AS MÍDIAS SOCIAIS E OS NOVOS PARADIGMAS DA COMUNICAÇÃO: APONTAMENTOS SEMIÓTICOS E SISTÊMICOS Por Cândida Almeida
Resumo A proposta de estudo que estas páginas revelam é dar início aos estudos de investigação fenomenológica da natureza social e de linguagem das mídias sociais. A partir de conceitos da Semiótica Peirceana e da Teoria Geral de Sistemas1, buscamos apontar como as mídias sociais tendem a promover os processos comunicacionais. Ou seja, como os processos sociais de intercomunicação absorvem as transformações dessas mídias e como o uso produtivo dessas mídias tende a afetar as relações sociais e os processos cognitivos dos sujeitos participantes. Além de tratarmos a fundamentação a partir da Semiótica e T.G.S., buscaremos luz em diversos autores contemporâneos que tratam do tema da cultura digital para ampliarmos o debate e compreensão contemporânea do objeto. Palavras-chave: mídias sociais; Semiótica Peirceana; sistemas; cognição; rede; comunicação digital interativa. Introdução Neste
primeiro
capítulo,
buscamos
bases
filosóficas,
mais
especificamente fenomenológicas, para começarmos a entender a natureza essencial da linguagem das mídias sociais, o contexto de impacto no âmbito da comunicação e seus reflexos cognitivos com os internautas participantes. O que se propõe, portanto, é apontar um caminho que demonstre como o fenômeno2 midiático das redes sociais digitais interativas ocorre, percorrendo um caminho, ora ontológico, ora analítico. Para essa aventura propomos fazer uma leitura sincrônica de duas teorias sobre o objeto: de um lado lançamos mão da Teoria Semiótica (mais especificamente, a fenomenologia, base fundamental da Semiótica Peirceana) e de outro lado trazemos o ponto de vista da Teoria Geral
1 Em alguns casos utilizaremos a abreviação T.G.S. 2 Entendendo fenômeno como o conceito geral da fenomenologia e não, apenas, como termo figurado de um acontecimento de rápida e notória projeção pública, ainda que essa definição seja perfeitamente cabível ao contexto das mídias sociais no que diz respeito à sua rápida aceitação e uso pelos internautas.
de Sistemas – com especial destaque aos estudos de Mario Bunge e Jorge A. Vieira – para clarear a natureza dessas mídias. A Semiótica aprece nessa pesquisa como base fundamental para encararmos o ponto de vista fenomenológico das mídias sociais, além de servir como ferramenta para dissecarmos os elementos de linguagem e os modos interpretativos que delas decorrem nos processos comunicacionais. De outro lado, a Teoria Geral de Sistemas nos auxiliará no entendimento do contexto complexo e dinâmico no qual se inserem essas mídias: a internet e sua evolução transformadora do meio e de seus agentes (internautas) partícipes. Apesar de munidos de ferramentas eficientes para análises dos processos comunicacionais, apontar os fundamentos da natureza da mídias sociais e seus processos relacionais de comunicação, não é uma tarefa nada simples, especialmente se partimos do pressuposto de que essas mídias (e seus meios) ainda não consolidaram com clareza, sequer as suas marcas de linguagem no contexto da Comunicação Social. Tratamos aqui da natureza de um objeto ainda em processo de formação e adaptação em um mundo que nos impõe uma velocidade dantes nunca vivenciada. Velocidade no que diz respeito à quantidade e proliferação das informações comunicadas, à quantidade e modernização dos suportes disponíveis para atualização das informações, às mudanças estruturais dos próprios meios de comunicação em função dos avanços tecnológicos (um exemplo é a mudança de velocidade das bandas de conexão e os pontos sem fio de redistribuição da internet) e às mudanças interpretativas (cognitivas) do público a partir do contato e familiarização com essa dinâmica troca produtiva de informações. Contato esse, tão íntimo e ativo, que tem impulsionado alguns autores repensarem a classificação desse “público”. Pisani & Piotet (2010) no livro “Como a web transforma o mundo – a alquimia das multidões”, por exemplo, defendem que devemos respeitar essa condição em que os sujeitos passam efetivamente a interagir, criar, dinamizar as trocas e chamá-los (chamarmo-nos) de web atores. Já não são mais navegadores passivos, que consomem, sem reagir, a informação que lhes é proposta nos sites mantidos por especialistas. Os usuários atuais propõem serviços, trocam informações, comentam, envolvem-se, participam. Eles e elas produzem o essencial conteúdo da web. Esses internautas em plena mutação não se contentam só em navegar, surfar. Eles atuam; por isso decidimos chama-los de “web atores”. (Pisani & Piotet, 2010, p. 16)
Para que o leitor possa acompanhar a leitura deste trabalho afinado com nossas bases teóricas, passamos abaixo a expor os principais conceitos3 que nos servirão de parâmetros para iniciarmos4 através destas páginas, o processo de dar luz à natureza fenomenológica das mídias sociais e seus efeitos transformadores com seus web atores.
1.
Semiótica Peirceana: fenomenologia e natureza da comunicação digital interativa Neste primeiro item apresentamos parte das formulações da Teoria dos
Signos, desenvolvida pelo cientista norte-americano, Charles Sanders Peirce (1839-1914). A Semiótica nos servirá como teoria fundamental para observamos de maneira analítico-fenomenológica como se dão os processos de cunho interativo-relacional, favorecidos pelas mídias sociais. A Semiótica configura-se como uma importante fonte para fornecer-nos material teórico para a realização de análises dos efeitos e processos de representação (e interpretação) de signos de universos tão distintos. A distinção se dá, por exemplo, ao considerarmos desde as matrizes dos códigos digitais, passando pelos suportes, interfaces, sistemas operacionais, visualizadores das mensagens (softwares como browsers e aplicativos), o meio dinâmico da internet, hipermídias (as redes sociais da internet) e seus web atores (público que cumpre o papel de emissor e receptor simultânea e dialogicamente). É importante pontuar que os conceitos semióticos neste artigo discutidos serão contrapostos a outros conceitos de outras teorias. Mais especificamente, da Teoria Geral de Sistemas. Além deste contexto, trataremos de apontar discussões teóricas sobre cultura digital, rede, web, interação e participação, para assim formarmos uma tessitura teórica que possa demonstrar um saudável caminho para começarmos a entender a natureza inquietante das mídias sociais. Avante, passamos à exposição da Fenomenologia Peirceana.
1.1. Fenomenologia: ocorrência e essência
3 Advindos da Semiótica Peirceana e da Teoria Geral de Sistemas. 4 Tratamos esse artigo como um ponto de partida para o início de um trabalho que ainda exige reflexões extensivas, dada a complexidade do objeto que aqui se investiga.
Ciência dos signos: essa é a definição mais geral para o termo Semiótica. Cabe à Semiótica o estudo do que é o signo, o que o compõe, o que representa e como se relacionam. É através dos signos (estudo de suas partes e dos tipos e classes existentes) que podemos analisar o modo de ocorrência de todos e quaisquer fenômenos, sejam eles, objetos, organismos, espaços, pensamentos, qualidades, atitudes, sentimentos, etc., tornando claro seu processo de representação e produção de sentido. Desenvolvida pelo filósofo e cientista, Charles Sanders Peirce (*1839 †1914), a Semiótica é uma disciplina de importante destaque dentro de todo o pensamento Peirceano, tendo o autor desenvolvido profundos estudos nas áreas de química, física, matemática, astronomia, entre outras áreas no campo das ciências exatas, naturais e, até mesmo, das ciências culturais. Foi suportado por tamanho conhecimento científico que Peirce organizou as ciências e suas disciplinas dentro de uma arquitetura diagramática, classificando-as e posicionando-as conforme níveis de generalidade e abstração. Isso significa dizer que na classificação peirceana das ciências, “Quanto mais abstrata é a ciência, mais ela é capaz de fornecer princípios para as menos abstratas. Do mesmo modo que a filosofia extrai da matemática muitos dos seus princípios, é da filosofia que as ciências especiais recebem seus princípios”. (Santaella, 2001, p.34) Entender a classificação das ciências é fundamental para que possamos reconhecer o papel que a Semiótica ocupa no pensamento de Peirce. Entendida por ele como sinônimo de Lógica, a Semiótica é um tipo de Ciência Normativa (segunda ramificação da Filosofia) que tem toda sua base fundamentada pela Fenomenologia (primeira ramificação da Filosofia). A classificação científica proposta por Peirce é de suma importância para entendermos a forma como as ciências se inter-relacionam e leem seus objetos, recorrentemente apresentada com a organização que se vê no diagrama abaixo:
Imagem 1: diagrama com a cartografia das ciências
Recorrendo à Santaella (1992), na passagem “A cartografia das Ciências”
do livro “A Assinatura das Coisas: Peirce e a Literatura”, a autora reflete sobre a classificação peirceana das ciências, defendendo a ideia de que essa concepção deve ser entendida como uma cartografia, uma orientação para o entendimento de como Peirce encarou o desenvolvimento científico. Para ele, as ciências estão longe de serem consideradas mecanismos dedutivos isolados, mas fazem parte de processos “vivos” de confluência do conhecimento humano em busca da verdade. “A ciência se caracterizará por um crescimento persistente, do que decorre que os limites de uma ciência particular sempre tenderá a ficar borrado nos limites de outras”. (Santaella, 1992, p. 111) A classificação das ciências, bem como o próprio pensamento científico de Peirce, tem suas bases na Fenomenologia, ciência responsável pela apresentação das três categorias universais que guiam a ocorrência dos fenômenos. As ciências desenvolvem suas hipóteses através da observação fenomenológica em seus sistemas específicos (natureza, sociedade, organismos, energia, entre outros tantos ambientes), ou seja, a Fenomenologia é base para a descoberta científica. A Semiótica, como é possível notar no quadro acima, é uma derivação da Fenomenologia. É justamente respeitando a cartografia científica de Peirce que optamos por trazer à tona, às noções fenomenológicas para, em seguida,
expormos o que é o signo e como podemos realizar leituras de sistemas complexos, como as mídias sociais. As
proposições
teóricas
de
C.
