O correio do cinema

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O CORREIO DO

CINEMA

1ª EDIÇÃO SETEMBRO DE 2015

Servindo a

discussão

“O Homem Irracional”, último filme de Woody Allen, reacende debate sobre a manutenção da qualidade da obra do diretor mais prolíifico da atualidade. Correio mostra debate entre especialistas.

E MAIS: Informações sobre o filme, opinião e detalhes da trajetória de Allen são apresentados nesta edição.


ÍNDICE

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Editorial ............................................................................................................................................................4 Woody Allen sendo Woody Alen ..........................................................................................5 Um por ano vale a pena? ...............................................................................................................6 Opinião..........................................................................................................................................................7 Os detalhes de “O Homem Irracional”..........................................................................9 Vale a leitura ..............................................................................................................................................9

O CORREIO DO

CINEMA CC



EDITORIAL

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Trabalho de Woody Allen merece debate, mas cineasta não vai mudar Discutir a obra de Woody Allen nunca é demais, dada a quantidade de assuntos, pensamentos e boas piadas que seus trabalhos proporcionam. O veterano cineasta, reconhecido mundo afora por sua singular visão de mundo, fez tantos filmes bons que criou uma espécie de “personagem alleniano”, pois na maioria de seus trabalhos há um personagem com características marcantes como complexo de inferioridade, problemas com mulheres, aguçado senso de humor e mais orientado para a vida intelectual. Mesmo quando o protagonista não é interpretado por Woody Allen, é possível enxergar os traços marcantes no personagem, casos dos filmes “Tudo Pode Dar Certo” (Larry David é o protagonista) e “Meia Noite em Paris” (Owen Wilson). “O Homem Irracional”, seu mais recente trabalho, que estreou em 27 de agosto no Brasil, é uma das obras em que o personagem mais se afasta deste padrão, mas mantendo ainda alguns contornos, como a crise existencial e a intelectualidade. Boa parte das principais críticas deste filme focam na queda de qualidade do cineasta e, por

isso, o Correio traz um especial para discutir a competência do autor, que completará 80 anos este ano. Woody Allen escreveu e dirigiu 45 filmes, ganhou o Oscar quatro vezes e é um dos cineastas mais respeitados do cinema. Portanto, apesar do mérito do debate, é importante admitir que Allen dificilmente vai alterar seu estilo. Enquanto seus filmes durarem, o baixinho de Nova York manterá seus hábitos peculiares. Ainda mais tratando-se de um diretor que em todas as entrevistas que concede confirma ser um indivíduo metódico e acostumado a seguir seus rituais. As próprias frases marcantes que Allen cita em suas obras mostram que seu perfil não é de uma pessoa que “dança conforme a música”. Foi ele quem concluiu o filme “Igual a Tudo na Vida” (2003) com a seguinte passagem: “Na vida, não faltará gente para te dizer como viver. Terão todas as respostas para o que deve e o que não deve fazer. Não discuta com eles, diga ‘sim, é uma brilhante ideia’. Mas faça o que você quiser”. Goste ou não, Woody Allen continuará fazendo exatamente o que quer.


Woody Allen sendo Woody Allen

Cineasta repete temas em sua 45ª produção, mantendo a insistência em questões como crises existenciais e amorosas. Correio ouviu especialistas para avaliar a eficiência do diretor na arte

Todo ano o público amante de cinema fica na expectativa para a chegada de mais um filme de Woody Allen, que mantém a tradição de lançar um longa por ano. Diálogos inteligentes, triângulos amorosos, problemas existenciais, crimes e um jazz ao fundo são aspectos que definem sua obra e esão presentes no novo trabalho: “O Homem Irracional”. O filme segue um conceituado professor de filosofia, Abe Lucas, que se muda para uma cidade de Rhode Island para lecionar na universidade local. Ele encanta uma professora e uma aluna, mas não encontra mais sentido em sua vida. O acaso, porém, faz com que o docente elabore um crime que ele acredita que vai melhorar a vida de alguns, mesmo que para isso precise tirar a de outro. “O mais instigante é seguir a instalação da obsessão na cabeça do protagonista e como ele se convenceu que, mesmo cometendo um crime, praticava algum tipo de justiça social para uma pessoa que ele nem sequer conhecia. Na verdade, o filme é um suspense bem interessante neste aspecto.”, avaliou Neusa Barbosa, autora do livro “Gente de Cinema” - Woody Allen (2002), ao Correio. Em meio a tudo isso, o filme exibe um caráter filosófico com citações a Kierkegaard (1813-1855)

