Paula Gurgel e Monica Fiuza Julho de 2015



SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ____________________________________________________________ 1 1. A CIDADE DE MADRI ___________________________________________________ 13 1.1. Evolução Urbana _____________________________________________________ 14 1.2. Características Morfológicas ___________________________________________ 24 1.3. Características de circulação e mobilidade____________________________29

2. ANÁLISE SINTÁTICA _____________________________________________________35 2.1. Centralidade e subcentralidades, oferta de transporte público em zonas e eixos de maior potencial de integração_____________________ 35

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS _________________________________________________ 43 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS___________________________________________45



Morfologia e mobilidade urbana: o caso de Madri | 1 INTRODUÇÃO Frente à intensa urbanização contemporânea, se torna cada vez mais recorrente e importante tratar do assunto da mobilidade urbana. Deslocamentos mais sustentáveis e saudáveis geram cidades mais econômicas, eficientes e de maior qualidade de vida para seus habitantes. Nesse sentido, esse trabalho busca analisar a situação dos transportes públicos em Madri e verificar o grau de influencia da morfologia da cidade em sua qualidade e eficiência. Já que: “A natureza dos deslocamentos dentro de uma cidade depende diretamente da forma como as funções se distribuem no território”1 . parece mais do que razoável fazer uso do estudo da forma para entender a mobilidade de uma cidade. Além de confirmar a importância do papel do arquiteto no que tange ao planejamento urbano e no desenho da cidade, a escolha pela metodologia morfológica, nesse trabalho, afastam as justificativas puramente políticas e econômicas para um mal gerenciamento da mobilidade urbana, principalmente em cidades brasileiras. Madri é objeto de estudo pela vivência da autora na cidade pelo período de um ano para atividades de 1

DUARTE, 2008, página 13.

intercâmbio acadêmico patrocinado pelo governo federal dentro do programa Ciência sem Fronteiras. A experiência, além dos aprendizados e estudos dentro da universidade, contribuiu para o entendimento da qualidade da circulação para melhor apropriação dos espaços públicos e qualidade de vida dos moradores de qualquer cidade. Alinhado a essa experiência, a terceira maior metrópole da Europa2, com mais de 3 milhões de habitantes3, tem, por exemplo, um sistema de ônibus 24 horas por dia, além de ser o segundo maior sistema de metrô da União Europeia (com 286,3 quilômetros frente a 402 quilômetros de Londres) e oitavo do mundo atrás de Shangai, Beijing, Londres, Nova York, Moscou, Seoul e Tóquio4. *** Os elementos constituintes da arquitetura podem ser entendidos, segundo Evaldo Coutinho e corroborado pelo professor Frederico Holanda5, como os elementos-meio e os elementos-fim. Além da relação entre eles.

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Plano de Movilidad Urbana Sostenible de Madrid, 2014. Idem. 4 Informações da base de dados online <micro.com/metro/table.html>. 5 HOLANDA, 2013. 3


2 | Morfologia e mobilidade urbana: o caso de Madri Os primeiros são os cheios, são as volumetrias que definem e separam os espaços internos e externos. Dotam o ambiente de barreiras e permeabilidades. Os atributos analisados aqui são características como cores, materiais, texturas, composição de fachadas, volumetria, etc., todos dentro do campo de uma análise escultórica e mais direcionada ao subjetivismo. Os elementos-fim são os vazios, tudo aquilo que não é volume. São os espaços públicos, as praças, ruas, parques; são os cômodos de uma casa ou de um prédio, a sala, a cozinha, o quarto, o corredor. Atribuídos a eles estão dimensões, questões de conforto como temperatura e ruídos, além da conexão entre esses elementos, como acessibilidade e hierarquia. Pode-se então usar de números para exprimir as características desses elementos. No âmbito urbano, a rua é o elemento-fim, palco de encontros, programados ou não, mas principalmente de movimento. A possibilidade de se transitar pelas ruas é direito primordial que uma cidade precisa oferecer a um usuário. A mobilidade identifica, então, como esses deslocamentos são feitos e com que meios de transporte. O transporte a pé é o mais primordial dos modais e o de menor raio de influencia, e o de menor velocidade. A bicicleta é hoje opção mais barata de

meio de transporte, muito usada por classes de menor poder aquisitivo. Com a Revolução Industrial e a criação de trens com mecanismo capazes de percorres maiores distâncias, a urbanização das cidades tomou uma nova proporção. Pequenas aglomerações distantes do principal assentamento de sua região tiveram oportunidade de se desenvolver com maior facilidade de circulação. Novos núcleos foram também surgindo junto a linha de deslocamento dos trens. O automóvel produz efeito similar nas cidades, mas com raio menor de influência. Possibilita que núcleos pouco afastados possam estar mais integrados fisicamente e economicamente à zona urbanizada de maior desenvolvimento. Como consequência nota-se o crescimento mais disperso das cidades, produzindo sempre maiores distâncias a percorrer. As cidades atuais são herança e continuam gerando o mesmo legado desse tipo de urbanização. Para um panorama atual da mobilidade soma-se ainda, o pensamento modernista de setorização levando a uma cidade de zonas especializadas, sem diversidade e fluxos sempre lotados.


Morfologia e mobilidade urbana: o caso de Madri | 3 O carro é hoje o modal mais utilizado por muitos fatores: comodidade, potencial de velocidade e principalmente por satisfação interior e status6. Em aglomerações urbanas de maiores dimensões o carro passa a criar um efeito que prejudica aos próprios usuários do veículo. Seu uso massivo provoca congestionamentos de proporções gigantescas7 e a falta de vaga em zonas de maior uso é outro problema. As seguidas obras em favor da diminuição dos engarrafamentos se tornam ineficazes no momento em que o crescente mercado de automóveis engole esse investimento com o aumento do número de carros nas ruas. Esse é um ciclo retroalimentado, quanto mais estradas e estruturas para suportar esses veículos forem construídas mais automóveis serão fabricados. E quanto mais automóveis forem fabricados, mais estradas precisarão ser construídas. A questão energética e ambiental é tópico imprescindível dentro dessa discussão. O uso de matéria prima não renovável e de alto índice de 6

ECHAVARRI, 2005, página 11. O engarrafamento recorde na cidade de São Paulo foi de 344 quilômetros em maio de 2014, segundo a Companhia de Engenharia de Tráfego da metrópole. Informação disponível em: <www.g1.globo.com/saopaulo/noticia/2014/05/sp-bate-recorde-historico-com344-km-de-vias-congestionadas-diz-cet.html>, acesso em 30/06/2015.

