JaNeLa
Indiscreta
A olho nu
Olhar a vida pela perspectiva do dia a dia parece uma coisa tão corriqueira que não nos damos conta que fazemos isso de maneira intuitiva. Mas na hora que nos propomos a esmiuçar o que vemos, este olhar muda de lente como se abríssemos uma janela, uma janela indiscreta mesmo, que nos leva a perceber o que não vemos na correria do dia a dia. Foi isso que nos propomos fazer na montagem desta revista da disciplina Projeto em Impresso, da professora Maracy Guimarães, na Facha. De impresso, na verdade, a revista só tem a forma, porque ela será lida na rede. Mas traz o melhor da técnica de escrever para uma publicação impressa: sem as mordaças e as viseiras do jornalismo da notícia que, em geral, emburrecem o olhar do profissional. Com a liberdade de uma janela indiscreta é que Eros e Renata foram entrevistar dois porteiros de prédio de moradias e descortinam o que não vemos no dia a dia quando cruzamos a portaria, saindo ou chegando. Do mesmo modo, Suzane levanta um tema tabu, o do sexo, proibido e maldito para muitos. E foi com a liberdade do politicamente incorreto que Alessandra e Altair analisaram as limitações do “politicamente correto”.
01 - O politicamente correto e os paradigmas de época 02 - Dúvidas do politicamente correto 03 - Por que falar de sexo?
EXPEDIENTE
04 - Portaria Indiscreta Reportagens: Alessandra Hirtenkauf Altair Thury Eros Mendes Renata Heilborn Suzane Werdt
Edição: Alessandra Hirtenkauf Renata Heilborn Projeto Gráfico: Alessandra Hirtenkauf Renata Heilborn Suzane Werdt
Pesquisa de Imagens: Altair Thury Alessandra Hirtenkauf Renata Heilborn Suzane Werdt
O politicamente correto e os paradigmas de época Altair Thury
M
uito se tem discutido ultimamente sobre a suposta restrição à liberdade de expressão que nos seria imposta pelo “politicamente correto”. Essa é uma questão recorrente que remonta às origens do uso da expressão. Examinemos o caso recente e exemplar dos xingamentos racistas da torcida do Grêmio, de Porto Alegre, para o goleiro negro do Santos, Aranha. No jogo de ida pelo Campeonato Brasileiro, na Arena Grêmio, a torcida do time gaúcho
gritou, entre outras ofensas, “macaco” para o goleiro do time adversário. Uma torcedora, na qual a lente de uma câmera de TV fazia um close do seu rosto, acabou pagando a conta, embora tivesse muitas outras pessoas no coro racista do estádio. No jogo de volta, em Santos, a torcida do Grêmio insistiu no xingamento ao goleiro. Mas, agora, por causa da repercussão que tomou a atitude da torcedora, o coro e s c o l h e u outra palavra: “Branca de Neve”.
A questão é que a atitude da torcida do Grêmio mostra que o preconceito e a discriminação, que o “politicamente correto” procura combater, não se restringem à utilização deste ou daquele vocábulo. A discussão é muito maior, está na cultura, na ideologia de quem fala ou escreve. E essa verdade, em geral, não é percebida por quem reclama da restrição à liberdade no uso da linguagem. O grande legado dos estudos do suíço Ferdinand Saussure, o pai da linguística, foi nos mostrar que a linguagem não é neutra. Muito embora os signos sejam arbitrários a priori são convencionais a posteriori. Ou seja, “os signos estabelecem relação com as coisas que eles nomeiam por uma espécie de acordo social ou convenção”. Este “acordo social”, no caso da torcida do Grêmio, estabeleceu que “macaco” usado para designar ser humano é inapropriado e traz uma conotação preconceituosa e discriminatória. E, a rigor, essa já é uma questão superada, haja vista que o “acordo social” já foi além e estabeleceu que isto é crime no Brasil.
Os signos estabelecem relação com as coisas que eles nomeiam
Desta vez, os xingamentos não tiveram maior repercussão, porque a expressão usada não está consagrada como racismo no manual do “politicamente correto”, muito embora seja tão racista quanto “macaco”. É, como veremos mais adiante, uma mudança de paradigma. Mas o “Branca de Neve” de agora foi escolhido com o mesmo propósito de como foi usado “macaco”.