S.
Peirce
são
apresentadas,
recorrentemente, através da enunciação de três conceitos correlatos. É tamanha a ocorrência desse tipo de estrutura que podemos tratar o pensamento peirceano, e mais especificamente a Semiótica Peirceana, como triádicos, por excelência. A base da arquitetura científica peirceana está na Fenomenologia, donde se extrai os fundamentos para o estudo fenomenológico das três categorias universais que governam a experiência. Peirce tinha um cuidado científico muito pertinente em relação ao que ele chamou de “Ética da Terminologia”. Para ele, “A ciência está continuamente ganhando novos conceitos, e todo novo conceito científico deveria receber uma nova palavra ou, melhor, uma nova família de palavras cognatas”. (Peirce, 1999, p. 40)”. É baseado nesse cuidado que Peirce atribui o termo Faneroscopia5 aos seus estudos fenomenológicos. A Faneroscopia (Fenomenologia Peirceana) cuida do entendimento do que é o faneron (fenômeno). Para Peirce, o faneron é todo e qualquer elemento observável, qualquer coisa que se apresente em uma mente qualquer, sem que haja necessidade de considerar a sua realidade. Phaneroscopy is the description of the phaneron; and by the phaneron I mean the collective total of all that is in any way or in any sense present to the mind, quite regardless of whether it corresponds to any real thing or not. If you ask present when, and to whose mind, I reply that I leave these questions unanswered, never having entertained a doubt that those features of the phaneron that I have found in my mind are present at all times and to all minds. So far as I have developed this science of phaneroscopy, it is occupied with the formal elements of the phaneron. (CP 1.284)6
Os elementos formais do estudo dos fanerons aos quais Peirce faz referência na passagem acima é o desenvolvimento das três categorias
5 O conceito de faneroscopia vem do radical grego faneron (phaneron) que significa fenômeno. Peirce sempre defendeu que para novos conceitos e novas proposições científicas é necessário que se criem novas designações (palavras) que indiquem a diferença e encaminhe o pensamento para melhor interpretação daquilo que se quer representar. Mora aí, a importância de instituir um nome original para um tipo de fenomenologia cunhada de modo diferente das teorias fenomenológicas até então desenvolvidas. 6 Faneroscopia é a descrição do faneron (fenômeno); e pelo fenômeno eu designo o total coletivo de tudo que se apresente à mente, não obstante se correspondem a algo real ou não. Se você perguntar quando se apresenta e em qual mente, eu deixo estas perguntas sem respostas, nunca ignorando a dúvida dessas características do fenômeno que sempre encontro na minha e em todas as mentes. Há tempos, desenvolvi esta ciência, a faneroscopia, que se ocupa dos elementos formais dos fenômenos. (nossa tradução)
fenomenológicas7. Cabe à Fenomenologia o governo do modo de ser da experiência. Qualquer elemento material, ação, pensamento, qualidade ou sentimento pode ser observado de forma fenomenológica, do modo de sua ocorrência, seja qual for a sua natureza. A esse respeito, Ibri (1992) esclarece: A Fenomenologia, por pretender a formação dos modos de ser de toda experiência ou categorias, parece não poder submeter-se a outro método de que não aquele constituído, fundamentalmente, pela coleta de elementos de incidência notável e pela posterior generalização de suas características. (Ibri, 1992, p. 06)
As categorias fenomenológicas são gerais e, portanto, aplicáveis a todo e qualquer fenômeno, seja um objeto material, um delírio, uma lembrança ou a sugestão de um sentimento, desde que possa ser observado em sua ocorrência fenomenológica. Da análise fenomenológica resulta que o faneron é regido por três categorias fenomenológicas que se exibem concomitante e ininterruptamente. São elas: a primeiridade, a secundidade e a terceiridade. Tento uma análise do que aparece no mundo. Aquilo com que estamos lidando não é metafísica: é lógica, apenas. Portanto, não perguntamos o que realmente existe, apenas o que aparece a cada um de nós em todos os momentos de nossas vidas. Analiso a experiência, que é resultante cognitiva de nossas vidas passadas, e nela encontro três elementos. Denomino-os Categorias. Pudesse eu transmiti-las ao leito de modo tão vívido, claro e racional como se me apresentam! Mas elas assim se tornarão para o leitor se este lhes dedicar suficiente atenção e meditação. (Peirce, 1999, p. 22-23)
Para que o leitor possa entender a fenomenologia peirceana, é preciso uma exposição pontual e cuidadosa da teoria. Uma exposição que leve ao contexto filosófico geral de seus significados, levando-se em consideração que este texto particular (parte integrante da pesquisa “Mídias sociais: tendências e desafios da comunicação em rede”) tem por objetivo oferecer uma visão fenomenológica do objeto “mídias sociais”, não se resolvendo, portanto, no viés puramente epistemológico. Para darmos início à exposição é preciso, de antemão, que duas premissas estejam claras. As três categorias fenomenológicas (universais) formam a composição fundamental de todo e qualquer fenômeno. Ainda que o faneron tenha a visível
7 A primeira vez que Peirce fez a proposição de suas categorias fundamentais foi ainda no século XIX (1867), através da publicação do artigo intitulado “Sobre uma Nova Lista de Categorias”. Ao longo de 35 anos, ele reformulou algumas vezes essas categorias, aprimorando-as e tornando-as cada vez mais geral até chegar às três categorias fenomenológicas.
predominância de uma dessas categorias, as outras duas também estarão presentes em algum grau naquele fenômeno analisado. Ou seja, não existe um faneron que não seja regido pelas três categorias. Cada uma será responsável por uma dada característica do fenômeno. O faneron (fenômeno) é um continum8 no tempo. Apesar de aqui tratarmos, em certas ocasiões, do fenômeno como algo, em verdade ele é um eterno tornar-se algo. A análise fenomenológica é realizada através da observação do fenômeno em um recorte preciso da sua continuidade histórica. A partir dos esclarecimentos acima, passamos às explicações das três categorias fenomenológicas. Primeiridade A primeiridade é a categoria que rege as qualidades de sensação, a presentidade, a espontaneidade, a talidade do fenômeno que se analisa. Arena das qualidades e potencialidades, essa categoria é responsável pela capacidade prévia de todo e qualquer fenômeno existir e estar apto a qualquer tipo de experiência no mundo. É o leque infinito de possibilidades de algo vir a ser. O algo, no caso, é o fenômeno; vir a ser é, por assim dizer, a anunciação, a potência de materialização no mundo, a abertura para sua experiência. É inerente, ainda, a essa categoria a ideia de mônada. Isso significa dizer que, do ponto de vista metafísico, é a talidade do fenômeno, seu modo pré-maturo, sua essência ainda no reino da qualidade, sem aspectos definidos, partes identificáveis ou corpo. A própria qualidade de sensação, sem que seja possível definir qual seja a sensação. Não me refiro ao experienciar agora a sensação, ou vivê-la na imaginação ou na memória. Nesses casos a qualidade é apenas um elemento envolvido no evento. Interessa-me a qualidade em si mesma, que é um poder-ser não necessariamente realizado. (...) eu não considero o que é verdadeiro, nem tampouco o que aparece realmente. (Peirce, 1974, p. 95)
Outras características inerentes à categoria da primeiridade são as ideias de potência, possibilidade, infinitude e devir. Ou seja, encontra-se nessa noção
8 O continum é a ideia da continuidade ou contiguidade no exercício metafísico de se conceber a existência de algo no mundo. Também pode ser tomado a partir do conceito de semiose que é a sequencia ininterrupta de um signo transformando-se em outro numa cadeia eterna de representações que adquirem novas características no curso do tempo, transformando-se, assim, noutras representações, ad infinitum.