poluição é mais um fator que não faz do automóvel a melhor escolha de circulação. Dentro de tantas problemáticas, a solução passa a ser a adoção de medidas que não mais privilegiem o veículo individual e que incentivem, facilitem e melhorem o uso do transporte público. O debate recente de sustentabilidade vai de encontro ao uso massivo do automóvel já que é o meio de transporte urbano mais poluente e que ocupa maior espaço. Uma das ações de fácil implementação é o rodízio de carros, como acontece em São Paulo, de acordo com o dia da semana e o último número da placa do veículo, este não pode rodar dentro da área estabelecida do centro nos horários de pico. A numeração final de 1 e 2 não pode rodar às segundas-feiras, enquanto os carros com final de placa 3 e 4 não são permitidos circular às terçasfeiras8. Essa é uma iniciativa que objetiva diminuir o número de automóveis no cotidiano da metrópole, porém, as pessoas que possuem patrimônio suficiente para investir em outro carro com placa de número diferente do que já possui assim o faz,

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Segundo informações da Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo disponíveis em sua página <www.cetsp.com.br/consultas/rodizio-municipal/comofunciona.aspx>, acesso em 30/06/2015.


4 | Morfologia e mobilidade urbana: o caso de Madri dessa maneira, o tráfego não percebe diminuição tão significante. Com o mesmo objetivo que o rodízio, a restrição da entrada de veículos motorizados a determinadas zonas é medida que dá prioridade ao pedestre, muito comum para proteção de zonas de interesse histórico. Em Londres, essa restrição é feita mediante pagamento de pedágio onde ambulâncias, ônibus públicos, motocicletas e taxis estão isentos; moradores da zona têm pagamento reduzido enquanto o restante dos motoristas precisam desembolsar 7,5 euros ao dia para entrar na zona. A medida diminuiu o número de veículos em 16% apenas nos seis primeiros meses9.

As bicicletas são veículos não poluentes que requerem pouca manutenção e investimento frente ao carro. Assim, poderiam ser consideradas mais no planejamento da mobilidade urbana. Áreas destinadas exclusivamente a pedestres estão cada dia mais em voga, além da real preocupação com a qualidade de deslocamento das pessoas existe certo status em se divulgar uma cidade que seja amigável ao pedestre. Mesmo que os carros sejam rechaçados e bicicletas, pedestres e transporte público exaltados, todas as interferências só estarão completas e criando um sistema realmente eficiente de deslocamento quando todas as modais presente em uma cidade estiverem conectadas.

Outro exemplo que ainda pode ser citado é o parklet. Iniciado em San Francisco, EUA, o movimento que prega o uso das vagas de estacionamento no centro da cidade para atividades de uso público, como instalação de mobiliário urbano de estar.

A necessidade da complementariedade das modais é evidente quando se percebe que os deslocamentos nem sempre são de porta a porta. Precisamos ir a pé até a parada de ônibus ou estação de metrô, ou pegar um ônibus para pegar chegar até a estação de trem.

O desincentivo ao uso de carros particulares traz a necessidade de investimento em outras modais, dentre elas está a bicicleta. A dificuldade nesse caso está na cultura de se acreditar na bicicleta apenas como esporte ou lazer e não como meio de transporte.

Assim, os terminais multimodais se mostram necessários dentro das medidas de uma mobilidade mais sustentável e eficiente.

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ECHAVARRI, 2005, páginas 55-6.


Morfologia e mobilidade urbana: o caso de Madri | 5 Alinhada ao estudo do movimento e do deslocamento, foi criada no final dos anos 1980 a Sintaxe Espacial, por Bill Hillier, na Universidade de Londres, devido sua preocupação com a direção dos estudos da arquitetura até o momento estarem majoritariamente voltados para a análise do volume e da forma. O objetivo é quantificar questões de ordem e desordem configuracional no sistema de elementos-fim e não elementos-meio. Essa teoria não é pioneira no assunto. Dentro das críticas ao modo de fazer cidade do movimento modernista, Jane Jacobs já nos falava em 1960 da importância da qualidade do espaço público para as pessoas, da necessidade de se olhar para a vida da cidade a partir do bairro, não segregando atividades. Com ela, Kevin Lynch aborda a cidade dentro de um campo topológico, de percepção, da facilidade ou não de se ler o desenho urbano. Indo além da preocupação com o estudo do vazio. Bill Hillier propõe, alinhando-se a Lynch, enxergar esses espaços como configuração, ou seja, excluir, em um primeiro momento, os significados atribuídos a esses espaços. Daí vem o uso dos termos emprestados da linguística, sintaxe e semântica. A semântica é o ramo da linguística que estuda o significado das palavras. Dentro da SE é a função social exercida por um elemento, é sua característica cultural, depende do tempo, da

ideologia e dos valores que uma determinada sociedade pode conferir a um objeto. Já a sintaxe está preocupada com a organização dessas palavras e suas relações. Assim, a SE se debruça no estudo do sistema de vazios por como estão configurados, dispostos e não pelos rótulos que lhes são atribuídos. É possível com isso comparar espaços separados no tempo e no espaço e que tenham códigos distintos, como é o caso da Esplanada dos Ministérios em Brasília e da Calzada de los Muertos em Teotihuácan, no México. Uma construída por brasileiros nos anos 1960 afim de maior ocupação do centro do país, a outra feita por indígenas com origem conhecida do século II a.C. O que esses espaços têm em comum é o grande dimensionamento do espaço vazio, dificultando uma apropriação rotineira e sendo usado como espaço para encontros marcados, em datas especiais. É o paradigma da formalidade. Foi a forma que nos indicou possíveis atividades ocorridas nesses espaços: manifestações e festividades na Esplanada dos Ministérios e rituais sagrados na Calzada de los Muertos. Importante não confundir esse tipo de leitura com o ‘determinismo arquitetônico’, a arquitetura por si só não determina o comportamento social, as coisas adquirem as feições que denominamos a eles. Uma revolução, por exemplo, não acontece


6 | Morfologia e mobilidade urbana: o caso de Madri porque as ruas foram desenhadas para tal, uma arquitetura não pode ser fascista, ela se torna fascista porque os meios são fascistas10. Essa relação urbano-homem é vista na SE por meio dos códigos universais e não individuais, ou seja, a correlação é feita sempre pensando em um impacto de um conjunto de pessoas, sem levar em consideração as individualidades e os efeitos específicos dos espaços nas pessoas. O objetivo de Hillier é provar que o movimento gerado pelo sistema de espaços construídos, a malha viária, é uma variável independente, quer dizer, que o movimento é realizado de maneira natural (lei do menor esforço) e independe de elementos de atração como comércio. Já que o estudo da SE aborda a possibilidade de movimentos no sistema, ela indica quais dos elementos dos sistemas apresentam conexão maior com o restante do sistema, indica qual a rua de todo o sistema viário é mais integrada na cidade e por isso terá mais fluxo. Pensando nisso o fluxo estudado pode também ser de pedestres ou ciclistas, mudando alguns aspectos de análise. As correlações dos resultados da análise sintática podem ser feitas nos mais variados âmbitos como: uso do solo, crescimento urbano, estado de preservação patrimonial, presença/ausência de 10