Aqui vale retomar a ideia de Suassure de que “a cada instante, a linguagem implica ao mesmo tempo um sistema estabelecido e uma evolução: a cada instante ela é uma instituição atual e um produto do passado”. É a noção de paradigma na linguagem. O “politicamente correto”, portanto, é uma escolha de paradigmas que fazemos a cada época. No caso da universidade americana, Stanford escolheu olhar o “mundo ocidental” por um novo paradigma, o equivalente a dizer “olha, o Ocidente é isto aqui também, é atrocidade também”. No Brasil, há uma queixa recorrente de que a mídia, como nos ensina a teoria da Agenda Setting, nos impõe o uso da linguagem “politicamente correto”. Isto é uma meia verdade. Na realidade, a mídia em geral reflete o uso corrente da palavra que, por sua vez, sofre transformação no seio das respectivas comunidades que, a cada tempo, preferem esta àquela denominação para si. Mas tem também situações em que a mídia, de fato, impõe termos que lhe interessa, como veremos adiante. Veja o caso das pessoas com deficiência. A mídia, para não ferir um “novo consumidor” acabou fazendo uma miscelânea de termos para se referir ao deficiente que, por fim, desagradou a todos. “Deficiente físico”, “portadores de deficiência”, “surdo-mudo”, são al-
guns termos que expressam essa confusão. Os próprios deficientes começaram então a fazer campanhas para indicar como gostariam de serem mencionados. “Pessoas com deficiência” é o mais abrangente e o “politicamente correto” e que, mesmo assim, a mídia não é uniforme. Por que “portadores de deficiência” não serve? Porque, segundo os próprios deficientes, a deficiência não se porta, tipo “ah, hoje eu vou portar a minha deficiência”, ele é deficiente e ponto. Por que não é “surdo-mudo”? Porque ele não é mudo, ele só não aprendeu a falar porque não ouve. Veja que aqui não é o caso da Agenda Setting. É o caso de autodeterminação. No caso da troca de “favela” por “comunidade” foi mesmo um caso de agendamento e de transformação ideológica da palavra. Houve um tempo em que o uso da palavra “favela” virou quase um palavrão impronunciável. Por que isso aconteceu? Porque a mídia, com o temor de perder um novo consumidor, surgido do processo de melhor distribuição de renda, baniu o termo “favela” das redações e, embalou seu interesse capitalista com o “politicamente correto” para o uso do termo “comunidade”. O morador das favelas, na verdade, nunca pediu para as pessoas usa-
rem comunidade em vez de favela. O que não quer dizer que não
A linguagem implica ao mesmo tempo um sistema estabelecido e uma evolução se sentissem discriminado onde mais interessa que é na questão econômica. Quando vão a uma entrevista de emprego, por exemplo, informam o bairro ao qual a favela pertence e não dizem nunca na “favela tal”. Porque sabem que o paradigma está na cabeça das pessoas e não no que está escrito. Nada mudaria sua sentença se usasse “comunidade”. A técnica de transformar ideologicamente as palavras de acordo com os interesses, também é um recurso do poder. Os Estados Unidos usaram a “guerra preventiva” para atacar unilateralmente o Iraque porque o ditador Saddan Hussein tinha saído de “controle” desde os tempos em que eles financiaram o iraquiano para desestabilizar o Oriente Médio. Mas, claro, o passado não é lembrado e o ataque é justificado com a suposta existência de armas de “destruição em massa”. E tem a transformação de “propina” do “mensalão” em “Caixa 2” ou “dinheiro não contabilizado” das campanhas eleitorais. É a mudança de paradigma: corrupção não fica bem para um governo que
compactuou com a corrupção para ter apoio político no Congresso. “Dinheiro não contabilizado” é o mote do “politicamente correto” do governo Lula. Em resumo, é preciso ter meios termos no olhar do “politicamente correto”. Nem tanto à direita ou à esquerda. Temos que acreditar que a linguagem não é neutra, é fruto do imaginário subjetivo. Está sem-
pre a serviço de causas. O que importa é olhar a credibilidade ou a autenticidade do que se está consumindo. A troca de gato por lebre sempre foi um recurso que faz parte da evolução do ser humano. É recomendável olhar para trás e para os lados quando tiver à frente um manual do “politicamente correto”. Do mesmo modo quando tiver sob o impulso de se sentir cerceado na
liberdade de expressão para usar uma palavra que aprendeu quando era criança. Lembre-se que o “politicamente correto” é a escolha que nós fazemos a cada tempo.
