Revista Fraude #5

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bonfim

um perfil do bairro

armand mattelart entrevista exclusiva

futebol e tecnologia

polĂŞmica na arbitragem


Janelatrois

Coordenação Musical: João Weber Grupo Janelah Trombone: Fabrício Baixo elétrico e teclado: Uesdra Violão, voz e percussão: João Weber Grupo Atuar Baixo, voz e percussão: Danilo Figueiredo Performances, voz e percussão: Thiago Pondé Voz, violão, guitarra e percussão: João Weber


Fraude Editorial

c i n co

Nós do Programa de Educação Tutorial-PET da Faculdade de Comunicação da UFBA, os bolsistas e sua tutora, continuamos a Fraude, na sua quinta edição. Um novo projeto – editorial e gráfico – tomou conta da revista. A Fraude precisava ser mais cultural e mais jornalística e, para isso, nossos repórteres – sempre munidos de gravadores e localizadores GPS – saíram às ruas para ouvir, ver e falar com quem faz, desfaz e refaz cultura na nossa Bahia. Refazer cultura é um tema a se pensar, nestes tempos de cultura livre, web 2.0, marketing cultural, autopublicação, copyleft e plágios vários... (e nos faz pensar o quanto a Fraude, com maiúscula, é cópia). Nossa equipe de diagramação faz uma homenagem fraudulenta na capa desta edição, sim, mas com o novo projeto na cabeça a gente solta a criatividade nas páginas internas. Deixar clean o que é pra ser clean, poluir de informação o que precisa ser sujo – de informação, vejam bem. As matérias da Fraude #5 estão agrupadas por editorias: Cotidiano, Economia da Cultura, Ciber e Imaginando, que vieram pra ficar. Entrevistamos quem estuda cultura, Armand Mattelart, aquele que já nos ensinava, nos anos 70, como a ingenuidade do Pato Donald era usada pela Disney para desenvolver uma verdadeira “política da inocência” e ocultar o imperialismo cultural. Conversamos com um colecionador de cultura na forma de vários objetos, ouvimos o que o bairro do Bonfim tem a nos dizer, conhecemos as dores de cabeça de quem tem – ou teve – casas de show na cidade. Navegamos por blogs de ativismo político GLBTT, mandamos e-mails para muitas pessoas, embora nem sempre fossemos respondidos, ficamos sabendo das fraudes no mundo da moda e fomos conhecer de perto quem faz isso e quem sofre. A Fraude #5 está pronta. Deliciem-se, folheiem, leiam, divirtam-se, critiquem-nos. E não se esqueçam, a culpa desta Fraude, orgulhosamente, é nossa. Graciela Natansohn Tutora PetCom

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um guia para a fraude Preliminares De putas a pastores: elas almejam o estrelato, eles só querem passar o chapeuzinho, mas ambos gostam de brincar pelos sinuosos caminhos midiáticos... p.06

Cada casa é um caso A dança do abre-e-fecha das casas de show em Salvador. p.16

Entrevista com Armand Mattelart Mídia e espaço público cidadão. p.08

Gato por Lebre Dizem que é você quem faz, então é melhor saber do que se trata. p.19

O preço da culturaA dinâmica do fomento cultural no país. p.10

Quem crer e for batizado será salvo Um passeio pelas ruas e ladeiras do Bonfim. p.22

Pouco se cria, muito se copia Cria, modela, costura, veste, desfila, circula, copia. A instável vida pública das peças da moda. p.13

Espera a chuva passar Um leve olhar sobre o cotidiano de uma residência universitária. p.24

a nova fraude Preliminares: Comece por aqui página 06

Economia da Cultura: Como superar a cultura do consumo e recriar o consumo da cultura? página 08

Cotidiano: No dia-a-dia da cidade há histórias que passam quase despercebidas... quase. página 22

Ciber: -arte, -tecnologia e -cultura. página 31 Imaginando: Para contar histórias sem muito blá blá blá. página 39

agradecimentos A todos os que colaboraram com texto, imagem, fotos e ilustração. Às bandas Theatro de Serafim e Janelatrois pelo som. A GPW pelo apoio. Ao Balcão Botequim pelo lançamento. A Vanessa da Mata, Television e Pierre Smirnoff pela inspiração. E, na mais sincera cara-de-pau, a Jonathan Dayton e Valerie Faris.

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Memórias em Série Três reis, vários Santo Antônios e um guardador de pequenas histórias. p.25

Blogs, gays e capital político O funcionamento do ciberativismo em blogs GLBTT. p.36

Fábrica de sonhos Os caminhos de quem escolhe seguir a carreira de ator. p.28

Tá pronto, seu Lobo? Veja no que deu o passeio de Chapeuzinho Vermelho pela floresta. p.39

Em terra de cego quem tem olho é (quase) rei A regra é clara: no futebol, replay não vale! p.31

Sushi Charge de Rodrigo Minêu. p.42

A arte dos videogames Como a “décima arte” começa a ser reconhecida e valorizada. p.34