HOLANDA, 2013, página 116.

transportes urbanos, transporte e movimento de veículos e pedestres, contagem veicular e de pedestres, Identificação/mudanças de centralidades, criminalidade e exclusão social, habitação e moradia. No âmbito do planejamento urbano e expansão de cidades, por exemplo, a SE é capaz de atuar como instrumento para estudos em uma perspectiva histórica, na interpretação do presente e na simulação de cenários futuros. Como meios de representação das ideias da SE existem três possibilidades: o movimento de pessoas em forma de linhas; o agrupamento de pessoas em espaços convexos, topológicos; e a visibilidade retratada nas isovistas. O produto da representação linear é o mapa axial, ferramenta mais importante para o entendimento de sistemas como as cidades. Para traçá-lo é necessário desenhar por cima da base cartográfica de uma cidade eixos que representem os espaços convexos de cada um dos elementos vazios, das ruas. Desenhar o menor número de eixos possíveis com as maiores retas possíveis. Uma avenida em curva que graficamente não possa ser desenhada como uma linha reta, mas que apresente entendimento topológico de linha reta pode ser representada como tal. Esse conjunto de eixos passa a ser o mapa de axialidade.


Morfologia e mobilidade urbana: o caso de Madri | 7 Levando esse mapa para um dos softwares específicos de SE, Depthmap ou Mindwalk, por exemplo, ele nos fornecerá uma tabela e um mapa em cores indicando quais são as ruas com os maiores valores de integração, quer dizer, quais são as ruas mais facilmente acessadas de todo o sistema. A tabela nos mostra, por meio de números, o nível de integração, quanto mais alto o número, maior a integração. Já no mapa a escala cromática vai do azul para o elemento menos integrado passando pelo ciano, verde, amarelo, laranja, nessa ordem, até chegar ao vermelho, de integração mais alta. A integração é uma variável (item de análise da SE) que nos mostra a facilidade de acesso a tal via, quanto mais integrada, maior potencial de movimento, de fluxo e, por isso, está associada à existência de comércios e usos mais ativos na cidade. Detém maior poder dentro da hierarquia viária. A zona do mapa que apresente concentração de linhas mais vermelhas nos indica o centro urbano da cidade, espaço de maior sociabilidade. Enquanto a zona que tenha linhas mais escuras é o local mais segregado com atividades de maior privacidade, como zona residencial. Imagem 1: Mapa axial de Planaltina, Distrito Federal, e mapa de integração global. Fonte: Autoria própria.


8 | Morfologia e mobilidade urbana: o caso de Madri O mapa de integração geralmente é feito em âmbito global, mas pode também ser gerado tendo como raio 3 por exemplo, indicando as vias mais acessíveis dentro de três mudanças de direções nos caminhos. Pode ser ferramenta interessante para perceber a existência ou não de subcentros, principalmente em cidades maiores. Os espaços convexos são os espaços topológicos, ou seja, de percepção. A definição dos espaços convexos é base para análises de quantificação de espaços cegos, dimensões dos espaços abertos e quantidade de metros quadrados de espaço convexo por porta. Importante para estudo dos ‘olhos na rua’ de Jane Jacobs.

Imagem 2: Mapa de isovistas do centro histórico de Florença, Itália. Fonte: Autoria própria.

As isovistas, ou grafos de visibilidade, são mais úteis ao analisar fluxo de pedestres, pois representam o campo de visão de um determinado ponto no espaço, de um indivíduo. Muitas vezes são ferramentas preciosas para a prevenção de crimes, já que se podem relacionar os espaços com menor visibilidade com a maior ocorrência de crimes.

A SE então, busca estudar os espaços vazios enquanto sistemas. Não interessa muito a distância entre dois pontos, mas como eles estão conectados, a facilidade ou não de se transitar entre eles. Os entende fora de seus significados atribuídos por certa sociedade, os espaços são variáveis independentes.

Assim como o mapa de integração o mapa de isovistas usa de escala cromática para comunicar a informação, de cores mais quentes, como o vermelho, a cores mais frias, como o azul, de zona mais integrada a zona menos integrado, respectivamente.

A estrutura do trabalho conta com um primeiro capítulo de caracterização da cidade a ser analisada em algumas frentes. A primeira sessão traz uma breve exposição da evolução urbana da região ajudando a fundamentar a descrição do desenho atual da cidade. Busca-se o entendimento desse crescimento relativo a aspectos morfológicos e malha viária.


Morfologia e mobilidade urbana: o caso de Madri | 9 Com o auxílio do Plan de Calidad del Paisaje Urbano da Madrid, a segunda sessão desse capítulo traz informações da forma da cidade a partir do conhecimento das unidades de paisagem. A seguinte sessão apresenta as ações promovidas pelo governo da cidade afim de uma circulação e mobilidade mais eficiente e acessível. O segundo capítulo traz a construção do mapa axial de Madri e análises de mapas de integração global e de raio cinco gerados com o auxílio do software Depthmap. Busca-se a verificação de centralidades e subcentralidades e a identificação de vias mais integradoras e que, portanto, demandam mais oferta de transporte público. O último capítulo vem com as considerações finais da autora para o trabalho.


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Morfologia e mobilidade urbana: o caso de Madri | 13 1.

A CIDADE DE MADRI

A Espanha tem seu ordenamento territorial e divisão de unidades administrativas primeiro por Comunidades Autônomas e dentro delas por Províncias, depois seguem, reduzindo território, com as Comarcas e Municípios. Madri, ou Madrid, é a capital do país e também da Comunidade Autônoma e Município de mesmo nome. Não apresenta divisão por Províncias, tem os territórios de Comarca sem muita significância e o Município é ainda organizado em distritos. A cidade apresenta 3,23 milhões de pessoas registradas como moradores. Passou de 54% para 49% da população de toda a Comunidade no período de 2004 a 2012, o que mostra que a região metropolitana cresceu mais que o centro, indicando dispersão no crescimento urbano. Dado importante para as dinâmicas socioeconômicas e de transporte da região já que a cidade de Madri concentra 60% dos empregos de toda a comunidade autônoma11. A localização sempre foi forte elemento que contribuiu para sua importância em diversos momentos históricos. Além de ser cruzamento dos caminhos mais importantes, a Serra da Guadarrama servia de proteção em tempos de guerra.