fenomenológica toda e qualquer força potencial de ocorrência de um determinado fato. No entanto, toda possibilidade, leva imediatamente a afirmação de um acontecimento. O acontecimento, em si, é um recorte dessas possibilidades e esse momento é a clara regência da secundidade. Secundidade A materialização de um determinado fenômeno é uma etapa fenomenológica correspondentemente regida pela segunda categoria classificada por Peirce: a secundidade. A esta, são atribuídas as características de apresentação, ação e reação, existência, conformação, resistência, atualidade e conflito. A segunda categoria - o traço seguinte comum a tudo que é presente à consciência - é o elemento de ‘conflito’. (...) Por conflito, explico que entendo a ação mútua de duas coisas sem relação com um terceiro, ou medium, e sem levar em conta qualquer lei da ação”. (Peirce, 1974, p. 96)
É através da regência dessa categoria que o fenômeno se corporifica, ganha materialização em seu universo, existe e, enfim, torna-se apto às experiências no mundo. Observando por esse sentido, podemos apontar que a secundidade é a arena da resistência do fenômeno. Embora seja um existente, esse fenômeno não tem força representativa, pois ainda não foi submetido a nenhum tipo de relação interpretativa com um terceiro que o interprete. Ou seja, o fenômeno existe, mas não está representado. Ele reage no reconhecimento formal de certa corporificação. “A idéia de segundo predomina nas idéias de causação e força estática. Causa e efeito são dois; e forças estáticas sempre ocorrem aos pares. Coação é a Secundidade”. (Peirce, 1974, p. 96) Assim, consiste na natureza da secundidade, portanto, a ideia de conflito indicando a existência clara de uma relação, uma associação, mesmo que o fenômeno em si não faça ainda o papel, ainda, de representação. Para que conclua a sua condição de faneron, é necessário que ele estabeleça alguma relação representativa com outro fenômeno. Esse processo de representação é o ponto de partida para começarmos a entender as características e o modus operandi da categoria da terceiridade. Terceiridade
Para que um fenômeno se configure como representação, como objeto passível de mediação, é necessário que a ele estejam incorporadas outras características que possam abrir sua existência ao mundo. Esse processo de abertura às possíveis interpretações e representações fenomênicas é regido pela categoria da terceiridade. À terceiridade aliam-se as ideias de generalidade, continuidade, representação, significação, propósito, mediação, infinitude, codificação, difusão, crescimento, etc. Cabe à terceiridade a continuidade, a certeza de que nada no mundo é estático. Tudo é vivo, tudo muda, se transforma. Pensando neste sentido, é fato conclusivo que, quando recortamos um fenômeno para análise, extraímos um momento da sua continuidade. Se assim o fazemos, todo recorte é uma pausa na existência do fenômeno. É através desse raciocínio que Peirce declara que a terceiridade é um medium, uma mediação. Cabe à terceiridade o papel da representação e a forma mais simples de terceiridade encontra-se na representação, ou signo. Representar é exercer o papel de mediação entre aquilo que é representado e a ideia que a representação é passível de produzir em uma mente potencial ou existente. Por terceiro entendo o medium, ou o vínculo ligando o primeiro absoluto e o último. O começo é primeiro, o fim segundo, o meio terceiro. O fio da vida é um terceiro, o destino que o corta, um segundo. (...) A continuidade representa a terceiridade na perfeição. Qualquer processo cai nessa categoria”. (Peirce, 1974, p. 98)
Além de indicar a característica de representação, cabe à terceiridade a noção de processo. O fenômeno torna-se um medium (mediador) entre aquilo que ele representa e o que ele virá a ser. Essa mediação fica clara pelo fato de o faneron ter uma memória interna, a lembrança daquilo que ele representa qualitativamente. Terceiridade é representação, continuidade, generalidade e abertura para interpretação. Enquanto categoria da representação, é o berço da noção de signo.
1.2. Signo em Peirce: recorte, referência e representação A Fenomenologia é a fundamentação para a Semiótica Peirceana. É a partir das categorias fenomenológicas que Peirce aponta a forma como o signo irá ser analisado e estruturado. As partes integrantes do signo, assim como a relação entre os diversos signos numa composição, fundamentam-se nas categorias
fenomenológicas. O exercício analítico da semiótica consiste, portanto, na análise dos fanerons enquanto signos participantes de uma cadeia. Sabemos que um fenômeno apresenta as três categorias fenomenológicas. Sendo elas onipresentes, todo e qualquer faneron pode e deve ser analisado enquanto signo. Um Signo é tudo aquilo que está relacionado com uma Segunda coisa, seu Objeto, com respeito a uma Qualidade, de modo tal a trazer uma Terceira coisa, seu Interpretante, para uma relação com o mesmo Objeto, e de modo tal a trazer uma Quarta para a relação com aquele Objeto na mesma forma, ad infinitum. (Peirce, 1999, p. 28)
Para Peirce, tudo que está no mundo, todo fenômeno aparece sob a forma de signo, uma vez que o signo pode ser qualquer coisa, desde uma simples ideia que ainda não foi executada, passando por toda e qualquer coisa material, até as mais convencionais das leis humanas. A concepção de signo, em Peirce, é dada pela relação entre as três partes básicas que o compõe. Essas três partes são: o representamen9 (ou o signo propriamente dito), o objeto do signo e o interpretante do signo. Tais partes estão em acordo com as características das três categorias fenomenológicas e isso significa dizer que cada uma delas possui características próximas àquelas que contemplam o regime do faneron. [Minha definição de signo é]: Signo é um Cognoscível, que, de um lado, é assim determinado (isto é, especializado, bestimmt) por algo diverso dele, chamado seu Objeto, enquanto, por outro lado, ele próprio determina uma Mente existente ou potencial, determinação essa que denomino o Interpretante criado pelo Signo, e onde essa Mente Interpretante se acha assim determinada mediatamente pelo Objeto”. (Peirce, 1974, p.137)
Assim, o signo é constituído de três posições lógicas distintas. Apesar de cada uma ter características próprias, elas são concomitantes e interdependentes, uma em relação às outras. A isso, segue-se que o signo (representamen) é um primeiro (mônada) que estabelece uma relação com um segundo (seu objeto / díada) de modo a determinar um terceiro (interpretante / tríada). O signo representamen possui características próximas à categoria da primeiridade. No que diz respeito à natureza do signo como um todo, é ali que as qualidades de sensação e as noções de mônada se manifestam. Ao se fazer uma
9 É importante deixar claro que Peirce utiliza o termo SIGNO para referenciar tanto o signo como um todo (unidade mínima de estudo da semiótica), quanto a primeira parte do signo, também denominada representamen. Ou seja: SIGNO = signo (representamen) + objeto + interpretante. A partir de agora, usaremos o termo representamen para evitar confusões no esclarecimento da teoria.
análise, interrompemos a continuidade sígnica e, portanto, o aspecto em primeira instância analisado é aquele detentor das qualidades do signo. Ou seja, a porção primeira, o instante de dominância da primeiridade. A noção geral do conceito de signo diz que o signo é um primeiro (representamen - parte do signo latente por materialização e representação) que mantém uma relação com um segundo (seu objeto) e que busca determinar um terceiro (o interpretante). O objeto do signo – aquilo que o signo busca representar – é, portanto, o contexto do signo, seu universo de aplicação e referência. Já o interpretante é o efeito resultante da determinação do signo pelo objeto e da representação do objeto pelo signo. Ou seja, como consequência da relação representamen / objeto, dá-se a geração de um interpretante, indicando, por sua vez, a existência de uma terceira coisa que também está relacionada ao processamento sígnico. Decorre daí a abertura para um novo processo de representação, gerando um novo signo, que se liga mediatamente ao signo que o criou. O pensamento peirceano, especialmente o da Semiótica, merece muitas e muitas outras páginas dedicadas. Como proposto, nossa intenção é buscar as bases fenomenológicas da natureza das mídias sociais. No entanto, reservamos o recorte teórico acima para que possamos dar passos seguros rumo ao entendimento de natureza tão complexa e mutante. Isso implica dizer que não recortaremos casos para análises de tipos sígnicos. A nossa intenção é reforçarmos um pensamento primário filosófico sobre o tema para que assim possamos caminhar buscando pontos seguros em terreno tão arenoso. Para que possamos compreender melhor esse terreno, é importante lançarmos o olhar para sua composição e cercanias, buscando a revelação do contexto e características internas e externa ao movimento evolutivo das mídias sociais. Para esse fim, encontramos em alguns conceitos da Teoria Geral de Sistemas, um recorte que poderá nos auxiliar, abrindo clareiras mais firmes nesse caminho.
2.