quem faz a fraude Editora: Graciela Natansohn Editor Ciber: Gabriel Camões Editora Cotidiano: Renata Cerqueira Editora Economia da Cultura: Nina Santos Editora de Fotografia e Imaginando: Alana Camara Editor de Arte: Tarcízio Silva Diagramação: Alana Camara, Cíntia Guedes, Hortência Nepomuceno, Jéssica Passos, Paula Janay, Rodrigo Lessa, Tarcízio Silva Assessoria de comunicação: Bruno Santana, Carolina Guimarães, Jéssica Neri, Juliana Lopes, Marcel Ayres, Renata Cerqueira, Tanara Régis Produção do lançamento: Nina Santos e Produtora Júnior UFBA Redatores e colaboradores: Alana Camara, Bruno Santana, Caio Andrade, Carol Neves, Cíntia Guedes, Gabriel Camões, Hortência Nepomuceno, Jéssica Neri, João Barreto, Larissa Paim, Nina Santos, Renata Cerqueira, Rodrigo Lessa, Tanara Régis, Tarcízio Silva, Valéria Vilas Bôas Colaboradores de imagem: Anne Oiticica (p.06, 07, 10, 16), Caio Andrade (p.25, 26, 27), Clara Cardoso (p.22, 23), Luciano Caldas (p.33) Rodrigo Minêu (charge p.42), Fabíola Freire, Mayla Pita e Wendell Wagner (39, 40, 41). A revista Fraude é uma publicação do Programa de Educação Tutorial da Faculdade de Comunicação da UFBA. As opiniões expressas neste veículo são de inteira responsabilidade dos seus autores. Tiragem: 1000 exemplares. Ano 4, número 5, Salvador Bahia End.: Rua Barão de Geremoabo, s/n, Ondina, Salvador, Bahia - Brasil. Tel.: 3283-6186. E-mail: petcom@ufba.br www.petcom.ufba.br / www.revistafraude.blogspot.com




entrevista com

armand mattelart

por Nina Santos ninocasan@gmail.com

Globalização, diversidade cultural e democratização da comunicação são apenas alguns dos temas trabalhados por Armand Mattelart. Sociólogo belga e professor da Universidade Paris VIII, iniciou sua trajetória política nos anos 60, atuando nos movimentos da juventude católica. Mais tarde, morando no Chile entre 1962 e 1973, participou das lutas da Frente Popular, que levaram ao processo democrático, elegendo Salvador Allende em 1970. Mattelart colaborou com o governo Allende até 1973, quando houve o golpe militar e o intelectual belga foi expulso do país por decreto oficial. Essa vivência o aproximou da realidade latino-americana, permitindo que desenvolve-se diversos trabalhos sobre esse tema.

A existência de uma forte televisão pública deveria “civilizar” o espaço midiático.

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O que acha do episódio em que o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, não renovou a concessão da maior rede de televisão do país, a RCTV? Penso que esta iniciativa do governo venezuelano vem nos lembrar que o espectro de frequências de teleradiodifusão é uma parte integrante da propriedade pública comum. E, ao abrigo deste princípio, o concessionário de uma frequência não pode atuar como bem entende. Ele é responsável não só perante o Estado, que gere estas frequências, mas diante do conjunto da sociedade. É necessário prestar contas do uso social que dela faz. No caso em pauta, o uso que fazia a RCTV era francamente de caráter sedicioso e era destinada a derrubar o regime. A sua participação no golpe de Estado de Abril de 2002 já havia demonstrado isso. Pessoalmente, penso que nenhum governo do mundo teria permitido este tipo de comportamento nitidamente insurrecional por parte de uma rádio ou de uma televisão nacional. O que me impressiona é que os mesmos que, em todo o mundo, condenaram veementemente essa decisão do governo venezuelano, em nome da liberdade de imprensa, e orquestraram, na ocasião, uma verdadeira campanha de difamação contra o processo revolucionário venezuelano como um todo, estão muito menos interessados em denunciar a concentração capitalista dos meios de comunicação social nos seus próprios países e a censura econômica que essa situação de monopólio causa em termos do pluralismo da mídia. Esta campanha difamatória ocultou que, na Venezuela, outros meios de comunicação da oposição podem continuar a pronunciarse sem problemas e que uma política de comunicação foi posta em prática, que legitima a existência de um “terceiro setor”, isto é, de rádios e de televisões comunitárias.

A Internet não pode por si só resolver o problema da democratização da comunicação e da informação. Os atuais dados de acesso à Internet no Brasil mostram que a penetração desse meio de informação é cada vez maior. De que forma a Internet pode tornar as pessoas mais bem informadas e contribuir para a democratização dos meios de comunicação tradicionais? A Internet é certamente um fenômeno crescente. Mas não a ponto de reduzir o fosso entre os info- ricos e os infopobres. Penso que a Internet pode ser um instrumento de democratização da informação, mas à condição de saber como utilizá-la. Isto implica um processo de apropriação crítica daquilo que circula na web. Trata-se de uma das tarefas e da responsabilidade não só das instituições educacionais, mas também dos movimentos sociais, de atuar como espaços dessa aprendizagem crítica. Porém, a Internet não pode por si só resolver o problema da democratização da comunicação e da informação. É necessário não conceber a Internet como um “redentor”. É imperativo, paralelamente, que os cidadãos exerçam pressões para democratizar a paisagem midiática como um todo. Por isso, eles devem exigir que o Estado e o Parlamento impulsionem políticas democráticas nas questões da cultura e da comunicação, que regulem o processo de concentração midiática e dividam equitativamente a utilização do

espaço digital. É o que eu chamo de a luta pela ‘ciudadanización’ do espaço público. Trata-se não apenas de regular a mídia privada, mas de organizar e dinamizar um serviço público de rádiotelevisão, bem como de abrir o espaço midiático para as rádios e televisões cidadãs. É chegada a hora de parar tanto de criminalizar essas últimas, quanto de apelar à censura quando se discute a necessidade de uma política cultural associada a uma política de comunicação. Qual seria o papel da TV Pública no Brasil? A televisão pública tem um papel fundamental para o fluxo de idéias e conhecimentos, o que não pode ser preenchido pelo setor privado. O que é preocupante neste momento é que a programação dos megagrupos de televisão e sua estratégia de procura de audiência a qualquer preço são estruturalmente incapazes de servir como um vetor dos fluxos de conhecimentos e de experiências vividas gerados pelos diversos componentes da sociedade. Em suma, incapaz de dar conta das fontes múltiplas de imaginação social. É por isso que insisti acima sobre a urgência de pensar uma política de comunicação e da cultura como uma política em três dimensões: o setor privado, o setor público e o terceiro setor. A existência de uma forte televisão pública deveria “civilizar” o espaço midiático. Sua mera existência deveria criar um “efeito de demonstração”. Não porque acredite que as televisões privadas se alinharão sobre sua forma de fazer televisão. Mas a televisão pública instala na sociedade um outro pólo de referência, uma outra idéia de cultura e de comunicação, que não aquela naturalizada pelas lógicas mercantis do lucro. Não haverá “sociedade da informação ou do conhecimento” sem mídias públicas, local de convergência da multiplicidade de criatividades.