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Dados extraídos do Plan de Movilidad Urbana Sostenible de la ciudad de Madrid (2014).

Imagem 3: Localização da Comunidade, Município e cidade de Madri. Fonte: Autoria própria com base em dados do software Google Earth, 2015.


14 | Morfologia e mobilidade urbana: o caso de Madri 1.1. Evolução Urbana A cidade tem início na Pré-história, como mostram vários estudos arqueológicos. Para esse trabalho, o relevante é perceber quantas camadas históricas contribuíram para o surgimento e construção das dinâmicas que teceram os espaços de Madrid. Já no período de dominação romana do território hoje conhecido como Espanha, têm-se o cruzamento de caminhos no centro do país indicando um propício ponto de assentamento na região. Muitas foram, então, as ocupações em pequenos núcleos junto ao pé da Sierra de Guadarrama, dentre eles estava Matrice (mãe das águas), futura Mayrit e atual Madrid. Sua boa localização e curta distância a Toledo, principal assentamento da época, fez a cidade importante para toda a história da região. Na fase da ocupação árabe deu-se a construção de uma torre, onde hoje se situa o Palácio Real, para proteção das invasões cristãs, bem como da primeira muralha. O contorno dessa primeira fortaleza cercava o castelo e poucas ruas próximas, alcançava dois quilômetros e tinhas três portas de acesso (Almudena, Sagra e de la Veja). A organização primária de edificações se dava com um vazio central, castelo ao norte e casas ao sul; bastante semelhante à configuração atual da Plaza de la

Armería. O que resta da fortificação hoje são ruínas na atual Plaza Muhammad I. O traçado dessa muralha permaneceu sem grandes alterações por bastante tempo, até que no século XII outro cercamento foi feito, não se sabe se de origem mulçumana ou já cristã. Aqui, foi envolvida a já considerada Medina, que crescia fora do limite dos muros no sentido nordeste. Suas portas conectavam o assentamento aos principais acessos dos caminhos mais importantes da época. Durante todo o período medieval, não se dava importância em deixar espaços livres de construção, mesmo com a mudança política, a derrota dos árabes pelos cristãos, o crescimento do traçado continuou irregular e labiríntico. Os cristãos passaram a ocupar o centro e trabalhar com agricultura enquanto os árabes e judeus formavam guetos em locais distantes, como a Morería, e faziam artesanato. Logo veio a terceira cerca com Enrique IV, abraçando novos bairros externos: San Martín, Santo Domingo, Santa Cruz e San Millán. Em 1561, Felipe II, o rei, decide pela transferência da capital de Toledo para Madri, com isso, o aumento populacional exigiria transformações nas ruas já abarrotadas. Assim, algumas vias foram alargadas, partes da muralha derrubadas, novos edifícios construídos para uso municipal, etc.


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Imagem 4: Esquema das muralhas medievais. Fonte: Ilustração própria com uso de fotografia da maquete oficial do estado espanhol.


16 | Morfologia e mobilidade urbana: o caso de Madri Casas com mais de um pavimento foram obrigadas a receber pessoas da corte devido a falta de moradia suficiente para os novos habitantes. Muitas foram as alterações feitas no sentido de criar cômodos extremamente pequenos que não fossem nada agradáveis e dignos à corte. Muitas também foram as construções feitas extramuros.

inúmeras casas foram reformadas subindo novos pavimentos, comumente a cinco. Isso se deu por dois motivos: falta de moradia e aprovação de lei que permitia cobrar aluguel a gosto do dono, assim, era rentável investir em imóveis.

Pela quarta vez tenta-se frear o frenético ritmo de crescimento de Madri, ainda mais agora com o grande número de migrantes em busca de melhores condições de vida na capital. Agora, em 1625, o rei Felipe VI poderia cobrar impostos aos bairros antes fora de sua administração. A Puerta del Sol se torna espaço bastante disputado pois cruzava as ruas Mayor (de comércio) e Arenal, que aqui já apresentavam bastante movimento e levavam às principais rotas do medievo. Ainda menor que a Plaza Mayor, e sem ter sido projetada, obteve sucesso pois era nó de dois caminhos. Além das ruas citadas, San Jeronimo e Alcalá também tinham expressividade de movimento na malha urbana. O reinado dos Bourbouns percebeu a necessidade de melhorar as ruas, assim, produziu boulevares e reformou o famoso Paseo del Prado, enchendo a cidade de verde. Já no século XIX, ainda tentando conter o crescimento dentro dos limites impostos em 1625,

Imagem 5: Esquema de localização do centro antigo, atual Distrito Centro, e suas principais referências. Fonte: Autoria própria com base em dados do software Google Earth, 2015.

Em 1854 começava-se a derrubar a antiga muralha na tentativa de englobar as edificações externas a ela e já prevendo o planejamento de nova zona, posteriormente conhecida como Ensanche, expressão espanhola que remete a ampliação de cidade com área projetada.


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Imagem 6: Ilustração esquemática da muralha do ano 1625. Fonte: Autoria própria com base em RAMOS e REVILLA, 2012.


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Imagem 7: Esquema de localização das principais ruas saindo da praça Puerta del Sol. Fonte: Autoria própria com base em imagens do software Google Maps, 2015.


Morfologia e mobilidade urbana: o caso de Madri | 19 O Plano Castro foi aprovado em 1857, com completa influencia do ensanche de Barcelona, o Ensanche de Madri também apresentaria traçado regular e ortogonal com quadras regulares. Hierarquizando as vias, normas para altura dos edifícios de acordo com o tamanho da caixa viária foram incluídas. Eram também mais largas, indo de 15 a 40 metros de largura. Aqui, as ideias modernistas do início do século XX já haviam chegado, com isso, o projeto trazia zonas específicas de moradia de acordo com renda e classe social. Segregação que permanece ainda hoje em diversas zonas, como o alto nível de lojas na rua Serrano e as classes mais humildes a sul da cidade. O plano não se viu livre da especulação, leis que permitiam diminuição de área verde e aumentar o gabarito para quatro andares foram algumas das modificações ao plano original. Durante o processo de construção do Ensanche, muitas obras foram feitas contornando os limites desse. Era área livre de administração, portanto mais barata e os proprietários tinham liberdade para ocupar sua terra como e quanto desejasse. A zona, chamada Extrarradio, construiu tanto que a prefeitura local aprovou novo projeto que a conectasse ao núcleo urbano já estabelecido. Ainda na onda modernista, alguns assentamentos organizados em cidades-jardins surgiram na periferia, a mais conhecida é a Cidade Linear de