A complexidade da web: ambientes sígnicos e sistêmicos Para Peirce, o mundo está repleto de signos que presentificam desde
qualidades de sentimentos ainda nem percebidas, às mais gigantescas edificações da construção civil. Tudo é signo. Os signos representam um objeto dentro de uma cadeia – a semiose – de transformação ininterrupta de um signo em outro
signo. No entanto, é preciso lembrar que os signos não se apresentam de maneira isolada, mas contrapostos a outros signos em determinadas composições. Essas composições não são aleatórias, exigem certo grau de concordância entre os elementos sígnicos e, para que os signos sejam parte de uma dada composição, é necessário que estejam relacionados, de alguma forma, àquele conjunto. A necessidade de estudo da composição sígnica e suas relações com outros signos, sejam internos ou externos ao seu conjunto, leva-nos a entender essas composições como sistemas de trocas. Partindo desse pressuposto, torna-se fundamental a aproximação com a Teoria Geral de Sistemas (T.G.S.), que privilegia, justamente, o estudo das relações entre os elementos de uma dada composição. Relações essas, dadas pelo compartilhamento de propriedades que, no curso do tempo (sejam quais forem os intervalos), tendem a evoluir (modificar-se), conforme mudanças decorrentes das relações internas e do contato com o ambiente no qual o sistema está imerso. É exatamente esse movimento que caracteriza aquilo que podemos considerar dentro da T.G.S. como evolução sistêmica. Ou seja, tratamos os sistemas como vivos, não estacionados, modificáveis, evolutivos. Não é nossa proposta desbravar toda a Teoria de Geral de Sistemas e nem realizar um grande levantamento de todos os autores que fizeram esse tipo de abordagem. Esse seria um esforço que demandaria um estudo exclusivo e de proporções que em muito ultrapassam os interesses de nossas principiantes investigações. Via de regra, vale lembrar o pioneirismo de Ludwig von Bertanlanffy (1975), destacar os estudos cibernéticos de Norbert Wiener (1970) e as propostas sistêmicas da escola tcheca, através dos estudos de Libor Kubat e Jiri Zeman (1975). Apesar do
amplo espectro, pontuamos que o direcionamento
metodológico estará apoiado no resgate dos conceitos que dirigem a noção de sistemas em Uyemov (1975), Bunge (1979 e 1999) e perpassando os estudos de Morin (2010) sobre a complexidade das ciências e seus campos do conhecimento. Estudo esse, aliás, que traz importantes contribuições à abordagem sistêmica das ciências sociais. Adotaremos de antemão, os estudos de Jorge Albuquerque Vieira para nos conduzir a uma linha de raciocínio que nos permita elencar conceitos que envolvem as definições de sistema para, adiante, nos servir de parâmetros para o entendimento da natureza das mídias sociais. Apesar de trazermos outros autores para os debates conceitos, é na linha do referido autor, que apoiaremos
nossas discussões. Vieira (2006, 2007, 2008) realiza um apanhado de conceitos forjados por diversos cientistas (entre físicos, biólogos, filósofos e semioticistas) e deles extrai um método claro para o exercício das análises sistêmicas. Vale destacar, ainda, que o material oferecido por Vieira é assumidamente conduzido pelos pilares pragmaticista de Charles Sanders Peirce. Assim, nos embasamos em um fundamento teórico que complementa o caminho metodológico aqui trabalhado. É importante destacar que encaramos as mídias sociais como um sistema dinâmico, imerso em um ambiente que favorece a modificações ininterruptas de suas propriedades, dada a capacidade que esse sistema tem de se transformar no tempo. O ambiente (no caso a web) – que pode ser considerado outro sistema mais abrangente no qual o sistema mídias sociais está imerso -, aglutina diversos outros sistemas que, no curso do tempo, vão favorecer sua evolução. Os estudos sobre mídias sociais exige que tenhamos ferramentas que nos possibilitem analisar conjuntos (sistemas) de signos que estão em constante transformação, cujas alterações acarretam, inclusive, em mudanças cognitivas do próprio pensamento humano. A escolha pela abordagem sistêmica revela-se fundamental, pois, a partir dela, acessamos um conjunto teórico (ontológico) eficaz ao estudo das relações entre os elementos de um dado sistema. Além disso, é através da T.G.S. que encontramos fundamento conceitual para investigar a complexidade existente nas relações entre os elementos que se conectam fora de seu sistema, provocando substanciais alterações evolutivas no interior desses processos de comunicação interpessoal que se manifestam pelas infovias da web. O que oferecemos é um olhar que ultrapassa a visão, por vezes, mecanicista das teorias da comunicação, buscando conceitos e métodos que acessem a complexidade desses tipos e nos permitam contrapor sistemas bem distintos (sistema psicossocial, cognitivo, social, digital, virtual, imagético, sonoro, hipertextual) e deles realizar investigações sobre suas relações internas. É encarando tal complexidade que verificamos a importância de começarmos a traçar as particularidades sígnicas dos sistemas de mídias sociais, de um lado, e os efeitos imersivos do todo sistêmico (o sistema e seus ambientes), de outro. Nesse sentido, encontramos em Edgard Morin (2012) lucidez para enfrentar nosso caminho metodológico Não podemos mais considerar um sistema complexo segundo alternativa do reducionismo (que quer compreender o todo partindo só das qualidades das partes) ou do ‘holismo’, que é menos simplificador e que negligencia as partes para compreender o todo. Pascal já dizia:
‘Só posso compreender um todo se conheço, especificamente, as partes, mas só posso compreender as partes se conhecer o todo.’ Isso significa que abandonamos um tipo de explicação linear por um tipo de explicação em movimento, circular, onde vamos das partes para o todo, do todo para as partes, para tentar compreender um fenômeno. (Morin, 2010, p. 182)
Além de enfrentar a análise sistêmica segundo o ponto de vista da investigação da relação todo-parte, será a contextualização dos ambientes sistêmicos, que poderá nos fornecer um conjunto teórico inicial para embasarmos nosso estudo e buscarmos a essência fenomenológica e sistêmica das mídias sociais. Consideramos que uma plataforma de mídia social – tomemos o Facebook como exemplo para seguir as explicações – é uma formação sistêmica dinâmica por envolver entre tantas outras características, as possibilidades de materialização e desenvolvimento de informações através do sistema digital, ser acessada de maneira interfaceada por diversos tipos de suportes (computadores desktop10,
laptops11,
televisores
smartphones12,
tablets13,
entre
outros
equipamentos que possuem conexão à internet), ser visualizada tanto por browsers14 quanto por aplicativos específicos, servir de ponto de redistribuição de informações dos mais variados formatos e linguagens (videográficas, fotográficas, textuais, musicais...), servir como ponto de reunião e encontro de conexão
de
perfis15,
grupos,
páginas,
ter
o
seu
corpo
constante e
ininterruptamente modificado pelas publicações de seus atores e toda a sorte de possibilidades
derivadas
da
convergência
dessas
e
de
tantas
outras
características. Observamos esse tipo de produção como um arcabouço de complexas relações sígnicas que, se encaradas sob o ponto de vista sistêmico, podem ser estudadas de maneira mais lúcida e integrada. Para iniciar esse entendimento, é importante colocar que tratamos de considerar que o estudo sistêmico é uma das
10 Computadores de mesa. 11 Computadores portáteis. 12 Dispositivos móveis multitarefas que incluem, necessariamente, o servico de telefonia e acesso à internet. 13 Suporte digital interativo móvel capaz de processar e servir de interface para execução de tarefas simples tradicionalmente realizadas pelos microcomputadores pessoais. 14 Navegadores da internet. Softwares que traduzem a linguagem 15 Assim, por exemplo, pessoas estabelecem proximidade de links e nós entre seus interesses na web.