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o preço da cultura

As contradições das leis de incentivo fiscal no financiamento de projetos culturais

por La ris Renata sa Paim e Cerqu larissa eira .paim

@gm renata cbc@g ail.com mail.co m

Nunca o fomento à cultura esteve tão em alta. Graças à iniciativa e ao “bolso” do Governo Federal, por exemplo, a cantora Ana Carolina conseguiu R$ 700 mil para realizar shows em São Paulo e no Rio de Janeiro. No mesmo ano (2006), O Cirque du Soleil, espetáculo circense mundialmente conhecido, arrecadou mais de R$ 9 milhões para suas apresentações na capital paulista. Tudo pelo incentivo à cultura – e tudo financiado, em boa parte, com dinheiro público. Embora o uso de verbas públicas em projetos culturais de apelo comercial cause espanto em muita gente, os dois casos citados acima já não são novidade. Há um tempo, eles foram destaque nos principais jornais em circulação, quando, na época, acabaram sendo alvos de grande discussão e polêmica. Meses depois que as denúncias foram feitas, e muitas delas esquecidas, questões como a razão de isso acontecer e o que pensam os envolvidos ainda permanecem em voga - e o debate que elas suscitam traz à tona fatos desconhecidos pela maior parte da sociedade. Antes de responder essas questões, é importante ressalvar que os projetos descritos acima, entre outros similares, recebem financiamento, principalmente, através das leis de incentivo fiscal. Criadas com o objetivo de fomentar a produção e a difusão da cultura, essas leis constituem hoje o mecanismo mais freqüente de financiamento cultural do país. Elas funcionam da seguinte maneira: após terem seus projetos aprovados pelo governo, os artistas e produtores ganham a possibilidade de receber patrocínio ou doações de empresas privadas, que poderão abater o dinheiro concedido, ainda que

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parcialmente, dos impostos devidos ao Estado. Ou seja, trata-se de uma verba que deixa de ir diretamente para os cofres públicos para se converter em uma forma de apoio cultural. No Brasil, o primeiro e maior mecanismo de incentivo fiscal à cultura, o mecenato, está inscrito como um dos três pilares de atuação da Lei Rouanet. Criado em 1991, o mecenato gera benefícios para diversas áreas artístico-culturais, tais como Música, Humanidades e Artes Cênicas. No entanto, para que um projeto consiga ser aceito em qualquer um desses segmentos, é necessário que ele atenda a uma série de exigências legais, o que não inclui qualquer referência à sua capacidade de gerar lucro ou de se autofinanciar. Isso implica em uma distribuição desigual de recursos, fazendo com que projetos de grande e pequeno porte, envolvendo nomes conhecidos ou não, concorram em busca de patrocínio através do mesmo mecanismo. Assim não dá, assim não pode Diretor teatral e presidente do Sindicato dos Artistas da Bahia, Fernando Marinho é um dos que critica o financiamento público para artistas e projetos com apelo fortemente mercadológico. Segundo ele, “se alguém está no circuito comercial, é renomado e tem o suporte de diversos órgãos de comunicação do país, então essa pessoa tem toda a condição de, a partir da iniciativa privada, conseguir captar recursos mais facilmente”. Para Albino Rubim, especialista em Políticas Culturais, o uso de isenção fiscal para patrocinar formas artísticas auto-sustentáveis é um grande equívoco. “Esse financiamento devia ser reservado para aquelas manifestações


culturais que não têm esse apelo de mercado”, diz. Embora as críticas de Marinho e Rubim sejam partilhadas por outros artistas e estudiosos da área, mudanças substanciais no funcionamento do mecenato não acontecem da noite para o dia. “Mesmo que o presidente queira, ele não pode mudar uma lei. Para fazer isso, é preciso ir ao Congresso Nacional, o que significa ter que discutir com deputados. E aí, você sabe... ali dentro tem todos os lobbys”, afirma Paulo Miguez, ex-assessor do Ministério da Cultura (MinC). Atentos a esse jogo de influências no Congresso, muitos críticos concordam que a burocracia não é a única barreira que atrapalha a modificação da lei. Para eles, um obstáculo existente é a pressão exercida por artistas renomados e grandes empresas que, por se sentirem privilegiados com a situação atual, rejeitam as alterações propostas na legislação. Deixa como está, vai... De acordo com Fernando Marinho, os artistas já estabelecidos no mercado são favorecidos pelo mecenato devido à facilidade que eles encontram em fazer contatos e manter velhas parcerias com a iniciativa privada – o que lhes dá mais garantias de que seus projetos serão financiados. Ademais, as empresas seriam as outras grandes favorecidas com a presente lei, que lhes confere a liberdade de escolher a quem patrocinar. A desigualdade resultante desses benefícios, segundo Marinho, precisa urgentemente ser revista. “Se eu monto um texto teatral e Paulo Autran monta esse mesmo texto, quem você acha que vai captar esse recurso mais

facilmente?”, questiona. A crítica ao poder de escolha das empresas parte do princípio de que, diante dessa possibilidade, a iniciativa privada optaria por patrocinar os projetos com maior visibilidade, o que acabaria por deixar de fora expressões artísticas menos comerciais. Além disso, criticase também o baixo investimento que as empresas despendem ao patrocinarem um projeto via leis de incentivo fiscal. Ao se calcular quanto elas investem em um dado projeto, é fácil perceber que, mesmo após todos esses anos de Lei Rouanet, o Estado é quem arca com a maior parte dos patrocínios – o que contraria a proposta original do mecenato, que é estimular a iniciativa privada a investir cada vez mais do seu próprio bolso na cultura. Nem tudo é um mar de lama Criticar os “favorecidos” vigente é fácil. Um olhar contudo, permite que detalhes que escapam a superficial da questão.

