três banheiros três danças
manuella ferreira leboreiro
Este trabalho pretende investigar o projeto arquitetônico a partir do corpo e seus movimentos, propondo reflexão sobre os modos de fazer projeto e questionando os espaços construídos a partir da dança como linguagem. Para isso entende-se o corpo como um instrumento de percepção do espaço, que possibilita movimentações variadas, alterando a consciência espacial. O espaço arquitetônico é então o objeto de estudo e, mais especificamente, a arquitetura genérica e funcional do banheiro, onde coreografias já estão pré-estabelecidas cotidianamente. Como método de análise de projeto e exploração dos banheiros selecionados propõe-se em um primeiro momento investigar este lugar enquanto desenho e pontuar as coreografias específicas e cotidianas já determinadas. Em um segundo momento busca-se a transformação desse espaço a partir de movimentos de dança, tomando como referência as experiências pessoais coletadas durante a vida que se relacionam com o espaço do banheiro.
um corpo um espaço
ensaio
8
47
construção do corpo referencial
banheiro “um”
28
banheiro “dois”
o banheiro
103 139 banheiro “três”
o movimento no espaço 204
248
por que dança e arquitetura?
considerações
210
bibliografia
o corpo como percepção do espaço
216 o corpo estrangeiro
219 a dança enquanto linguagem
227 a dança como potencial político no espaço
231 o corpo que dança busca a arquitetura
242 saber ver a arquitetura
250
um corpo um espaço neste capítulo apresento a construção de um corpo que será referencial para todo o trabalho: o meu próprio. com características e vivências particulares é descrito no decorrer das páginas entre aspectos fisiológicos e sensoriais. esse corpo será alocado em um espaço: o banheiro. dessa forma, situo esse espaço historicamente e discorro sobre como seu desenho projetual vem sendo desenvolvido.
10
construção do corpo referencial
Meu corpo é o contrário de uma utopia, é o que jamais se encontra sob outro céu, lugar absoluto, pequeno fragmento de espaço com o qual, no sentido estrito, faço corpo. Michel Foucault1
Todas as manhãs, ao iniciar a rotina de movimentos cotidianos, me deparo com o espelho do banheiro e vejo a mesma presença corpórea imposta: rosto magro, boca rosada e seca, olhos castanhos escuros com as pálpebras inchadas e quase fechando, cabelos castanhos escuros, curtos, bagunçados, rosto de pele branca, seca e com marcas devido à sua posição entre os lençóis da cama durante a noite que passou. São com essas e demais características físicas que me mostro e com elas falo, ouço, vejo, sinto, me expresso, penso e sou vista por outros corpos. Os órgãos do sentido possibilitam perceber o que se passa no exterior da pele. No interior, a pele envolve aquilo que não se pode ver, mas que garante o funcionamento do corpo, que o mantém vivo. O corpo é um espaço em si, é composto por uma extensão de pele que possibilita inúmeras relações com o que está ao redor. Como um espaço projetado pela arquitetura, muitas são as possibilidades de configurar suas diversas partes para exercer inúmeras funções. E muitas
11 são as sensações pelas quais é submetido, produzindo múltiplas reações físicas e sensoriais. Assim como no desenho arquitetônico, o corpo pode ser representado por imagens e desenhos que o descrevem. Muitas são as correlações desses desenhos. Enquanto imagens do corpo como um todo, sobre as quais informações sobre cores, medidas e texturas podem ser obtidas, se assemelham a um desenho axonométrico da arquitetura, onde as mesmas informações podem ser obtidas sobre um espaço e os elementos que o compõe. Enquanto imagens de desenho técnico arquitetônico, que detalhada informações mais específicas e complexas, se assemelham aos detalhamentos de cada seções do corpo, que informam componentes do corpo, elementos presentes, características específicas, dados quase nunca possíveis de serem vistas aos olhos. São exemplos os detalhamentos da pele, dos olhos etc. Falamos aqui de um corpo específico, único, que independentemente de seu funcionamento biológico, que se assemelha com demais corpos, é um corpo que responde a certas condições sociais às quais se insere como questões de gênero, sexualidade, ou outras características que atendem às construções dos parâmetros culturais e políticos. E também sente, responde aos sentidos possibilitados pelas funções sensoriais de um corpo sano, dotado de características e contextos particulares proporcionado pela vivência, experiências e complexidades. “Meu corpo é o lugar sem recurso ao qual estou condenado.2” Michel Foucault
12 Provoca o ambiente ao qual se situa pela sua presença e suas ações e é seduzido pelos estímulos ao seu redor, pulsa pela cor, se sensibiliza pela água que escorre pela pele, se retrai pela sua imagem nua no espelho, se arrepia pelo frio que emana dos materiais onde se escora ou pelo ar que ambienta o espaço ainda seco, se avermelha com o vapor que preenche o ambiente tonando-o úmido, se conforta com o cheiro do sabonete que perfuma o ambiente, se tranquiliza com o som do cair das águas. É dotado de interioridade, de desejos. É um corpo erótico que se seduz. Se localiza em um tempo e espaço e se integra com ele.
cor.po sm
[dic.]3: anat. conjunto de elementos físicos que
constitui o organismo do homem ou do animal,
formado por cabeça, tronco e membros; anat.
formação anatômica, embriológica ou histológi-
ca; tudo o que tem extensão e forma; anat. a estrutura física de uma pessoa; fig. a matéria
conformada que é parte da individualidade de
cada ser humano ou animal; arquit. a parte principal de uma estrutura arquitetônica; o cadáver humano; tudo o que preenche um espaço;
tudo o
que tem existência física; densidade de matéria líquida.
corpo aberto
corpo estriado
corpo adiposo
corpo geniculado
corpo a corpo corpo astral corpo caloso
corpo canelado
corpo carotídeo corpo cavernoso corpo celeste
corpo cetônico corpo ciliar
corpo cósmico
corpo de baile
corpo de inclusão corpo de luz
corpo discente corpo estranho
corpo gasoso
corpo geométrico
corpo indiferente
corpo institucional corpo lúteo corpo negro
corpo orgânico corpo político corpo redondo
corpo saliente corpo sem alma corpo sideral corpo social corpo sólido corpo vítreo
cor.po
es.pe.cí.fi.co:
feminino i.da.de: 31 anos ti.po
san.guí.ne.o: o+
o.ri.gem:
uberaba, minas gerais, brasil latitude: 19º 44’ 54” S
longitude: 47º 55’ 55” W altitude: 801m da.ta:
9.8.1987 7h 30m
pe.so:
o peso desse corpo é dado pela gordura, a massa
muscular, o tecido ósseo e água e sua alternância de valor depende da variação dessas variáveis. esse corpo tem uma massa corpórea que varia entre 51kg à 55kg segundo fases temporais
de vida, disponibilidade energética e obrigações profissionais. 60% de seu corpo é composto por água dividida entre intracelular (66%) e
extracelular (34%). a água intracelular é rica
em potássio e possui baixo sódio enquanto a extracelular possui alta concentração de sódio, 140mEq/L.
ta.ma.nho:
a estatura desse corpo é determinada pela distância entre a extremidade inferior e superior
da massa corporal. esse corpo tem essa distân-
cia em 1,60m, chegando a esse patamar quando os primeiros sinais de sangue expelido pelo corpo
apareceram, com a idade de 14 anos. esse corpo nunca medirá mais que 1,60m. a estatura pode
ser determinada tanto pela genética desse corpo quanto por fatores ambientais, como a nutrição. esse corpo possui uma estatura baixa e teve que complementar sua nutrição com potencializadores
hormonais para atingir maiores medidas à medida que os anos passaram, enquanto ainda tinha entre
seus 8 a 12 anos. se nutre adequadamente com proteínas, calorias, vitamina d, fósforo e cálcio. imc:
o íncide de massa corporal relaciona a massa
corporal e a altura do corpo. é útil como forma de prevenir certas doenças que esse corpo possa vir a desenvolver relacionado à desnutrição, avc, infartos etc.
é calculado pela equação: peso / altura x altura e envolve variáveis como a idade e a frequência
de atividades físicas. O imc desse corpo é de
20,3kg/m2. Segundo a classificação da organização mundial da saúde, o índice é considerado: normal (18,5 – 24,99kg/m2).
0,39
0,35
0,23 0,35
0,05
0,10
*técnica de mapeamento do próprio corpo. na faculdade de arquitetura é o primeiro exercício de projeto que os alunos produzem. é importante
o autoconhecimento para entender as medidas de qualquer elemento ou espaço.
medidas em metros
0,15
0,17
0,44
0,34
0,32
0,32
0,23
0,12
0,34
0,44
0,27
0,28
0,22
12
2ยบ
180ยบ
0,25 0,07 0,14
90
ยบ
360ยบ
1,60
180ยบ
0,13
0,12
0,03 0,18
0,12
0,03 0,03 0,04 0,08 0,07
0,03 0,03 0,02
0,23
0,015 0,05 0,10
0,11
0,11 0,07 0,10
0,13
c m y k
30 56 64 27
c m y k
31 57 56 29
c m y k
20 54 28 4
c m y k
58 68 74 83
c m y k
28 51 59 21
c m y k
29 48 54 22
c m y k
20 41 38 8
c m y k
58 77 65 86
o.lho sm
[dic].: anat. órgão da visão ou detecção de luz,
par e simétrico, cada um situado em uma órbita
craniana. é formado por três camadas (esclera, ou branco do olho, coroide, situada entre a esclera e a retina, e retina, cujas células
nervosas captam os sinais luminosos e conduzem as imagens através do nervo óptico para serem
interpretadas pelo cérebro) e por meios de refração (humor aquoso, humor vítreo e cristalino); mutuca.
a cor dos olhos4 está relacionada à distribuição de melanina na íris e à densidade celular do
estroma da íris, que são determinados pelo desenho genético molecular desse corpo. os tipos
de melanina são eumelanina, de cor acastanhada ou preta, e feomelanina, de cor avermelhada
ou amarelada. os genes associados à esse corpo são:
- EYCL2: responsável pela cor marrom e está localizado no cromossoma 15.
- EYCL3: responsável pela quantidade de melanina no corpo e estão relacionados com os genes responsáveis pela pigmentação da pele e pelos e estão localizados no cromossoma 15. o gene P,
localizado em 15q11-12 é responsável pela tonalidade marrom5. pela curvatura da terra, esse olho humano alcança enxergar no máximo 5km de
distância, sendo que, com precisão, varia de 0,5 cm até no máximo 20m.
o olho humano6 possui dois tipos de células res-
ponsáveis por nos fazerem enxergar: os cones e
os bastonetes, capazes de distinguir com facilidade variedades de cores e texturas. o espectro
de visão desse olho vai de 400nm à 700nm, en-
globando raios ultravioletas e infravermelhos. esse olho é tetracrômata, ou seja, possui quatro
diferentes tipos de cones. são responsáveis também pelo que esse corpo enxerga, a janela para
percepção visual do mundo e possibilita que o
que se vê seja traduzido em emoção. podem lacrimejar caso esse corpo se emocione pela ação das
glândulas lacrimais e geralmente ficam avermelhados. geralmente produz lágrimas para manter a córnea lubrificada e expulsa corpos estranhos
que eventualmente entram. a composição das lágrimas não é igual nos dois casos. possibilita o arquivamento de uma imagem, e seja alocada na memória. para repouso do corpo eles se fecham e
o campo imagético se torna negro diminuindo a
intensidade de trabalho do cérebro. é estimulado pela curiosidade. usado também para calcular
medidas, medir esforços, orientar as ações cotidianas. os olhos dizem, falam sobre emoção.
muitas vezes não é necessário dizer para que esse corpo seja compreendido.
7
esclerótica corpo ciliar ligamentos humor aquoso córnea pupila íris
coróide retina mácula nervo óptico ponto cego
cristalino
humor vítreo
conjuntiva
ora serrata
na.riz sm
[dic.]: anat. proeminência piramidal do rosto, entre a testa e a boca, que constitui o órgão olfativo e as vias respiratórias; por ext. conjunto das cavidades nasai; o sentido do olfato.
o nariz8 é a principal via de passagem do fluxo de ar para dentro e para fora dos pulmões. adiciona ressonância à voz humana.os vasos
sanguíneos que revestem a cavidade nasal permitem aquecer e umedecer o ar que entra. os
fios que revestem internamente são cobertos por um líquido, o muco. as partículas que entram grudam nesse muco e são expulsos do corpo ou jogados para a garganta e limpam o ar antes de entrar nos pulmões. o espirro e a tosse
limpam o pulmão jogando para fora partículas
indesejadas. podem produzir substância transparente e aquosa, proveniente das glândulas
lacrimais nos olhos e que são conduzida pelo
canal nasolacrimal. os olhos e o nariz tem uma conexão direta. ou produzem muco em excesso de diferentes cores e texturas, refletindo o que
passa no corpo. reconhece milhares de cheiros pelo epitélio olfatório que envia informa-
ções ao cérebro. alguns cheiros podem causar
repulsa, estranhamento. outros trazem lembranças, memórias, ainda trazer reações parecidas com as que eram costume ter. podem também ser medicinais, e o nariz capta esse potencial ao
cheirar enviando para o cérebro os sinais aromáticos. podem exercer efeitos nos pensamentos e nas emoções. é um corpo muito sensível aos
cheiros e se atrai por cheiros mais cítricos.
elemento químico cítrico9: - estrutura química: CH3
H3C
CH2
- nome: limoneno - aroma característico: laranja
pelos
concha nasal média
seio frontal
recesso esfenoetmoidal
ossos nasais
meato nasal superior
concha nasal superior
hipófise
crista nasal átrio do meato nasal médio cartilagem triangular meato nasal médio
seio esfenoidal parte basilar do osso occipital tonsila faríngea fáscia faringobasilar
cartilagem alar límen
recesso faríngeo
vestíbulo
óstio da tuba auditiva
lábio superior processo palatino do maxilar
pálato mole meato nasal inferior lâmina horizontal do osso palatino concha nasal inferior
pe.le sf
[dic.]: anat. órgão do sistema tegumentar que forma o revestimento protetor do corpo humano
e dos animais vertebrados que, além de outras
funções, contém terminações nervosas sensitivas e participa da regulação da temperatura
corporal, sendo constituído de duas camadas: a
epiderme, mais superficial e continuamente substituída, e a derme, subjacente a ela, que, por
sua vez, repousa sobre a tela subcutânea (hipoderme); em adultos a área total de pele corresponde à aproximadamente 2m²; o próprio corpo.
a pele10 é o órgão integrante do sistema tegumentar, que engloba os cabelos, pelos, unhas,
glândulas sudoríparas e sebáceas e tem como
funções a proteção dos tecidos subjacentes, regulação da temperatura do corpo, reserva de
nutrientes e contém terminações nervosas sensitivas. a pele desse corpo é flexível, firme, fina, de tato suave e é resultado do equilíbrio
entre queratinização, descamação e secreção de
sebo. as peles variam de acordo com a idade do corpo, o clima, o sexo, saúde etc. a cor da
pele de cada corpo varia segundo a herança genética e quantidade dos pigmentos: melanina e hemoglobina dos glóbulos vermelhos. a cor desse
corpo é oriundo do ocidente, do cruzamento de dois corpos brasileiros, com pouca quantidade
de melanina que caracteriza uma cor clara média. a quantidade de raios solares ao qual está sujeita transforma com facilidade a cor para
tons acima. “a pele lê a textura, o peso, a
densidade e a temperatura da matéria. a superfície de um velho objeto, polido até a perfeição pela ferramenta de um artesão e pelas mãos
assíduas de seus usuários, seduz nossas mãos a acariciá-lo... o tato nos conecta com o tempo e a tradição11”.
a pele sente, percebe o frio do ambiente, dos
azulejos, faz o corpo tremer e os pelos arrepiarem. se transforma, muda de cor com as variações
de temperatura podendo ficar avermelhada quando em contato com água muito quente ou o vapor.
reage a emoções, arrepia os pelos a partir de um “frio na barriga”.
pelo poro epiderme
derme
capa córnea
membrana basal corpúsculo de meissner terminações nervosas glândula sebácea folículo piloso
glândula sudorípara hipoderme músculo
tecido adiposo veias
artérias
ca.be.ça sf
[dic.]: anat. parte superior do corpo humano
constituída pelo crânio e pela face e que contém o cérebro, os olhos, as orelhas, o nariz
e a boca; bola, caixola, carola, chocolateira,
coco, cuca, quengo, sinagoga; parte do crânio
coberta pelo couro cabeludo; caixa óssea que
protege o encéfalo; crânio; anat. parte do sistema nervoso central do homem e de animais vertebrados, situada na caixa craniana; cérebro;
parte central do intelecto onde se processam as
funções mentais e o controle emocional; cachimônia, inteligência, mente, telha; anat. Nome
dado à extremidade arredondada de um osso ou à parte final de um músculo.
a cabeça12 é onde estão localizados a maioria dos órgãos sensitivos. as informações dos órgãos do sentido são coletados no cérebro. tem a
função de percepção, controle motor, excitação do corpo, homeostase, motivação, aprendizagem
e memória. é coberto pelo couro cabeludo, que produzem os cabelos que cobrem a cabeça. este cérebro é o órgão responsável pelas inúmeras
conexões nervosas entre os neurônios, que garantem o funcionamento biológico do corpo humano, o raciocínio, o desempenho de tarefas cotidianas. cerca de 75% da massa total é composta
por água. em um ser humano sano existem de 80 a 100 bilhões de células nervosas e realiza mais
conexões que o número de estrelas na galáxia13.é
difícil de decifrar. métodos de observação tecnológicos dão algumas pistas mas é perceptível
seu funcionamento para esse corpo, que arquiva
memórias, lembranças, mesmo que muitas vezes não se lembre de muitas coisas. acredito que
é bem seletivo, armazena o que realmente lhe chama a atenção. é capaz de gerar a fala. esse
cérebro já é maduro e possui bilhões de neurônios e funcionam bem, embora em muitos momentos apresentem sintomas de desgaste e cansaço. às vezes é difícil acalmá-lo pela quantidade
exagerada de atividades e pensamentos podendo em certos momentos entrar em colapso e gerar
sentimentos estranhos no corpo, como a ansiedade, aceleramento dos batimentos cardíacos, movimentos involuntários, falta de ar. às vezes,
quando está tranquilo, proporciona um profundo relaxamento aos músculos do corpo.
lobo frontal sulco pré-central sulco central
ventríulo lateral
lobo parietal
aderência intertalâmica
sulco parieto-occipital
corpo caloso tálamo
lobo occipital fórnix corpo da pineal aqueduto cerebral iv ventrículo
hipotálamo hipocampo
amígdala
quiasma óptico
cerebelo
hipófise
canal central da medula lobo temporal mesencéfalo bulbo raquidiano ponte
o.re.lha sf
[dic.]: anat. órgão dos sentidos responsável
pela audição, anteriormente denominada ouvido.
anat. parte externa e cartilaginosa situada de cada lado da cabeça, semelhante a uma concha; pavilhão auricular.