As origens “black”
A noção de os signos verbais terem relação com as palavras que nomeiam, está no contexto da origem da expressão “politicamente correta”. Surgida nos Estados Unidos durante os anos 80 e 90, o termo foi usado pela primeira vez pela ala conservadora da academia norte-americana, como crítica à autodescrição dos negros que preferiam “afro-americano” a “Black”. Uma demonstração de que haviam optado por ser notados pela cultura de origem e não pela cor da pele. Observe que o movimento dos negros, preferindo “afro-americano”, não significava simples troca de vocábulo, mas uma referência à cultura de origem, resgatando valores e ética bem definidos historicamente. Tratava-se, portanto, de uma ação de revalorização do ser negro na sociedade americana. Um novo olhar sobre um segmento social há décadas subjugado pelas estruturas da sociedade capitalista. Foi contra essa autodeterminação que levantou-se a ala conservadora da sociedade americana criando a falsa premissa de que havia “pressão” para se usar palavras “politicamente corretas”. Não havia pressão, era autodenominação, sugestão para um novo entendimento, mais conectado com a modernidade das relações sociais. Mas a direita usou da tática de se fazer de vítima e atribuir aos movimentos negros e sexistas uma suposta pressão para se usar os termos sugeridos. Os institutos da direita promoveram um simpósio na Universidade de Berkeley em 1990, intitulado “Correção Política e Estudos Culturais”. Do ponto de vista intelectual, o simpósio pretendia discutir “qual o efeito que tem na pesquisa acadêmica a pressão para se conformar a ideias atualmente na moda”. Observe como a questão é de fundo político-ideológico. A direita americana já havia se manifestado a esse respeito dois anos antes, aproveitando a mudança da grade curricular de um dos cursos da Universidade de Stanford, sobre cultura ocidental. A direção da universidade incluiu no curso textos “não-ocidentais” do antilhano Franz Fanon e da ativista indígena guatemalteca Rigoberta Menchú, que relatava as barbaridades de uma ditadura sanguinária financiada pelos Estados Unidos. Foi um Deus nos acuda. Mas o fato é que a direta estava no fim de oito anos de controle da Casa Branca, com Ronald Reagan e, durante esse período, havia sufocado qualquer tentativa de revolução de esquerda na América Central, e precisava vencer a guerra que travava naquele momento, a cultural. E a melhor estratégia era se passar por vítima e manipular a informação de que a Universidade de Stanford estava “assassinando Shakespeare e Platão”.
Dúvidas do Politicamente Correto Alessandra Hirtenkauf
C
ada vez mais o “politicamente correto” está fazendo parte de nossas vidas. Mas afinal o que é isso? Quem dita as regras? Quem sabe o que é certo e errado? Como poderemos saber se é realmente uma necessidade mudar certos hábitos e atitudes ou são exageros impostos por alguém? E quem é este alguém? E quem segue essas novas regras, o faz porque acredita ou porque prefere entrar na espiral do silêncio e andar como a maioria, apenas para não se expor?
É natural na evolução humana passar por transformações. E toda a sociedade passa por isso. Com a globalização as transformações foram ainda maiores, pois culturas até então completamente distintas e que talvez jamais teriam interação, hoje são de conhecimento de muitos. Esses novos hábitos, esses choques culturais e questionamentos ajudam a repensar o que é feito dentro de nossos próprios lares. Como vivemos ontem, estamos vivendo hoje e viveremos amanhã dependerá de onde nascemos, escolhemos para morar, a cultura e a influência dos grupos que fazemos parte, a educação dada em casa e no colégio, e ainda, o bombardeio de informações em que somos alvo todos os dias pela mídia. E mesmo assim, tudo muda. Isso faz parte da evolução natural das coisas. É por isso que, muitas vezes, o que é considerado absurdo para uns, para outros é algo muito natural.
alternativa e isso pode revelar se nossas escolhas diárias são mais de direita, de esquerda ou de centro, ou ainda, se queremos apenas ficar em cima do muro. Ei, calma aí, não estamos falando de eleições, apesar de estarmos em ano eleitoral. Bom, até poderíamos, afinal, o que é “politicamente correto” na política brasileira? Fica aqui a sugestão para o próximo texto que trate desse assunto. E é por isso, pelo fato de o “politicamente correto” ser tão amplo, que nossa proposta é de delimitar o campo de análise. Que tal pararmos para analisar um fato que aconteceu no mês de agosto desse ano, no Brasil, e que gerou indignação nas redes sociais?