formas de se acessar a realidade, sendo que seus sistemas são, por excelência, abertos. Ou seja, trocam informações e evoluem no seu curso. Admitiremos assim que a realidade é formada por sistemas abertos, tal que a conectividade entre seus subsistemas, com o consequente transporte de informação, gera a condição em que cada subsistema é mediado ou vem a mediar outros, comportando-se como signo, de acordo com a proposta de Peirce. Dessa forma, temos a possibilidade de conciliar a visão sistêmica com a semiótica peirceana, o que nos parece uma dilatação ontológica fértil para o estudo da complexidade. (Vieira, 2008, p. 29)
Com grande cuidado, Vieira busca esclarecer os princípios mais gerais da T.G.S. e, a partir de duas definições complementares, estabelece como um sistema deve ser compreendido. De um lado, revisitando os estudos do russo, Avanir Uyemov (1975), destaca a importância de se considerar as propriedades das relações estabelecidas entre os elementos de um sistema. De um modo geral, Uyemov sugere o entendimento dos sistemas, segundo um conjunto específico de relações internas, que pode ser expressa como (m) S = df [R(m)]P sendo: (m) = agregado de signos S = sistema R = relação P = propriedades
Seguindo a notação e sua legenda, define-se que um agregado qualquer de signos [(m)], independente de sua natureza, será um sistema (S) quando, por definição (df), esse agregado mantiver relações (R) entre si, de modo que determinadas propriedades (P) sejam partilhadas. Isso implica que um sistema se configura em função das relações que seus signos estabelecem, sendo que os signos constituintes possuem propriedades comuns. Ou seja, Para Uyemov (1975) o sistema é uma composição sígnica, cujas relações, além de viabilizarem trocas de informações, revelam, ainda, uma identidade comum, dada pela presença de determinadas propriedades em seus signos. Segundo Santaella & Vieira (2008) é importante que se destaque o valor que Uyemov atribui à emergência (capacidade de o sistema adquirir novas propriedades a serem partilhadas ) e partilha das propriedades, uma vez que elas favorecem a evolução sistêmica. Assim, a emergência de uma nova propriedade no conjunto de relações tende transformar o sistema, elevando seu nível
sistêmico, já que “a transição de um agregado de elementos ou mesmo de sistemas para um sistema de nível mais alto é obtida a partir da emergência de propriedades que desaparecem se o novo sistema for decomposto...” (Santaella & Vieira, 2008, p. 31) Além disso, as propriedades favorecem de tal modo as relações entre os signos compositores do sistema que a simples soma dos elementos será sempre menor que o todo sistêmico. Nesse contexto, torna-se relevante trazermos ao diálogo, um dos principais expoentes dessa teoria, o biólogo Ludwig von Bertalanffy (1975), cujas palavras expressam a necessidade que temos de estudarmos a dinâmica das relações das partes que compõem um sistema na relação com seu todo. É necessário estudar não somente partes e processos isoladamente, mas também resolver os decisivos problemas encontrados na organização e na ordem que os unifica, resultante da interação dinâmica das partes, tornando o comportamento das partes diferente quando estudado isoladamente e quando tratado no todo. (Bertalanffy, 1975, p.53)
Significa, portanto, dizer que um sistema não é simplesmente um conjunto de partes isoladas, mas de signos interconectados, de tal forma que, havendo dissociação interna dos elementos, parte do sistema é perdida.16 No entanto, Vieira (2008) destaca que a definição de sistema de Uyemov, apesar de esclarecer o movimento interno dos signos que compõem um sistema, não faz menção ao ambiente no qual um sistema emerge, possibilitando trocas com signos externos. Para ocupar essa lacuna, vamos ao encontro dos estudos e delineações conceituais propostas pelo físico e filósofo argentino, Mario Bunge (1999). A mais simples análise do conceitos de sistema envolve conceitos de composição (C), ambiente (A), estrutura (E) e mecanismo (M). A composição de um sistema é a coleção de suas partes. O ambiente de um sistema é a coleção de signos que agem sobre os componentes do sistema ou são objeto da sua ação. A estrutura de um sistema é a coleção de relações (em particular laço ou elos) entre os componentes do sistema, bem como entre estes e os itens ambientais. Os primeiros podem ser chamados de endoestrutura e os últimos de exoestrutura do sistema. Assim, a estrutura total de um sistema é a união desses dois conjuntos de relações. [...] Finalmente, o mecanismo de um sistema é formado pelos processos internos que o fazem funcionar, isto é, mudar em alguns aspectos enquanto o conservam em outros. (Bunge, 1999, p.
16 Para mais, ver Bunge (1979), Vieira (2008), Mariotti (2005). Outra importante contribuição nesse sentido é oferecida pelos princípios fundamentais da Teoria da Gestalt, desenvolvida no início do século XX pelos psicólogos alemães Max Wertheimer (1880-1943), Wolfgang Köhler (1887-1967) e Kurt Koffka (1886-1940).
359)
Dentro dessas definições, o autor propõe a notação em que que considera s um sistema, da seguinte maneira:
S = <C(s), A(s), E(s), M(s)> Ou seja, o sistema
s é dado pela quádrupla ordena entre: os elementos
que compõem s, do ambiente que age em internos e externos de
s
s,
das relações entre os componentes
e do mecanismo interno de
s.
Somando a isso, o fato
óbvio de que esses elementos não são estáveis e que no curso do tempo, qualquer um, mais de um ou todos os elementos devem se alterar, provocando a mudança do sistema. Como é possível notar, a definição de sistemas de Mario Bunge infere sobre a existência de um sistema maior, seu ambiente, envolvendo o sistema em destaque e para onde o sistema tende a evoluir. Nesse sentido, é viável considerar como sistema, um agregado de signos inter-relacionados que partilham determinadas propriedades, de modo particular, e se conectam mediatamente com signos do seu ambiente invólucro. Dado que o ambiente tende a sofrer mutações em função da maior variedade de seus elementos internos, e de suas outras conexões com sistemas ainda maiores, o sistema analisado tenderá a evoluir, adquirindo propriedades do seu ambiente. Nesse sentido, Vieira coloca que A realidade é formada por sistemas de coisas mutáveis no tempo, em taxas de mudanças variáveis, e que essas mudanças produzem perturbações nos ambientes que envolvem essas coisas/sistemas, o que acarreta processos. Essas coisas, quando nosso intelecto consegue operar sobre elas, em algum nível, são chamadas objetos. Esses objetos podem ser os que se encontram em nossa cabeça (objetos lógicos, matemáticos, sentimentos, emoções, etc.) ou podem ser objetos que existem lá fora, independentes de nós. (Vieira, 2007, p. 22)
Esse movimento, que é próprio dos sistemas abertos (ou dinâmicos), pressupõe a evolução sistêmica e ao estabelecermos aproximações conceituais com a Semiótica Peirceana, encontramos no conceito de semiose17, grande afinidade teórica. A semiose, em resumo, implica na evolução processual e
17 Na Semiótica Peirceana os signos estão em contínuo processo de transformação de um signo em outro. Nada é estanque, tudo é processo. No item anterior, alertamos para o conceito de continum, que, por sua vez, fundamenta o de semiose.
infinita do signo relacionando-se com outros signos que estão próximos a ele e, a partir daí, ganhando novas características para tornar-se um novo signo que estará sujeito a todo esse processo de forma mutante, infinita e ininterrupta. Dessa maneira, acreditamos que a organização de uma composição e o modo como o processo de interpretação sígnica ocorre, pode ser compreendida de um modo sistêmico-semiótico. Assumimos, portanto, o caráter sistêmico, aberto e evolutivo das mídias sociais e seus reflexos e contaminações com seus ambientes externos para o enfoque analítico deste trabalho que busca investigar as mídias sociais em seus aspectos fenomenológicos. Nesse contexto, podemos inferir que as mídias sociais, representadas por uma dada interface de rede social digital na web (como Facebook), podem ser consideradas como um conjunto sistêmico (a rede interfaceada) cujas propriedades são partilhadas com elementos internos (os perfis, as timelines, os grupos, por exemplo) e externos ao sistema (como os posts oriundos de outras urls, os internautas, as empresas que patrocinam publicidades, as outras redes que se integram a esta, - como o Youtube18, por exemplo -, que fazem parte de um ambiente (como a internet, a web, o conjunto de internautas inscritos na rede), que têm como mecanismo a sua linguagem (digital interativa interfaceadora de informações estabelecidas por signos oriundos de imagens, textos e sonoridades) e evolui (abre-se a processos semiósicos), assumindo modificações em todos os seus elementos (conjunto, ambiente, estrutura e mecanismo) na medida em que as trocas (e movimentos) vão sendo estabelecidas interna e externamente ao sistema. Ou seja, toda e qualquer transformação em qualquer uma desses elementos
deverá
provocar
substanciais
transformações
nos
elementos
conectados a esse sistema, especialmente se lembrarmos que parte desses elementos é, justamente, o ser humano e toda sua complexidade sistêmica social. Trazendo para nossas reflexões um debate mais aplicado, encontramos nas palavras de Pisane & Piotet (2010) respaldo para nossas inquietações quando apontam as transformações da web em função da participação social midiática As ferramentas de criação de blogs, de compartilhamento de fotos, de mensagens instantâneas, de telefonia levam um número espantosamente elevado de usuários a se tornar web atores, porque são mais simples, mais acessíveis, mais claras. Conectados em rede,
18 Rede social digital interativa que tem como princípio o serviceo de postagem e compartilhamento de videos por parte dos internautas. Esta ferramenta, por sua vez, é integrada ao Facebook. Assim, ao inserirmos um link de alguma publicaçào videográfica do fica do Youtube, na linha do tempo do Facebook, essa peça (vídeo) é exibida, sem a necessidade de migração de interface.
permitem criar ligações, estabelecer relações quer entre dados, quer entre pessoas, ou entre pessoas e dados. A dimensão social da web encontrou-se, assim, acelerada pelo forte aumento do número de usuários e de ferramentas à disposição deles. Maior número de web atores, mais relações são estabelecidas, mais o sistema é rico e funciona melhor. (Pisani & Piotet, 2010, p. 24)
Pela descrição dos autores, nota-se uma clara movimentação sistêmica (entre sistemas) no contexto das trocas simbólicas e evoluções propiciadas pelas mídias sociais. Assim, evidencia-se a complexidade e necessidade de um alcance fenomenológico para entendimento das mídias sociais como subsistema do nosso sistema social que além de mediar grande parte das relações é capaz de provocar mudanças não apenas nas conexões estabelecidas, mas nas próprias propriedades dos elementos, ou seja, no próprio ser humano e sua capacidade cognitiva.