e Heidegger (1889-1976). Vez por outra as citações visam embasar a crise vivenciada por Abe Lucas. A insistência em temas como a crise existencial nos filmes de Allen pode ser vista como um demérito do diretor, que já abordou o tema em muitos outros títulos. “Ao discutir qualquer filme recente de Allen, é inevitável comentar a irregularidade de sua carreira n o s

últimos anos. Excetuando um grande filme aqui e outro acolá, parece haver uma tendência do cineasta a insistir em projetos que, escritos por outros, seriam deixados de lado”, avaliou Virgílio Souza, crítico do Brainstorm9. Daniel Feix, crítico do jornal Zero Hora, apresentou uma outra visão desta característica de Allen, em entrevista ao Correio. “Allen faz filmes expondo suas inquietações, que é o que se espera dos artistas. Por esse raciocínio (de que está insistindo nos mesmos temas), Bergman, Fellini, Carl Theodor Dreyer e até JeanLuc Godard podem ser considerados ‘repetitivos’. Aliás, a crise existencial parece ser algo recorrente na obra dos grandes cineastas justamente por conta dessa premissa, de que o artista é o sujeito que expõe suas inquietações por meio da arte”, argumentou Feix.


Um por ano vale a pena? Especialistas na obra de Allen avaliam vantagens e desvantagens em produzir um filme a cada ano

Woody Allen se esforça para fazer um filme por ano e, não à toa, é o cineasta vivo mais prolífico. O fato do nova-iorquino ter esta ambição de lançar anualmente um título provoca reações diferentes nos amantes de sua obra. Notadamente nos últimos anos o diretor recebeu algumas críticas em razão de seus dois últimos filmes (“Magia ao Luar” e “O Homem Irracional”) não terem agradado completamente. Em entrevista ao Correio, Diego Olivares, roteirista e crítico da Carta Capital, admitiu a curiosidade de saber como seria um filme de Allen produzido em dois ou três anos: “Embora seja difícil julgar o método de trabalho de um autor, sempre fui curioso pra saber o que Woody Allen faria se ficasse uns dois ou três anos parado, apenas concentrado em fazer um único filme durante este período. É difícil cravar se isso resultaria numa obra melhor, pior ou diferente, mas imagino que a tendência, caso lançasse seus filmes de forma mais espaçada, seria de uma qualidade menos irregular, com mais tempo de maturação, algumas arestas arredondadas”. A “fábrica anual” de Woody Allen, por outro lado, é alvo de respeito e admiração de muitos especialistas da área. Neusa Barbosa, crítica do Cineweb que já escreveu um livro sobre o cineasta, disse ao Correio que vê a irregularidade do autor como algo normal e não enxerga uma queda nos roteiros recentes: “Escrever um filme por ano deixa Allen afiado. Todo e qualquer diretor, ainda mais um como ele, que faz um filme anualmente, terá seus filmes melhores e piores. Os que fazem um filme a cada cinco

anos, dez anos ou 20 anos, passarão pelo mesmo processo. Ninguém faz somente filmes muito bons. Isto é decorrência do próprio trabalho de roteirista e diretor. E não creio que nenhum de seus roteiros seria deixado de lado por outros diretores. Isto é conversa”. Diego Olivares, mesmo se dizendo um grande fã de Allen, argumenta que há uma tendência do público em deixar de ser surpreendido por seus trabalhos, já que todo ano o cineasta produz um filme e com temas recorrentes: “A garantia de que teremos um filme novo dele a cada ano acaba desgastando um pouco a imagem, é algo que a gente dá como certo, não ficamos nem ansiosos. Não há nenhum suspense: nós sabemos que este ano teve filme, ano pas-

sado teve outro, ano que vem terá mais um, sabemos mais ou menos como eles serão. É um pouco da graça, tudo bem, mas é muito mais difícil da gente ser surpreendido”.