Arturo Soria. Uma linha de trem, a princípio infinita, era circundada por comércios e serviços, por detrás dessas edificações estariam as residências. Apenas cinco quilômetros foram construídos. O Ensanche e o Extrarradio continuaram crescendo, o primeiro feito por arquitetos para classes altas e o outro construído por mestres de obra para os trabalhadores. Novos bairros surgiram nos bordes dos principais acessos da cidade: Tetuán, Carabanchel e Vallecas. Esse foi o momento de maior necessidade de conexões, para receber tráfego mais intenso na circulação interna e para ligar o centro à periferia. Foi construída uma grande avenida que cortava o centro antigo, concurso foi lançado para captar ideias de soluções para a ligação entre o centro e os arredores e o foi iniciada a obra do metrô. A Gran Vía foi resposta à necessidade de ruas mais amplas para um trânsito mais pesado, para isso, casas foram desapropriadas e derrubadas retirando a população local dali, a conhecida gentrificação. O traçado ligaria a Plaza España a Calle de Alcalá. O concurso citado não teve ganhador, mas considerou um projeto que sugeria um crescimento da cidade a norte, prolongando a Castellana.


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Imagem 8: Projeto de Castro para o Ensanche. Fonte: <http://www.urbanscraper.com/2010/12/plan-castro-el-primer-ensanchede.html>, acesso em 03/07/2015.


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Imagem 9: Ilustração feita pela autora do projeto do Ensanche e posteriores bairros que por fim foram incorporados ao território madrilenho. Fonte: RAMOS e REVILLA, 2012.


22 | Morfologia e mobilidade urbana: o caso de Madri A segregação modernista estava cada vez mais presente. A crescente oferta habitacional transformou-a de vertical para horizontal, ou seja, no lugar de diversidade em um mesmo edifício, ela aconteceria em bairros, zona rica, zona pobre. A especialização fazia do sul a zona industrial.

A redação do Plan General de Ordenamiento Urbana de 1985 confirmava o espraiamento e o crescimento das periferias usando de programas habitacionais como os Planes Parciales (PPs) e os Programas de Ação Urbanística (PAUs).

Terminada a Guerra Civil Espanhola, Bigador, arquiteto, assina projeto de reconstrução da área oeste da cidade, a mais afetada por trincheiras e bunkers. Aproveita também para propor nova cara para toda a cidade fazendo novos acessos que fugissem das periferias mais pobres. Anéis verdes controlariam o crescimento, os dois precederiam as vias M30 e M40. Previam-se também políticas para construção de casas. A escassez de materiais no pós-guerra impedia o surgimento de novas moradias, vieram então ocupações irregulares, muito pobres, as chabolas, ou favelas, que ocupavam as áreas verdes livres. Com a presença de novos bairros nos arredores, já um início da região metropolitana de Madri, entendia-se benéfica a incorporação dessas áreas à unidade administrativa para melhor gestão e planejamento. O desenho da cidade que antes tinha uma única região cêntrica forte passa a sofrer adições de subcentros periféricos integrando uma cidade de influência regional.

Imagem 10: Mapa esquemático das novas áreas de crescimento na periferia de acordo com o PGOU 1985. Fonte: BRANDIS; DEL RIO, 1999.

As 31 novas áreas de expansão estão a norte, sul e leste, excluindo a região oeste devido ao impedimento do parque Casa de Campo. Os benefícios para obtenção dos imóveis indicavam um caráter mais popular a leste e sul enquanto o norte ia se estabelecendo como periferia rica.


Morfologia e mobilidade urbana: o caso de Madri | 23 A expansão ao norte confirma-se com o deslocamento do centro no sentido ao Paseo da Castellana12. Para cumprir com a nova direção de crescimento, a prefeitura de Madri cria um projeto urbanístico de adensamento e desenvolvimento da região norte, é a chamada Operação Chamartín.

intermodal de Chamartín até a M40. Estão previsto novos usos residenciais mas principalmente de uso terciário.

Imagem 12: Desenho urbano para alguns PAUS. Fonte: <www.urban-networks.blogspot.com.br/2013/01/el-plangeneral-de-madrid-de-1997-un.html>, Acesso em 07/07/2015.

Imagem 11: Localização dos novos bairros na cidade de Madri. Fonte: Documento Seguimiento de la Gestión en los nuevos desarollos urbanos, Área de Gobierno de Urbanismo y Vivienda, Madri, 2015.

Desde 1993, a ideia, que ainda não foi posta em prática mas que atualmente tem gerado grande debate, é seguir um desenvolvimento linear junto à infraestrutura já existente de trem desde a Estação 12

RAMOS e REVILLA, 2012.

A pulverização de novos bairros se tornou um grande problema econômico com a crise imobiliária na Espanha. Todo o país hoje tem zonas habitacionais com infraestrutura pronta mas que não conseguem compradores para essas unidades. A característica dessas periferias é sempre de baixo a pouco adensamento com malha viária independente do núcleo central madrilenho, formando uma colcha de retalhos.


24 | Morfologia e mobilidade urbana: o caso de Madri 1.2. Características morfológicas O sistema de rodovias espanhol é baseado em pistas com traçado radial partindo do centro da capital. As denominadas ‘autovías’, são numeradas de 1 a 6 e nomeadas a1, a2, etc. Cada uma recebe um nome informal de acordo com o destino final, são elas, em ordem crescente de numeração: Autovía do Norte (passando por Burgos até Irún, País Vasco), de Barcelona, de Valencia, de Andalucía (chegando a Cádiz), de Extremadura (até Badajoz e fronteira com Portugal), de Coruña. Em maior escala, além das radiais, existem ainda as rodovias locais. No caso de Madrid são nomeadas com a letra Me as mais importantes são: M30, M40 e M50, todas fazendo trajetos que circundam o centro, como visto na imagem. Em trajetos mais longos essas rodovias são mais usadas pela facilidade de acesso já que permite maior velocidade em comparação às ruas do centro e não apresentam semáforos, lombadas ou faixas de pedestres. Pegando um táxi da periferia sudoeste para o extremo norte da cidade, por exemplo, o motorista com certeza conduzirá pela M40. As rodovias nacionais e locais são eixos estruturadores do desenho da metrópole, além de fortes vetores de crescimento e geralmente usados como limites para estudos e planos de gestão por órgãos públicos. A rodovia local M30 conforma um macrozoneamento bastante comum: Periferia e Almendra.

Imagem 13: Rede radial de rodovias nacionais e rede circular de rodovias locais em Madri. Fonte: Autoria própria com base em software Google Earth.


Morfologia e mobilidade urbana: o caso de Madri | 25 geógrafos. Definem áreas homogêneas em estrutura e em funcionamento considerando os aspectos já citados. No presente trabalho, tais setores homogêneos serão considerados para a identificação da pluralidade morfológica, desconsiderando, para um possível zoneamento mórfico, características que não interessam à morfologia e mobilidade.