a orelha14 e o ouvido constituem os órgãos do
sistema auditivo responsáveis pela audição e equilíbrio. as orelhas apresentam-se aos pares localizando-se na cabeça, na lateral do corpo na altura dos olhos. o lóbulo da orelha, bem
como sua curva superior, são apontadas como
zonas erógenas. o ouvido desse corpo ouve frequências compreendidas entre os 70Hz (frequência mais grave) e os 20000Hz (frequência mais aguda). geralmente os corpos começam a ouvir
com 20Hz15. o som, principal matéria prima da audição, incorpora o corpo ao espaço, é onidirecional. cria uma experiência de interioridade. o som aborda e o ouvido recebe. “a audição
estrutura e articula a experiência e o entendimento do espaço. o espaço analisado pelo ouvido se torna uma cavidade esculpida diretamente no
interior da mente16”. o ouvido é capaz de captar a sonoridade do espaço e está sempre atento
aos estímulos externos. em conexão com os outros sentidos, é capaz de proporcionar emoção,
de identificar eventos que acontecem, como por
exemplo, o pingar de um chuveiro anuncia o banho. Os cantos dos passarinhos anunciam sua
presença próxima, ainda que não estejam de fato no espaço. algumas músicas trazem recordações,
ativam memórias e promovem uma intensa vontade de movimentar o corpo gerando em grande parte
das situações movimentos que promovem bem-estar
ao corpo. é capaz de ouvir muitoa sons e o que se ouve é interpretado pelo cérebro. às vezes
proporcionam sentimentos bons e outras vezes, ruins.
ossículos estribo
canais semiauriculares
bigorna martelo
nervo vestibular
pavilhão auricular
nervo auditivo
meato acústico
nervo coclear cóclea
tímpano lóbulo tuba auditiva ouvido interno
ouvido médio
ouvido externo
30
o banheiro
Tomando como referência a dissertação de mestrado de Clarissa Paulillo17, o espaço destinado às funções que compõe o banheiro nos ambientes arquitetônicos é condicionado à muitos fatores como a cultura ao qual está inserido, condições sociais, classe social. No ocidente e, mais especificamente em São Paulo, onde os banheiros deste trabalho estão localizados, o provimento de redes de abastecimento de água e coleta de esgoto determinou as especificidades de uma moradia no fim do século 19. O uso de instalações sanitárias passou então a ser determinante para diferenciar moradias higiênicas às habitações precárias. A expansão dos limites urbanos, em especial de São Paulo, não foi proporcional à difusão das redes sanitárias que proviam serviços de água e esgoto. Enquanto em algumas regiões da cidade as moradias começavam a realizar adaptações por melhor conforto, como a maior distribuição desses espaços pela casa, em habitações mais pobres ou que se localizavam em regiões mais afastadas
31 do centro urbano, era recorrente o uso de fossas sépticas e latrinas isoladas no quintal. O banheiro foi consolidado na cidade de São Paulo entre a última década do século XIX e o início dos anos 1920 e um fator importante para que isso ocorresse foram as políticas sanitárias e promoção de redes de infraestruturas. A “casinha” (ambiente para as fossas sépticas e latrinas) localizada no quintal de muitas moradias pode ser incorporada pela residência, integrando de forma variada à configuração espacial e possibilitando que novas funções fossem também desenvolvidas. A ideia de higiene foi adquirindo importância ao longo do tempo a partir de pressupostos que fundamentavam discussões de salubridade dos espaços, das cidades e, principalmente, do próprio corpo. A disponibilização dos objetos que especializam o banheiro acompanhou os desenvolvimentos das tecnologias ligadas aos equipamentos técnicos. Se antes esses objetos que cumpriam a função de higiene e limpeza ficavam dispersos pelo espaço, como os jarros, bacias, urinóis, retretes, banheiras portáteis, lavatório, bacia sanitária etc, com a canalização do sistema de água e esgoto, esses passaram a se fixar no ambiente. Em complemento, os acessórios auxiliares como saboneteiras, porta papel higiênico, porta toalha se aproximavam cada vez mais dos objetos fixos, facilitando as ações e tornando esse espaço cada vez mais exclusivo e funcional. A preocupação estilística do banheiro também sempre foi um fator importante. Se até o século XIX os demais cômodos das casas mais abastardas de nada se diferenciavam do banheiro. Foi somente na passagem para o século XX que a concepção desse espaço foi alterada. Os equipamentos se assemelhavam a peças de mobiliário com trabalho de marcenaria decora-
32 dos já que a aparência técnica era estranha para o gosto da burguesia. Com a ampliação das redes de saneamento, de produções em série desses equipamentos técnicos e da lógica higienista a distribuição desses produtos começou a ser mais acessível a outras camadas da sociedade e o excesso decorativo passou a fazer parte de uma ideia de distinção de classes e não mais de higiene e saúde. No entanto, com o passar do tempo e o desenvolvimento de políticas higienistas, esses mobiliários ornamentais passaram a representar ideia de não sanidade pois poderiam acumular sujeira com mais facilidade e atrapalhavam a limpeza. Ao mesmo tempo, com o desenvolvimento tecnológico de materiais sanitários, os equipamentos poderiam ser impermeáveis, assim como os pisos e as paredes. O banheiro então passa a adotar a ideia de que ambiente com aspecto asséptico deveria ser de fácil manejo e limpeza e sua funcionalidade técnica se sobrepôs a qualquer outro caráter não racional gerando eficiência na configuração do espaço. As noções então de higiene e limpeza são ressignificados a partir da interação com a materialidade e as percepções sensoriais dos acabamentos (o brilhante, o liso, o frio, o branco etc). Os cuidados pessoais passam a ganhar importância e a interação com a tecnologia possibilitou ao corpo novos aprendizados. Com a consolidação de infraestrutura sanitária e avanços tecnológicos os banheiros atualmente puderam adotar outras configurações que extrapolam as funções designadas somente pelas funções básicas. Significações outras puderam ser atribuídas à tríade: espaço, equipamentos e práticas a partir da ação humana e processos de interação social e comportamentos. A dimensão psíquica que o banheiro assume dentro do espaço doméstico se configura, em
33 muitos casos, como um ambiente privativo e individualizado, onde o usuário manifesta sua subjetividade com o espaço através do instrumento recorrente neste trabalho: o corpo. Essas novas configurações propiciaram novos comportamentos que até então eram imperceptíveis alterando características corporais na relação com os equipamentos sanitários. As necessidades fisiológicas e de limpeza do corpo fazem parte das atividades exercidas pelo ser humano. Enquanto a segunda passou a ter sua importância ao longo do tempo a partir de evoluções culturais e sociais, a primeira é condição inerente à existência. Ainda que essas atividades sempre exigiram conjuntos de movimentos físicos que pouco se alteraram, a transformação dos equipamentos e suas especificidades ao longo do tempo proporcionaram novas condições de ação do corpo, implicando novas interações dinâmicas entre este, espaço e objetos. Essas ações, a medida que são repetidas passam a ser desenvolvidas de maneira automática, com pouco gasto de energia, quase de forma inconsciente e individualizada. Esse pode ser considerado também um lugar onde o corpo é controlado a partir de regras sociais de higiene, moral e etiqueta e atividades de sua própria natureza como eliminação de urina, fezes, excreções, células mortas da pele etc acontecem no mesmo lugar onde também se cria um ambiente íntimo de preparação para o mundo exterior que cumpre com as regras higienistas como a transformação em um corpo asseado, limpo. Com algumas exceções o banheiro é geralmente um espaço solitário, que se localiza distante de outros olhares externos. Estar nesse espaço é um dos poucos momentos em que um indivíduo pode estar consigo mesmo para
34 realizar as ações cotidianas e as experiências pessoais e adquirir consciência de seu corpo. Os espelhos que em muitos deles são presentes e o contato com a própria nudez fazem com que essas experiências possam ser lapidadas. Além das ações antes descritas como de limpeza e defecar, o banheiro, pelo caráter privativo, também pode ser espaço para leitura, primeiro contato sexual, masturbação, liberdade de movimentações e expressões do corpo ou ainda, por estar alheio ao ambiente externo e ter domínio total pelo próprio corpo, ser o espaço ideal para expressar sofrimento e até cometer suicídios18.
o banheiro como manifesto ergonômico “nenhum tratado arquitetônico cita o banheiro (entendido nesse caso como espaço somente para o vaso sanitário, o retrete) como o elemento primordial, ao contrário da lareira, do teto ou da parede, mas o vaso sanitário pode ser o elemento mais fundamental19”. Rem Koolhaas O retrete foi incorporado gradativamente como espaço doméstico a partir do desenvolvimento da rede de saneamento e da tecnologia. É considerado como uma mini arena para uma única audiência, um espaço arquitetônico onde corpos são inspecionados e cultivados, que é deixado a sós para reflexão íntima e privada e afirmação da própria identidade. É a principal zona de interação, que promove o maior nível de intimidade entre o ser humano e a arquitetura. Podemos hoje imaginar edifícios construídos sem a maioria dos espaços domésticos, mas nunca sem o retrete.
35 Enquanto o processo histórico do banheiro categorizava ambientes para determinadas funções, o processo de transformação segue uma trajetória de compressão de espaço e de função para um único espaço onde abrange o banho, o vaso sanitário, a pia e que universalmente se chama banheiro. O significado então do banheiro é escorregadio: pode ser o próprio dispositivo discreto, o ambiente onde está situado e, no sentido arcaico, o ato de limpeza. De acordo com a WTO (World Toilet Organization) usamos o banheiro na média de 6 a 8 vezes por dia, favorecido pela maior acessibilidade deste nos dias atuais. Entre 1966 e 1976, nos Estados Unidos, Alexander Kira20 estudou durante 10 anos sobre o que seria o possível mais importante ambiente doméstico privado. Inventou um método ergonômico empírico e intimista (modelos de coletores, retretes, mictórios, banhos, chuveiros, as regiões do corpo (quase sempre nuas) não mapeadas são inflexivelmente diagramadas). Realizou uma análise histórica sobre outras culturas e fez recomendações de design altamente racionais para nossos dispositivos mais íntimos (indelicados na época por razões culturais irracionais, que pessoalmente julgou). Suas principais recomendações em relação ao banheiro são que o agachamento é indiscutivelmente a posição anatômica correta para defecar e que o papel higiênico é aterrador na limpeza da região perineal. A primeira edição do livro: The Bathroom: Criteria for Design foi lançado em 1966 como um manifesto para a ergonomia íntima.
36
37
Imagens retiradas do livro toilet, volume 11 da coleção elements, publicação originada da exposição de mesmo nome para a Bienal de Veneza de 2014. fonte: KOOLHAAS, 2014, p. 1168 - 1183.
38
neufert e ABNT O processo histórico da consolidação do banheiro assim como sua transformação em termos tecnológicos e conceituais condicionaram a especialização do banheiro enquanto desenho projeto que busca pela máxima eficiência do espaço e funcionalidade. Muitos foram os manuais que começaram então a determinar padrões de medidas, materialidade, formatações de espaços e ergonomia. O Arte de projetar em arquitetura, elaborado pelo arquiteto alemão Ernst Neufert, teve sua primeira edição lançada em 1936 e ainda hoje é um dos manuais mais estudados por estudantes de arquitetura em todo o mundo. No Brasil a ABNT21 (Associação Brasileira de Normas Técnicas) é um órgão privado e sem fins lucrativos que normaliza, certifica e padroniza tecnicamente produtos, serviços, materiais, processos estabelecendo regras, diretrizes e características. Foi fundada em 1940 pelo então presidente Getúlio Vargas. A elaboração desses manuais instigam desenhos que generalizam o espaço arquitetônico e, no caso específico deste trabalho, o banheiro. O banheiro projetado é genérico que gera um espaço construído também genérico. A relação desse espaço com o corpo somente é representado pelo desenho da escala humana e muitas vezes adotado como referencia a partir do Modulor de Le Corbusier. O banheiro proposto por Neufert22 é demonstrado em nove páginas especificando medidas, desenhos e modos de ocupar equipamentos sanitários: banheiras, bidês, privada (retrete), duchas, lavatórios, esquentadores de água, acessórios de apoio ao banho, acessórios para toalhas, papel higiênico e sabonete, misturadores de água, tapete de cortiça para saída do ba-
39 nho, balanças. Além de equipamentos também propõe o desenho que demonstrem a colocação desses equipamentos no espaço como, por exemplo, medidas mínimas de situações que o retrete se localiza embaixo de escadas ou distância mínima entre a banheira e a parede ou dos espaçamentos ideais para o uso do lavatório. São propostos também algumas opções de layouts que configuram diferentes banheiros, desde aqueles que comportam somente a privada e o lavatório até completos com ducha ou banheira, além de propor localizações desse cômodo na habitação que dependem da configuração de planta disponível. A ABNT criou em 1994 a norma NBR 905023 que normatiza acessibilidade a meios, edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos sendo por último revisada recentemente, em 2015. Dentre todas as especificações existe um capítulo que se refere exclusivamente à sanitários, banheiros e vestiários. Em todo o conjunto de especificações da última revisão buscou-se aprofundar o conceito de desenho universal dos ambientes garantindo acessibilidade a usuários com necessidades especiais variadas. As alterações foram referentes às dimensões dos sanitários, configurações de barras de apoio e sinalizações. Segundo a norma o banheiro é o cômodo que dispõe de chuveiro, banheira, privada, lavatório, espelho e demais acessórios; sanitário como cômodo que dispõe de privada, lavatório, espelho e demais acessórios e vestiários, que se configura por ser um cômodo para a troca de roupa, podendo ser um conjunto com banheiros ou somente sanitários. Na norma são apresentadas então características dos elementos que compõe o cômodo assim como seus dimensionamentos (alturas,
40 referências de giro, abertura de porta etc.). A localização desses ambientes nas edificações também é determinada assim como o número mínimo de sanitários acessíveis para cada tipo de estabelecimento, sejam eles de uso público, coletivo ou privado áreas de uso comum. Essas normas são aplicadas a todas as construções que estejam compreendidas nos tipos de estabelecimentos acima descritos. Para cada projeto, as normas devem estar contempladas e caso não estejam, o responsável pela obra encontrará dificuldades na liberação do corpo de bombeiros e outros órgãos responsáveis. Nas páginas seguintes são exibidos alguns exemplos de desenhos característicos tanto do Neufert quanto da ABNT, destacando medidas e informações julgadas relevantes para a construção ergonômica do banheiro.
41
“As torneiras devem ser de latão niquelado ou, melhor ainda, cromado. Os restantes acessórios serão do mesmo material ou de grés, de louça, ou de ferro fundido esmaltado24”.
“A área necessária para o banheiro depende das dimensões dos aparelhos e do espaço necessário para se mexer. A distribuição deve definir-se ao estudar a organização dos compartimentos contíguos, única forma de reservar o espaço conveniente. O banheiro não deve ultrapassar as dimensões estritamente mínimas enquanto não estejam satisfeitas as exigências de outros compartimentos como arrecadações, zonas de serviço etc25”.
42
“De grés vidrado, de porcelana, cerâmica, etc., esmaltados em segunda cozedura numa face. Azulejos usuais: 1. brancos, marfim e industriais. 2. Azulejos de cor (maiólica, opaco, semifosco, fosco); superfície plana ou ondulada. 3. Azulejos de fachada, resistentes às geadas26”
Scanned with CamScanner
Scanned with CamScanner
“A janela deve ficar à esquerda do espelho ou em cima dele. As janelas sobre banheira devem estar a uma altura maior ou igual a 1,30 m e devem ter um parapeito revestido de azulejo para que escorra a água de condensação. Quando defronte do banheiro houverem janelas deScanned vizinhos, utilizar-se-á vidros with CamScanner sem transparência (martelados, catedral etc.)27”
fonte: NEUFERT, 1976 p. 180 – 185
43
fonte: ABNT NBR 9050: 2015.
44 notas 1. FOUCAULT, 2013, p.7. 2. FOUCAULT, 2013, p.8. 3. [dic.]: sigla usada para definir dicionário. Todas as definições que a seguem foram retiradas do dicionário digital Michaelis. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/>. 4. Tradução de significado retirado do trabalho de conclusão La Mujer Digital de Tatiana Poggi (POGGI, 2016-17). 5. Disponível em: https://es.wikipedia.org/wiki/Color_de_ojos. Acesso em: 14.10.2018. 6. Referências retiradas de: https://pt.wikipedia.org/wiki/Olho_ humano. Acesso em: 20.10.2018. 7. Os desenhos detalhados do olho, nariz, pele, cérebro e ouvido foram feitos tendo como referência de linguagem o trabalho de conclusão de Tatiana Poggi e as informações retiradas de Atlas de Anatomia Humana de Frank H. Netter (NETTER, 2015) 8. Referências retiradas de: https://pt.wikipedia.org/wiki/Nariz 9. Referências retiradas de: http://www.ensinandoeaprendendo.com.br/quimica/quimica-cheiro-aroma/. Acesso em: 20.10.2018. 10. Referências retiradas de: https://pt.wikipedia.org/wiki/Cor_ da_pele_humana e https://pt.wikipedia.org/wiki/Pele. Acesso em: 20.10.2018. 11. PALLASMAA, 2011, p.53 12. Referências retiradas de: https://pt.wikipedia.org/wiki/Cérebro. Acesso em: 20.10.2018. 13. Referências retiradas do site da revista Galileu. Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/Caminhos-para-o-futuro/ Saude/noticia/2016/09/45-fatos-curiosos-sobre-o-cerebro-humano.html. Acesso em: 14.10.2018. 14. Referências retiradas de: https://pt.wikipedia.org/wiki/Orelha. Acesso em: 20.10.2018. 15. Referências retiradas de: https://pt.wikipedia.org/wiki/Som. Acesso em: 20.10.2018. 16. PALLASMAA, 2011, p.47. 17. O capítulo “O banheiro” foi embasado na tese de mestrado pela FAUUSP de Clarissa Paulillo (PAULILLO, 2017). 18. Muitos jornais ao longo dos anos publicaram matérias sobre suicídio que ocorreram em banheiros. É possível pesquisar pelo site da Biblioteca Nacional Digital. Um exemplo: FACTOS diversos. Suicídio por enforcamento. Correio Paulistano. São Paulo, ed.17.584, 1912, p. 5. Disponível em: <http://memoria. bn.br/DocReader/090972_06/25500>. Acesso em: 17.10.2018. 19. KOOLHAAS, 2014, p. 1103. 20. Arquiteto e professor no “Center for Housing and Environmental Studies”pela Cornell University, em Nova York, Estados Unidos. 21. Retirado do site da organização. Disponível em: http:// www.abnt.org.br. Acesso em: 20.10.2018. 22. NEUFERT, 1976, p. 180 - 189.