2.1. A dinâmica sistêmica dos signos em mutação: rede, links, nós e atores da web Para tratarmos fenomenologicamente do tema das mídias sociais é de suma importância que tragamos considerações do que é esse grande ambiente envoltório – a web – que tantas trocas propicia com seus agentes. A leitura que realizamos está centrada nas possibilidades de trocas viabilizadas pela internet19 e seu sistema de protocolos, a WWW20. Um sistema totalmente aberto em suas perspectivas de ampliação da quantidade de nós21, do número de sujeitos interatores (web atores) que registram suas marcas simbólicas, construindo uma babel de representações e interesses. A busca por esse entendimento é essencial para enfrentarmos a articulação de como os web atores (os internautas) se integram nas mídias sociais, vivenciam e experienciam essas novas linguagens e
19 A internet é a grande rede (infovia) do ciberespaço, que abriga subredes e sistemas de intercomunicação, como aqueles que possibilitam as trocas de mensagens instantâneas (MSN, Skype, Yahoo! Messenger, Google Talk), e-mails, sistemas de armazenamento on line de arquivos, entre outras formas. 20
Do inglês, World Wide Web (rede de alcance mundial). A WWW é uma rede de protocolos baseada em alguns códigos específicos de programação, visualizados por browsers (ou navegadores como o Internet Explorer, FireFox, Safari, Chrome ) que decodificam a informação digital, traduzindo-a (intersemioticamente) em textos, imagens, sons e movimentos. A WWW é a rede mais utilizada da internet, no que diz respeito à atualização imediata da informação digital em forma de sites, blogs, fotoblogs, vídeos, e todo tipo de interface de apresentação visual das informações e seus hiperlinks. No entanto, há a iminente formação de várias subredes na internet, como é o caso, por exemplo, das redes sociais que se estabelecem as través das mídias sociais. 21 Os nós são entendidos como os pontos interfaceados da W.W.W. Constituem esses nós, os sites, subredes, perfis, blogs, ferramentas de mensagem instantânea e todo e qualquer tipo de ferramenta que possa ser acessada por uma interface e que pressuponha algum nível de interatividade (linkagem).
se presentificam enquanto parte operante de uma rede social que reinventa a nossa própria sociedade. Defendendo uma filosofia da rede, Pierre Musso (2010) coloca que A rede aponta o porvir aqui embaixo, o futuro da sociedade envolta numa rede em cujas malhas já caímos: ela se tornou uma espécie de templo da religião comunicacional mundial. (...) A rede é um veículo que nos transmuda em ‘passantes’, sempre mergulhados nos fluxos (de informações, de imagens, de sons, dados). (Musso in Parente, 2012, p. 36-37)
Os fluxos informacionais possibilitados pela web, apontados por Musso, mais do que caminhos, revelam-se como processos imersivos mutantes, na medida em que tais fluxos são dados pelas relações interativas e seus acessos a outras novas e imediatas relações interativas. Nesse sentido, Geane Alzamora (2004), ao tratar do webjornalismo, qualifica os fluxos de informações que se propagam no ciberespaço, identificando sua lógica semiósica de comunicar. Fragmentados, sobrepostos, ubíquos e onipresentes, os fluxos de informação que emergem da semiose hipermidiática revelam a lógica comunicacional que os delineiam: uma lógica que favorece a expansão simultânea e intercambiável de fluxos transmissivos e associativos de informação no ciberespaço, compondo uma teia multiforme de informações por intermédio de interfaces. (Alzamora, 2007, p. 84)
Cada interface aqui tratada, é mais um nó de uma tessitura que se cria e recria a todo o momento, na ânsia de representar um objeto interfaceado digitalmente e acessível interativamente. Nessa perspectiva, Albert-Lszló Barabási (2009) oferece um importantíssimo estudo ao que denomina, “Ciência das Redes”. Para defender essa teoria, faz um apanhado sobre estudos científicos que contribuem para entendermos as conexões e trocas que as estruturas de rede estabelecem,
trazendo
importantes
reflexões
sobre
a
cultura
digital
hipermidiática da internet. Ao tratar dos links e nós, ele retoma a teoria dos grafos, apontando que os nós são os pontos de interconexão (no caso, as interfaces) e os links os caminhos dessas interconecções. Sob um espectro geral, as interfaces são atualizações (traduções) das informações digitais exibidas na tela que fazem a mediação entre o conjunto de dados digitais e os sentidos humanos, através da materialização visual (ou sonora) de uma mensagem cognoscível. Nesse sentido, Johnson (2001) esclarece: Em termos simples, a importância do design de interface gira em torno deste aparente paradoxo: vivemos numa sociedade cada vez mais moldada por eventos que se produzem no ciberespaço, e apesar disso o ciberespaço continua, para todos os propósitos, invisível, fora de nossa apreensão perceptiva. Nosso único acesso a esse universo paralelo de
zeros e uns se dá através do conjunto da interface do computador, o que significa que a região mais dinâmica e mais inovadora do mundo contemporâneo só se revela para nós através dos intermediários anônimos do design de interface. (Johnson, 2001, p.20)
Nesse contexto, a interface pode ser entendida como o nó acessível (cognoscível) de uma dada produção, uma vez que cabe a ela fazer a mediação entre o sistema compositivo (as informações) em toda sua organização e seu público. Assim, as interfaces propiciam o acesso às informações, mediam os fluxos interativos e tornam-se responsáveis pela representação verbal, visual e sonora (e suas hibridizações)22 da produção. Recheadas de sinalizações icônicas, indiciais e simbólicas, as interfaces devem favorecer a apreensão cognitiva dos interatores e orientar os fluxos de informação no ambiente da web. O surgimento de novos recursos interativos, técnicas, linguagens de programação, interfaces, softwares, suportes, hardwares e componentes de informática pressionam as produções interfaceadas a estarem sempre preparadas para serem fruídas e suportadas pelos recursos mais recentes ou mais propícios às mediações sígnicas com seu público. Se pensarmos, por exemplo, na interface do Facebook, notamos que recorrentemente sua estrutura é alterada, demarcando novos paradigmas e formatos para os processos interacionais e cognitivos. No ano de 2012 assistimos às mudanças no acesso às informações pessoais, mudança de acesso aos aplicativos que se integram à rede, alteração da apresentação do perfil com fotos de capa, adaptação de formatos para a rede ser visualizada em dispositivos móveis, mudança nas notificações globais dos “amigos”, mudança na estruturação da timeline passando a demarcar historicamente as ações e se comportar como um feed23 de notícias, mudança na apresentação das imagens fotográficas, aumento considerável dos espaços publicitários entre tantas outras. Uma rápida busca em um mecanismo é capaz de apontar centenas de manchetes de portais e blogs fazendo referências a essas constâncias. Essas modificações estruturais podem ser entendidas como capacidade de adaptação das hipermídias às novas demandas e ao poder que elas têm de ditar tendências nos processos comunicacionais interativos com a ininterrupta evolução sistêmica de aquisição de novas propriedades.
22 Como o caso do audiovisual. 23 Coleção de manchetes de notícias associadas.
A evidência clara da manifestação dessa dinâmica de troca sistêmica com seus ambientes, resultando na consequente alteração de sua composição, estrutura e mecanismo – conforme análise sistêmica de Bunge (1999) – configurase, provavelmente, como o mais contundente motivo pelo qual rede Facebook venha ganhando tanta força e se mantendo como referência em mídias sociais. Ou seja, parece-nos plausível afirmar que o fato de o sistema (midiático social interativo) Facebook abrir sua interface e seu mecanismo interativo à constantes mudanças, favorece à adaptação dessa mídia social às próprias modificações estruturais sistêmicas da própria rede da web. Assim, esse processo dialógico de evolução sistêmica e adaptação na relação com seu ambiente, pode favorecer a uma permanência maior de usufruto social, conquanto seus atores encontrem ali uma interface que possibilite a representação de seus interesses e contato com seus nichos sociais. Do ponto de vista social, é extremamente importante assumirmos que a sociedade aprendeu a se relacionar pelas infovias24 da web, estabelecendo laços (interfaceados, mediados) com outras pessoas, formando grupos, firmando identidades, ignorando de vez as fronteiras físicas da informação que separam os cidadãos nos vários cantos do mundo. Outro ponto a se destacar, sob a perspectiva social, é o fato de o sujeito (interagente) poder se inventar nos nós25 da grande rede, através dos perfis dos usuários26. É o que acontece, por exemplo, nas redes de relacionamento, nas quais é exigido o registro com detalhamento de características visuais, socioeconômicas, escolaridade, gostos pessoais e interesses diversos de cada participante. Esses procedimentos de autorepresentação fazem com que o sujeito tenha a possibilidade de se apresentar conforme seus interesses específicos na comunidade, grupo ou redes de relacionamentos das quais participa. Trata-se de um contexto que pode beirar a esquizofrenia, se não pressupormos que há uma diferenciação entre os fatos que ocorrem na rede e fora dela.