Imagem 14: Macrozoneamento em periferia, almendra e centro. Fonte: PMUS, 2014.

Entendendo a formação da configuração urbana ao longo dos séculos, se torna mais clara a identificação dos grupos morfológicos que integram a identidade de Madri. Facilmente se reconhecem, por exemplo, as ruas tortuosas, labirínticas e estreitas advindas do período medieval e o traçado regular do ensanche, produto de projeto. O Plan de Calidad del Paisaje Urbano de la Ciudad de Madrid (PCPU), atenta-se para aspectos ecológicos, socioeconómicos e históricomorfológicos para a identificação de unidades de paisagem e a definição de diretrizes de gestão e intervenção em cada uma delas. A unidade de paisagem é uma ferramenta de entendimento da paisagem mais usada pelos

O título de metrópole que recebe a cidade a faz rica de tipos morfológicos, característica tratada no plano com a denominação de mosaico. As unidades de paisagem são muito mescladas e justapostas, havendo mudanças muito bruscas de uma a outra, sem transição gradual. O PCPU identifica a paisagem de Madri nas seguintes categorias: Casco antigo, Ensanches, Quadras abertas, Baixa densidade, Bairros de ocupação irregular, Não residencial, Ciudadelas e Paisagens em transformação. Dentro do Casco antigo o PCPU reconhece três faixas de crescimento com características morfológicas distintas. O núcleo inicial é a cidade medieval com quadras pequenas e ruas tortuosas. Um segundo momento se dá com os arrabaldes, as ruas ganham maior continuidade, as quadras têm maiores dimensões e surgem diminutas praças. Com os Austrias, no século XVI, os caminhos espontâneos em direção ao exterior são percebidos e continuados.


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Imagem 15: Mapa de unidades de paisagem. Fonte: Plan de Calidad del Paisaje Urbano de la Ciudad de Madrid, 2010.


Morfologia e mobilidade urbana: o caso de Madri | 27 O tecido do centro histórico é descrito em forma de ‘tela de aranha’, pela sua irregularidade no traçado e ruas de menor linearidade. Essa trama foi cortada, no século XIX pela construção da Gran Vía. San Bernardo, Hortaleza-Fuencarral e Mayor-Arenal são importantes ruas e eixos da estrutura do centro antigo. As zonas das quatro muralhas expostas nesse trabalho, na seção de estudo histórico da evolução da cidade, podem ser inseridas dentro desse grupo com as características de malha irregular, alta compacidade das edificações e a quase ausência de espaços livres de uso público. Á época havia uma maior preocupação em adquirir um espaço próprio antes que esse se esgotasse intramuros. Dentro da classificação dos Ensanches têm-se três subdivisões: ensanches burguês, moderno e recente. O primeiro e o segundo correspondem ao Plano Castro para o Ensanche à cidade medieval, o burguês corresponde aos bairros de Salamanca, Jerónimos, Argüelles e Chamberí e tem população mais idosa e de maior posse, enquanto no moderno vivem classe média e média alta. Os dois apresentam traçado em retícula, quarteirões de 80 a 100m, edifícios de 6 a 8 andares com pátio interior ocupado por edificação de um pavimento e térreo para comércio. A terceira subdivisão são os chamados ensanches recentes que surgiram nos anos 1980 copiando as

características dos ensanches mais antigos e usando de quadras fechadas. Segundo o PCPU, apresentam um número excessivo de espaços residuais e monotonia. A unidade de paisagem de Quadra aberta faz referência a blocos soltos na quadra, desenho tipicamente modernista, como nas superquadras em Brasília. Dividiu-se a categoria em: blocos soltos de alta densidade, blocos soltos com jardim privado, zonas de interesse social em altura e vilas direcionadas. Os blocos soltos de alta densidade e as zonas de interesse social em altura foram iniciativas com objetivo de suprir a demanda por oferta habitacional de classes mais baixas nos anos 196070 por empresas privadas e 1940-50 por meio de órgãos públicos, respectivamente. O primeiro apresenta blocos de até 17 andares, mesclando edifícios de planta regular e em H, diversidade de usos entre residência e comércio e malha viária orgânica por vezes adequando ao terreno com ruas sem saída no formato cul-de-sac. O outro tem blocos mais baixos, com até quatro pavimentos e pouca presença de comércio. Os blocos soltos de jardim privado surgem a partir dos anos 1970 em resposta a demanda de classes com certo nível econômico. O cercamento de parte da área entre os edifícios foi feito com o argumento de abandono e descuido que essas estavam


28 | Morfologia e mobilidade urbana: o caso de Madri enquanto sob gestão pública. Cria-se então área de lazer privada para esses blocos. As vilas direcionadas foram feitas em 1957 para receber imigrantes sem recursos financeiros. Com malha ortogonal, tem seus prédios dispostos em fileiras e possuem apenas dois pavimentos. Para Paisagens de baixa densidade têm-se os bairros protegidos e as cidades jardins. Os bairros protegidos foram núcleos surgidos no início do século XX e valorizados com o crescimento de Madri e consequente inclusão desses ao traçado maior. São casas unifamiliares com limite direto à rua ou casas com jardim e cercamento em muro. A Cidade Linear é um dos representantes de maior reconhecimento no conceito das cidades jardins no mundo, mas anos 1960 vários condomínios surgiram em locais afastados e com má conexão viária com o centro. Os Bairros de ocupação irregular constituem as Paisagens compactas. Cresceram fora do ensanche de Castro, na zona de extrarradio, por 20 anos e hoje estão inseridas na trama da metrópole. Os edifícios têm entre dois e cinco pavimentos e traçado de ruas irregular. A paisagem Não residencial é identificada por espaços produtivos e eixos de atividades terciárias. Os espaços produtivos estão situados a sudeste da cidade, são zonas industriais que se fixaram em acessos de rodovia e segundo a expansão urbana

alteram o vetor de crescimento. Os eixos de atividades terciárias formam um skyline importante e representam muito da identidade de Madri. São avenidas de alta circulação e influencia metropolitana onde estão instalados edifícios de grande porte e alturas de até 50 andares. Um exemplo é o Paseo de la Castellana. Circundando a cidade, ‘en las afueras’13, estão sendo feitas recentemente as chamadas aqui de ciudadelas. São centros monofuncionais de atividades variadas que acompanham os acessos mais importantes da cidade: Ciudad del Cine, Ciudad del la Imagen, Ciudad Universitaria, Ciudad de la Justicia, etc. São empreendimentos que reforçam, mais uma vez, a imagem de metrópole da cidade mas sempre inseridas mantendo um difícil acesso pela malha existente e criando zonas de pouco movimento de pessoas. Por último as Paisagens em transformação. São os locais ainda em construção e que, portanto, não podem ter a paisagem completamente analisada. As semelhanças se vêm no traçado sempre regular e ortogonal e espaços livres superdimensionados.