45
23. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT) nbr 9050: 2015 24. NEUFERT, 1976, p. 182. 25. NEUFERT, 1976, p. 182. 26. NEUFERT, 1976, p. 186. 27. NEUFERT, 1976, p. 182.
ensaio neste capítulo apresento três ensaios sobre como o corpo construído pode ocupar três banheiros previamente selecionados. no banheiro “um” o corpo se coloca no espaço como referência métrica em um primeiro momento e se coloca em posições outras, transformando esse espaço, no segundo momento. no banheiro “dois” o corpo, ao realizar uma das funções do banheiro, o banho, encontra formas outras de executar as movimentações já automatizadas e interage com os elementos do espaço. no banheiro “três” o corpo se insere em um banheiro onde as danças cotidianas são específicas de outro corpo e tenta se reconhecer nele.
banheiro um no banheiro “um”, localizado em um sítio em itatiba, sp, aconteceu o primeiro contato com um banheiro tendo em vista aspectos específicos a serem explorados. a primeira reação ao estar nesse ambiente foi observar e permitir que o corpo estivesse aí. daí surgiram reflexões, narrativas e desejos de me colocar como corpo ativo. surgiu a necessidade de mapear o banheiro com o corpo para que um desenho fosse gerado e, após mapeado, me coloquei como agente de interação com seus elementos. a partir das funções que o banheiro requer do corpo, como fazer xixi e tomar banho busquei outras maneiras de realizá-las. com o corpo adaptado a esse espaço procurei interagir e me colocar de outras maneiras, desdeslocando o corpo a posições não convencionais.
51
Já eram 11:59 da manhã, quase tarde em um sítio localizado em Itatiba-SP, onde tudo começou. Estou agora em um dos banheiros da casa, aquele mais me interessou. Talvez pelos seus azulejos azuis clarinhos com rejunte branco, como aqueles encontrados em casas de avós, ou na minha mesmo de quando era criança, e a cortina do box com desenhos de peixinhos, barquinhos e ondinhas, com paleta de cores que combinam com o azul do azulejo. Aliás, tudo no banheiro tem uma paleta de cores que combina com o tom do azul, inclusive o sabonete, que no box tem uma cor violeta, quase se confundindo com o azul petróleo da saboneteira. A louça tem essa cor azul petróleo, a pia, os ganchos para pendurar as toalhas ou calcinhas lavadas que secam com certa preguiça; o porta papel higiênico. A privada é branca, até por isso fica fácil identificar o que ainda é original e o que não é. Provavelmente a privada foi trocada, que de certa forma é bom, já que como ouvi dizer, fazer xixi ou cocô em uma privada escura pode trazer desconfiança, tanto pela higienização da louça quanto pela possível presença de bichos.
52 O banheiro traz uma calma ensurdecedora. Se ouve os sons dos pássaros e alguns pingos de água que caem do chuveiro dormido que traz aparente o uso do dia anterior. A prova disso são as poças de água concentradas no piso de azulejos de tons de cinza, ocasionadas pelo insuficiente desnível do box que leva água para o ralo. Com certeza são de uma reforma posterior, pois já aparentam ser mais atuais que a casa da vó. O ralo é bem comum, grande e de cor prata, da mesma cor dos demais metais. Me sinto confortável. Tenho problemas com banheiros que não seja o meu para fazer minhas necessidades. Esse em específico me deixou muito à vontade. Mas o cheiro me incomoda um pouco. O odor se mistura com cheiros de perfume, creme, sabonete e produtos de limpeza a pouco utilizados para limpar a privada e o chão, evidente pelo rodo encostado na quina da parede e uma garrafa de produto químico ao lado Essa mistura é confusa. O banheiro não é um lugar muito convidativo para se passar tanto tempo. Entramos nele para nos limpar na grande maioria das vezes. E o tempo de permanência não passa de alguns minutos. Já são 12:29 e já estou aqui por 30 minutos. O cheiro começa a fazer parte de minhas narinas, está impregnado. Estou sentada em um banquinho de madeira encostada na parede e com os pés na privada. A posição é confortável. Mas faz frio. Na verdade, o clima é agradável mas a temperatura do azulejo é fria, fazendo com que haja menos calor. Por se tratar de um ambiente que recebe muita água, a limpeza é mais fácil com os azulejos, e mais higiênica. Mas encostar neles faz com que meu corpo esfrie. A iluminação também é agradável e tem duas possibilidades, uma mais intimista que se encontra em cima da pia e uma outra geral,
53 que ilumina o banheiro todo. Mas se não houvesse luz artificial, o banheiro seria escuro já que a janela não deixa passar muita luz. Embora seja linda. Se compõe de vitrôs de vidro craquelado com um caixilho verde escuro. É pequeno, deve medir 50cm x 100cm, adivinhados pelo tamanho de um azulejo que provavelmente mede 15cm x 15cm. Aliás, esse procedimento é um bom instrumento de medição. A partir dele se tem a medida do box, 90cm x 130cm. Já o banheiro por completo se faz necessário uma outra medida de azulejo, o do chão, já que não há azulejos na parede. O azulejo do chão é cinza e mede 20cm x 20cm. Dessa forma se tem a medida completa: 225cm x 130cm. Pela medida da altura da porta (197cm) e os 48cm que alcançam o teto, tem-se a altura total de 245cm. A porta parece ser original, de quando a casa foi construída. É de madeira, estruturada com ripas que devem medir 10cm, e pintadas de branco e com uma maçaneta bem antiga, há uma altura de 120cm do chão, não muito convencional. Por fora ela é verde, o mesmo verde do caixilho da janela de vidro. O banheiro não é o melhor lugar para se fazer um trabalho. Não é estruturado para isso, apesar do banquinho e uma minúscula mesa que serviria de apoio para este computador, que, por estar localizada junto à parede, impossibilitaria ver o banheiro como um todo. No entanto, é uma mesinha linda. De madeira toda trabalhada, com um tampo de mármore branco e pesado além de uma gaveta e uma portinha para guardar itens necessários para se ter no banheiro, como o papel higiênico reserva. O tampo é tão pesado que dificulta a movimentação da mesa pelo banheiro. Até por isso, preferi não a utilizar para apoiar meu computador. Durante esse tempo que estive no banheiro recebi algumas visitas. Muitas delas não dura-
54 ram nem 1 minuto e tinham um objetivo muito específico. Muitas delas foi somente para lavar as mãos. Mas uma coisa que me chamou a atenção: o espelho que fica em cima da pia tem muito protagonismo. O fato de lavar as mãos já é automático. Já se sabe, sem olhar, que primeiro se abre a torneira, pega o sabonete, espuma as mãos e lava. Não é difícil e se poderia fazer isso de olhos fechados. Talvez a distração para um momento de movimentações tão ordinárias seja se olhar no espelho. Os olhos buscam essa distração e quando menos se dá conta, uma espinha aparece, ou um cabelo mal organizado pede por amparo. No espelho se vê, se observa. Muitas imagens e memórias surgem, estranhamentos, reconhecimentos. São poucos os banheiros que não o tem. Geralmente é aí que vemos nossa primeira imagem do dia, denunciando a qualidade da noite. Estar a frente dele faz com que os pensamentos voem. Tiro a blusa por conta de um acidente e volto a escrever. O frio das paredes agora é mais intenso. A vantagem de se estar no banheiro é a facilidade para fazer xixi. Mas não sei se o fato de estar no banheiro já não condicionou meu cérebro para ter mais vontade. É muito bonita a luz que entra no banheiro e perceptível a mudança de intensidade pela variação da posição do sol. Traz um sentimento bucólico com os sons dos pássaros ainda intensos. Já são 15:18. Talvez por ser a primeira vez que passo tanto tempo em um banheiro fazendo algo que nunca fiz antes, pela falta de prática, que tenho demorado tanto. Entre idas e vindas, querendo abandonar em muitos momentos o cheiro forte do banheiro de produtos químicos, e com muitas visitas espontâneas que me levaram para outros caminhos, termino essa descrição.
56
Explorar um ambiente de olhos fechados não é uma tarefa fácil. A visão é parte fundamental para as atividades cotidianas, instrumento essencial para não sair de sua zona de conforto. Relato agora uma experiência de usar o mesmo banheiro que há pouco eu descrevia com a supressão da visão. Entro no banheiro de calcinha e soutien com a intenção de tomar banho, coloco minha calcinha nova em cima da mesinha e fecho os olhos. Tenho vontade de fazer xixi. Fico nua e busco, com as mãos soltas pelo espaço, a privada. Toco na louça fria e me localizo. Faço xixi com certo conforto. Me sinto bem, apesar do cheiro de produto químico agora exponencialmente mais forte. Procuro o papel higiênico e erro o lado. Está na minha esquerda, no entanto busco incessantemente pelo lado direito com a certeza de que alí estava. A memória passou a ser fator fundamental para esse momento. Naquele instante me forcei a usá-la para buscar lembranças do dia de onde poderia estar localizado o papel. Me lembro já quase que instantaneamente que o que se lo-
58 calizava na direita era o lixo e que o papel estava no local oposto. Estendo meu braço esquerdo e começo a apalpar a parede até encontra-lo. Está muito distante. Somente quando se sente falta da visão é que se percebe o quão dependente somos dela. Os olhos medem distancias e calculam a manobra dos movimentos, na maioria das vezes, com muita exatidão. Pego o papel e percebo que já é o último pedaço disponível. Me limpo e com o braço direito, como que fazendo uma movimentação de dança, percorro o espaço até encontrar o lixo. Abro a tampa, jogo o papel, sem saber ao certo se dentro do cesto, e fecho o lixo. Me levanto e me desequilibro. Me apoio na caixa de água da privada para buscar a estabilidade e já aproveito para dar a descarga. Vou em direção à pia, com movimentos engraçados no andar, como quem estivesse em um campo minado, pisando cuidadosamente o chão. Com os mesmos movimentos usados para encontrar o lixo, busco a pia para lavar as mãos. Encontro a louça fria, busco a torneira, que não sabia ao certo se estava ao centro ou ao lado, e as lavo. De fato, lavar as mãos se torna algo muito automático após uma rotina conquistada e fica fácil executá-la quando a visão já não é possível. Por um instante paro e começo a perceber meu corpo. Logo me lembro que naquela mesma posição onde me encontrava me depararia com um espelho se estivesse de olhos abertos. Com a tentação de usar a visão para ver como meu corpo se encontrava diante desta pequena experiência de movimentações no escuro, abro meus olhos. Olho para o espelho e vejo um corpo fechado nele mesmo, curvo. A situação ao qual me encontrava não fez com que estivesse à vontade, embora há horas atrás meu corpo tivesse um outro posicionamento.
59 Me vejo, me reconheço frágil. Fecho os olhos e continuo a experiência. Caminhando novamente em um campo minado, vou em direção ao box. Sinto meus pés tateando os azulejos frios do chão e encontro pelo caminho a mesinha, que percebo quando bato minha mão esquerda na superfície fria do mármore. Continuo caminhando até pisar em uma superfície confortável, uma nuvem. É macia e faz com que meus pés já não sintam o frio que fazia meu corpo arrepiar. O tapete era a fronteira entre o piso molhado e o seco. Já sabia que os próximos passos teriam que ser dados com mais cuidado para não escorregar. A cortina estava aberta. Entro no box e, acessando minhas lembranças, me viro para a direita para localizar a torneira. Com as mesmas movimentações de dança, a encontro e giro. Me afasto rapidamente para que a água dormida do dia anterior não caísse fria em cima de minha cabeça. Espero até sentir o vapor da água anunciando que seria agradável entrar. Sentir a água caindo pela cabeça e percorrendo meu corpo me dava um prazer muito grande. Podia sentir todo fio de água trilhando seu caminho até meus pés. Fico por alguns segundo somente percebendo seu carinho. Começo de fato o banho. Busco na minha direita, um pouco acima do nível de meus ombros, o shampoo. A situação faz com que a quantidade que despejo em minhas mãos seja exagerada. Ensaboo minha cabeça, percebendo meus dedos entrarem no couro cabeludo. Fazia com mais força do que o normal (ou era a percepção que mudou). Enxaguo e repito. Passo o condicionador e começo a planejar como seriam os próximos passos. Neste momento já me sentia um pouco aflita, impaciente. Queria enxergar. O fato de não ver estava me deixando claustrofóbica. Respirar era mais difícil. A situação estava
61 me causando um incômodo que seria solucionado simplesmente com o abrir dos olhos. Resisti. Como quem queria vencer uma corrida, agilizei. Busco no mesmo lugar à direita, acima de meus ombros, a bucha e corro as mãos pelo espaço até encontrar a saboneteira. Me ensaboo, com os sentidos mais latentes. Os movimentos já coreografados dessa dança faz com que a tarefa seja fácil, até precisar do equilíbrio para lavar os pés. A falta da visão dificulta encontrar o centro de equilíbrio e quico muitas vezes até encontrar um apoio. O desequilíbrio causado dava enjoo. Tento recorrer às técnicas de sustentação da dança, de buscar a força do abdômen para manter o corpo em pé, mas tudo foi em vão. Precisava olhar para um ponto específico e não era possível. Termino com sucesso o banho, apesar de não concluir bem alguns automatismos, como de tirar o cabelo que solta no sabonete. Já não tinha muita paciência. Tomo cuidado para caminhar pelo chão molhado, abro a cortina como em um teatro, e procuro pela toalha. Me lembrava que estava a poucos centímetros à minha frente. Me enganei da distância e isso fez com que eu tivesse que já atravessar a fronteira para encontrá-la. Tropeço no banquinho que está no caminho e encontro a toalha. Me cubro e começo a me secar. Os pés, outra vez, me fazem ter enjoo. Me seco, penduro a toalha com a perfeição de uma visão clara, passo creme pelo corpo, de novo com exagero na quantidade. O banquinho que há pouco poderia ter causado um acidente serve de apoio para posicionar meus pés e passar o creme. A falta da visão faz com que a atenção aos movimentos seja a única preocupação dos meus pensamentos. Procuro minha nova calcinha que me lembrava de ter deixado em cima da mesinha junto com o soutien. Me confundo, mas encontro. Coloco do avesso e só
63 percebo quando apalpo. Corrijo, coloco o soutien e termino a saga. Me enrolo na toalha, localizo em frente ao espelho e, com calma, abro os olhos. A claridade é tanta que me faz perceber a escuridão ao qual estava. Vejo um corpo já não tão assustado. Está ereto.
68
Pelo estar demorado em um espaço e o olhar atento à ele, é possível que medidas, texturas, temperaturas sejam deduzidas. No entanto, ainda que a experiência de olhos fechados possa trazer informações adicionais pela vivência do corpo no espaço, sem a consciência corporal de sua localização e da visão, é difícil que medidas sejam exatas e características outras sejam certamente reveladas.Apalpar, sobrepor o corpo sobre os objetos aos quais se deseja investigar pode revelar com mais fidelildade essas características. O corpo referencial é dotado de medidas que, quando inserido no espaço tem o potencial de mapear todo o ambiente e, a partir daí, possibilitar que um desenho preciso surja, assim como detalhes, medidas, temperaturas e materialidades
medidas em metros
0,35
0,60 0,46
0,48
0,36
0,90
0,50
0,29
planta
0,50
0,18
0,50
0,175
iso
1
5
janela: objeto que permite que haja troca de ar e calor do espaço com o ambiente externo para que a umidade não se concentre e as paredes não mofem. é muito importante também para que o espaço se ilumine com a luz do sol. pode ser utilizada como apoio para um corpo cansado quando escorado nela ou como possibilidade de interação de quem está de fora do ambiente.
1
3
chuveiro: objeto que emite água e utilizado durante o banho para limpar o corpo. geralmente a água é quente e faz com que o corpo se aqueça e até mude de cor. a temperatura da água faz com que o vapor aconteça e é possível interagir com ele e perceber sua volatilidade, textura. em grande quantidade faz com que o espaço se transforme e produza um espaço muitas vezes claustrofóbico. 6 cortina do box: elemento que estabelece a divisa entre a região molhada e seca do banheiro. podem variar quanto à textura, desenho, cores. as cortinas de peixinho e barquinho geralmente compõe cenários onde movimentações podem ocorrer.
5
11
4
2
10
6
7
8
12
13 9
14 2 sabonete: usado para limpar o corpo durante o banho e solta odores muito agradáveis no ambiente e no próprio corpo. 3 bucha: muito utilizada para limpar o corpo e principalmente os pés em lugares onde há muita terra. 4 touca de banho: usada proteger os cabelos durante o banho quando não se deseja molhá-los. reter as gotículas de água. pouco usada em lugares onde faz muito calor.
7 azulejo: elemento que reveste a parede do box. é comumente encontrado nos banheiros e por ser um material que possibilita que seja molhado com facildade, está prioritamente onde se toma banho. os azulejos do chão demarcam pequenos palcos onde o corpo pode se sentar ou se movimentar.
8 privada: elemento inevitavel no banheiro que serve como instrumento que recebe as excrementos humanos e os transporta aos ductos do esgoto. pode ser casa de muitos bichos também, por se conectar diretamente com o esgoto. existem outros possíveis usos para a privada como destino para baratas mortas, objeto possível de escorar o corpo quando se está vomitando e em alguns casos, pode até se tornar um apoio para a cabeça já que sua medida até o chão é perfeita e coicide com o tronco humano.
12 espelho: “...é um símbolo da imaginação – ou da consciência – como capacitada a reproduzir os reflexos do mundo visível em sua realidade formal...é o órgão de auto-contemplação e reflexo do universo...o espelho é visto com um sentimento ambivalente. é uma lamina que reproduz as imagens e de certa maneira as contém e as absorve 1”. por embaçar com facilidade, é um termômetro de quando a água do banho está muito quente e é hora de abrir a janela. instrumento para passar o tempo de quem usa a pia, por se localizar, na grande maioria das vezes, acima dela. é muito utilizado como primeira reflexão de sua própria imagem quando inicia o dia e, por refletir imagens, é usado para observar partes do corpo que não são acessíveis aos olhos, como o rosto, o cabelo e as costas.
9 banquinho: elemento não muito usual em banheiros. pode ser utilizado como apoio para apoiar objetos. pode ser útil para se sentar enquanto se aprecia o ambiente ou quando se é acompanhante de alguém que está usando o box ou a privada.
10 cabideiro: elemento que se situa nos banheiros para pendurar objetos que se molham, roupas que foram retiradas para o banho ou que aguardam o corpo limpo pós o banho. pode pendurar toucas também ou toalhas que estão sempre à disposição para secar o corpo. muito utilizado para pendurar calcinhas molhadas, lavadas durante o banho.
11 quina da parede: região que contempla a união em 90º de duas paredes. arquitetonicamente auxilia para que as parede se sustentem. por outro lado, pode ser atrativo para um corpo que busca outras formas de se apoiar e possibilita novas posições que fogem ao corpo ereto.
13 pia: elemento também inevitavel no banheiro que serve para lavar partes do corpo quando não necessita-se despir todo, como as mãos, o rosto, os pés. muito utilizada quando se escova os dentes já que fornece quantidade de água perfeita para essa ação. em alguns casos essa regra muda e quando não há chuveiro, é possível se banhar na pia, o que deixa todo o ambiente molhado. pode também ser usada para lavar outros objetos que não o corpo, como calcinhas. geralmente tem a altura que coicide com a cintura do ser humano, o que possibilita com que o tronco deite sobre a pia.