O velório e enterro do candidato à Presidência da República, Eduardo Campos, no dia 17 de agosto, em Recife/PE. Após a queda do avião que ocorreu em 13 de agosto, em um bairro residencial E o politicamente correto pode de Santos/SP, morreram o candiestar em tudo. Desde a fala, a es- dato e mais seis pessoas, que iriam crita, mas também nas atitudes e cumprir compromissos da agenda na própria personalidade do in- eleitoral de Eduardo. Evidentedivíduo. Sim, pois ao tomar uma mente que morte de pessoas públidecisão, abrimos mão de outra cas acabam gerando mais comoção
que o normal, provavelmente, pelo grau de exposição que a mídia resolve dar ao acontecimento. Mas a questão não é essa. O que gerou muito comentário foi uma foto selfie tirada durante o enterro. Apenas para esclarecer, selfies são as fotos tiradas pela própria pessoa e que se tornaram uma febre no mundo todo. Voltando ao fato, vamos reforçar que não foi apenas uma selfie tirada no local, foram várias e feitas por muitas pessoas. Porém, uma em especial, a foto da mulher na frente do caixão, gerou muita polêmica nas redes sociais. O que leva uma pessoa a querer se expor desta maneira? É lógico que essa modinha não é apenas brasileira. Isso tem acontecido em vários lugares do mundo, como é possível rastrear em qualquer pesquisa na internet. São tantas as selfies tiradas e de situações tão inusitadas que até uma agencia de comunicação brasileira, a W3haus, chegou a criar e divulgar o “Guia Ilustrado da Selfie Pertinente pra você tomar a melhor #selfiedecision”. Nada mais é que de uma forma divertida para orientar os “selfiesviciados” a saberem se devem ou não segurar o dedinho na hora de apertar o gatilho da máquina. Brincadeiras à parte, analisando o fato é possível avaliar excessos e de ambos lados. E que lados são esses? O de quem pratica e o de quem julga. É lógico que essa mulher se transformou em um “meme”. “Meme” são personagens que se tornam virais no mundo virtual. De uma hora para outra a foto dela passou a ser compartilhada, ridicularizando-a ou sendo usada em diversas situações, como montagem. Agora, o que se busca aqui é verificar até que ponto as pessoas chegaram com total insensibilidade à dor alheia a fim de esquecer as boas maneiras aprendidas em casa. É “politicamente correto” ter essa atitude? Tirar uma selfie durante um enterro apenas para mostrar para todo mundo que esteve lá é algo que deve ser aceito naturalmente ou questionado? Será que, nesta hora, a luz do “politicamente correto” não poderia ter sido acendida e feito, não só essa mulher, mas todas as outras pessoas que tiveram a mesma atitude, repensar e ter o mínimo de bom senso para saber que enterro, no geral, é um momento de dor para a maioria dos que participam? Aí chegamos no outro lado da moeda. O das pessoas que julgam e determinam o que pode ou não ser dito e feito. O fato é que o ser humano tem necessidade do “pertencimento”, isto é, ele precisa fazer parte de algo, ser aceito em algum grupo. O homem, desde o seus primórdios, foi aprendendo a viver em comunidade. Para isso, acabou adotando o comportamento dos outros e repetindo ações ou falas só por fazê-lo (sem pensar), ou, ao contrário, mesmo não concordando com determinado ponto de vista, preferiu entrar na espiral do silêncio e calar com a maioria do que levantar uma bandeira de que não concorda com o que está sendo exposto.