24 Canais onde correm os fluxos de informação. 25 Pontos interfaceados da rede. Ver Barabási (2090) em “Linked: a nova ciência dos networks”. 26 O termo “usuário” é comumente utilizado para fazer referência aos sujeitos interatores que trafegam pela internet. No entanto, concordamos com as críticas de Alex Primo (2007) sobre o uso, por vezes equivocado desse termo, uma vez que os internautas são muito mais que simples utilizadores da rede, eles fazem parte de todo o organismo reticular da web, interagindo diretamente nesse sistema. Segundo Primo, “a importação do termo ‘usuário’ para a teoria da cibercultura não é frutífera, à medida que incorpora o jargão da indústria informática, reduzindo a interação ao consumo”. (Primo, 2007, p.12)
Sendo a internet um ambiente não apenas de difusão de informações, mas principalmente de intercâmbio informático, os processos de representação da realidade tornam-se mais complexos que nos meios tradicionais de comunicação de massa, uma vez que a realidade na rede se refaz a cada nova interferência de um internauta. (Alzamora, 2004, p. 102)
De outro lado, parece-nos inegáveis as mudanças cognitivas de toda e qualquer pessoa que passe a usar habitualmente a internet, não importando se o seu fim é entretenimento, pesquisa ou como ferramenta de trabalho. A velocidade no processamento cognitivo da informação se altera com a mesma rapidez com a qual um internauta sente-se impelido a clicar em um link, a não clicar em outro ou com a rapidez com a qual ele diagnostica e qualifica uma página, uma notícia ou um post. Assim, o próprio pensamento vai acompanhando o frenesi das “linkgens”. Um pensamento veloz, mas que pela própria característica da velocidade, vai perdendo a capacidade de ser profundo e gerar memórias no longo prazo. Nesse sentido, Marcus bastos aponta que Nos vãos entre antes e depois, é possível narrar a passagem de um tempo que não gira com os ponteiros do relógio. Nesse contexto, é mais importante aprender a pensar na velocidade dos cliques que torcer por um tempo lento, tempo que retorna nos clarões dos esquecimentos ou nos intervalos de silêncio a que o visitante dos fragmentos contemporâneos pode se entregar quando interrompe suas derivas, quando estanca o fluxo de conexões habitual. (Bastos, 2005, p.25)
Outro exemplo prático é a capacidade que as pessoas (internautas) adquiriram de lidar com uma grande diversidade de informações simultâneas, haja vista as situações nas quais nos vemos interagindo com dezenas de programas, aplicativos, documentos, pastas e sites simultaneamente e, diga-se, com bastante naturalidade e desenvoltura. A internet, as interfaces, os computadores – bem como os dispositivos portáteis – já não são novidade. Figuram agora como ferramentas – de intensa atualização – necessárias para grande parte dos processos produtivos.
3.
Fenomenologia das mídias sociais O caminho traçado por essa pesquisa busca o iniciar da demarcação do
terreno fenomenológico das mídias sociais, encontrando na transdisciplinaridade científica, rumos metodológicos para indicação do que podemos tratar como elemento essencial da natureza desses processo midiáticos que, com tamanha velocidade, vêm transformando substancialmente a sociedade do século XXI,
especialmente aquelas culturas (como a nossa) que fazem uso desses sistemas de trocas simbólicas. Tratamos esses processos (sob uma visão sistêmica) como dinâmicos (que se modificam constantemente), viabilizados por suportes diversos, com funções e peculiaridades próprias, cujo meio dá-se a partir de uma rede de conexões (links e nós), propiciando a atualização de relações interativas em que os próprios receptores (internautas) são, também, produtores (emissores) de informações. Do ponto de vista sistêmico, as mídias sociais caracterizam-se por exibir em seu caráter dinâmico, a baixa previsibilidade e o alto índice de propriedades partilhadas, fazendo com que signicamente sua composição esteja em constante reformulação. Encaramos as mídias sociais mais do que simples repositórios mediadores de conteúdos (informações) veiculados no meio da internet. Defendemos a ideia de que as mídias sociais não têm natureza estanque e definitiva, são do próprio ponto de vista, processos midiáticos, uma vez que suas definições mais palpáveis estão em constante mutação e transformação. No entanto, também não nos basta assumir simplesmente o fato de que se modificam e se transformam e deixarmos por isso mesmo. É imprescindível que possamos tocar em alguns pontos fulcrais da essência desses processos midiáticos. É justamente por isso, que buscamos trazer luz aos aspectos fenomenológicos da natureza das mídias sociais. Do ponto de vista sistêmico-fenomenológico, podemos inferir que as mídias sociais revelam com clareza, atributos próximos às características fenomenológicas da primeiridade, uma vez encontrarmos no seu interior um constante e incansável motor criativo pulsante que abre caminho e brechas para as mais diversas possibilidades de publicação nos formatos verbais, visuais, sonoros, audiovisuais, hipermidiáticos e suas tramas híbridas. Encontramos na primeiridade, pois, o primeiro passo para a demarcação da natureza fenomenológica das mídias sociais. Um campo aberto de possibilidades de materialização de informações que tem baixíssimo filtro de seleção. Pelo fato de os próprios atores interagentes (internautas) se tornarem os produtores de conteúdos que circulam pelas mídias sociais e tomando-se como pressuposto o fato de que produções como posts visuais, verbais, sonoros, audiovisuais, hipermídiaticos e toda sorte de compartilhamento de links e outros tipos sígnicos da web, verificamos aí uma das características da natureza das mídias sociais. Uma característica que evidencia a força da mídia social ser mais um processo que um fim mediador em si, mesmo.
Alargando a questão, voltando-nos à amplificação desses potenciais em função da larga utilização dos dispositivos móveis com acesso à internet, Santaella (2007), ao tratar das Linguagens líquidas na era da mobilidade, coloca: Nesta era da comunicação móvel, todos testemunhamos o desaparecimento progressivo dos obstáculos materiais que até agora bloqueavam os fluxos dos signos e das trocas de informação. Cada vez menos a comunicação está confinada a lugares fixos, e os novos modos de telecomunicação têm produzido transmutações na estrutura da cossa concepção cotidiana do tempo, do espaço, dos modos de viver, aprender, agir, engajar-se, sentir, reviravoltas na nossa afetividade, sensualidade, nas crenças e nas emoções que nos assomam. (Santaella, 2007, p. 25)
As mídias móveis potencializam efetivamente esse campo, abrindo o campo das possibilidades para muito além do restrito e codificado mundo da web. Andando pela rua com um smartphone com acesso a qualquer tipo de rede que me conecte à web, posso alterar a dinâmica dos fluxos da minha e das linhas do tempo de todos que de alguma forma, se conectam a mim. Hoje, podemos dizer, sem medo, que toda e qualquer informação alcançável pela percepção humana carrega em si uma possibilidade de representação midiática. Essa é a imanência clara da primeiridade nessa natureza. Em outro caminho complementar, percebemos, ainda, que está no princípio de seleção de cada informação, a evidência da secundidade. Como atores do universo da web, através das mídias sociais, entramos todos em contato com centenas, às vezes milhares de informações, diariamente. Um processo veloz de atualização que, através de recursos como a linha do tempo, marca a aceleração da quantidade de informações a que temos que reagir. Toda informação em mídia digital, antes de ser publicada, curtida, compartilhada, tagueada27 numa interface, é colocada em recorte, destaque, seleção, dentre toda infinidade. Dando continuidade à aproximação das categorias fenomenológicas de Peirce, tocamos, inevitável e imediatamente, o campo da mediação e representação sígnica, a terceiridade. Fazemos referência a um tipo midiático que tem em sua base de linguagem, o fato de só existir em função das constantes,
27 Tagueada = neologismo para evidenciar a ação de entiquetar informações (tag, do inglês). A noção de entiquetamento das informações nasce no mundo da web através das classificações de conteúdos dos blogs (hipermídias em que o próprio público produz e publica suas informação em um endereço e interface própria) e ganhou popularização com as hashtags (#) do Twitter, etiquetas que destacam o assunto e podem estabelecer métricas sobre quantos atores fizeram menção ao tema em um dado período de tempo.
infinitas, instantâneas e dispersas atualizações. Cada contato de um internauta (ator interagente) com as informações disponíveis nas redes sociais digitais, na web, é o motor impulsivo do funcionamento dessas mídias. Assim, mais do que público, somos mediadores, meios dessas mesmas informações, redefinindo completamente o que é um processo de comunicação. Ou, colocando em xeque o modelo clássico dos estudos de massa da comunicação. O que se revela, é uma extrema complexificação do processo comunicacional, no qual dificilmente conseguiremos demarcar com clareza quem é o público-alvo (receptor) e qual é o contorno do meio de comunicação. Fazemos parte do próprio meio e, portanto, transmutamos toda sorte de informações, intensões e processos de representação, deixando o campo interpretativo, completamente escancarado para as próximas e/ou simultâneas relações comunicacionais. Reside em questões como essa acima colocada, o caráter fundamental do movimento das mídias sociais que vem representando boa parte das redefinições da web e do comportamento dos próprios internautas com a rede da internet. Essa
é
a
marca,
a
presença
clara
e
manifesta
da
terceiridade,
fenomenologicamente pontuando. Um sistema que se abre evolutivamente para um contexto dinâmico sem muita previsibilidade. Esse contexto é a própria característica motriz da formação sígnica da web, pelas mídias sociais. Os interpretadores das informações (público) saem do papel de audiência, de espectador para assumir o papel de mediador, de referência. Uma referencia polifônica que projeta os limites da web (através das mídias sociais) para caminhos cujos horizontes ainda nos parecem nublados.