Allen não quer inovar

O crítico da Carta Capital não acredita que Allen esteja tentando inovar à está altura da carreira: “Não acredito que ele esteja procurando fazer algo novo com seu cinema a essa altura da carreira, mas também não considero que ele esteja apenas requentando o que já fez. Minha impressão é que ele é atraído pelos mesmos temas (mortalidade, esperanças e paixões fugazes e duelo interno entre razão e emoção) e tenta resolvê-los de jeitos diferentes, mas sempre baseado em situações e diálogos e menos em invenções de caráter visual”.

Woody Allen e a atriz Parker Posey nas filmagens de “O Homem Irracional” (Foto: Divulgação)


OPINIÃO Palavra do especialista

7

Visão do

Correio

Daniel Feix

João Pires

Toda a obra de Woody Allen é calcada sobre a necessidade de entender de onde vêm os desejos humanos. Eu diria sobre a necessidade de entender a si próprio, dado que expor suas inquietações é uma premissa da obra de Allen, como de todos os grandes artistas do cinema. É interessante falar sobre isso em “O Homem Irracional”, que à primeira vista pode parecer um filme estranho em meio à sua obra, ainda que as tramas de “Crime e Castigo” (livro de Dostoievski) sejam recorrentes em sua filmografia: a ideia de tirar a vida de alguém para preencher um vazio interior me parece uma radicalização no grande estudo de personagem que é a sua obra. Veja que estou encarando toda a obra de Allen como um estudo de um personagem, o que me parece reducionista, mas ainda possível. O protagonista de “O Homem Irracional” é diferente dos protagonistas usuais de seus filmes, em geral alter egos do cineasta. É justamente aí que entra algo que observo nos últimos anos que me parece uma mudança em sua filmografia: ao sair de cena, entregando o papel de protagonista de seus filmes para atores mais jovens, Allen se libertou da figura do alter ego mais recorrente em seus filmes, ampliando esse estudo de personagem a que se dedica. Acho injusta a crítica de que seus roteiros têm piorado. Alguns filmes recentes, da “fase europeia”, para mim, estão entre os melhores de sua carreira Não vejo uma curva descendente. Vejo um cineasta com alguma irregularidade, apenas isso.

Ao decidir assistir a um filme de Woody Allen, o espectador não pode apreciar a obra com um olhar qualquer. Os filmes do diretor têm propostas que nem sempre são compreendidas. Além de proporcionar histórias agradáveis e leves, em alguns casos engraçadas, Allen pretende gerar reflexões. “O Homem Irracional” é um trabalho que precisa ser encarado desta forma, em busca de reflexões. Do contrário, pode ser apenas mais um filme agradável entre muitos. Joaquin Phoenix parece mesmo ter se dedicado para encarar o papel e incorporou bem o perfil reflexivo do professor, dando um sabor especial ao personagem. Emma Stone mais uma vez encanta, mas menos que em “Birdman” (2014), filme pelo qual concorreu ao Oscar. Como de costume em filmes “allenianos”, a história não tem grandes reviravoltas, mas agrada. O mais interessante, porém, são as reflexões provocadas através de pensadores como Kant e Heidegger e por meio da obsessão que aos poucos vai dominando o professor. O expectador é confrontado com a relativização da moral - mesmo com Abe Lucas morrendo e não tendo tempo para gozar do prazer que aquele crime lhe proporcionou - e com a importância da casualidade na vida. Há trechos que realmente pedem uma pausa para reflexão - o melhor deles é quando Abe admite que “para existencialistas, nada acontece até chegarmos ao fundo do poço”. Aspectos como esses, bem inseridos na trama, fazem do filme algo diferenciado.