Para quem nunca ouviu falar neste termo - espiral do silêncio – trata-se de uma teoria da ciência política e da comunicação de massa, criada pela cientista alemã Elisabeth Noelle-Neumann. Ela afirma que quanto menor for a opinião de um minoria dentro de um universo social, ela provavelmente não será manifestada, pois a pessoa preferirá não se expor a dizer o que pensa, se a maioria daquele grupo pensar diferente dela. Neste caso, questionamos se as pessoas devem parar de fazer o que querem ou dizer o que pensam apenas para se adequarem ao “politicamente correto” ou devem continuar expressando suas vontades e opiniões sem se preocupar com a figura alheia? Falando de Brasil, onde o jeitinho brasileiro já está tão disseminado e, muitas vezes, nem é mais percebido, quando executado, é muito natural crucificar uma pessoa, pela atitude dela, sem se auto avaliar e verificar se já não fez o mesmo ou algo parecido. Quem
sabe se, ao invés de um manual de selfies, resgatarmos um guia de bom senso, e questionarmos nossas próprias atitudes e falas, antes de pô-las em prática, já não será um começo para não extra-
Quanto menor for a opinião de um minoria dentro de um universo social, ela provavelmente não será manifestada
vivência mais sadia? Somente quem sofre a exclusão, o racismo ou fica em evidência por ser, falar ou agir de determinada forma é que sabe na pele o quanto esse assunto rende e será sempre uma discussão sem fim. Porém, nesse mundo em que vivemos e que temos que cuidar de tudo o que falamos, pois de uma hora para outra poderemos ser tachados de alguma coisa, eu levantaria apenas uma bandeira. Eu sempre preferirei saber o que outro pensa, por mais que aquele pensamento me choque, do que me iludir achando que a pessoa é diferente daquilo. Também acredito em uma teoria de Sigmund Freud em que fala que a partir do momento que o ser humano passa articular um pensamento, ele traz a sua consciência aquela ideia. A partir daí, ficará mais fácil de ele perceber se estará ou não agindo de forma correta, sendo mau educado e poderá, então, ter melhores atitudes no futuro.
polarmos e buscarmos uma conoglobo.com
Por que falar sobre ? o x se
Suzane Werdt
D
entre todos os assuntos que são tabus, o sexo certamente ocupa lugar de destaque. Peso histórico, cultura religiosa e educação machista são só alguns dos criadores e perpetuadores de tanta informação errônea e da castração do assunto. Tabu, vergonha, intimidade, o fato é que o sexo está ou estará presente na vida de todos, não apenas como meio de reprodução, mas com fonte de prazer e aspecto influente na vida emocional e mental dos seres humanos. Mas assim como tudo que é pouco explicitado, o sexo acabou por receber muitos mitos, medos e censuras. A tensão que se forma em um ambiente quando o assunto é sexo e seus detalhes - mesmo procedimentos médicos, enfim, qualquer coisa relacionada, ainda que de cunho científico - é facilmente perceptível e muito difícil de ser quebrada. Mesmo entre parceiros amorosos, falar sobre sexo muitas vezes é desconfortável, o que acaba dando ao assunto uma carga de proibição, causando problemas de comunicação ou não resolvendo impasses latentes no relacionamento que possivelmente podem ter base unicamente em insatisfações sexuais. Não apenas quando adultos e já imersos na vida sexual ativa, o assunto sexo deve ser desde sempre um tema livre na vida das pes-
soas. Essa orientação é defendida por especialistas como psicólogos, preocupados justamente em tornar a vida sexual dos jovens e dos maduros, mais fácil, agradável e, principalmente, segura. No caso dos jovens, não é difícil encontrar quem não tem informações equivocadas ou incompletas sobre o sexo. Nesse momento da vida, de descobertas e novidades, a educação sexual falada, seja em casa ou na escola, é de extrema importância para se evitar diversos problemas na vida sexual do jovem: desde uma gravidez ou doença inesperada, até mesmo o reconhecimento do seu corpo e consequentemente sua capaci-
Falar sobre sexo é fundamental para desmistificálo e trazê-lo de volta para sua naturalidade inerente