do modelo mais atento, se perceba uma análise

Segundo o Gerente de Desenvolvimento Cultural da empresa mineira Telemig, Marcos Corrêa, o ataque a artistas e eventos considerados mais “renomados” esconde um equívoco: eles precisam, sim, contar com o apoio das leis de incentivo. Seja por causa da envergadura dos projetos, ou da qualidade artística do trabalho, os altos custos a serem pagos não são sempre compensados pelos recursos gerados pelas bilheterias. Além disso, “negar a legitimidade destes artistas -‘consagrados’- buscarem recursos das leis de incentivo à cultura, por pressupor que eles têm mais chance de se

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estabelecer do que outros, significa punir sua competência e o reconhecimento alcançados”, destaca. Contrariando os que acreditam que projetos com viés mercadológico dispensam verba pública por conta de sua lucratividade, o produtor cultural Carlos Peixoto (conhecido como Guru), da 2GB Produções, contra-argumenta: “as pessoas pensam que todo evento é rentável; muito pelo contrário. Em Salvador, de cada dez, sete a oito não dão lucro. Tenho eventos no calendário que sei que vou tomar prejuízo, mas, para manter minha marca ativa no mercado, banco ele mesmo assim para tentar compensar no outro. Nem tudo é um mar de rosas como se pensa”. Para quem não ligou os pontos, a 2GB Produções é a empresa responsável por eventos locais como o Bonfim Light, cujos ingressos oscilam em média entre R$ 60 e R$ 70. Curiosamente, a produtora chegou a pedir dinheiro via leis de incentivo fiscal para essa festa, mas esbarrou na dificuldade de encontrar patrocínio - indicando que ter o projeto aprovado pelo MinC não garante que o dinheiro público será destinado para sua realização. Outro ponto defendido por quem trabalha com marketing cultural é que muitas instituições estão buscando não a exposição, mas a qualificação de suas marcas. “O maior ganho de imagem que uma empresa pode ter é justamente associar sua marca a um papel ativo na transformação de um dado cenário”, indica Corrêa, alegando que nem sempre os projetos de maior visibilidade têm prioridade na hora da escolha dos patrocinados. Neste caso, conforme

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aponta, seria mais interessante para a empresa que o público compreendesse que um determinado projeto cultural só foi possível graças à interferência daquela instituição. Ou seja, não basta apenas investir no que já existe em grande oferta no mercado, a empresa deve criar condições para que uma nova realidade cultural, mais rica e efervescente, tenha oportunidades para aflorar. Em resposta às críticas recebidas, o MinC argumenta, através da Secretaria de Incentivo e Fomento à Cultura, que vem estimulando o desenvolvimento de instrumentos alternativos ao mecenato para o financiamento de projetos que tenham forte caráter comercial. “Exemplo disso é o trabalho junto às instituições financeiras para o desenvolvimento de Linhas de Crédito para a Cultura e o próprio FICART (Fundo de Investimento Cultural e Artístico)”, afirma. Com alguns anos de atraso, a postura atual do MinC representa uma tentativa de corrigir erros cometidos pelo governo no passado. Isso porque o FICART, apesar de existir há mais de uma década e meia como parte da Lei Rouanet, jamais foi posto em prática. Embora ele tenha sido criado com o objetivo de conceder empréstimos a projetos culturais de apelo comercial, o governo nunca criou restrições em relação a quem poderia recorrer aos outros pilares da lei, como o mecenato. Resultado: percebendo que o incentivo fiscal era economicamente mais atraente, as grandes empresas e os artistas consagrados não tiveram interesse em recorrer aos empréstimos do FICART, de maneira que ele acabou inoperante e publicamente conhecido como “lei morta”.

Vislumbre do País das Maravilhas? Em meio a tantas críticas, há propostas que defendem um incentivo mais “justo” às diferentes expressões da cultura. Uma delas é a de que o Estado deveria ter políticas públicas que incluíssem um sistema de financiamento mais complexo, compatível à diversidade de manifestações culturais. “Você não pode imaginar que uma manifestação de cultura popular de uma cidadezinha bem no interior vá ter o mesmo tipo de financiamento que um show de Ivete Sangalo. São coisas muito diferentes têm que ser tratadas de formas distintas”, alega Rubim. De opinião semelhante, Marinho pontua que “enquanto artistas, profissionais, e cidadãos brasileiros, os artistas ‘renomados’ têm direito ao financiamento público. No entanto, é preciso estabelecer a forma de acesso a esse dinheiro e os percentuais disso”. Embora sejam muitas as críticas e as sugestões de mudanças ao atual modelo das leis de incentivo fiscal, é fácil achar argumentos que tentem amenizar as distorções presentes na legislação vigente. Defende-se que o mecenato não existe há tempo suficiente para um funcionamento ideal; que as empresas e os artistas consagrados fazem enorme pressão contra mudanças na lei; que a culpa de todo o problema está na falta de orçamento adequado para a cultura. No entanto, para que se possa solucionar as deformidades da legislação, é preciso sair da apatia social resultante de tais argumentos. Só então será possível exigir do governo a criação de uma política cultural mais justa e diversificada.