daniel.feix@zerohora.com.br

jvrpires@gmail.com



Perfil de Joaquin Phoenix

Ficha técnica de “O Homem Irracional”

Perfil de Emma Stone

Nome: Joaquin Rafael Phoenix Data de nascimento: 28 de outubro de 1974 (40 anos) Local de nascimento: San Juan, Porto Rico Premiações: Indicado três vezes ao Oscar - duas como melhor ator, por “O Mestre” (2012) e “Johnny & June” (2005), e uma como coadjuvante, por “Gladiador” (2000); vencedor do Globo de Ouro de melhor ator de comédia ou musical, por “Johnny & June” (2005). Curiosidades: Não gosta de assistir aos filmes em que atua e afirmou, em 2013, que a premiação do Oscar “é a coisa mais estúpida do mundo”.

Nome: Emily Jean Stone Data de nascimento: 6 de novembro de 1988 (26 anos) Local de nascimento: Scottsdale, Arizona (EUA) Premiações: Indicada ao Oscar como melhor atriz coadjuvante, por “Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)” (2014); indicada a dois Globo de Ouro - melhor atriz coadjuvante, por “Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)”, e melhor atriz de comédia ou musical, por “A Mentira” (2010). Curiosidades: Fez teste para o papel de Claire Bennet, no seriado “Heroes”, mas perdeu para Hayden Panettiere.

Vale a leitura O livro “Crime e Castigo”, de Fiodor Dostoievski (1821-1881), foi clamaramente uma das principias inspirações de Woody Allen ao escrever a história de “O Homem Irracional”. É sabido que Allen já produziu outros filmes se baseando na obra-prima do escritor russo, como “Match Point” (2005) e “O Sonho de Cassandra” (2007). Dostoievski analisa de forma profunda o psicológico do protagonista da história, o jovem ex-estudante Rodion Raskólni-

Título original: Irrational Man Direção e roteiro: Woody Allen Direção de fotografia: Darius Khondji Ano de produção: 2015 Gênero: Suspense/Drama Duração: 96 minutos Classificação: Não recomendado para menores de 14 anos Distribuidor: Imagem Filmes Locais de filmagem: Newport e Providence, em Rhode Island (EUA). Curiosidade: Foi exibido fora de competição no Festival de Cannes (FRA). Elenco completo: Emma Stone; Joaquin Phoenix; Jamie Blackley; Parker Posey; Ana Marie Calise; Ben Rosenfield; David Aaron Baker; David Pitt; Ethan Phillips; Gary Wilmes; Haley Pine; J.P. Valenti; Julie Ann Dawson; Meredith Hagner; Michael Goldsmith; Nancy Ellen Shore; Pamela Figueiredo Wilcox; Susan Pourfar; Tamara Hickey.

Dostoievski serviu de inspiração ao filme

kov, pobre, que precisou abandonar os estudos por falta de recursos. O personagem começa a criar ideias em sua cabeça, assim como acontece com Abe Lucas após ouvir a história do juiz mal-intencionado em uma mesa de restaurante. Raskólnikov assassinou uma agiota, a idosa Alíona Ivánovna, acreditando ter cometido o crime por questões humanitárias. Por esses e outros aspectos, é impossível não relacionar o filme ao livro, para aqueles que

já o leram. Para aqueles que ainda não conhecem, “O Homem Irracional” é mais um bom motivo para uma leitura de “Crime e Castigo”, um dos romances mais importantes não somente da literatura russa como da literatura mundial.

O livro:

Título: Crime e Castigo Gênero: Romance Ano: Publicado em 1866 Páginas: 592 (Coleção de bolso L&PM Pocket) Preço: R$ 27,90 (Coleção L&PM Pocket).

O autor:

Nome: Fiodor Dostoievski Nascimento: 1821, em São Petesburgo (Rússia) Importância: Apontado como fundador do Existencialismo.



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