14 mesa/armário: é importante para banheiros que não possuem armários fixos. é comumente utilizado para guardar objetos de uso do banheiro como papel-higiênico. mas pode ter outras funções como apoiar objetos comuns de se utilizar no banheiro como desodorante, hidratante corporal. se é um banheiro que se está de passagem, a mesa é perfeita para apoiar a necessaire. pode ser também casa de sapos no interior do armário. ou ainda pode ser perfeita como cobertura para um corpo que queira repousar embaixo (possível pois existe um vão entre o armário e o chão). seu tampo de mármore pode ter formato perfeito para se sentar, já que sua forma é adequado ao tamanho da bunda e sua altura coincide, em geral, com a altura das pernas
104
banheiro dois no banheiro “dois”, localizado no bairro de santa cecília em são paulo outra forma de relação é estabelecida com o espaço. a partir da observação e interação do corpo, o banheiro é mapeado e um desenho acontece. e dessa vez, a partir da execução de uma função tão cotidiana e automática, o banho, o corpo se conscientiza de seus movimentos e se coloca como agente ativo de transformação. busca elementos presentes que se divergem da convenção de desenho do box, a samambaia. com ela se relaciona e interage a partir de movimentações que se diferem das usuais do banho. durante o processo, uma dança acontece e o banheiro se transforma com o vapor que preenche o espaço. as texturas dos materiais se expandem e os vestígios vão se tornando evidentes.
107
São 20:02 do último domingo de setembro. Amanhã já é outubro e a primavera se manifesta cada vez com mais força. Estou em um banheiro onde por todos os lados existem referências de flores e plantas, assim como a primavera causa quando chega. Meu corpo se relaxa. A primeira vez que visitei esse banheiro me encantei por esse detalhe. Os azulejos cobrem toda a parede, do chão ao teto, e tem gravados neles detalhes de flores rosas sobre um fundo branco. Existem dois tipos de azulejos. Ambos medem 15cm x 15cm, o que viabiliza a medição de todo o banheiro. Um tem uma flor no centro com umas ramas de folha e duas faixas na vertical preenchidas com pequenas flores em um fundo branco. Esses azulejos predominam e parecem ser os originais desse lugar. O outro tipo de azulejo tem as rosas distribuídas verticalmente em duas fileiras. E certamente esse azulejo não é original já que é clara a substituição em alguns pontos, especificamente atrás da privada e na lateral onde o banheiro tem uma pequena diagonal. Provavelmente houve algum problema com o encanamento da descarga
108 até a privada e nessa diagonal é provável que também passe um cano, que se revela pelo barulho da água passando quando algum outro andar usa a descarga. Até justifica o fato de se ter essa parede com essa inclinação. Com essas necessidades de reparos tiveram que quebrar os azulejos antigos e como já devia ter passado muitos anos desde a construção desse banheiro, esses antigos azulejos já não deviam dar o ar da graça no mercado, evidenciando o contraponto da sazonalidade da arquitetura (mais duradouro) e da primavera. Até que a composição não é ruim e a paleta de cores deles é bem parecida. Existe outro tipo de azulejo que compõe o chão. É diferente no tamanho, mede 7,5cm x 15cm e tem um tom de cinza azulado. O mesmo azulejo forra todo o chão. A paginação dos azulejos é um pouco confusa e não segue uma ordem muito lógica. Muitos deles tiveram que ser quebrados para se adaptar às medidas projetadas para as paredes. Atrapalha um pouco a medição usando o olho como instrumento. A medida do corpo se adaptaria melhor a esse tipo de trabalho. A paleta de cores de todo o banheiro tende ao rosa. São 20:47 e o cheiro de comida que vem da cozinha é muito atrativo a ponto de me perder do banheiro... São 16:24 do dia 2 de outubro. O barulho da cidade é presente dentro do banheiro, diferente de quando tudo se acalma à noite. Ouve-se a obra logo ao lado, os carros passando nervosos com suas buzinas, e por vezes, algum canto de pássaro, que se perde nesse contexto. Por ser de tarde, as cores estão mais fortes. O rosa, cor predominante das paredes e das louças, se complementa com o cinza meio azulado do chão e do box. Tudo nesse banheiro parece ter seu encanto. A começar pela samambaia que lindamente compõe a estética do banheiro e se contrapõe com a plan-
109 ta morta gravada nos azulejos. Preenche um espaço considerável do box, pronto para recebê-la. Seu verde vivo contrasta com a paleta tendenciosa e parece que aí está muito bem. A sensação do banho com esta samambaia traz um aconchego no corpo, uma lembrança de que não se está só mesmo estando em um ambiente como esse, no qual o momento íntimo e particular é tão preservado. A interação se faz sem que se dê conta. A medida que o corpo recebe seus próprios movimentos de cuidado e interage com a água deslizando pela pele os pensamentos fluem para outras esferas, para momentos do dia que acabou de acontecer. De repente, a planta se personaliza e passa a ser alvo de perguntas sem fim, de contato desapercebido com as mãos, de interação como se a samambaia fizesse parte de uma dança. A tarde vai caindo, a cidade vai se acalmando e a luz que entra pela janela traz um sentimento de paz. A luz ilumina em primeiro plano a samambaia fazendo com que seja a protagonista do espaço. Está exuberante. A luz entra no ambiente turva e quando alcança a porta do box, revela seus detalhes ornamentais mais íntimos. A janela se parece muito com a do banheiro anterior, caixilho branco e com os mesmos detalhes do vidro craquelado que protege dos olhares externos quem dentro se banha. É maior de largura mas menor de altura e as medidas são decifradas pela modulação dos azulejos que a envolve. O espaço que sobra do vidro até o início da parede é ideal para a imensidão de produtos aí colocados, que tem a função de assessorar o banho. A medida que a tarde cai, a temperatura também segue o mesmo ritmo, e a janela permite que um vento frio entre. Uma iluminação vermelha invade o banheiro! A luz localizada acima do espelho, esquecida acesa durante o dia impõe sua presença de forma hierárquica, fazendo com que
110 todos os demais objetos se tornem vermelhos. É quente, vibrante e carrega a paz que atua de sensualidade. Objetos que antes se faziam tímidos agora emergem, como se quisessem significar sua presença nesse contexto. Os soutiens pretos, pendurados no lado exatamente oposto ao espelho da pia, chamam a atenção. E se destacam em meio às roupas amontoadas em uma cesta logo abaixo, esperando para serem lavadas. O espelho se coloca no espaço como se fosse um quadro e emoldura muitas paisagens. Tem o aspecto antigo, e se percebe sua idade pelo desgaste de suas bordas. Mas se compõe de forma magistral logo acima da pia sendo enquadrado pelo foco de luz vermelho. Está no centro, afirmando sua maestria e permitindo que seja sempre alvo de olhares que buscam pela vaidade ou por uma percepção outra do que se vê. A partir dele também se tem uma outra imagem da samambaia, que com a luz vermelha se mescla com o espaço não permitindo que os olhos percebam seu verde. Mas o protagonismo dessa planta, já humanizada no ambiente, a torna ainda mais presente. O que mais instiga no banheiro é a presença dessa vida que aí habita em conjunto com a série funcional tão forte que está presente. O banheiro enquanto um espaço que serve a funções tão específicas do ser humano não se restringe ao seu uso comum na nossa cultura. É latente o acúmulo de funções que escapam das já tradicionais de higienes pessoais. Uma parte considerável dessa planta aloca uma máquina de lavar e um aquecedor, que desempenham funções não muito convencionais para esse tipo de espaço e faz com que o banheiro seja ainda mais utilizado durante o dia. Essa dualidade está presente e mostra uma característica tão comum da arquitetura contemporânea de eficiência dos espaços e aproveitamento dos espaços mínimos.
111
0,175
planta
0,48
0,38
0,65
medidas em metros
0,32
0,42
0,06 0,53
0,08 0,79
iso
1 vapor: responsável pelo preenchimento do banheiro durante o banho. “os valores de humidade relativa média do ambiente ideal são da ordem dos 50 a 60%, devendo garantir-se que estejam compreendidos entre os 40 e 70%. o ar excessivamente úmido é favorável ao desenvolvimento de agentes patogênicos e de bolores, facilita a putrefação devido à condensação e cria uma desagradável sensação de frio. a libertação de vapor de água pelo homem varia conforme as condições fisiológicas e do ambiente. uma das causas principais da perda de calor é o aumento da temperatura do local, sobretudo quando excede 37º (temperatura do sangue)2”. a medida que a temperatura aumenta, o corpo humano se transforma, adquirindo uma coloração avermelhada.
5 janela: elemento que promove abertura do ambiente com o exterior do banheiro. é essencial em ambientes nos quais a umidade é presente para liberar o ar quente e úmido e deixar que o ar do exterior entre. 6 box: espaço destinado ao banho, à limpeza do corpo, processo que dura normalmente 15 minutos. geralmente o corpo se localiza embaixo do chuveiro, de pé, ou afastado do chuveiro enquanto ensaboa o corpo e os cabelos sendo o posicionamento embaixo da samambaia ideal. 7
2 samambaia:3 Nome Científico: Nephrolepis exaltata Nomes Populares: Samambaia-americana, Lâmina-de-espada, Samambaia-de-boston, Samambaia-espada Família: Davalliaceae Categoria: Folhagens Clima: Equatorial, Subtropical, Tropical Altura: 0,4 a 0,6 metros Origem: África, América Central, América do Norte, América do Sul, Ásia, Indonésia elemento ornamental. se adapta facilmente em ambientes internos sombreados e com incidência de luz indireta. níveis altos de umidade são perfeitos para a planta. 3 sabonete: elemento de higiene pessoal com o qual é possível a limpeza do corpo. usado em banhos. podem também propagar odores agradáveis no ambiente. 4 espelho: “o espelho é um recipiente reflexivo cuja fonte de energia é a luz. a natureza extraordinária do espelho é a maneira como ele leva a nossa imaginação para suas aparentes profundezas, para a sensação de que por trás da imagem do espelho da nossa realidade imediata se poderá ver algo inteiramente diferente. todos os dias, nós confrontamos espelhos nas reações de outros em relação ao nosso comportamento4”.elemento que embaça devido à grande quantidade de vapor no ambiente originado do banho.
porta do box: estrutura de plástico com ornamentos decorativos. faz a divisão do espaço do banho com o restante do banheiro. necessário para não molhar mais que o necessário o banheiro como um todo. 8 azulejos do chão: elemento de revestimento do piso de tonalidade acinzentada. são elementos de fácil limpeza e ideais para molhar com frequencia. é muito utilizado nos pisos dos banheiros e podem tornar o banho perigoso quando escorregadios. 9 azulejos da parede: elemento de revestimento da parede com motivos florais de tonalidade rosada em fundo branco. são elementos de fácil limpeza podendo molhar. “o azulejo vulgar é higiênico, fácil de limpar, impermeável à água, insensível à luz, de cor sólida etc., mas não é resistente aos ácidos nem às geadas...todos os azulejos quadrados e retangulares, fabricam-se também com uma, duas ou três beiras arredondadas, assim como com formato de peças de esquina, necessários para os revestimentos de paredes, depósitos e banheiras e peças especiais para peitorís de janela...revestimentos de parede de mosaico pequeno em peças de 20 x 20mm ou de forma irregular para compor figuras5”
10 elementos de higiene: shampoo, condicionador, sabonete. 11 cesto de roupa suja: usado para depositar a roupa suja retirada do corpo momentos antes do banho.
14 vestígios: água proveniente do banho e folhas mortas de samambaia. anuncia possíveis ações no ambiente.
touca de cabelo: elemento usado para manter os cabelos secos durante o banho.
17
15 bucha: elemento usado para ensaboar o corpo durante o banho.
18 calcinha: vestimenta íntima pendurada para secar. foi lavada durante o banho. 19 luz vermelha: usada para iluminar o ambiente durante seu uso. torna-se avermelhado quando acesa.
12 5
10
1
15 3
6 17
2
7 11
18
19 20
4
9
16 14
13
12 chuveiro: equipamento que fornece a água do banho e faz com que saia quente. 13 tapete: usada reter as gotículas de água que podem escapar do box e enxugar os pés após o banho.
21
8
16 máquina de lavar roupa: equipamento usado para lavar as roupas que são depositados no cesto de roupa suja. geralmente se acumula 5kg de roupa para então lavar.
20 roupão: ideal para usar após o banho para manter o corpo aquecido. pode ser usado também como toaha. 21 toalha: usada para enxugar o corpo após o banho.
take #1
take #2
take #3
take #4
take #5
take #6
take #7
take #8
take #9
128 Narrar um simples ato de tomar banho, revelar o momento presente captado, tempo não abstrato, expõe ações que cumprem uma função social de higiene e sanidade corpórea ou revela um momento de extravasar sentimentos acumulados durante o dia, movimentos repreendidos, sensações e sentimentos. Revela uma experiência no espaço, uma poética, dá luz à experiências passadas pela ação de movimentos cotidianos que contemplam o banho. Discute-se a partir do registro, o próprio meio, a transformação do espaço e o que resulta da ação. A transformação espacial é apontada a partir da narrativa presente que é desenvolvida pelo objeto ao qual se relaciona, a samambaia, e pela a influência da câmera. O contato tímido com o objeto estranho no início é desenvolvido até se tornar parte do contexto, inserido completamente na coreografia do banho. A câmera capta o desenrolar da ação que, em momentos expõe de forma estática o que acontece, em outros, espia como se fosse um agente curioso do que se passa nesse ambiente e em outros casos, acompanha os movimentos que fluem em uma dança. A luz vermelha dá a temperatura misteriosa e sensual. E todo o cenário e movimentações fazem com que o banho esteja em um espaço destinado a vivências e elucidações e seja um “tempo dilatado cujo objetivo final é turvo6”. Os elementos presentes, que estão alocados conscientemente por um desenho, um projeto, revelam alterações de suas materialidades com o desenrolar ação. As aparências estéticas do espaço se alteram revelando a multiplicidade de texturas presentes no banheiro. O vapor, principal fator de transformação, altera o ambiente, a percepção dos materiais e preenche o espaço. O espelho passa pelo processo de embaçamento, alterando a forma das imagens que
129 concebe. Assim como em pinturas de Henri Matisse, as texturas se expandem para todo o espaço, indetermina fronteiras dos objetos que as compõe e se mesclam mutuamente. Se compõe pela sombra das folhas da samambaia que se sobrepõe aos azulejos de desenhos com motivos florais, invadindo o espelho. Reflete com clareza esses elementos momentos antes do banho ou os ornamentos do box que se expandem com perfeição pelo espelho embaçado pelo vapor do banho demorado. Os azulejos que antes poderiam refletir com certa clareza também se alteram a partir do vapor. A névoa resultante
Henri Matisse odalisque à la culotte rouge 1924 - 1925 pintura a óleo 50 x 61 cm
Henri Matisse la chambre rouge 1908 pintura a óleo 180 x 220 cm
132 encontra o azulejo frio como facilitador para se condensar. A temperatura se altera e gotículas de água o torna escorregadio e fator determinante para que deslizamentos possam ocorrer. A ação, quando finalizada, deixa rastros, vestígios: “Se o corpo (já) não se encontra presente de maneira direta, o mesmo surge constantemente como vestígio, memória, rastro, evocação7”, poeticamente retratada nas pinturas e desenhos de Ariana Varejão, que contemplam a série “Saunas e banhos”. A série faz referência ao contraponto dos elementos geométricos que compõe o espaço desenhado com o corpóreo que utiliza esse espaço. Assim como na dança do banheiro, os azulejos da parede e do piso e o espelho dialogam e com o corpóreo, representado pelo vapor, pela água, pela planta, pelos cabelos que permanecem, pelos rastros de folhas de samambaias no chão, anunciando movimentações que desviam de um banho qualquer. O modelo geométrico, a grade perfeitamente imposta pelos azulejos, gélida, insensível, recebe os vestígios, o mistério, a curiosidade de quem olha para os rastros, o incerto, o corpóreo, o carnal que apropria e subverte o espaço, transformando o silencioso em um espaço erótico, sensível: “A grade anuncia um desejo de silêncio da arte moderna, sua hostilidade à literatura, à narrativa, ao discurso. Não se poderia nunca ter escolhido solo menos fértil. Desenvolvimento é precisamente ao que a grade resiste. Aplanada, geometrizada, ordenada, ela é antinatural, antimimética, antirreal. É como a arte se apresenta quando dá as costas à natureza8”. Luisa Duarte
133
Adriana Varejão the guest 2004 óleo sobre tela 45 x 70 cm
Adriana Varejão rouge 2004 grafite sobre papel 29,7x 21 cm
134
Adriana VarejĂŁo o especialista 2009 grafite sobre papel 70 x 100 cm
135
Adriana VarejĂŁo a malvada 2009 grafite sobre papel 70 x 100 cm
140
141
banheiro três no banheiro “três”, localizado também no bairro de santa cecília em são paulo a relação com o espaço adquire nova seleção de movimentações cotidianas que já estão pré-estabelecidas em um outro corpo. outra vez, a partir da observação e interação do corpo com o espaço, o banheiro é mapeado para gerar uma narrativa e desenhos. surge o estranhamento de muitos objetos que o compõe, que são instrumentos de danças cotidianas pertencentes a esse corpo diferente do meu. instiga-se então a buscar no meu corpo como tais movimentações podem acontecer. o espaço do banheiro se torna então palco de investigação e experimentações da relação desses objetos com meu corpo.