13

Expressão espanhola comumente utilizada pelo madrilenhos com referência a zonas fora dos limites mais densamente urbanizados da cidade.


Morfologia e mobilidade urbana: o caso de Madri | 29 1.3. Características de circulação e mobilidade As ações contemporâneas para melhoria da mobilidade em grandes cidades giram em torno da redução da priorização de automóveis privados e do incentivo a transportes púbicos, visando um desenvolvimento sustentável. Em Madri não é diferente. Dentre essas ações encontram-se os estacionamentos pagos, restrição de carros no centro da cidade, ruas de acesso exclusivo a pedestres, circuitos cicloviários e ainda a construção de estações multimodais. Na tentativa de mais conforto aos pedestres, a Puerta del Sol passou por remodelação no começo dos anos 2000 reduzindo superfície destinada a carros e aumentando a de pedestres. Ainda que carros continuem passando por ali, o desenho urbano foi resolvido de maneira que o uso compartilhado se apresentasse claramente prioritário aos não motorizados. Localizada nas imediações mais turísticas da cidade, ruas adjacentes à praça também têm caráter pedonal: Arenal conectando ao Palácio Real, Del Carmen e Preciados chegando a praça Callao e Montera desembocando na Gran Vía onde passa a se chamar Fuencarral. A Plaza Mayor é outro ponto com acesso exclusivo a pedestres. Como centro turístico, essas ruas têm uso misto e de intensa atividade comercial.

Imagem 16: Puerta del Sol antes e depois da reforma em 2009. Fonte: <www.ecomovilidad.net/wpcontent/uploads/2009/10/comparativa.jpg>, acesso em 02/07/2015.

De acordo com o PMUS, mais da metade das viagens realizadas dentro da M30 (Almendra)são feitas a pé, enquanto que fora desse limite, na periferia, o carro adquire maior uso. Outras iniciativas seguem no sentido de valorização do pedestre, com as zonas de prioridade residencial (APR) implantadas em três bairros do Distrito Centro. Conferindo redução de tráfego motorizado, as zonas são limites onde apenas carros particulares de moradores têm livre circulação. Veículos de emergência, serviços, carga e descarga em horário determinado também podem adentrar o limite.


30 | Morfologia e mobilidade urbana: o caso de Madri Algumas ruas locais são sinalizadas com placas S28 ou S30, informando a velocidade máxima da via compartilhada de prioridade aos não motorizados.

a ação incentiva novas modais e serve como instrumento de educação urbana.

Reforçando a necessidade de usos menos motorizados, a cidade instalou no ano de 2014 um sistema de uso de bicicletas elétricas compartilhadas, o biciMad. As áreas atualmente contempladas com o projeto são, apenas e infelizmente, o distrito Centro e alguns dos bairros imediatos. O sistema empresta a bicicleta ao usuário em uma das estações mediante cartão cadastrado e pode ser devolvida em qualquer outra estação. Além do pagamento anual do cartão, em média 20 euros, o usuário paga 50 centavos de euro para a primeira meia hora e mais 60 centavos de euro para cada meia hora seguinte. Essa é uma das reclamações, o alto preço14. O perfil dos usuários são de jovens entre 25 e 35 anos que fazem uso do serviço principalmente em horários de pico, ou seja, depois do horário comum de expediente. Esse dado indica a apropriação da bicicleta mais como meio de transporte e uso cotidiano e menos como lazer ou esporte. Assim, mesmo que exista queixa do alto preço do biciMad, 14

De acordo com artigo disponível em <www.20minutos.es/noticia/2244468/0/bicimadmadrid/bicicleta-usuarios/fallos-anclajes-sistema/>, acesso em 02/07/2015.

Imagem 17: Mapa das ciclovias existentes. Fonte: PMUS, 2014.

Os caminhos para ciclistas na cidade foram feitos em ciclofaixas, ou seja, se compartilha o uso com carros ou pedestres. As faixas exclusivas para uso da bicicleta não estão muito presentes no centro de Madri. O mapa anterior indica a cobertura das ciclovias existentes. O anel cicloviário verde indica um uso da bicicleta visto mais como lazer, ou ainda como deslocamento prioritário dentro das periferias.


Morfologia e mobilidade urbana: o caso de Madri | 31 Os estacionamentos pagos no centro, sistema conhecido como SER (Servicio de Estacionamiento Regulado), funcionam como indutor ao uso de outro tipo de transporte. As vagas estão divididas em azul e verde onde os moradores, mediante pagamento de taxa anual, não têm restrição de tempo, enquanto visitantes têm prazo de até duas horas para usar a vaga, dependendo se zona azul ou verde.

Castilla-La Mancha, demonstram metropolitano de Madri.

o

caráter

Os moradores podem fazer cadastro de acordo com a zona de sua escolha, variando o preço por idade e descontos em casos especiais, é o chamado abono. Cada mês um novo bilhete deve ser adquirido dando direito a inúmeras viagens.

Ainda no sentido de #carrosforadocentro os estacionamentos dissuasórios são locados perto de pontos de acesso ao transporte público em bairros periféricos. Assim, o usuário usa seu veículo apenas em sua região evitando sobrecarregar o centro de carros. Outro importante elemento para a qualidade e eficiência da mobilidade em Madri são os intercambiadores, estações integradoras. Para a complementariedade das modais, essas 13 estações servidas com mais de uma modal servem de facilitadores da acessibilidade entre metrô, ônibus interurbanos e trens. Integrando ainda mais o transporte público, os bilhetes de acesso a metrô, ônibus e trens denominados cercanias podem ser compartilhados. A comunidade está zoneada no formato de anéis onde cada um engloba todos os seus internos, os valores variam de acordo com o anel. As zonas E1 e E2, já pertencentes ao território da Comunidade de

Imagem 18: Zoneamento de áreas de cobertura do transporte público. Fonte: Madrid, referente mundial. CRTM, 2010.