dade de sentir prazer e satisfação. No caso dos adultos já inseridos na vida sexual, a conversa sobre o tema, fora e dentro de casa, só pode trazer benefícios quando resolve inseguranças, dúvidas, e liberta o indivíduo para uma compreensão mais aberta, livre e natural do assunto. Quem não tem alguma incerteza sobre o sexo? Para a psicóloga, especialista em reprodução e sexualidade humana, Martha Carvalho, as vantagens de uma conversa franca e livre de preconceitos sobre sexo compreendem um melhor conhecimento corporal, e consequentemente, uma autoestima e auto aceitação maiores: “O sexo é uma parte fundamental não só na relação a dois, mas na vida do indivíduo. Além de uma necessidade fisiológica é um fator que mexe muito com a psiquê humana. Apesar de ser um dos aspectos humanos mais naturais, sexo ainda é tabu para muitos. Falar sobre sexo é fundamental para desmistificá-lo
e trazê-lo de volta para sua naturalidade inerente. Pessoas que falam abertamente sobre sexo têm chances muito maiores de terem uma vida sexual saudável e realmente satisfatória. Uma vez que trocarão experiências e conseguirão falar também com seu parceiro sobre aquilo que gostam ou não, com muito mais segurança”. A analista de marketing Amanda D., conta que desde que incluiu o assunto em nas conversas com as amigas, sua relação com o sexo ficou mais fácil e natural: “Quando eu era mais nova, para mim era um certo tabu falar sobre o assunto. Seja porque eu era inexperiente, seja porque eu achava que as pessoas iam me achar, sei lá, uma devassa, só por puxar o assunto. Quando fui ficando mais amadurecida, entendi que sexo é algo extremamente natural e saudável. Entendi que era bom trocar informações pra que a coisa ficasse cada
vez melhor”. Mas a sua iniciativa de falar sobre o assunto não era puramente um impulso de curiosidade. A falta de informação sobre questões básicas na vida sexual feminina e dúvidas do que era comum foi o que a impeliu: “Um dos motivos que me levou a perder esse constrangimento foi a minha dificuldade de gozar. Eu queria entender porque eu tinha essa dificuldade e as minhas amigas, por mais que não falassem que acontecia sempre, elas conseguiam vez ou outra. E foi conversando que aprendi a me soltar mais no sexo e encontrei muitas respostas para perguntas que eu tinha e guardava só pra mim”. Certamente, essa abertura social ao debate sobre os detalhes do sexo é um objetivo complicado e que caminha a passos lentos para liberação. Sendo algo tão íntimo, é natural que sintamos certo receio ou vergonha. Mas a necessidade
de, ao menos, quebrar algumas barreiras de informação, se faz latente com tantos casos de desinformação, problemas que ocorrem dessa limitação e o incrível número de pessoas que não conseguem sentir prazer ou chegar ao orgasmo mesmo sendo dotadas de todos os órgãos necessários para atingir esse objetivo. Falar sobre sexo não tem absolutamente nada a ver com promiscuidade, falta de respeito ou desequilíbrio emocional. Apesar das pessoas que se sentem livres quanto a esse assunto serem constantemente vistas como desrespeitosas ou despudoradas, reprimir o tema e as pessoas que por ele se interessam é perpetuar o enorme vão entre a realidade e a fantasia desse assunto tão importante para todos e, na mesma intensidade, tão excluído da vida por motivos puramente culturais sem fundamentos coerentes.
Portaria Indiscreta Eros Mendes e Renata Heilborn
H
á mais de uma década trabalhando no edifício Mantegna, localizado na Gávea, bairro nobre da cidade do Rio de Janeiro, os porteiros Claudemir da Silva e Benedito dos Santos já se sentem membros de inúmeras famílias que residem no local. Vindos de Guarabira, município no interior da Paraíba, no fim dos anos 90, os simpáticos funcionários reconhecem que sempre tiveram ótima relação com os patrões, e que foram muito bem acolhidos por boa parte da população carioca, embora já tenham passado por aquilo que denominam de “preconceito contra o pobre”. Para esse tipo de situação, ambos defendem que o bom humor é a melhor saída e que procuram sempre não guardar ressentimentos. Sobre os afazeres diários, as ligações para a empresa que presta o serviço de manutenção dos elevadores é tida como a tarefa mais chata, pois segundo os porteiros, há quem não entenda que eles não são especialistas no equipamento e pouco podem fazer além de ligar. Tanto Claudemir, que prefere ser chamado de Cláudio, quanto Benedito, que é conhecido como Bené, dizem que as crianças são a alegria do condomínio e que é uma satisfação enorme poder ter uma participação, mesmo que pequena, na formação da personalidade dos jovens cidadãos.