143
São 12:11 do dia 7 de novembro. Um S na porta indica a quem supostamente se destina esse banheiro. Estou no terceiro e último banheiro em um predinho que o Vilanova Artigas, arquiteto modernista brasileiro, projetou na década de 50 no bairro de Santa Cecília. É a segunda vez que entro nele e para mim ainda é um espaço que vai se revelando. De primeira, o que chamou muito a atenção foi o azul quase roxo causado pela luz negra que faz com que todos os tons do banheiro tendam para essa cor. Traz um sentimento de muita serenidade durante o dia. O pé direito é muito alto e, apesar do banheiro não ser muito grande, dá uma sensação de espaço muito amplo. Os detalhes do banheiro e a decoração variam a paleta de cores de forma restrita. O azul, rosa e amarelo prevalecem e o branco serve como plano de fundo e sustenta a claridade desse espaço. Como os demais banheiros, o que caracterizam as paredes são os azulejos que também medem 15cm x 15cm, tamanho facilmente decifrável para um olhar já treinado. São em sua maioria brancos com algu-
144 mas exceções azuis, que criam uma faixa que coincide com a escala humana que habita esse banheiro, localizada a 1,50m do chão e percorre por toda a extensão das paredes. Os azulejos sinalizam os 1,80m das paredes do banheiro, quadrado. Diferente dos demais banheiros, o piso é de ardósia, um material muito usado em áreas externas das casas de tempos atrás e que raramente se vê em um banheiro. O piso dá uma sensação de que é um outro lugar, e me traz lembranças de quando criança ficava sentada por horas nesse piso frio do quintal de casa, pensando ainda muito nova, sozinha e com o corpo encolhido, em questões existenciais bem duras para uma criança. A frieza e sua cor escura colaboram com esse sentimento melancólico e ao mesmo tempo sereno. Mas o corpo está bem, não está encolhido. Há uma planta. A espada de são jorge se exibe, pedindo por atenção. Preenche o espaço e se sobrepõe à frieza imposta, trazendo vida, calor, aconchego. Chama por olhares para se mostrar exuberante. Está localizada justamente no meio do banheiro, encostado na quina entre a parede e o vidro do box, separando-os. A privada é branca e tem um formato diferente, olhando de frente parece um vaso de plantas e se complementa esteticamente com a plan. O chuveiro, do outro lado do vidro, é prata e brilha quando é refletido pela luz negra. O piso ainda molhado do box insinua que pela manhã o banheiro já tinha sido palco de sua dança cotidiana ordinária. Ouve-se com clareza gritos de crianças e me atento que somos vizinhos de uma escola infantil. O sentimento de melancolia agora se conflitua com as vozes estridentes das crianças, às vezes parece de desespero, outras vezes que são apenas vozes de diversão. Os objetos que compõem o banheiro estão dispostos de forma
145 despretenciosamente calculada e pensada. São objetos peculiares. Há um bonequinho pelado encaixado pelas pernas no topo do vidro do box e, ao seu lado, um desenho de uma coleção de três que se espalham pelo banheiro. São desenhos de mulheres de calcinha e soutien que têm o rosto tampado e trazem boas lembranças por serem desenhos de uma amiga da faculdade. Ao mesmo tempo, logo ao lado da privada, há uma foto de uma mulher real, com os seios amostra e o rosto destampado, oposto às dos desenhos. O sorriso amarelo escancara o incômodo da foto, o desconforto de estar naquela posição. Fico sabendo que vem de um sebo de Paris e que a foto é de uma revista erótica de alguns anos atrás. Um quadrinho acima da privada, apoiado em duas torneiras hidráulicas amarelas, chama muito a atenção. O desenho é inocente, infantil. É uma pintura em tela de um por do sol e suas cores se complementam com a paleta do amarelo e azul do banheiro. As demais imagens, que retratam prédios e cidades, indicam o gosto evidente pela arquitetura de quem neste banheiro habita. O cheiro do banheiro, como o do sítio em Itatiba, é forte de produtos químicos e evidencia que foi limpo recentemente. Mas o cheiro do sabonete também é presente e o conflito é inevitável. Ambos os cheiros já fazem parte de minhas narinas e esse conflito também. A iluminação é presente durante o dia e apesar da única janela estar ao alto, encostada no teto, uma boa quantidade de luz entra. A janela é grande, com caixilho de metal branca e vidro craquelado, muito parecida com a do banheiro dois. Mas pela sua posição no alto da parede, a iluminação é predominante na parte de cima do banheiro, acima da faixa azul dos azulejos, fazendo com que se veja um degradê de luz até
146 o chão e, por ser cinza escuro, intensifica o obscurantismo da parte de baixo do banheiro. Apesar de muitos detalhes comporem as paredes do banheiro, é um espaço minimalista. É um banheiro que não possui um móvel e o único instrumento de apoio é uma estante metálica pequena, de três andares, que comporta alguns objetos de cuidados pessoais. Na parte de baixo há um rolo de papel higiênico pela metade, que parece ter um uso específico, que não de limpar a bunda. Há também uma necessaire meio aberta e uma touca. Na primeira estante, estão os objetos de uso mais constante: desodorante, sabonete líquido, escova de dente e pasta, perfume, produtos de barbear, e desentupidor de nariz. Me intriga a tesourinha bem infantil que também compõe essa estante. Fico pensando sua utilidade e imagino que seria útil para aparar a barba ou a franja. Na estante do meio estão perfumes, estoque de desodorantes, shampoo entre crônicas para jovens de clarice linspector, relatos de viagem ao oriente de le corbusier e poesias de ana cristina cesar. Me chamaram muita atenção que esses livros estivessem alí, como que esperando por alguém que sabiamente possa passar seu tempo lendo textos curtos para que a ida ao banheiro não seja tão monótona e a coreografia possa encontrar outros movimentos que saem do padrão cotidiano. São 14:33 e já de saída do banheiro, lavo minhas mãos e percebo o quão pequena é a pia. Se compõe perfeitamente com um espelho redondo localizado um pouco acima e com o lustre de onde sobressai uma lâmpada muito maior que as que conhecemos comumente em forma de esfera. Desligo a luz e logo antes, com um último recado, me despeço do banheiro com uma foto que insinua um contexto urbano ao lado do interruptor. Penso que pode ser um recado.
147
0,68
0,36
0,22 0,175
0,36
medidas em metros
0,40
0,61
0,54
0,79
0,71
planta
0,38
iso
1 espada de são jorge:9 Nome Científico: Sansevieria trifasciata Nomes Populares: Espada-de-são-jorge, Língua-de-sogra, Rabo-de-lagarto, Sansevéria Família: Asparagaceae Categoria: Folhagens, Forrações à Meia Sombra Clima: Equatorial, Subtropical, Tropical Origem: África Altura: 0,4 a 0,6 metros Luminosidade: Meia Sombra, Sol Pleno Ciclo de Vida: Perene elemento ornamental. se adapta facilmente a ambientes internos contanto haja incidência de luz do sol. não suporta muita umidade e portanto o banheiro não é o melhor lugar para ela.
5 bonequinho: de plástico. elemento decotativo que compõe os demais. não apresenta gênero e possui somente uma cor, bege, que tenta assemelhar à pele humana. para sua fixação é ideal encaixar suas pernas sobre o vidro de um box. é articulado somente pelas pernas e braços.
2 livros: passatempo de quem permanece no banheiro por muito tempo.
7 desenhos: três elementos decorativos que tem como temática o corpo de mulheres com o rosto tampado. cada desenho tem a predominância de uma cor de fundo: dois deles rosa e outro azul. podem ter um caráter sensual se estiverem em um banheiro. outros dois desenhos representam elementos urbanos e parecem fotos. outro é uma pintura infantil.
3 espelho: “reflexo da inteligência ou da palavra celestes fazem surgir o espelho como o símbolo da manifestação que reflete a inteligência criativa. é também o do intelecto divino que reflete a manifestação, criando-a como tal à sua imagem. o espelho não tem como única função refletir uma imagem; tornando-se a alma um espelho perfeito, ela participa da imagem e, através dessa participação, passa por uma transformação. existe, portanto, uma configuração entre o sujeito contemplado e o espelho que o contempla. a alma determina por participar da própria beleza à qual ela se abre10”.elemento importante quando situado em cima da pia. é muito usado para alguém ver a si mesmo enquanto raspa a barba, as axilas, as pernas, a sombrancelha, passa batom, para que a execução da ação ocorra sem contratempos. 4 s:11 é a décima nona letra do alfabeto latino. pode ser também a representação do elemento da tabela científica enxofre, que no latim é sulfur. representa o símbolo de segundos, ponto cardeal sul, representação de abreviatura de substantivo. algumas simbologias: braile
telégrafo óptico
código internacional de sinais localizada na porta de um banheiro, pode querer dizer senhor, senhora, suruba.
6 foto: preta e branca, registra um corpo feminino, magro, com os seios à mostra e o rosto também. parece ser antiga. a expressão facial da mulher exibe certo desconforto com a foto, ao ponto de se achar que foi tirada sob pressão. se assemelha a fotos encontradas em revistas eróticas.
8 luz negra:12 pode ser chamada de luz UV-A ou luz ultravioleta. lâmpada que emite luz ultravioleta de onda longa (UV-A) e sem muita luz visível. são essenciais para observação da fluorescência. em ambientes com azulejos brancos, a luz incide nos azulejos e estes refletem uma coloração azulada que toma conta de todo o espaço e todos os objetos que possuem coloração clara. é responsável por caracterizar ambientes frenéticos. 9 piso:13 de ardósia, elemento de rocha metamórfica compacta, de granulação cinza e fina usado geralmente para revestimento de pisos. geralmente é fria, o que gera certo desconforto quando se senta sem roupa. o corpo passa a sentir frio e a tremer. 10 tapete: necessário a presença de dois. usados para secar os pés pós banho e manter o chão do banheiro seco e limpo. 11 banquinho: útil para sentar enquanto se contempla o ambiente. ideal para fazer companhia à quem realiza ações no banheiro.
12
15
17
privada: elemento essencial onde são despejados os excrementos humanos. pode ser utilizada de diversas formas: sentando sobre o assento, estando de pé a sua frente ou estar de pé sobre o assento.
torneira hidráulica: elemento funcional que permite que a água do encanamento localizado dentro da parede do banheiro possa fluir para as torneiras e o chuveiro ou não. útil para apoiar quadros.
lâmina: elemento útil para raspar barbas, pelos das axilas, das pernas, da sombrancelha. é altamente cortante, podendo causar acidentes sem que se perceba. 18 espuma de barbear: elemento utilizado para facilitar o uso da lâmina. pessoas com pouca experiência com o produto tendem a utilizar mais do que o necessário.
7 15 7 7
16
8
5
7 6 3 18 12
13 2
1
17 4
19
14
11
9
19
13 tesourinha: acessório escolar e infantil que pode ser utilizado para aparar a barba ou a franja. útil para outras necessidades do banheiro.
10
pia: elemento importante para auxiliar na higiene. apoio para realizar as funções de barbear, depilar, lavar as mãos, calcinhas, cabelo. garante que toda a espuma de barbear não caia no chão.
14
16
estante metálica: elemento útil para armazenar produtos de higiene pessoal, livros, garrafa de cerveja, camisinha e fósforo.
azulejos: elemento de revestimento de parede propício para banheiros. podem ser de diferentes cores com a função ornamental, inclusive podem delimitar áreas superiores e inferiores do banheiro.
0,43
nota-se um corpo difereferencial
de medidas serem muito
parecidas. existe uma quantidade pelos,
maior
0,34
do
deste trabalho, apesar
de
caracterĂstica
que justifica o uso de
alguns objetos do banheiro, e silhueta com menos curvas.
0,44
rente
medidas em metros
*mapeamento de corpo.
0,27
0,32
0,11 0,19
0,28
0,19
0,25
0,32
0,23
0,22
0,34
0,22
170 A investigação do corpo no banheiro revela características muito próprias do espaço. A observação começa tímida, com cautela. Um espaço ainda pouco visitado vai deixando de ser estrangeiro a medida que o corpo repousa seu olhar sobre ele. Em um primeiro momento, o espaço se revela sereno e o corpo começa a se desascelerar dos movimentos de uma rotina ordinária que antes realizava com certa intensidade em espaços outros. Se presentifica no banheiro e observa quais funções podem acontecer. Revelá-las requer que a observação aponte os objetos que estão presentes pois determinam as movimentações que deles são geradas e o agente que as executa. A diversidade de objetos leva a crer que o espaço é mais que um objeto espacial que procura por atuações específicas, ou exercer funções sociais de higiene. Cronologicamente, a medida que o espaço se torna menos estrangeiro, a luz começa a alterar sua poética serena. O banheiro deixa de ter seu sentido funcional e se transforma. Surge uma sala de banho, sala no sentido da palavra, de estar, dependência destinada ao convívio, ao repouso, à leitura. O ambiente passa a ser tomado pela luz azul, intensa, frenética. O banheiro se transforma em um palco de ações que buscam pela demora, pela exaltação, pela experimentação. A experiência no espaço instiga meu corpo explorar tais ações e usar dos objetos presentes, minha ferramenta de movimentações.
181 Suspeita-se que certo roteiro de movimentos cotidianos realizados nesse espaço pertencem a um repertório estranho ao meu, que evidencia um corpo que se difere enquanto fisiologia. Fazer a barba, uma ação indicada pela presença da lâmina e da espuma de barbear na estante metálica revela sua importância e induz o corpo a buscar formas de se adaptar à ela. A ação é ordinária de um corpo fisiológico diferente que, embora revele essas diferenças, mostra medidas parecidas que sugerem que danças cotidianas típicas desse corpo sejam coicidentemente mais fáceis de serem executadas. Meu corpo explora então formas diferentes de atuar pautadas pela curiosidade de desvendar como funcionam os objetos. As semelhanças de medidas faz com que a presença no espaço seja confortável: o nível do espelho apropriado, a distância dos objetos ao alcance das mãos. O corpo experimenta e aprende outras maneiras de se movimentar. Transforma as movimentações em fluidez. O próprio repertório de danças cotidianas induz que a ação seja extendida a outras partes do corpo. A dança transforma o corpo em questão.
202 notas 1. CIRLOT, 2005. 2. NEUFERT, 1976, p. 24. 3. Disponível em: https://www.jardineiro.net/plantas/samambaia-americana-nephrolepis-exaltata.html. Acesso em: 29.11.2018. 4. MARTIN, 2010. 5. NEUFERT, 1976, p.186. 6. DUARTE, 2015, p.16. 7. DUARTE, 2015, p.16. 8. KRAUSS, Rosaliind. Grids apud duarte, 2015, p.17. In: KRAUSS, Rosalind. The Originality of the Avant-Garde and Other Modernist Myths. Cambridge: MIT Press, 1985. 9 Disponível em: https://www.jardineiro.net/plantas/espada-de-sao-jorge-sansevieria-trifasciata.html. Acesso em: 29.11.2018. 10. CHEVALIER, GHEERBRANT, 1989. 11. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/S. Acesso em: 30.11.2018. 12. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Luz_negra. Acesso em: 30.11.2018. 13. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ardósia. Acesso em: 30.11.2018.
o movimento no espaço este trabalho evidencia um esforço em tecer um diálogo teórico entre os campos da dança e da arquitetura. muitas vezes é obscura essa relação devido à sua complexidade. no entanto sua relevância é indiscutível. a partir da leitura de arquitetos, artistas, filósofos, teóricas da dança, produzo relações entre ambos os campos do conhecimento e busco demonstrar a importância da dança como agente de ressignificação do espaço. movimentos surgem a partir do corpo encontram no espaço poético a oportunidade de dançar.
206
por que dança e arquitetura?
Minha relação com meu corpo sempre teve um sentido de investigação: o corpo que se movimenta, que é funcional para as atividades do cotidiano, que responde a estímulos sensoriais e que pode também dançar. Neste momento de conclusão de graduação em arquitetura, momento, a um só tempo, pessoal de reflexão sobre o percurso na faculdade e coletivo, pois pressupõe uma relação com o curso, com a disciplina e com a profissão, percebo como o corpo – não só o meu - foi adquirindo outros significados ao longo do tempo. Nesses últimos seis anos minha investigação conheceu outros repertórios que foram fundamentais para ampliar as possibilidades onde o corpo pode se inserir e servir como instrumento ativo de análise e exploração da arquitetura enquanto projeto e espaço construído. No início da faculdade o corpo é apresentado como uma métrica, um parâmetro para que desenhos arquitetônicos pudessem ser facilmente compreendidos com relação à escala. Nesse momento também entendemos que o corpo tem a possibilidade de medir espaços quando passa
207 a ser entendido como uma régua. Tomamos consciência que as medidas das mãos, dos pés, do passo podem medir uma parede, um chão ou uma escada. E aprendemos a transferir essas informações sensíveis para a linguagem abstrata do desenho bidimensional. Quando avançamos no curso nos atentamos que a relação bidimensional com os espaços não é suficiente para uma percepção mais completa e somos instigados a percebê-lo tridimensionalmente. O corpo, quando inserido nesse espaço, opera de forma tridimensional, considerando movimentos que exploram profundidade, cheios e vazios e pode construir novas espacialidades. Busco então explorar a relação que o corpo pode estabelecer com o espaço permitindo que meu corpo seja o instrumento da interação entre dança (como uma forma de pensamento do corpo) e arquitetura (como uma forma de pensamento do espaço). Minha existência no meu corpo e a relação que sempre tive com ele muitas vezes trouxeram questões que geraram desconfortos. Minha timidez sempre foi um fator que dificulta minha expressão corporal. Quando a expressão aciona movimentos livres que se diferenciam dos movimentos cotidianos ou quando inclui nela desejos, sentimentos e julgamento pelo olhar de um estrangeiro, o movimento é difícil, não fluido. Por outro lado, ter como desafio investigar como se move esse corpo tímido, a fim de explorar a dança como uma linguagem que propicia diversas relações com a arquitetura, possibilita que eu me veja nesse momento como um corpo treinado para dançar, que segue aprimorando a dança enquanto expressão artística dos movimentos e uma arquiteta que investiga a possibilidade dessa ação de questionar o projeto, a funcionalidade e os usos de um espaço, propondo a
208 desconstrução de padrões de movimentações referenciados a determinados ambientes. Durante esses sete meses no qual estive mergulhada no tema dança e arquitetura muitas foram as bibliografias que nortearam esse trabalho. Entre elas, leituras que abrangem o tema coreografias urbanas a partir de André Lepecki, teoria de dança por Helena Katz e Christine Greiner, conceitos de espaço por filósofos como Michel de Certeau, Merleau Ponty dentre outros que dialogam com conceitos espaciais de normas ABNT e Neufert. Na relação da arquitetura com a dança nomes como Bernard Tschumi norteou as possíveis conexões. Outros trabalhos de conclusão também foram muito importantes para orientar a direção deste trabalho como os da Marian Bodegraven, Manuela Porto, Paloma Mecozzi e da Tiê Higashi. Como referência de artistas que tecem relações entre espaço e dança referencio Trisha Brown e Gordon Matta-Clark, Julie Desprairies, VALIE EXPORT, que trazem discussões de um corpo que questiona e instiga a relação com o espaço. Além de referências no campo da teoria foi importante para o processo deste trabalho o curso que fiz no Sesc Consolação que se intitulava Corpo, Ambiente e Poética ministrado pelo Núcleo Aqui Mesmo. Propunha atividades in situ1 na Praça Rotary em São Paulo atentando o olhar para modos de ler e intervir na cidade criando poéticas a partir da dança. Esse curso foi importante para mostrar ferramentas destinadas à criação de dança no espaço existente e público. Muitas delas podendo também ser adaptadas a ambientes fechados. Por ser um espaço que é palco de ações cotidianas muitas delas realizadas de forma automática, o banheiro é escolhido como objeto a ser explorado. Este se caracteriza por estar ligado
209 a funções específicas e, por isso, é projetado a partir de uma lógica funcionalista a partir da qual os espaços são pensados com vistas na eficiência das ações. A partir do projeto e da espacialidade construída segundo esse desenho tenho como objetivo realizar uma investigação para o reconhecimento dessas ações cotidianas, o levantamento arquitetônico desse espaço utilizando o corpo como métrica e a posterior revisita com o objetivo de explorar por meio da dança o espaço gerado. O corpo é então medida de interação e reinterpretação do espaço e das ações por ele geradas cotidianamente. Para análise neste trabalho foram selecionados três banheiros, todos eles domésticos sendo o banheiro “um”, localizado em um sítio em Itatiba, São Paulo, o banheiro “dois” e “três” em São Paulo, pertencentes a amigos que moram sozinhos. Os três banheiros selecionados me chamaram a atenção por algum aspecto como por serem de alguma forma estranhos a mim, objetos que os compõe, sejam eles decorativos ou funcionais ou pela luz que cria uma atmosfera diferente em cada situação. Para cada um deles foi feita uma primeira aproximação, um estudo de campo que resultou em uma série de fotos e narrativas descritivas. O banheiro “um” resultou em um ensaio fotográfico onde foram levantadas as medidas a partir da métrica do corpo, que resultaram em desenhos de planta e isométrica e o posterior posicionamento do corpo como agente subversivo desse levantamento. No banheiro “dois” foi feito o levantamento métrico a partir do corpo e da observação do olhar já treinado. Em um segundo momento ensaios de dança também puderam ser realizados, que buscou interagir com elementos do banheiro ao mesmo tempo que danças cotidianas aconteciam. O banheiro “três”
210 seguiu as mesmas ações iniciais de levantamento e a observação me fez atentar ao fato de que era o único dos três banheiros que pertencia a uma pessoa que executava danças cotidianas diferentes das minhas. Tive então como objetivo explorar essas danças no meu corpo, o que resultou em um ensaio fotográfico. A partir de um encontro com Marta Bogéa, arquiteta e urbanista com quem tive o prazer de conversar ainda no decorrer do semestre, muitas questões me foram colocadas. A partir de uma apresentação na qual expliquei a narrativa desse trabalho de conclusão referências foram citadas que ajudaram a nortear alguns aspectos do trabalho como as obras Através do Vidro de Olhar e Identidade de Cris Bierrenbach que trazem uma discussão de imagem e a interação com o objeto espelho e o curta metragem Demônios de Virgínia que traz discussões sobre a solidão, a desilusão, sobre o diálogo do que verdadeiramente se é com o que os outros enxergam. Essas referências trazem como perspectiva para as possíveis danças de um conteúdo com reflexões sobre situações reais de permanências em banheiros, para que este lugar não se torne ambiente com uma intimidade sem profundidade. Esse trabalho análisa os banheiros selecionados tendo em vista que estes se situam em uma cultura específica, ocidental e que configura banheiros específicos dessa cultura. Trata-se de um relato pessoal, direcionado a um corpo com características próprias (ainda que ciente que corpos que ocupam esses espaços não são únicos e que apresentam suas particularidades e que levam a coreografias diversas). Visa tecer uma aproximação desse corpo com as possíveis coreografias que os banheiros podem sugerir. Tem como objetivo entao explorar esses três projetos arquitetônicos enquanto
211 desenho e refletir como a dança pode explorar a espacialidade gerada pelos banheiros construídos. Proponho primeiro reconhecer e descrever as ações cotidianas que envolvem a rotina do banheiro, segundo descrever os banheiros selecionados a partir de sua espacialidade e os elementos que os compõe, terceiro levantar arquitetonicamente os banheiros utilizando o corpo como métrica e, por último, retornar a esses banheiros a fim de explorar por meio da dança o espaço gerado e perceber as sensações que esse espaço responde. Como método de análise proponho inicialmente estabelecer uma interação com os banheiros considerando a medição do espaço a partir do corpo como referência, levantamento de mobiliários, de objetos, dos espaços cheios e vazios e da investigação de similaridades com normas e referências de desenhos, como o Neufert e as normas ABNT, que propõe medidas ergonômicas para espaços funcionais. Ao mesmo tempo, analiso as funções que os banheiros propõem ao cotidiano das pessoas que usam com frequência e faço descrições narrativas sobre as percepções físicas geradas pelos banheiros, mapeamentos e desenhos. Em um segundo momento me aproximo de alguma função do banheiro e do espaço por ela ocupada, busco alguma memória ou experiência pessoal que se relaciona com essa função e relaciono essas experiências com o cotidiano dos banheiros selecionados. Em um último momento analiso a função optada e, a partir das memórias proponho uma dança que possa subverter o significado dessa função. O registro se dará a partir de desenhos, fotos e vídeos.