3.1. A metáfora da timeline
Uma das características que mais se destacam em algumas das principais plataformas (hipermídias) de formação de grupos sociais nos sistemas digitais em rede é o recurso da timeline (linha do tempo). Do ponto de vista sistêmico (Bunge,
1999)
podemos
tomar o recurso da linha do tempo como um mecanismo do sistema mídias sociais. A linha do tempo apresenta a sequência
de
publicados
eventos
em
ordem
cronológica.
Essas
publicações gerais
–
podem de
todos
ser os
participantes da rede social – ou particulares – de perfis individuais,
páginas
ou
grupos. No caso da rede Facebook,
por
exemplo,
cada perfil, ou seja, cada web ator, possui uma linha do tempo
em
sua
página
principal que exibe as suas principais
publicações.
Além disso, esse mesmo internauta poderá visualizar e
entrar
interativo
em com
contato as
publicações das pessoas às quais ele possui um laço Imagem 2: exemplo de timeline em que o próprio Facebook explica como ela funciona. Acessado em https://www.facebook.com/about/timeline. Última visualização em 20 de outubro de 2012.
direto
estabelecido,
popularmente classificados como “amigos”. Para
melhor
compreensão dos recursos da timeline, segue ao lado uma imagem ilustrativa que
a própria rede do Facebook disponibiliza ao público para melhor explicação da função e dos principais recursos visualizados através dela. Os posts28 em blogs possuem essa característica. Outro exemplo importante e que, talvez, tenha sido o principal responsável pela ampla familiarização dessa característica de linguagem, é o Twitter. Com apenas 140 toques (caracteres), o internauta precisa elaborar e transmitir uma dada informação que, muitas vezes, é representada por pequenas palavras-chave, seguidas de um link, muitas vezes encurtados por serviços como TinyURL29. Nem todas as plataformas de mídias sociais se valem do recurso de timeline. No entanto, atualmente, aquelas plataformas que fazem a opção de criar grupos e gerar processos constantes de relacionamento e trocas simbólicas entre os participantes, acabam disponibilizando o formato timeline ao seu público. Isso, porque, a timeline acaba assumindo o papel de representação do próprio perfil. Ou seja, o conjunto estruturado e organizado que é exibido na linha do tempo – as menções, imagens, compartilhamentos, marcações, posts, comentários, etc – torna-se de imediato, a própria identidade de quem se representa (terceiridade). Seja esse alguém uma pessoa, um conjunto de pessoas, uma instituição, uma corporação, um evento, uma ideologia, um produto e assim por diante. Ao nos depararmos com essa questão da linha do tempo, enfrentamos essencialmente problemas semióticos e sistêmicos. Os semióticos, por exemplo, passariam pela questão da representação dos perfis e pela forma como os internautas criam e modificam cada informação compartilhada, levando-se em consideração que a simples ação de ‘curtir uma publicação’ já é, por si só, uma modificação da informação. Uma modificação de cunho qualitativo que deverá afetar o modo como os demais internautas interligados ao primeiro deverão assimilar tanto a informação, quanto a identidade de quem curtiu. Os sistêmico, como a questão da organização/desorganização dos conjuntos de informações em função das imprevisíveis interferências de seus ambientes (sistemas maiores), no que diz respeito à troca de propriedades internas do sistema (elementos sígnicos de linguagem como imagens, textos, vídeos, expressões e toda sorte de informações trocadas no interior da estrutura) e externas (propriedades originalmente pertencentes a outros sistemas que estabelecem relações e trocas
28 Publicações. 29 Recurso utilizado em um sistema no qual o servidor aponta redirecionamentos a partir de endereços (urls) mais compactas.
com a rede social específica). Estariam neste lugar, a própria web e sua dinâmica viva, outras hipermídias que acabam pautando as publicações, propósitos pessoais de cada internauta ao agir nas publicações, avanços tecnológicos, diversificação dos suportes, entre tantos outros sistemas que dinamizam as trocas evolutivas de maneira constante e, muitas vezes, indeterminada. No entanto, entendemos que essa questão não se encerra apenas em um elemento de identificação de linguagem. As consequências da apropriação desse tipo de recurso, mediando as relações interpessoais, são delicadas. Em primeiro ligar porque cria distâncias entre o participante que pode estar conectado constantemente e o internauta eventual, aquele que se conecta eventualmente nas mídias sociais. Nesse sentido, o primeiro estará em contato com um fluxo muito maior de informações que o segundo, demarcando referenciais distintos. Um segundo e até preocupante ponto, refere-se à velocidade e quantidade de informações a que somos bombardeados e com as quais bombardeamos nossas cercanias. Falamos de um fluxo incessante de informações, sem curadoria editorial e que se alteram constantemente. Ou seja, em um dia de interação em uma rede como o Facebook temos contato com milhares de informações como posts, “curtidas”, comentários, nomes de amigos, sugestões, publicidades, vídeos, eventos, atualização de status, entre outras tantas. Toda essa avalanche incessante de informações não pode ser processada em todos os seus aspectos por quem entra em contato com esse fluxo. Se quer, temos tempo suficiente para processar todas elas e, assim, gerarmos memórias em nossas mentes, uma vez que a geração de memórias está relacionada à associação de uma informação a um dado referente (um problema de representação mnemônica). Ou seja, acabamos criando filtros de seleção para mantermos relações perceptivas com os signos ali dispostos e absorvermos efetivamente as informações. Mesmo aquelas com as quais interagimos, passam por nós e em alguns minutos já não figuram mais como estrelas de nossos comentários ou inquietações. Diante desse panorama, no mínimo inquietante, podemos lançar a hipótese de que a timeline mais do que um recurso de linguagem das mídias sociais, instiga a projeção de um novo formato cognitivo que se pauta pelo acesso a um excesso de informações que não oferecem caminhos em si para um aprofundamento de seu contexto e significação. Assim, vemos a sociedade que abraçou as mídias sociais caminhar rumo a um paradigma que privilegia a
quantificação da informação (estar a par do que acontece, do novo) e não mais ao paradigma da verossimilhança, apuração e estudo de cada uma dessas informações.
Considerações finais Ao realizarmos uma busca sobre a natureza fenomenológica e sistêmica das mídias sociais, nos deparamos com algumas questões que fazem-nos repensar o próprio conceito de mídia para ser aplicado no contexto de troca de informações mediadas pelas redes sociais digitais interativas. Tais questões lançam-nos novas hipóteses e projetam desafios que devem ser encarados em próximos estudos. Os estudos fenomenológicos e sistêmico demonstram que as mídias sociais marcam em definitivo um novo paradigma da comunicação em que aqueles antigos receptores (do modelo clássico de comunicação) se desdobraram tripartidamente e concomitantemente em emissor, meio e receptor. Somos nós, internautas (atores da web30) a própria mídia atualizada em uma interface digital interativa aberta à conexão de diversos nós e novos links constantemente? O que se tem a impressão é de que ao entrar no mundo labiríntico das mídias sociais, nos deparamos com tantas portas e possibilidades que será necessário uma infinidade de chaves e descobertas de segredos para continuarmos a seguir. Nesse sentido, notamos que a nossa sociedade – fazendo referência às culturas que têm acesso à internet – está aceleradamente passando por processos de redefinição em sua organização social. Isso se verifica na forma como as pessoas estão interagindo e gerando interpretantes das informações a que têm contato e pela forma como estão interagindo e interpretando informações com as outras pessoas com as quais mantêm contato. Novos grupos se formam, novas linguagens de conversação se estabelecem e novas manifestações de apoio ou repúdio das relações e das informações tornam-se públicas. Raquel Recuero (2012), aponta ao tratar sobre a conversação em rede que A cada dia, pessoas de todo o mundo conectam-se à internet e engajamse em interações com outras pessoas. Através dessas interações, cada uma dessas pessoas é exposta a novas ideias, diferentes pontos de vistas e novas informações. Com o advento dos sites de redes sociais,
30 Como sabiamente pontuam Pisani & Piotet (2010)
essas conversações online passaram a criar novos impactos, espalhando-se pelas conexões estabelecidas nessas ferramentas e, através delas, sendo amplificadas para outros grupos. São centenas, milhares novas formas de trocas sociais que constroem conversações públicas, coletivas, síncronas e assíncronas, que permeiam grupos e sistemas diferentes, migram, espalham-se e semeiam novos comportamentos. (Recuero, 2012, p.121)
Assim como Recuero, acreditamos nesses novos comportamentos, nesses novos paradigmas. Passamos, após esses estudos a entender que trata-se, sobre tudo de um novo paradigma social. Paradigma esse que deve continuar sendo investigado pelas diversas vias que essa pesquisa como um todo aponta. Com especial destaque, deixamos registrada a preocupação em identificarmos como o ser humano está absorvendo essas avalanches de informações e relações sociais
diárias,
muitas
vezes
superficiais.
Portanto,
pontuamos
nossas
investigações preliminares, perguntando: é possível afirmarmos que existe um aumento da velocidade de processamento cognitivo das informações e a consequente diminuição da capacidade de aprofundamento das questões, em função da aceleração do contato com as informações que se processa e se atualizam com extrema velocidade nas interfaces das mídias sociais?