Como é a rotina de vocês aqui no prédio?
defeito. Não sou especialista nisso, pô! (Risos)
Cláudio: Chego às nove e fico até às 19h. Inicio o trabalho verificando os aquecedores de piscina, material de limpeza, faço vistorias nos corredores para ver se está tudo em ordem. Durante o período da tarde sempre gosto de dar uma conferida nas correspondências. Se não tiver acontecendo nenhuma obra no prédio, a rotina é tranquila. Eu só não gosto quando dá problema no elevador, porque aí tenho que ligar mais de 10 vezes para a empresa, e passo o dia dando explicações para os moradores. É difícil ficar o dia todo explicando que não sei consertar o
Como é a relação dos moradores com vocês? Vocês já se sentiram maltratados por serem porteiros? Bené: Eu me apego rápido às pessoas, e como convivemos muito tempo aqui, têm moradores que são muitos especiais para mim. Já me sinto da família. Mas já fui ofendido também, maltratado. Uma moradora me chamou de macaco no meio da portaria. Porque mandou eu me levantar para abrir a porta para ela, e eu não fui. Nunca fui tão ofendido. Acho que tem gente que pensa
que somos bicho, ou nem isso. Porque bicho é muito bonitinho, né? Fiquei triste, sei que somos pobres, mas trato todos com respeito, também quero ser tratado assim.
As crianças são o maior barato! Fico todo bobo quando recebo um abraço
Benedito posando de modelo em sua portaria E as crianças, como tratam vocês?
problema maior. Com a confusão, um morador ligou para a polícia. Quando os homens chegaram, lá Bené: As crianças são o maior estava eu, no meio das duas, todo barato! Fico todo bobo quando arranhado! Pra piorar a situação, o recebo um abraço delas ou então policial achou que eu era o agresquando elas vêm me dizer que es- sor, e quis logo me prender. Já que tão de castigo por causa da escola. eu era o único Paraíba ali no meio, Eu sempre digo que pra poder né. Quando ele colocou minhas brincar, tem que tirar nota boa. Se mãos para trás, se deu conta de há alguns adultos que nos tratam que as duas continuaram a se pecom pouca educação, não podegar no tapa. Foi separar, e eu fiquei mos dizer o mesmo das crianças. ali, algemado. Ri para não chorar. Elas são muito carinhosas, as vezes Depois as duas ainda me culparam nos dão presente e tudo. por eu me meter na briga familiar. Vê se eu mereço! Com tanto tempo de trabalho no mesmo local, vocês devem ter Vocês são amigos de outros muitas histórias curiosas. Podeporteiros? riam nos contar alguma? Bené: Tenho vários amigos Cláudio: Claro, posso sim. Tem porteiros. Uns trabalham aqui uma que eu nunca me esqueço. mesmo na Gávea, outros no JarEstava trabalhando de noite, e dim Botânico, Leblon... É legal tomei um susto quando ouvi quando conseguimos nos reunir uma gritaria na frente do prédio. nessa época de fim de ano, ou até Quando fui ver, duas moradoras mesmo nos dias de folga. Jogaque eram mãe e filha estavam mos futebol toda segunda-feira. brigando feio. Uma batia na outra. Nos reunimos sempre para Tapa na cara e tudo! Tive que tomar aquela carvejinha. correr para separar e evitar um
Tem algum hábito dos moradores que incomode vocês? Cláudio: Não sei é hábito, acho que é mais coincidência mesmo, mas toda quarta-feira à noite quando tem jogo do meu Flamengo, uma quantidade enorme de moradores resolve pedir pizza. Aí quando estou vendo a partida, fico sendo interrompido pelos entregadores, pois tenho que interfonar, as vezes ajudo a fazer a entrega. Isso me incomoda, mas faz parte. Se o Flamengo vencer eu fico feliz do mesmo jeito. Para encerrar, vocês têm orgulho de serem porteiros? Bené: Eu tenho muito! Pode parecer que não, mas sei que nossa presença ajuda muito no dia a dia das famílias. Ainda mais aqui, onde o pessoal tem uma vida moderna. Se não houver o nosso apoio, bastante coisa fica pendente. Por isso gosto da minha profissão, pois me sinto útil.