212
o corpo como percepção do espaço
Uma das formas do corpo se apresentar ao mundo é partir de seus aspectos físicos e biológicos que possibilitam seu funcionamento e permite que este se movimente. Para cada movimentação o corpo projeta uma intenção. Pode propor a satisfação das necessidades mecânicas e fisiológicas de se movimentar ou pode estar receptivo à percepção do espaço, resultando em questionamentos sobre padrões de movimentações pelos quais habitualmente e culturalmente esse corpo está acostumado. Para que a percepção seja possível, a interação do corpo com um espaço marcado por um tempo é necessária. Segundo o arquiteto Jo Takahashi2, o corpo contemporâneo está alocado no cenário urbano e se comporta no mundo a partir de camadas que vão desde a pele - que apresenta como a fronteira física entre o corpo e o espaço que a envolve, a dimensão pessoal desse espaço que se referencia por imagens, memórias e significados - até aquilo que vai além desse universo pessoal que configura a espacialidade da paisagem urbana e a estrutura
213 dos espaços. O método de receptividade da percepção e questionamento passa então pelo reconhecimento dessas camadas de interação. Muitos dos ensinamentos que adquirimos na faculdade determina o corpo como escala que exclui as percepções sensoriais. Ernst Neufert3 publica em 1936, na Alemanha, o livro A arte de projetar em arquitetura no qual toma o ser humano como medida para utilizar como elemento fundamental no desenho de projeto. Para Neufert as dimensões do que se projeta devem estar intimamente relacionadas com as do corpo. Para evitar certas “anomalias” de escala de projeto “devem saber as relações entre os membros de um homem normal e qual é o espaço que necessita para se deslocar, para trabalhar, para descansar em várias posições”. É necessário, portanto, que essas medidas estejam claras para que o “homem” possa se adequar aos espaços, inclusive quando se trata de espaços mínimos: “Obtemos uma ideia mais correta da escala de qualquer coisa quando vemos junto dela um homem, ou uma imagem que represente suas dimensões. Nas revistas profissionais atuais é vulgar representar edifícios ou salas sem lhes justapor a mancha de uma pessoa. [...] pode atribuir-se também a falta de unidade entre vários edifícios, por terem sido projetados partindo de escalas de comparação arbitrárias e não da única que é correta, o corpo humano4”. Ernst Neufert O modulor, desenho de proporções e medidas baseadas no corpo humano como uma métrica, proposto por Le Corbusier em 1945, é a referência de um possível corpo moderno que caracteriza o “homem” como medida e um
214
fonte: NEUFERT, 1976.
observador da cidade. O arquiteto pretende criar então uma medida comum, uma escala unificada de medição baseada em expressão matemática capaz de promover inúmeras combinações que são harmoniosas permitindo que outras culturas passassem a aderir a essas formulações5. No entanto, ainda segundo Takahashi, enquanto objeto funcional que revela um comportamento, o modulor é isento de interioridade, de desejos reconhecíveis por um corpo-erótico, um corpo que é sensível à estímulos sensoriais, que se deixa seduzir aos sentidos. Merleau-Ponty6 (1908 – 1961), filósofo da fenomenologia que aborda o conceito de corpo físico que habita um espaço urbano, é o corpo com consciência perceptiva que se inter-relaciona com espaços que estimulam os sentidos. Esse corpo é dotado de corporeidade, função que supera as especificidades fisiológicas e que é dotado de intencionalidade que dialoga com um contexto.
215
fonte: Fondation Le Corbusier.
“O que se vê, não pertence ao objeto; pertence ao universo particularizado do observador7”. Merleau-Ponty Merleau-Ponty diz que nosso corpo é dotado de complexidade que vão além do corpo como matéria biológica. O corpo representado por Le Corbusier ou a escala humana que adota Neufert representa um envoltório gráfico que não contempla toda essa complexidade, como a sensibilidade do corpo enquanto agente ativo, poroso, que absorve experiências e armazena em forma de histórias, memórias, traumas, sensações. São medidas impostas e matematicamente formuladas, refletidas como uma régua que não considera que o corpo humano percebe coisas além de uma escala. Os espaços nos quais esses corpos eróticos habitam podem ser chamados de espaços eróticos, definidos por Merleau-Ponty como espaços que convocam os sentidos a partir dos sons, dos cheiros, das texturas, dos sabores, do que se
216 vê. É como a feira livre. Voltando a Takahashi, a cidade contemporânea, da sociedade midiática, interfere na existência poética desses espaços dando lugar a “não lugares”, espaços anônimos, deserotizado como os shoppings centers. O corpo então se perde, não consegue se posicionar. Ao revés, quando o corpo consegue responder às sensações captadas pela superfície da pele em um espaço, quando o corpo observa, percebe, provoca e se seduz, se alcança a relação corpocidade, de integração fisiológica, perceptiva e espacial. O banheiro pode ser caracterizado então como uma zona híbrida entre o espaço erotizado e deserotizado. Embora conte com uma coreografia funcional específica, cotidiana, que reflete na deserotização do espaço, é também íntimo, onde as necessidades fisiológicas ganham protagonismo assim como as demais sensações corporais e a nudez. Torna-se então em um espaço erotizado. Quando o corpo é sensível a um contexto espacial tem a capacidade de perceber, explorar e propor novas interações com o ambiente. Tem a potência de transformar situações e lógicas espaciais no qual se habita e, nesse sentido, age como um elemento ativo capaz de propor reflexões. O corpo passa então a criar novas espacialidades deixando de ser simplesmente uma escala humana, uma métrica que tem a função somente de medir. Ao se deparar, por exemplo, com uma sala qualquer, ou um ambiente íntimo, mais reservado como o banheiro, ao explorá-lo no papel de arquiteta, em um primeiro contato, o corpo é uma possível métrica de medição. Usa-se então toda e qualquer maneira de incorporar o corpo às paredes, ao chão, à janela, aos mobiliários, aos
217 espaços formulados pelo projeto que resultou no espaço construído. A medida que a exploração passa para além da medição, a percepção sensorial começa a protagonizar. A observação da sala ou do banheiro, demorada e dedicada, traz memórias, referências, imagens semelhantes que trazem consigo sensações. Um cheiro familiar ou o simples uso dos equipamentos funcionais desse espaço podem remeter a lembranças. A partir desse momento, o corpo deixa de ser uma escala humana que tem a finalidade de levantar medidas mas interage de forma mais profunda com o espaço.
218
o corpo estrangeiro
“Em um país tão vasto e diverso, sempre se é um estrangeiro8”. Helena Katz
Um corpo estrangeiro pode ser identificado em muitos contextos: em um lugar que é estranho a quem vive nele, em um lugar de onde um povo é originado, porém foi colonizado por outros povos estrangeiros e quando se é estrangeiro a si próprio, não reconhecendo o espaço onde se habita. Quando a atenção se dá à última opção, muitos são os fatores que influenciam essa percepção como o olhar de uma outra pessoa que está de fora e, principalmente, o não reconhecimento da própria imagem, do próprio olhar. A imitação, ou a mimese, aparece como uma estratégia de reconhecimento e é fundamental a presença de um referencial, seja ela a partir de um outro corpo que representa uma situação ou do próprio corpo que recorda uma situação. A imitação nesse caso adota uma estratégia de camuflagem, situação que expõe a diferença e o que suscita desse processo é a reapresentação de algo novo, uma possibilidade de articular novos movimentos.
219 “No momento em que a mimese é utilizada como pressuposto de revolução, reordenando valores e ícones da realidade visível, e fornecendo outros valores, recondicionando leituras e interpretações, ela se torna poderoso instrumento de criação artística9”. Jo Takahashi A sequencia de movimentos realizada por um corpo e ambientada em um espaço determinado possibilita relações entre o que este corpo que representa vê e o que não vê, assim como uma relação com aquele que observa o que se desenrola e reconhece o corpo estrangeiro em questão, o espectador. O autor das ações pode então realizar a dança tendo em vista um público, conhecido ou não, ou realiza-la sem a intenção de tornar pública, como um praticante ordinário. Por outro lado, o espectador pode estar presente como um convidado a observar ou interagir com o autor assim como assumir uma posição de observador oculto, que espia a ação, que observa a distância, um voyeur. A relação que se adota com o espectador pode influenciar na maneira que as ações se desenrolam. No caso do espaço ser o banheiro, o voyeur, que se posiciona como um ser que espia a ação, percebe o autor que se expõe em situação de plena execução livre de movimentos, que liberta o corpo, que não está preocupado pelo julgamento daquele que observa, seja esse movimento reprodução de ações cotidianas como o banhar-se ou que extrapola essas ações, quando interage com algum elemento e que produz uma dança. Ao contrário, quando a presença do espectador é consciente pelo autor, os movimentos já adquirem uma certa resistência e são pensados para se desenvolverem a partir de uma estética, de uma técnica. A mimese, que
220 como citada anteriormente se caracteriza por se tornar um instrumento de criação artística, se insere nessa última relação no qual os movimentos já adquirem certo pensamento.
221
a dança enquanto linguagem “Vou direto às minhas ideias e lhes digo sem nenhuma preparação prévia que a dança, na minha opinião, não se limita a ser um exercício, um entretenimento, uma arte ornamental nem uma atividade social qualquer; trata-se de coisa séria e, em certos aspectos, algo de muito venerável. Toda época que entendeu o corpo humano, ou teve pelo menos algum sentido do mistério desta organização, de seus recursos, de suas limitações, de suas combinações de energia e sensibilidade, não apenas cultivou, como reverenciou a dança10”. Paul Valéry O corpo é onde a dança flui, onde os movimentos começam a serem propostos e executados em sua melhor condição. Enquanto matéria física, serve de instrumento para que a dança possa acontecer. No entanto, a dança não pode ser reduzida a apenas um corpo que produz movimentos simplesmente motores já que a ação de dançar propõe mais. Segundo Helena Katz11 a “verdadeira dança” é a junção das movimentações com o que elas produzem, a qualia, qualidade da experiência advinda da percepção sensivelmente reproduzido pelo corpo que escapa à realidade e a tentativas de explicações racionais12. A dança se propõe como um conhecimento do mundo, como entendimento dos fatos que ocorrem e são evidenciados no mundo que fluem entre o biológico e o cultural e modeliza questões. Segundo Katz (2005) a produção do
222 conhecimento inicia-se pela percepção de um objeto, a partir de seus aspectos formais e resulta em uma ação. O quão similar é a composição de movimentos a esses aspectos, a ponto que se faz pensar que nenhuma mediação houve, é o que caracteriza o objetivo de quem dança. Tomando como objeto de percepção o espaço concebido pelo banheiro, a percepção se dá a partir de seus aspectos formais tais como a disposição dos elementos, que tipo de funcionalidade estes propõem e que tipo de relação é dada entre eles que resulta em ações funcionais, cotidianas. Mas não só os aspectos formais orientam a maneira como os movimentos são construídos. As sensações que este espaço provoca também influenciam nas ações que dele originam, caracterizados pela observação a partir da visão, do tato e do olfato, que revela além de composições estéticas, materialidades, texturas, temperaturas, luminosidade e odores. A relação que se faz de ambas as percepções, tanto formais quanto sensoriais, propõe movimentos que ora de complementam e ora se contrapõem. Segundo Helena Katz, o processo de aprendizado da dança pode se dar de duas principais formas. Pode ser entendido como um processo que ocorre pelo erro ou se dá pela repetição. O primeiro processo é entendido como modelo científico, é transformável e acontece quando ocorre uma ruptura no conhecimento já estabelecido, propondo uma nova verdade. Essa nova verdade denuncia a antiga verdade que passa a ser considerada como erro. Desse ponto de vista, o processo de aprendizagem ocorre via o erro. O corpo também aprende pela repetição dos movimentos. O treinamento gera melhorias que, em um corpo consciente produz diferenças. A cada repetição, imperceptíveis mudanças acontecem. É como se inconscientemente pequenas melho-
223 rias acontecessem a cada novo ciclo de movimentos que são imperceptíveis. Quando essas mudanças se acumulam é que se nota a diferença e o corpo aprende. É quando quem dança se dá conta que aquela movimentação que tanto se ensaiou “entrou no corpo” e passa a fluir com facilidade. O aprimoramento dos movimentos acontece quando ambos os processos de aprendizagem acontecem de forma simultânea. Quando se chega à mais completa sequência de movimentos, quando se explora todas as possibilidades de movimentação do corpo, é quando a dança se torna o pensamento do corpo. É quando a dança propõe movimentos diferenciados, ou quando a forma de movimentação ultrapassa os sentidos, fazendo com que alcance outro patamar e ao corpo resta somente a execução. Os movimentos passam então de pensamento do cérebro para o pensamento do corpo. Retomando o espaço do banheiro como o objeto de estudo e levando em consideração que este se insere em um contexto social específico, desde muito cedo em nossas vidas o banheiro é um lugar que já determina certas coreografias ensaiadas. Essas coreografias se referenciam por um desenho funcional, determinado muitas vezes por manuais de arquitetura e normas que são transmitidas como ensinamentos na faculdade em forma de desenho. São desenhos que se caracterizam por especificar corpos únicos que habitam espaços com desenhos enrijecidos. No banheiro, a série de normas de ergonomia faz com que os elementos estejam localizados muitas vezes com uma mesma configuração prezando pela máxima eficiência no mínimo espaço para que os movimentos desenvolvam uma lógica funcional. No entanto, corpos que ocupam esses espaços não são únicos. Apresentam suas particularidades que levam a coreografias
224 diversas, que extrapolam o desenho de normas e manuais. O aprendizado da dança funcional do banheiro, partindo da lógica de Katz, pode se dar pelo erro a partir da prática adquirida pelo uso e pelo ato de desenhar que, quando o corpo não responde à coreografia imposta, se evidencia o erro e uma nova verdade é revelada. É o caso de por exemplo, enquanto se está tomando banho, a partir de alguma influencia seja ela pela seleção de materiais ou por desestabilidade do corpo, se leva um tombo. Ou pode-se dar também pela repetição, quando a coreografia cotidiana, após repetidas inúmeras vezes ao longo da vida, aponta situações e questionamento que buscam por melhorias e novas adaptações. É o caso de usar o momento do banho para chorar e buscar a melhor maneira para realizar essa ação ou do uso da privada que pode encontrar outras formas de coreografia como o ato de ler algo ou ainda a maneira mais confortável de escovar os dentes pela manhã. Enquanto linguagem, a dança é identificada quando apresenta alguma forma no corpo de quem dança que segue algum aspecto. É a linguagem que determina uma realidade e, em associação por semelhança, o movimento surge e ganha vivacidade. O ato de dançar explora movimentos diversos, está em constante processo de renovação e não possui uma forma definida, “não se volta no tempo da dança, não se recupera um movimento já executado13”. Esse constante processo de produção de movimento se dá pela experimentação, pela observação, pela dedução, pela percepção. O movimento propõe um novo contexto e nele está inserido. “Quando irrompe no corpo, o movimento já é resultado da cadeia desses acontecimentos perceptivos, e se presentifica como um único14”. A seguir, frames
225 do filme “O Banho” de Marta Soares dialogam com essa questão proposta por Katz:
O Banho15 Concepção, Direção e Performance: Marta Soares Desenho de Som: Lívio Tragtenberg Desenho de Luz: Wagner Pinto Câmeras: Marta Soares, Helio Ishii e Nelson Enohata Edição e Finalização do Vídeo: Leandro Lima Fotos: João Caldas Produção: Cais Produção Cultural Direção de Produção: José Renato Fonseca de Almeida Assistente de Produção: Beto de Faria Solo realizado em uma banheira com água, onde Marta Soares executa sequência de movimentos, inspirados pelas fotografias de mulheres histéricas, sob autoria do médico e cientista Jean-Martin Charcot, no início do século passado. A instalação coreográfica O Banho resulta de pesquisa realizada sobre a vida de Sebastiana de Mello Freire, Dona Yayá, mulher da elite paulistana que, ao ser diagnosticada doente mental, teve sua casa na Bela Vista, São Paulo (hoje tombada pelo patrimônio histórico) parcialmente transformada em um hospital psiquiátrico privado e nela permaneceu isolada por ordens médicas por 42 anos (entre 1919 e 1961). Trata-se de instalação coreográfica, constituída por projeções de vídeos em formato de tríptico (três imagens lado a lado). Com 50 minutos de duração e instalação sonora de Lívio Tragtenberg, a obra foi concebida em loopings, com esses elementos transpostos para a iluminação e a sonorização e a sequência de movimentos executados por Marta. Os vídeos são imagens captadas por Marta, especialmente dos reflexos do seu corpo projetados no espaço, a partir do solário de vidro existente na casa da Dona Yayá.