pouco se

cria muito se

,

copia por Nina Santos

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ninocasan@gmail.com Uma noite glamourosa. Muitos flashes, alguns famosos e, sobretudo, muita gente fashion. Geralmente é assim que se compõe o ambiente de um desfile. Acontecendo uma ou duas vezes por ano, a depender da importância, esses são os momentos em que as grandes marcas lançam seus novos modelitos para a estação seguinte. Sobre o momento do lançamento muito se fala. O que é pouco comentado é que a estréia daquelas peças na passarela é o passo inicial de sua vida pública. Sem dúvida, um mês depois elas já terão sido copiadas e estarão disponíveis numa versão 50% mais barata em lojas populares. Dessa forma, dois meses de preparação e o dinheiro gasto com cem pessoas trabalhando nos bastidores, 25 modelos, aluguel de espaço e coquetel parecem não ser tão importantes. “Os estilistas estudam para fazer peças interessantes e depois são copiados”, é o que aponta Almir Júnior, programador visual da loja Paradoxus e produtor de moda. Na joalheria H. Stern, por exemplo, o processo de criação de jóias é bastante complexo. Segundo documento interno da empresa, “o design é feito a partir de briefings (documento que resume de forma clara certas informações que

têm que ser passadas de uma pessoa a outra) e pesquisas de tendência de mercado. Se o briefing pede pedras de cor roxa, porque essa cor é uma tendência, estudam-se opções de pedras dessa cor”. Todo esse trabalho resulta em mais de 970 desenhos por ano. Mesmo com todo esse esforço de exclusividade, não é difícil encontrar bijuterias com design bastante parecido com o desta marca. Os artigos de moda – sejam roupas, sapatos ou jóias –, como qualquer outro produto que envolva criação, são protegidos pela Lei 9610/98. Para usufruir as proteções nela previstas não é necessário fazer nenhum tipo de registro como acontece no caso das

cm

contorno golfinho

teci d bran o co

13 san tira dália 3cm


advogado da Fundação Getúlio Vargas e especialista em direitos autorais, “uma coisa é inspiração, outra é plágio. O caso a caso é que vai solucionar isso. Para resolver, é preciso confrontar as duas obras e avaliar se o que houve foi uma mera inspiração, ou se ocorreu cópia indevida”. marcas. Diz o artigo 7º dessa lei: “São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro”. No entanto, é difícil definir o que se constitui como cópia no mundo da moda. Almir Júnior alerta que não se copia uma roupa como se copia um cd, há nuances. “Se muda um botão, uma cor e já se torna diferente”, diz ele. Uma das alegações mais freqüentes nesse meio é que não se tratam de cópias, mas de inspirações. “A nossa coleção é inspirada nos lançamentos do eixo Rio – São Paulo. Nós não copiamos, desfrutamos algumas idéias”, diz Luanna Santos, gerente da loja The Planet do Shopping Barra. Além disso, é possível também se fazer o chamado “revive”, que retorna à moda de um tempo passado, buscando nela inspiração. Logo, a questão passa a ser a definição das fronteiras entre uma ingênua inspiração e uma cópia mal intencionada. Entre originais e cópias Segundo

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Antônio

Carvalho

Cabral,

Para Cabral, a dinâmica da própria criação complica a análise dos casos. “É importante refletir sobre o fato de a própria moda ser um recorte de influências, ou seja, não se poderia reprimir radicalmente qualquer forma de inspiração. Sem falar que existem modelos em que a própria autoria já é de domínio público (como o modelo clássico de jeans)”. Mesmo entre os casos em que há cópias, é possível fazer diferenciações. Não se pode julgar de forma igual uma costureira que, a pedido de uma cliente, reproduz uma peça de uma grife e uma rede de lojas que faz cópias com fins comerciais. No primeiro caso, não há um aproveitamento econômico em escala, portanto é difícil que se enquadre como crime. Já na segunda situação, a pessoa responsável pelas cópias está infringindo a legislação. Dessa forma, o criador que se sentir lesado pode recorrer às sanções civis previstas na Lei 9610/98, como a do artigo 102, que determina que “O titular cuja obra seja fraudulentamente reproduzida, divulgada ou de qualquer forma utilizada, poderá requerer a apreensão dos exemplares reproduzidos ou a suspensão da divulgação, sem prejuízo da indenização cabível”. Provavelmente, foi com base nesse artigo que Luciana Galeão, estilista baiana, conseguiu impedir que a plágio de uma saia de sua autoria circulasse. “A minha advogada mandou uma notificação e a loja que fez o plágio retirou tudo em 24 horas”, conta Luciana. Para provar que a sua saia era realmente a original, ela teve que anexar ao processo fotos de desfiles e matérias de revistas com suas respectivas datas, o que provava