32 | Morfologia e mobilidade urbana: o caso de Madri Essa facilidade de integração vem da gestão também integrada de grande parte das modais. As empresas de metrô, VLT, ônibus urbanos e interurbanos estão juntas administrativamente no Consórcio Regional de Transportes de Madrid (CRTM) desde sua criação em 1985. Mesmo que os trens cercanías não participem do consórcio (são geridos por órgão nacional) mantém acordo para uso do bilhete compartilhado. A integração traz facilidade de acesso, ou seja, acessibilidade. Corroborando a isso, o desenho universal é bem trabalho com a presença de elevadores, pavimentação destinada a deficientes visuais, sistema de auxílio com uso do som, informações em braile e etc. De acordo com informações do CRTM em documento ‘Madrid Referente Mundial’, a população da comunidade mora, em sua maioria, no centro e trabalha no centro. Ainda que nos últimos anos essa população da cidade tenha perdido números para a periferia, isso já foi recuperado. O PMUS indica que o a concentração de empregos na Comunidade é de 61,6% no ano de 2012, indicando também um forte direcionamento de deslocamento até o centro. Esses trajetos são feitos, em boa parte, com o uso de veículos particulares devido ao menor tempo gasto se comparado ao transporte público.


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ANÁLISE SINTÁTICA

2.1. Centralidades, vetores de crescimento e oferta de transporte público em zonas e eixos de maior potencial e integridade O mapa axial, gráfico em cores que expressa a profundidade de cada linha traçada, é usado nesse trabalho como instrumento de verificação das zonas melhor comunicadas e de maior potencial para agregação dentro do sistema, dos eixos mais integrados e sua relação com a oferta de transporte público e ainda possíveis vetores de crescimento. Devido a dimensão de proporção metropolitana de Madri, optou-se por fazer recorte acadêmico para dentro da rodovia M40, mesmo que fora desses limites existam municípios participantes das dinâmicas socioeconômicas e, portanto, de deslocamentos, do sistema analisado. A tessitura do mapa foi feita pela autora com o auxílio de imagens de satélite fornecidas pelo programa computacional Google Earth, pertencente à empresa Google. Após a junção de fotografias que abrangessem o perímetro citado, foram desenhadas linhas para cada via, em seu entendimento topológico com o uso do programa computacional AutoCad. Com o traçado da cidade completo, o arquivo foi transferido para o programa DepthMap onde foram

processados os mapas de integração global (HH) e integração local de raio 5 (R5). O resultado nos diz que as linhas mais bem integradas no sistema e, portanto, de maior potencial para deslocamentos e agregação está na malha quadriculada próxima ao centro antigo. O Distrito de Salamanca foi identificado no mapa como zona de maior integridade da área analisada seguido por Chamberí. Pertencentes à zona do ensanche planejado por Castro, ambas apresentam malhar regular ortogonal com intersecções em x. De maneira geral, a malha regular ortogonal sempre apresenta maior conectividade média pois possui eixos de maior linearidade e portanto mais articulações15. A qualidade de integração desse traçado pode ser questionada quando pensamos na topocepção e legibilidade da cidade. A padronização do traçado não oferece marcos que favoreçam a identificação de pontos marcantes que tornem a leitura da cidade mais fácil e visualmente rica. O casco histórico, ainda que apresente integridade média, com a saída do centro integrado daí não sofreu grandes descaracterizações. Hoje o distrito Centro é uma das zonas de maior interesse turístico e atividade comercial da cidade. 15

MEDEIROS, 2013.


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Imagem 19: Mapa de integração global (HH) da cidade de Madri. Fonte: Autoria própria, 2015.


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Imagem 20: Mapa de integração local (R5) da cidade de Madri. Fonte: Autoria própria, 2015.


38 | Morfologia e mobilidade urbana: o caso de Madri É possível perceber, mesmo com as grandes dimensões da cidade, eixos mais integrados dentro de sua malha por sua grande linearidade. É possível, também, inferir que essas sejam vias de escapes para zonas mais afastadas do centro que facilitem a mobilidade principalmente em transporte público. Essas linhas de maior integração são as chamadas linhas globais que configuram a Madri uma ‘forma dentada’. Para cidades maiores, as grandes linhas de comunicação com a periferia são positivas justamente porque servem como estrutura para o escoamento da circulação de maneira mais eficiente, já que em muitas direções esses fluxos podem ser realizados. Para cidades menores e principalmente que tenham uma zona histórica a ser preservada as linhas globais funcionam como alteradores negativos da paisagem na medida que apresentem porte incompatível com a escala de cidades pequenas. O mapa de integração local de raio 5 é ferramenta capaz de nos mostrar a acessibilidade urbana para pedestres, por exemplo. Isso porque ele apresenta a integração de cada via para apenas cinco mudanças de direção, indicando o surgimento de subcentros.

compacidade da região mais central contribuem para a facilidade de deslocamento e acesso. A centralidade do dueto Salamanca-Chamberí se estende por seus arredores adjacentes e ainda ao norte, acompanhando o Paseo de la Castellana, vetor de crescimento e desenvolvimento da cidade já apontado nesse trabalho. A prolongação do eixo da Castellana na direção sudoeste, Paseo de Santa Maria de la Cabeza apresenta também, nessa situação, forte caráter integrador. Mostra-se como vetor de conexão entre o centro e a periferia sudoeste. A cobertura de transporte público na cidade de Madri é bastante ampla e consta com equipamentos de ônibus urbano e interurbano, metrô e trens com diversas velocidades. Praticamente todo cidadão madrilenho tem uma parada de ônibus a 350m de sua casa e 66% da população da cidade tem uma parada de metrô a 600m de sua casa16. Os bairros de maior integridade têm oferta de todas as modais de transporte público: ônibus (diurno e noturno), metrô e trem cercanias.

De maneira geral o mapa fica com cores mais quente indicando que as conexões mais próximos são mais bem resolvidas. As altas densidade e 16

PMUS, 2014.


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Imagem 21: Oferta de transporte público nas zonas de maior potencial de integração. Fonte: Documento 'Transporte Público de Madrid', CRTM, 2015.


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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ainda que o intuito do trabalho fosse renegar as justificativas políticas e culturais da falta de ação frente aos problemas de mobilidade no Brasil, foi um grande aprendizado perceber a extrema importância de ações que não dependem do desenho para se fazer acontecer um deslocamento eficiente. O que Madri nos ensina nesse sentido é a valorização do pedestre e do transporte público sendo capaz de proporcionar uma circulação de qualidade que para nós, brasileiros, acaba sendo experiência de vida, onde conseguir pegar um ônibus numa madrugada de domingo, por exemplo, vira um acontecimento. O que aparece em evidência no desenho urbano é a junção de várias malhas diferenciadas que costuradas fazem nascer eixos importantes de escoamento para todas as direções no sentido centro-periferia.

Esses eixos são ainda mais importantes para cidades de grande porte, como o caso de Madri ou São Paulo, pois conecta grandes distâncias de maneira eficiente. As estações intermodais e as demais iniciativas nesse sentido, além de acrescentarem acessibilidade ao sistema de transporte, corroboram par uma cidade mais diversa e democrática.


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REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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