226 A partir da percepção o corpo experimenta o mundo e possibilita a produção de conhecimento. Para atingi-lo é necessária a busca da experiência perceptiva e não do caminho da intuição ou da introspecção. A noção de indeterminação e incertezas fazem com que o conhecimento esteja sempre em busca de definição. O processo de percepção passa pelo ato de descrever. A nossa descrição representa a descrição do que experimentamos e não a coisa em si mesma. “Descrever do que um corpo é feito não basta para entender como ele funciona...a própria descrição cria corpos que descrevem16”. As descrições começam pela forma como reconhecemos as coisas, dada pelos cinco sentidos: cheiro, gosto, tato, aparência, sons e, neste caso, o corpo como unidade de medida. O processo de descrevê-las, de descrever suas propriedades e detalha-las é possível pela experiência dessas características em nós mesmos e, somente após, se tornam conscientes. O corpo que descreve as ações do banheiro é dotado de características particulares são evidenciados pela presença nesse espaço e induz à descrição. A partir do prévio conhecimento das medidas desse, como as medidas das mãos e dos pés, habilitam a descoberta de medidas físicas como das paredes ou do box. A partir da anatomia do quadril é possível decifrar a medida da privada, ou pela altura do quadril determinar a altura da pia. Além do corpo como medida, as descrições ativam memórias e percepções outras provocadas pelos sentidos. É o caso, por exemplo, da visão que se atenta à composição estética e aos detalhes figurativos; do olfato que caracteriza o lugar e remete a sensações de repulsa ou bem-estar, da sensibilização a partir de uma iluminação que propõe acolhimento vontade de
227 permanência ou de agilidade nas ações ou do toque que sensibiliza sensações como do frio do azulejo que se contrapõe com o vapor de uma água quente. Assim como os corpos caracterizam o espaço a partir de descrições dadas essas mesmas descrições evidenciam o corpo que descreve, ou seja, um corpo que tem memórias, que está alocado em um contexto social específico, que é apto a todos os sentidos e movimentações. Com relação às movimentações, a conquista da habilidade, da fluidez vem após a tomada de consciência, naturalizando e automatizando a ação. Assim como as ações do banheiro que devido sua funcionalidade levam, por repetição, à fluidez. Portanto, a tomada de consciência é entendida como um processo que depende diretamente da observação e da percepção. “Não existe uma única e melhor descrição de qualquer objeto que sirva para qualquer propósito17”. A representação é tradução do significado de um objeto para seu intérprete. Um corpo dança no trânsito entre as representações proporcionadas por essas traduções adquiridas pela percepção, que se relaciona a memórias e imagens. O corpo somente adquire fluidez quando a representação mental já está bem formada. O processo de representação mental depende da intenção, dos desejos, das crenças relacionadas a seus conteúdos. E somente a partir desse processo de relacionar a intenção com a representação que se transforma as hipóteses em fato. “Um corpo que dança é sempre um território particular que impõe suas próprias regras. Onde os impulsos deixam de ser turvos e a vida persevera, num exílio organizado18”. Helena Katz
228 A dança só pode ser apreciada quando é uma ação. E enquanto ação é capaz de propor seu próprio espaço, sua própria atmosfera, que descarta cenários. É capaz de possibilitar encontros, novas relações, novos contatos com o outro e com o espaço no qual está sendo definido. E esse espaço, quando definido, pode durar poucos minutos, enquanto uma apresentação, mas reverbera enquanto novas proposições.
229
a dança como potencial político no espaço
“Dança como uma ação transposta a um mundo, a uma espécie de espaço tempo que não é mais o mesmo da vida cotidiana19”. Helena Katz
Essa reflexão nos induz a pensar que a dança pode se situar em outros contextos e propor outras reflexões. O corpo, que atua como um agente propositivo, pode ser entendido como um instrumento de ressignificação inserindo de forma política em questões da vida cotidiana. Seguindo a ideia de transgressão proposta pelo filósofo Michel de Certeau em A invenção do cotidiano (1998), o ser humano é visto como agente potencial para transgredir a realidade a partir de práticas capazes de reinventar o real. As “ações táticas”, defendidas por Certeau, representam um conjunto de ações que subvertem uma lógica sistêmica com ações fragmentadas, não homogêneas, pontuais. Seriam essas ações contempladas por movimentos que, a partir de movimentações cotidianas, extrapolam o limite do trivial, das movimentações ordinárias e as transformam em dança. A ideia de subversão é então proposta de modo específico e singelo, que dialoga com o espaço no qual a dança acontece e com quem passa pela experiência. Propõe um processo de reflexão e de trans-
230 formação à respeito de questões provenientes dessa ação. Nesse processo, o espaço ao qual se está inserido é também ressignificado. O espaço então exposto se conceitua, segundo Certeau, em um lugar praticado. Um lugar expõe a ordem pela qual os elementos se distribuem caracterizando a impossibilidade de coexistências desses elementos. É, portanto uma configuração instantânea de posicionamentos que indicam estabilidade. Se transforma em espaço a partir da apropriação desse lugar. Dessa forma, uma rua (um lugar) é planejada geometricamente e transformada em espaço pelos pedestres. Henri Lefebvre20, filósofo e sociólogo francês, complementa citando que o espaço é manipulado historicamente baseado na maneira como as pessoas se relacionam com ele a partir de atividades cotidianas. E para analisar como esse espaço é produzido é importante analisar a relação entre o lugar concebido (aquele que é idealmente projetado) e o espaço vivido (que resulta da percepção das pessoas que nele ocupam). A dança, quando transformada no ato de dançar se caracteriza em um ato político em potencial, que une a arte e a força política em um movimento social. Segundo Lepecki (2012) o binômio arte-política passa a ter função de “perturbar a formatação cega de gestos, hábitos e percepções21”. A capacidade de propor possibilidades de mobilização, de participação e ativação revela à esta arte uma força crítica que para ser compreendida de forma plena não deve ser vista como uma analogia, mas sim de forma empírica. O teórico marxista da dança, Randy Martin publica em um livro intitulado Critical Moves em 1998:
231 "Ao contrário da maior parte da prática política, a dança, quando é dançada e quando é vista por um público, torna disponível, de modo reflexivo, os meios pelos quais uma mobilização é feita. Assim sendo, a relação entre dança e teoria política não poderá nunca ser entendida plenamente, e de forma útil, se for vista meramente como uma analogia ou uma metáfora22". Randy Martin Essa relação não metafórica é traduzida pelo conceito da coreografia que enfatiza a relação dança-política. As coreografias originadas então a partir da dança além de manifestar ou expressar uma determinada ordem social nomeiam princípios teóricos que articulam elos entre práticas artísticas, sociedade e política. Trazem à tona muitas ideias, tanto em nível conceitual quanto em nível formal nos quais se baseiam o fazer artístico possibilitando quebrar categorias e indicar novas direções sempre quando certas categorias da arte encontra um impasse ou quando as formas das artes estabelecidas são limitadas. O corpo citado anteriormente como instrumento da realização da coreografia, se posiciona como detentor da experiência do espaço no qual se insere. Paola Berenstein (2008) cita o conceito de corpografias, que refere a um tipo de cartografia realizada pelo e no próprio corpo no qual se inscrevem memórias urbanas e o registro da experiência do corpo na cidade, configurando o corpo de quem experimenta. Esse tipo de experiência pode se expandir para outros espaços além do urbano considerando que o corpo está presente em diferentes espaços e em todos eles, é marcado por algum tipo de memória no simples fato de existir no cotidiano.
232 “...o corpo do dançarino não é justamente um corpo dilatado segundo um espaço que lhe é ao mesmo tempo interior e exterior?.... Meu corpo está, de fato, sempre em outro lugar, ligados a todos os outros lugares do mundo e, na verdade, está em outro lugar que não o mundo...O corpo é o ponto zero do mundo, lá onde os caminhos e os espaços se cruzam...23”. Michel Foucault A partir dos mais diferentes tipos de experiências vividas por cada um determinantes pela temporalidade e intensidade de experiências, cada um desses corpos acumula diferentes corpografias. No momento em que se realiza uma coreografia os corpos configuram diferentes cartografias no espaço que atualiza o projeto e evidencia um mapa que é modificado pelo usuário. Uma coreografia pode então ser vista como um projeto de movimentação corporal para um ou diversos corpos e implica em desenho, composição, roteiro. Os corpos dos que executam uma dança atualizam então o projeto inicial a partir de uma apropriação e realizam uma espécie de cartografia da coreografia. O acúmulo das múltiplas experiências pelas quais um espaço é palco o transforma em heterotopias. Segundo Foucault “a heterotopia tem como regra justapor em um lugar real vários espaços que, normalmente, seriam ou deveriam ser incompatíveis24”e são ligadas a recortes singulares do tempo. A dança, quando ligada a ideia de que age como instrumento da subversão dos espaços e cria novas realidades possibilita a interpretação de que é capaz de criar múltiplos espaços que possam de sobrepor, criando heterotopias.
233
o corpo que dança busca a arquitetura
O corpo que dança é dotado de potencial para propor uma reflexão política. No contato com o espaço, pode propiciar a expansão dessa reflexão para o campo da arquitetura, tensionando questões não explicitadas pelo desenho. Tanto o coreógrafo quanto o arquiteto possuem atividades similares quando interagem com o espaço: se utilizam dos corpos para configurarem os espaços, se utilizam das movimentações destes para configurarem um percurso, um roteiro ou uma coreografia, se relacionam com demais artes para serem referenciados para elucidação de um partido. Quando em conjunto,utilizam do contexto social e político para propor um desenho que possa estabelecer um diálogo. São sob essas perspectivas que se encontram as práticas de Tschumi assim como da coreógrafa Trisha Brown, situadas em um mesmo período histórico contextualizado por movimentos contraculturais, que resultaram em novas formas de estar no espaço e reinventaram maneiras de pensar e agir nele. Julie Desprairies e VALIE EXPORT, nomes ainda pouco conheci-
234 dos no Brasil, contribuem para tecer a relação do corpo enquanto mediador das relações entre o espaço e as questões por ele evocadas e como testemunha de ocupação do espaço. A dança é uma ferramenta importante para tecer essa relação e a arquitetura é importante para ser objeto de apropriação da dança.
bernard tschumi Bernard Tschumi (1944 – ) na década de 70 repensa sua produção arquitetônica baseada na inquietação quanto ao papel que exerciam para a sociedade contemporânea. Foi influenciado pelos movimentos contestatórios de maio de 1968 na França e por práticas situacionistas, que reflete um desejo pela transgressão da realidade tal como estava estruturada a fim de alavancar possíveis mudanças políticas e sociais. Nesse mesmo período a arquitetura modernista passava por crise de sentido, quando práticas funcionalistas e a racionalidade do espaço eram revistas e se tornava necessário então a redefinição das teorias com base na dimensão social, cultural e política para então se relacionar com o espaço a partir de percepções sensoriais e simbólicas. O diálogo com a arte se faz essencial para produzir criticamente uma outra realidade espacial a partir de situações de experimentação e micro resistências. Afasta-se da arquitetura enquanto forma e propõe que espaços arquitetônicos são neutros e a dimensão política está nos usos que são feitos deles:
235
Bernard Tschumi Manhattan Transcripts 1: The Park 1978. 24 painéis de 33 cm x 68 cm. fonte: TSCHUMI, 1994.
“O confronto inerente à arquitetura entre espaço e uso e a inevitável disjunção dos dois termos significa que a arquitetura é constantemente instável, constantemente à margem de mudança... 25”. Bernard Tschumi Em “The Manhattan Transcripts (1977 – 1981), Tschumi elabora um projeto teórico composto por quatro manifestos (The Park, The Street, The Tower e The Block) que discute o movimento no espaço urbano a partir de acontecimentos diversos em Manhattan, Nova York. Baseados em técnicas do cinema, dança, fotografia e música desenvolve outras notações arquitetônicas que se transformam em dispositivos que, mais tarde, foram fundamentais para empregar como
236 estratégia de projeto. Em The Park, por exemplo, por meio de uma notação sequencial de três partes, tece interpretações arquitetônicas da cidade que permeiam entre o real e a fantasia tensionando questões sobre a experiência do espaço a partir de uma história de assassinato no Central Park. Espaço e tempo são ressignificados a partir de sucessões de eventos que se desenrolam e geram movimentações ao longo de vinte e quatro sequencias com três enquadramentos cada que, juntos, revelam o espaço arquitetônico do parque. O primeiro enquadramento se refere a uma foto do acontecimento, o segundo é uma planta do local onde se desenvolve esse acontecimento e a terceira é o mapeamento da movimentação a partir de diagramas. Uma possível notação é colocada na arquitetura que se afasta da abstração para se aproximar dos acontecimentos do espaço26.
trisha brown Simultaneamente a Bernard Tschumi, Trisha Brown27 (1936 – 2017) explora com outros dançarinos que coletivamente propunham ressignificar a dança no contexto social. Rompem com a hierarquia de funções entre coreógrafos e dançarinos no processo de criação e buscavam a libertação de códigos, hábitos e condutas marcados nos corpos. Eram realizadas investigações sobre como o corpo se movimenta utilizando como técnica os gestos que fossem encontrados nos movimentos cotidianos e, a simples ação de caminhar, poderia se transformar em dança. Nos anos 60 foi muito influenciada pelos conceitos de happening e performances, práticas em efervescência no bairro do Soho em Nova York, que passava por transformações estrutu-
237
Gordon Matta-Clark Splitting, 1974. Vídeo: duração de 10’50”. Fonte: MoMA28
rais causadas pelo abandono e desvalorização desse espaço urbano. Se tornou então atrativo para artistas do circuito alternativo que, por baixo custo, aí se instalaram. É o caso também de Gordon Matta-Clark (1943 – 1978), com quem Trisha teve estreito contato. Se influenciaram mutuamente quando propuseram discussões sobre a relevância do corpo para experimentar o espaço urbano utilizando-se dos happenings e performances para introduzir a ideia de instabilidade na arquitetura29. Em Man Walking Down the Side of a Building (1970) Trisha propõe uma performance no qual posiciona um dançarino no topo de um edifício para realizar uma caminhada ao longo da fachada desse prédio. Poucos espectadores assistem desde a rua30. Em um primeiro momento propõe percepções físicas e simbólicas da visão da cidade fortemente verticalizada incitando um olhar sensibilizado a lugares esquecidos, invisíveis. Assim como Matta-Clark em obras como Splitting (1974), trazia questões como a desconstrução dos espaços, controle de equilíbrio de pesos e redefinições de verticalidade. Quando propõe uma
238
239 caminhada pela fachada no edifício transforma o plano vertical do espectador em plano horizontal do performer e, a partir do movimento, rompe com os limites que a arquitetura impõe. O plano de visão do espectador se altera e o olhar para cima se torna constante. A percepção do edifício que normalmente é tida como corte ou elevação passa a ser percebida por meio da planta. Outro ponto importante dessa performance é o controle corporal pelo qual o dançarino precisou se atentar. Para isso, a distribuição do peso, o ritmo da caminhada e medida do espaço foram relacionadas controlando e aproveitando da força da gravidade para modificar as referências de espaço habituais. Para isso a consciência corporal é fundamental para o corpo não colapsar contra a fachada. Quanto ao espectador novos pontos de apoio do corpo foram descobertos para manter o equilíbrio da alteração do campo de visão. na página anterior Trisha Brown Man Walking Down the Side of a Building, 1970. Vídeo:duração de 3’08”. Performer: Joseph Schlichter. Fonte: Trisha Brown Dance Company31
julie desprairies e VALIE EXPORT Julie Desprairies e VALIE EXPORT, cada uma em seu tempo e contexto social, muito tem contribuem para instigar a relação do corpo com o espaço. Desprairies32 (1975 – ) é francesa e dirige a Compagnie des Prairies em Lyon, França. Tem como abordagem principal em seu trabalho
240 a associação do contexto do espaço com a arquitetura moderna e contemporânea.Cada edifício é investigado a partir de suas especificidades e os corpos dos dançarinos, com suas particularidades, exploram de forma meticulosa o projeto. Se caracteriza pela dança in situ que desenvolve movimentações que respondem a questões específicas desse espaço. Tem como diretrizes a exploração das materialidades, da história e de seus usos. O corpo se instrumentaliza como régua de medida e percepção da arquitetura construída e evidencia alguma questão33.
Compagnie Des Prairies oui
2004 Performers: Célia Abitabile, Barbara Carlotti, Gaëtan Le Marchand, Mickaël Phelippeau. fonte: Compagnie Des Prairies34
241 VALIE EXPORT (1940 – ) é uma artista austríaca que aos 28 anos assumiu esse nome como uma marca (e por isso é escrito em caixa alta), para que seu nome de nascença, Waltraud Hollinger, não estivesse vinculado ao nome de seu pai (Lehner) e de seu ex-marido. Entra na cena vienense no fim da década de 60 representando resistência feminista a um grupo de homens conhecidos como Vienna Actionists. EXPORT era uma marca de cigarros popular da época e também um ato de provocação que caracterizou performances futuras da artista e desafiou o público a se envolver com uma mulher real em vez se relacionar com uma representação em telas. Em 1968 realiza performances com o caráter feminista que dialoga com o consumidor moderno e normas da sociedade repressiva e teve sua imagem impressa em alta resolução e colocada em espaços públicos35. Em Body Configurations36 (1972 – 1978) EXPORT usou seu corpo como dispositivo de medição e apontamentos no contexto pós-guerra na Áustria em uma série de fotografias. Se utiliza das estruturas arquitetônicas, as linhas geométricas para sobrepor seu corpo feminino em posições desconfortáveis que colocam foco na tensão entre os indivíduos e as forças ideológicas e político-sociais que caracterizam a realidade urbana. Durante esse período de realização do trabalho a artista se autofotografou em muitos monumentos pela cidade de Viena posicionando-se espacialmente em dimensões que, ao contrário de Desprairies na série fotográfica citada anteriormente, ocupam a partir da tridimensionalmente, do volume. O corpo já não é um instrumento de medição mas conforma um espaço quando inserido em nichos, passagens estreitas, em posições contorcidas no chão, nas pareces, nos monumentos, passando a ideia de
242 que fazem parte dessas arquiteturas, se inserindo na forma ortogonal que a cidade propõe37. Seu corpo representa a resistência de sua condição no contexto em que vivia se utilizando da relação de mímese com as formas da cidade, ao desenho urbano: “o corpo como anti-medida, inflexível à lógica racional do sistema arquitetural das cidades38”.