que sua peça teve um lançamento bem anterior ao da loja que copiou. Há ainda um outro tipo de cópia no mundo da moda. É aquele que geralmente é visto nas bancas ou esteiras dos vendedores ambulantes. Em grande parte desses casos, há uma cópia não apenas do modelo e do design, como também da marca do produto. Ocorre então a violação dos direitos autorais e também dos direitos que envolvem as marcas. É importante notar que o mercado das cópias é movido pelos próprios consumidores. O fato de as peças da moda serem amplamente divulgadas e se tornarem sinal de status social desperta em grande parte da população o desejo de adquiri-las. Esse desejo de ficar na moda está presente em todas as classes sociais, independente do poder aquisitivo delas. “Todas as minhas amigas têm cópias de bolsas Louis Vuitton. A gente compra cópia porque não tem dinheiro para comprar o original”, conta Marilene Pereira, empregada doméstica. Quando perguntada sobre qual a necessidade de comprar esses produtos, não hesita em afirmar: “A gente também quer ficar na moda, né?”. A opinião de quem produz moda é um pouco diferente. Para Luciana Galeão, apesar de uma assinatura criar identidade e agregar valor ao produto, não é verdade que só os ricos podem ter acesso a peças originais. Já Almir Júnior, considera que qualquer réplica é para baratear, mas que nem todos os originais são caros. ”Você tem que se sentir bem com o que pode comprar e não usar cópias”, diz ele. Flávia Silva, gerente da loja da Victor Hugo do Shopping Barra, pondera que nem sempre se copiam peças apenas porque elas são caras. “Só se copia o que dá fama. Tem marcas caras que não são copiadas”, diz ela. Na prática, percebemos que o que rege o mercado das cópias, assim como a maioria dos mercados, é a lógica do aumento das vendas. Por isso mesmo, os produtos

copiados são aqueles que, por algum motivo, obtiveram sucesso e se tornaram objetos de desejo, facilitando em muito sua venda. Em geral, a opinião das pessoas que trabalham com moda é que o baixo preço das cópias não vale a pena para o consumidor. Isso porque a diminuição do custo está quase sempre relacionada à redução da qualidade, o que traz enorme diferença em relação ao original. Para Flávia Silva, “as cópias não conseguem ser iguais aos produtos da Victor Hugo. Muda material, é grotesco”. Essa diferença dos materiais utilizados num produto influencia desde a beleza dele até sua durabilidade. E isso parece ser assunto conhecido pelas costureiras. Não é incomum chegar a um ateliê de costura para se informar sobre qual o tecido e a quantidade que você deve comprar para reproduzir certa peça e ser alertada: “É bom levar a peça junto para comprar o mud tecido certo porque cor ar se não for igual não tem como a gente fazer com esse caimento”.

OK

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Contudo, isso também não significa que as peças de marca são sempre as melhores. Há peças que dificilmente dependem de uma marca conceituada para serem de boa qualidade. É o caso, por exemplo, da calça jeans. Ninguém precisa de uma calça Levi’s para dizer que sua calça é bonita e boa, não é? Talvez até haja quem pense que sim, mas uma boa procurada nas araras da Renner pode nos dar opções muito interessantes.

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Enquanto você dança, os donos de casas de show têm que rebolar para manter seus negócios funcionando

cada casa é um caso e amara C a n la por A Lessa Rodrigo mail.com c@g nanyda mail.com g lessaro@

Márcio, 22 anos, estudante, soteropolitano, desembarcou na cidade depois de um ano estudando francês e servindo café na Starbucks. Freqüentador das mais variadas festas, ele gosta mesmo é daquelas noitadascabeça que a parcela meio intelectual, meio efêmera e pseudo-transgressora da nossa juventude adora. Alternativo que é, nada de ir pra Fashion, Dolce, Luxu´s – essa última que nem existia quando ele foi morar no exterior. O esquema mesmo é passar pelo Nhô Caldos, tomar uma e seguir pro Seven Inn. Mas ao estacionar seu carro, numa sexta à noite, na movimentada e quasesem-vagas Rua da Paciência, ele se deparou com uma nova fachada. O Seven Inn não era mais Seven Inn. Tudo bem, Márcio não existe. Mas essa situação é mais comum do que se imagina – e nem é necessário viajar por muitos meses para se deparar com mudanças no cenário noturno de Salvador. E nesse cenário não é preciso sequer incluir todo e qualquer barzinho com música ao vivo (destes há proliferação na cidade):

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ele pode ser restringido ao universo das casas de shows e eventos, que assim se denominam e se divulgam. As casas de shows merecem atenção extra no quesito “falência de um empreendimento comercial”. Afinal, a possibilidade do fracasso é real demais para não ser cogitada pelos empresários interessados no setor, e milhares de reais em acústica, ambientação e decoração não são investidos para durar alguns meses apenas. Esse abre-e-fecha de casas noturnas seria um fenômeno cultural, próprio do vácuo deixado pelo período carnavalesco? Culpa da má administração do local ou da segmentação exagerada a um público? Ou ainda, polemizando, culpa de um público infiel? Para sair do terreno do hipotético, entrevistamos donos e produtores de casas da cena alternativa soteropolitana. Assim, pudemos conhecer as dificuldades na manutenção das casas de show e entendemos porque nesse setor não há uma fórmula única para dar certo. Alguns dos obstáculos enfrentados

pelas casas de show surgem tão logo elas são abertas, a exemplo da falta de estrutura adequada para os eventos que elas irão abrigar. Nem sempre há dinheiro suficiente para investir nos equipamentos de som e de iluminação, indispensáveis a esse tipo de negócio. Foi o que ocorreu com Max Santil, proprietário e produtor do Zauber Multicultura, localizado no Comércio, e com Alex do Amaral, sócio e produtor do World Bar, que fica na Barra. Após o ônus de meses alugando a tal parafernália e depois de uma multa de cerca de R$3 mil por excesso de barulho – expedida pela Sucom, entidade que dispõe sobre a instalação e o funcionamento desse tipo de empreendimento – o World Bar finalmente obteve capital para investir em equipamentos próprios e para melhorar a acústica do ambiente. Uma vez que a estrutura deixe de ser um problema ou que ela não perturbe os freqüentadores – e lugares como o Idearium são a prova de que comodidade não é sinônimo de diversão – a escolha do público ao qual a casa irá se dedicar surge, não como solução,

mas como uma outra dúvida. O que é mais seguro, especificar a clientela ou fazer da casa eclética? Nesse ponto, a única conclusão possível é de que cada casa é um caso. Para Dona Creuza, há mais de 7 anos administradora do Idearium, localizado no Rio Vermelho, o público único nunca foi um problema. Pelo contrário. Manter uma clientela fiel e não ter misturado rock com axé foi o segredo do sucesso. Ao resolver administrar o local, ela percebeu que queria trabalhar com os jovens. “Os meninos do rock foram os que chegaram mais junto”, conta. Segundo a mulher que já foi proprietária do Café do Porto, essa galera não se importou muito com as deficiências do ambiente, que foram supridas pela liberdade que encontraram no Idearium. “Pra mim, o que dá errado nos outros lugares é a falta de experiência e a má administração. As pessoas não têm persistência e gastam mais do que podem”, fala, com toda a propriedade de quem é contadora e economista. Já para Max Santil e para Alex Góes, este

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ultimo sócio e produtor da Boomerangue Eventos, na Rua da Paciência - Rio Vermelho, não engessar a programação é essencial para manter a longevidade do negócio. Para o produtor do Zauber, espaço que já surgiu como multicultural para atrair estilos de público variados, “o mais sensato é diversificar as atrações, porque assim atrai-se um público diferente a cada dia”. A Boomerangue, desde que abriu em novembro de 2006, trouxe em sua concepção uma programação “coerentemente incoerente”, nas palavras de seu produtor, Góes. “Nenhum nicho dá público todo dia, então a Boomerangue funciona todos os dias de forma diferente”, afirma. Apesar de sua filosofia de não congelar programação, atrações com público garantido aos poucos vão fixando seus dias na agenda da Boomerangue, como é o caso das festas com os DJs do Pragatecno, semanais, e da Festa Nave realizada uma vez por mês. Em relação às queixas, o consenso surge mesmo em se tratando de estacionamentos, segurança e impostos. Os responsáveis pelo Zauber, pela Boomerangue, pelo Idearium, e pelo The Dubliners’ Irish Pub, no Porto da Barra, consideram esses fatores de imensa importância, mas ao mesmo tempo se vêem de mãos atadas, pois dependem da burocracia do Estado e do município para melhorá-los. Max Santil ainda arrisca que a carência de transporte

*Casa da Bossa - Fechada em mar/07, localizava-se na Avenida Cardeal da Silva, Rio Vermelho. *Seven Inn – Fechada em jul/06, localizava-se na Rua da Paciência, 88, Rio Vermelho. *SUCOM - Superintendência de Controle e Ordenamento do Uso do Solo do Município. Av. Mario Leal Ferreira, 197, Bonocô. < http://www.sucom.ba.gov.br >

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público à noite prejudica o movimento do Zauber e afirma que tem um alto gasto com segurança particular. Para R.H.*, dono do The Dubliners’ e que já possuiu um empreendimento parecido no Japão, os impostos cobrados pelo governo brasileiro dificultam, e muito, o lucro com o negócio, principalmente quando somados à manutenção dos empregados, importação de produtos e aluguel. Uma das hipóteses das quais não se pode fugir ao se discutir o abre-e-fecha das casas de show em Salvador é a de que o soteropolitano é volúvel. “O público de Salvador é modista, vai para onde os outros estão indo”, opina Alex Góes, da Boomerangue. E o lugar para onde ele está indo parece mudar a cada verão. O calor, os turistas, as férias – tudo parece dinamizar a efervescência noturna. É o carnaval. Mas a partir de março a agitação vai diminuindo, e quando chegam julho e agosto, parece que a cidade já parou. “Nesses meses o World Bar dá mais lucro funcionando só na sexta e no sábado do que quatro vezes por semana”, afirma Alex do Amaral. Se algumas casas passam pelo período da moda e depois somem, outras somem sem sequer cair na moda. Foi o que aconteceu com a Casa da Bossa, que durou apenas sete meses. Nico Farruggia, músico e produtor artístico

da Casa, conta que com apenas dois meses de funcionamento já foi preciso uma mudança de proposta. “A Casa era muito luxuosa”, opina Nico, “se fosse mais modesta talvez desse certo”. Mas não houve solução: a casa de show, eleita pelo júri de Veja Salvador como a melhor música ao vivo da cidade, fechou por falta de público. Para Nico, “os baianos perderam a chance de assistir a um bom show sem ter que pegar um avião”. Fato é que dificilmente as pessoas não se cansariam de ir sempre ao mesmo lugar. Ou de fazer as mesmas coisas, ou de comer as mesmas coisas. Na nossa sociedade de consumo, as milhares de possibilidades que temos criam em nós desejos diversos, mas passageiros. Para o sociólogo Zygmunt Bauman, pensador da globalização individualizada, nós, habitantes do líquido mundo moderno, detestamos “tudo o que é sólido e durável, tudo que não se ajusta ao uso instantâneo”. Diante dessa torrente de opções, fica difícil definir uma fórmula para o sucesso. Enquanto não encontrarem, cada uma à sua maneira, um modo de fazer este “homem sem vínculo” se conectar, nenhuma casa de show em Salvador (nem em lugar nenhum) conseguirá formar um público cativo. *O entrevistado, de nacionalidade húngara, pediu para não ser identificado. Alegou ter medo de mau olhado.