243
VALIE EXPORT Body Configurations 1972 - 1978 Fonte: VALIE EXPORT39
244
saber ver a arquitetura
O estudo espacial de um ambiente quando tem como base as normatizações, desenhos específicos como visto anteriormente desconsidera a potência que a tridimensionalidade pode oferecer na percepção e compreensão de um espaço em sua totalidade. Saber ver uma arquitetura perpassa a ideia de abstração de uma planta ou um corte. Ainda que bem desenhados um espaço pode ser pobre espacialmente quando experimentado de forma direta: “a bela arquitetura será aquela que nos atrai, nos eleva, nos subjuga espiritualmente; a arquitetura feia será aquela que tem um espaço interior que nos aborrece e nos repele40”. Bruno Zevi Cada arquitetura se caracteriza por diversos valores como econômicos, sociais, técnicos, funcionais, artísticos, espaciais e decorativos que criam histórias, sejam elas, econômicas, sociais, técnicas, volumétrica. O movimento moderno excluiu o ornamento, a decoração dos
245 edifícios e a única configuração possível para valores arquitetônicos seriam os volumétricos e formais a partir da arquitetura racionalista, como representados pelos desenhos dos manuais de normas e ergonomia. Saber ver a arquitetura requer o corpo no espaço, vivenciar e experimentar fisicamente sua tridimensionalidade, que encontra em outras artes ferramentas de percepções e de sensibilizações estéticas. Se é em espaços que a arquitetura encontra contribuições de tais artes, é no espaço interior, aquele que nos inclui e, ao mesmo tempo, nos rodeia que o julgamento de um edifício pode ser dado. “Se pensarmos um pouco a respeito, o fato de o espaço, o vazio, ser o protagonista da arquitetura é, no fundo, natural, porque a arquitetura não é apenas arte nem só imagem de vida histórica ou de vida vivida por nós e pelos outros; é, também, e sobretudo, o ambiente, a cena onde vivemos a nossa vida 41”. Bruno Zevi Visitar casas é uma prática muito comum entre arquitetos e estudantes de arquitetura que carrega uma forma discursiva a se empregar ensinada no curso de arquitetura. No entanto, ao visitar uma casa o posicionamento do corpo no espaço e as sensações que dele emanam o livra dos preceitos apreendidos na formação. Iñaki Ábalos, arquiteto espanhol, cita em A boa-vida, livro que discorre sobre visitas a sete casas que considera fantásticas do século XX, a maneira como se difunde os ensinamentos do projeto dos espaços domésticos. Não passa de uma materialização de ideias arquetípicas sobre a casa e os modos de vida que se originam em uma forma única e esgotada de viver. Busca eviden-
246 ciar nessas visitas que há outras formas de viver e pensar esses espaços. Pode-se aprender a enxergar com a liberdade de observar aquilo que realmente se deseja ver, a partir da desprofissionalização do olhar, da simplificação, da redução do todo para realçar certos traços. “Ao visitar casas, o arquiteto torna-se usuário, passa a olhar através dos olhos do habitante, e assim adota uma atitude mais próxima à de uma pessoa qualquer, perdendo essa couraça que o domínio de uma disciplina cria, vencido pela força mesma da experiência real da casa, da domesticidade e da vida que ela contém42”. Iñaki Ábalos O processo de conhecimento de um espaço inclui o processo de descrição e narrativa, processo importante para o reconhecimento dos banheiros citados neste trabalho. É neste momento que o olhar se atenta para detalhes, que levam a devaneios, à memórias. Segundo Certeau em A invenção do cotidiano, as estruturas de narração possuem valor de sintaxe espacial, com o potencial de mudar espaços, circulações e ordenações. Relatos são a prática do corpo no espaço e que dispõem um mapa, um percurso. O filósofo Gaston Bachelard, em A poética do espaço, cita que ao descrever uma casa, não se trata de detalhar e analisar as razões funcionais de conforto mas sim revelar a função primeira de habitar, de viver a casa considerando aspectos da realidade através dos pensamentos e da imaginação por meio dos sonhos. Assim se toca a poética do espaço da casa:
247 “É preciso dizer então como habitamos nosso espaço vital de acordo com todas as dialéticas da vida, como nos enraizámos, dia a dia, num “canto do mundo”. Pois a casa é nosso canto do mundo. Ela é, como se diz frequentemente, nosso primeiro universo. É um verdadeiro cosmos. Um cosmos em toda a acepção do termo... a casa abriga o devaneio, a casa protege o sonhador, a casa nos permite sonhar em paz43”. Gaston Bachelard Saber ver a arquitetura inclui, neste trabalho, dimensões e descrições que extrapolam o projeto enquanto desenho. Torna-se essencial a presença do corpo no espaço, o deixar-se levar pelas sensações, pelos desejos. O corpo se deleita e então pode interpretar de outra forma o espaço a partir das percepções obtidas.
248 notas 1. Segundo Carmen Morais, criadora e idealizadora do Núcleo Aqui Mesmo, que apresenta como eixo central a pesquisa sobre arte e espaço arquitetônico e urbano viabilizando projetos em dança site-specific, o termo in situ vem do latim e significa “no lugar” propondo uma noção de “sítio”. Segundo a pensadora francesa Anne Cauquelin, citada por Carmem, é uma relação entre “espaço” e “lugar”. In: MORAIS, 2015, p.16. 2. Jo Takahashi é arquiteto e possui pesquisas relacionadas à arte. É um dos autores do livro Leituras do corpo de Christine Greiner e escreve um capítulo intitulado Dimensões do corpo contemporâneo. 3. Neufert foi aluno e posteriormente professor da Bauhaus. Desempenhou importante papel na instituição da normalização e na industrialização da construção civil, as din alemãs. Foi também parte da equipe do arquiteto Albert Speer, ministro do armamento de Adolf Hitler durante o Terceiro Reich. (informação retirada de: santos, Roberto Eustaáquio dos. O esquecimento de Neufert. Belo Horizonte: ufmg. Disponível em: http:// www.mom.arq.ufmg.br/mom/biblioteca_novo_2/arquivos/santos_esquecimento.pdf. Acesso em: 29.9.2018.) 4. NEUFERT, 1976, Introdução, p. 18. 5. Conceito retirado da Fondation Le Corbusier. Disponível em: http://www.fondationlecorbusier.fr/corbuweb/ morpheus.aspx?sysId=13&IrisObjectId=7837&sysLanguage=en-en&itemPos=82&itemCount=215&sysParentId=65&sysParentName=home. Acesso em: 27.9.2018. 6. Jo Takahashi cita Estrutura do comportamento de Merleau Ponty em seu texto Dimensões do corpo contemporâneo. In: GREINER, 2010, p.134. 7. In: GREINER, 2010, p.134. 8. In: GREINER, 2010, p.71. 9. In: GREINER, 2010, Dimensões do corpo contemporâneo, p.140. 10. VALÉRY, 1957. 11. Helena Katz é pesquisadora, professora e crítica de dança. É professora no Curso Comunicação das Artes do Corpo e no Programa em Comunicação e Semiótica” na puc-sp, onde concluiu o doutorado com a tese Um, dois, três: a dança é o pensamento do corpo, que embasa o referencial teórico de dança deste trabalho. 12. In: GREINER, 2010. 13. KATZ, 2005, p.48. 14. KATZ, 2005, p.90. 15. As informações sobre o filme foram retiradas do site Mundo da dança que realizou uma matéria sobre Marta Soares. Disponível em: http://www.mundodadanca.art.br/2016/02/bailarina-e-coreografa-marta-soares.html. Acesso em: 18.10.2018. 16. KATZ, 2005, p.122. 17. KATZ, 2005, p.142. 18. KATZ, 2005, p. 184.
249
19. KATZ, 2005, p. 251. 20. In: MORAIS, 2015,p.43. 21. LEPECKI, 2012, p.44. 22. MARTIN, Randy apud LEPECKI, 2012, p.45. 23. FOUCAULT, 2013, p.14. 24. FOUCAULT, 2013, p. 24. 25. TSCHUMI, 1996 apud TIDEI, 2015, p. 73. 26. TIDEI, 2015. 27. TIDEI, 2015. 28. Disponível em: https://www.moma.org/collection/works/114408. Acesso em: 15.10.2018. 29. TIDEI, 2015. 30. MORAIS, 2015. 31. Disponível em: http://www.trishabrowncompany.org/repertory/man-walking-down-the-side-of-a-building.html?ctx=title. Acesso em: 15.10.2018. 32. Retirado do site da companhia. Disponível em: http://www. compagniedesprairies.com. Acesso em: 15.10.2018. 33. HIGASHI, 2018. 34. Retirado do site da companhia. Disponível em: http://www. compagniedesprairies.com. Acesso em: 18.10.2018. 35. Retirado do site do MoMA. Disponível em: https://www. moma.org/collection/works/109931. Acesso em: 15.10.2018. 36. Disponível em: https://www.moma.org/collection/works/147166. Acesso em: 15.10.2018. 37. HIGASHI, 2018. 38. HIGASHI, 2018, p.33. 39. Retirado do site da artista. Disponível em: http://www. valieexport.at. Acesso em: 3.11.2018. 40. ZEVI, 1996, p.24. 41. ZEVI, 1996, p.28. 42. ÁBALOS, 2012, p.9. 43. BACHELARD, 2003, p. 200.
250
considerações
Finalizo meu processo de formação com um sentimento de completude, uma serenidade de perceber que objetivos tão obscuros no começo desses sete meses de processo foram desvendados e aprofundados. Este trabalho tem como foco um corpo que perpassa todos os anos de formação, todas as etapas de aprendizado da arquitetura. Um corpo que, apesar de experiente, especialista em outras áreas de formação, chega nu, imaturo nesse campo, mas aberto à perceber sensivelmente outras linguagens. Se forma, seis anos depois, se redescobre em meio de um grande repertório conquistado mas nunca concluído. A partir das inúmeras leituras, encontros, danças, conversas pude ampliar meu modo de interpretar a dança e a própria arquitetura. A dança, que até então era tida como uma forma espefícica de se movimentar, conquistou novas possibilidades, novos significados e espaços outros para se deleitar. A experimentação do meu corpo durante todo o processo foi um processo de transformação pessoal e intelectual. A partir de situações tão
251 específicas o corpo passou a encontrar nas movimentações ordinárias do cotidiano outras formas de expressar. A partir da intuição, da introspeção e da experiência perceptiva, cria sua própria dança e ressignifica com o que está ao redor. O banheiro, espaço de tanta intimidade, autoconhecimento e particularidades obteve outro sentido para mim. Dispender tanta atenção à esse espaço e às suas movimentações tão costumeiras e repetitivas despertou meu corpo a observar questionamentos até então pouco encorajados a serem enfrentados em termos de projeto e uso do espaço. Meu corpo seu propõe então a se tornou um elemento ativo de reconhecimento e exploração. Nosso curso de arquitetura nos coloca em uma posição de projetistas técnicos de espaços, em especial à esse, e entende as melhores disposições ergonômicas e funcionais para cada elemento.O corpo que sente e se movimenta é pouco considerado, quando nunca. A vivência desse corpo, o processo de percepção da execução de danças cotidianas acompanha a transformação do espaço. O mesmo espaço que era tido para o exercício de funções tão específicas pôde se revelar e agora se torna um palco para outros olhares e movimentações livres. O corpo, ao ser colocado aí, se movimenta, ressignifica o espaço e também se transforma. Finalizo com uma síntese de todo o processo, de todos os interesses que permearam meus seis anos de formação. O corpo se liberta e se ressignifica, superando seus próprio pré-conceitos e restrições. nunca se exibiu tanto, Se abre e se mostra em um ensaio íntimo e sincero.
252
bibliografia ÁBALOS, Iñaki. A boa-vida: visita guiada às casas da
modernidade. Barcelona: Editorial Gustavo Gili: 2012. BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. Tradução de Antônio da Costa Leal e Lídia do Valle Santos Leal. 2003. Disponível em: https://filosoficabiblioteca.files.
wordpress.com/2013/11/bachelard-a-poc3a9tica-do-espaco.pdf. Acesso em: 19.8.2018.
BODEGRAVEN, Marian Rosa Van. Hoteis/Moteis.
Trabalho de conclusão de curso. São Paulo, Escola da Cidade: 2017.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário
de símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas,
figuras, cores, números. 2 edição. Rio de Janeiro: José Olympio, 1989.
CIRLOT, Juan-Eduardo. Dicionário de símbolos.
Tradutor Rubens Eduardo Ferreira Frias. São Paulo: Centauro, 2005.
DUARTE, Luisa. Adriana Varejão – Pele do tempo. São Paulo: Base 7 Projetos Culturais, 2015.
FOUCAULT, Michel. O corpo utópico, as heterotopias. São Paulo: n-1 edições, 2013.
GREINER, Christine, O corpo: pistas para estudos insdisciplinares. São Paulo: Annablume, 2005.
253 ________________, Org.: Amorim, Claudia, Org. Leituras do corpo. 2ª edição. São Paulo: Annablume, 2010. (Coleção Leituras do Corpo).
HIGASHI, Tiê Mussallam. Uma dança para a FAU:
espaço, corpo, arquitetura. Trabalho de conclusão. São Paulo, FAUUSP, 2018.
JACQUES, Paola Berenstein. Corpografias urbanas. Arquitextos, São Paulo, ano 08, n. 093.07, Vitruvius,
fev. 2008. <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/ arquitextos/08.093/165>.
KATZ, Helena. Um, Dois, Três. A dança é o pensamento do corpo. Belo Horizonte: FLD editorial, 2005.
KOOLHAAS, Rem. Elements: Toilet. Volume 11 de Elements, Harvard University. Graduate School of Design. Marsilio Editori Spa, 2014.
LEPECKI, André. Coreo-política e coreo-polícia. Ilha Revista de Antropologia, Florianópolis, v. 13, n. 1,2, p. 041-060, jan. 2012. ISSN 2175-8034. Disponível
em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/ilha/article/ view/24920>. Acesso em: 19.5.2018.
MARTIN, Kathleen. O livro dos símbolos. Reflexões sobre imagens arquetípicas. Taschen, 2010.
MECOZZI, Paloma. Aqui te escuto: a supressão da visão. Trabalho de conclusão. São Paulo, 2013.
MORAIS, Carmen. A dança in situ no espaço urbano. 1ª edição. São Paulo: Lince, 2015.
NETTER, Frank H. Atlas de Anatomia Humana. 6ª edição. Elsevier, 2015.
254 NEUFERT, Ernst. Arte de projetar em arquitetura:
princípios, normas e prescrições sobre construção,
instalações, distribuição e programa de necessidades, dimensões de edifícios, locais e utensílios. 5ª edição. São Paulo: Gustavo Gili, 1976.
PALLASMAA, Juhani. Os olhos da pele: a arquitetura e os sentidos. Porto Alegre: Bookman, 2011.
PAULILLO, Clarissa de Almeida. Corpo, casa e cidade: três escalas da higiene na consolidação do banheiro
nas moradias paulistanas (1893-1929). Dissertação de Mestrado pela FAUUSP. São Paulo, 2017.
POGGI, Tatiana. La mujer digital. Proyecto Fin de Carrera, 2016-17. Disponível em: https://archivoproyectosar-
quitectonicos.ua.es/index.php/12-la-mujer-digital-tatiana-poggi. Acesso em: 9.10.2018.
PORTO, Manuela Siffert. Notações de uma coreografia urbana. Trabalho de conclusão. São Paulo, 2015.
TEIXEIRA, Carlos Moreira. Entre. Instituto Cidades Criativas, 2010.
TIDEI, Mariana Dobbert. Práticas críticas no espaço ur-
bano: Trisha Brown, Duane Michaels e Bernard Tschumi.
Oculum Ensaios, v. 12, n. 1, 2015. Disponível em: https:// seer.sis.puc-campinas.edu.br/seer/index.php/oculum/ article/view/2713/1939 . Acesso em: 12.6.2018.
TSCHUMI, B. The Manhattan transcripts. London: Academy Editions, 1994a.
VALÉRY, Paul. Degas Dança Desenho. Tradução: Ch-
ristina Murachco e Célia Euvaldo. 1ª edição. São Paulo: Cosac Naify, 2012, pg. 30.
255 ________________. Philosophie de la Danse. In: Oeuvres I. Paris: Librairie Gallimard, 1957. pp. 1390-1403. Tradução de Charles Feitosa. Disponível em: http://
www.seer.unirio.br/index.php/opercevejoonline/article/ view/1915/1541. Acesso em: 3.9.18
ZEVI, Bruno. Saber ver a arquitetura. Tradução Maria Isabel Gaspar, Gaëtan Martins de Oliveira. 5ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
Sites visitados: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT) NBR 9050: Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. Rio de Janeiro, p. 83 - 113. 2015. Disponível em: http://www.ufpb.
br/cia/contents/manuais/abnt-nbr9050-edicao-2015.pdf. Compagnie Des Prairies. Disponível em: http://www. compagniedesprairies.com
Foundation Le Corbusier. Disponível em: http://www. v6.fondationlecorbusier.fr/corbuweb/morpheus.as-
px?sysName=home&sysLanguage=fr-fr&sysInfos=1. Henri Matisse: Biography, Artworks and Quotes. Disponível em: https://www.henrimatisse.org/#.
The Museum of Modern Art (MoMA). Disponível em: https://www.moma.org
Trisha Brown Dance Company. Disponível em: https:// www.trishabrowncompany.org.
Valie Export. Disponível em: http://www.valieexport.at.
257 três banheiros, três danças trabalho de conclusão de curso — 2018 escola da cidade orientador: yuri fomin quevedo
agradeço, ao yuri, meu orientador, pelo olhar atento e cuidadoso, por sempre acreditar nesse trabalho e me fazer acreditar; à fernanda e à julia, pelas sábias contribuições na banca intermediária; à tatiana, sofia e gabriel, por disponibilizarem, com muita generosidade, os banheiros; ao celso, daniel, mateus e giani, por lapidarem meu olhar ao design gráfico a cada dia, pelo companheirismo e amizade; ao pedro tuma, bárbara, pedro lopes, amália, pedro beresin, pelo apoio e direcionamentos; ao vitor e à marian, pela disponibilidade em ouvir e em guiar; à drica, tiê, edinho e à todos com quem encontrei, conversei, clarearam ideias e amenizaram angústias; à carú, lígia, tatiana, victoria, clarissa, bigas, luiz, caio, gabriel, phil, pela amizade, carinho e apoio de sempre; à sofia pela disponibilidade e lindo olhar fotográfico, pelo carinho e por deixar tudo mais leve; à anna, jonatha, denise, carmen, pela dança; à carol, pelo encorajamento; à thata, por estar sempre por perto; à nana, pela admiração e amor incondicional; meus pais, pela base de tudo, por acreditarem sempre em mim e incentivarem minhas formações. dezembro 2018
gráfica: inprima república capa: couché fosco 350g
miolo: papel off-set alta alvura 90g fonte: helvetica e courier new 256 páginas