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Afinal, o que é uma TV pública? Qual a diferença entre uma TV pública e uma TV estatal? O Brasil tem emissoras públicas? Qual o seu papel? Questionamentos como esses são feitos desde a criação da maior parte das chamadas televisões educativas e culturais do Brasil. Estas surgiram nas últimas duas décadas, período que coincide com a redemocratização do país. Apesar do tempo de existência e dos propósitos educativos, culturais e de ênfase na cidadania, essas emissoras ainda discutem seus modelos de funcionamento, em vista dos seus objetivos. Mesmo depois de muito se debater sobre o assunto, ainda há uma confusão ao definir o conceito de TV pública e TV estatal no Brasil. Segundo Othon Jambeiro, jornalista e professor do Instituto de Ciências da Informação da UFBA, no Brasil não há nenhuma lei que esclareça ou conceitue os termos. “O conceito de TV Pública no país jamais foi considerado adequado. ‘Público’, no Brasil, se denomina o que é ‘estatal’”, diz ele. No I Fórum Nacional de TVs Públicas, que aconteceu em maio, em Brasília, foi definida TV pública como aquela que é regida por um conselho que tenha maioria de representantes da

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sociedade e não do governo. Para Sivaldo Pereira, doutorando em Comunicação e Cultura Contemporânea da UFBA e integrante do Intervozes (Coletivo Brasil de Comunicação Social), para saber se uma emissora é ou não pública, basta se perguntar quem a dirige e quem financia seus gastos. Para ser considerada pública, é preciso que a gestão de uma TV não esteja submetida a governos nem ao campo dos agentes políticos estatais. O financiamento também não pode ser dependente de investimento privado (como publicidade paga por empresas), ou seja, o sustento das emissoras públicas deve vir do financiamento público. eja através de rubrica no orçamento do Estado, seja através de impostos ou contribuições diretas ou indiretas do cidadão. “No Brasil, temos poucos exemplos de TVs que seguem esse modelo. Temos algumas, como a TV Cultura, que têm esse caráter público, embora estejam ainda muito dependentes e muito vulneráveis ao bom humor dos governantes que liberam as verbas necessárias para sua existência”. No Brasil, desde a década de 30, o Estado concede às empresas privadas o direito temporário de explorar as ondas

de rádio e TV. Por esse motivo, para o coordenador da TVE Bahia, Josias Pires, “a rigor, todas as televisões deveriam ser públicas, pois as TVs comerciais se apropriam de uma concessão pública e fazem uma utilização privada disso”. Segundo Póla Ribeiro, diretor do Instituto de Radiodifusão da Bahia (IRDEB), quase não se tem TVs públicas no Brasil. “Na verdade estamos construindo esse conceito. Um dado positivo é que as 600 pessoas e as entidades que estavam nesse fórum assumiram a carta de Brasília (documento final do Fórum de TVs Públicas), assim como a Secretaria de Comunicação Social e o Ministério da Cultura. Há um consenso quanto à abertura de uma discussão mais ampla com a sociedade para propor um redesenho institucional das emissoras, em que elas tenham um caráter de governança que seja por um conselho e gerido pela sociedade”, diz Ribeiro. Convergências e divergências A discussão feita no I Fórum Nacional de TVs Públicas, impulsionou debates e propostas de ações para a constituição de uma rede de TVs públicas. Essa

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rede seria uma fusão entre a TVE Brasil, Rádio MEC e Radiobrás, para a criação da TV Pública Brasileira. O Ministro das Comunicações, Franklin Martins, que coordena esse projeto, afirmou numa entrevista ao site tvpublicabrasileira. com.br que a rede vai integrar todas as emissoras educativas já em operação no país, além das rádios oficiais que serão adequadas ao público brasileiro considerando a realidade nacional. Para o Ministro, o fato de a TV Pública ser financiada pelo Governo não vai influenciar na independência dos jornalistas. Acrescentou ainda que já está em operação um novo canal para pronunciamentos oficiais e campanhas institucionais que é o canal NBR, da Radiobrás. A TV NBR desde 2006 é transmitida pela Internet, em parceria com a RNP (Rede Nacional de Ensino e Pesquisa) e pode ser captada por cabo, parabólica e satélite. Para Sivaldo Pereira, o Ministro Martins iniciou sua gestão

com um bom discurso no que diz respeito à implementação do sistema público de TV. Porém, destaca algumas distorções neste processo, como a idéia de que este sistema não teria participação de fato da sociedade civil em sua gestão e teria interferência do governo na indicação da diretoria. “Falase até em um ‘conselho de notáveis’ para compor esta nova televisão. Nós do Intervozes somos contra este formato de conselho gestor que põe em dúvida o caráter público deste novo sistema de radiodifusão”. A proposta é que se tenha uma representação por entidades, com participação da sociedade civil, e não por indicação do governo. Esta é a proposta de algumas entidades como o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), a Associação Mundial de Rádios Comunitárias (AmarcBrasil), o Coletivo Brasil de Comunicação Social (Intervozes), a Federação Interestadual dos Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão e Televisão (Fitert). Ainda, propuseram fazer uma avaliação dos conselhos existentes e formatar mais apropriadamente um documento onde se desenhe o que deve ser um conselho gestor. Várias organizações estão debatendo juntamente com o

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Estado a necessidade de uma televisão voltada para a população, com uma programação que valorize o público não somente como consumidor, mas fundamentalmente como cidadão. A qualidade dos conteúdos, a valorização da economia do audiovisual, a formação de profissionais de comunicação com espírito social, são alguns dos compromissos que um sistema público de comunicação deve ter. Podemos destacar algumas organizações que vêm debatendo os temas referentes à comunicação social com a opinião pública e com diferentes setores da sociedade como TVER, organização não-governamental que discute temas relacionados à televisão, Andi (Agência de Notícias dos Direitos da Infância) e Midiativa (Centro Brasileiro de Mídia para Crianças e Adolescentes) e a existência do Conselho de Comunicação Social do senado, o Movimento Nacional de Democratização da Comunicação e o coletivo InterVozes. Modelos de gestão das TV públicas no mundo Existem vários modelos de TVs públicas no mundo. Dentre eles, os mais destacados e conhecidos são o da inglesa BBC, o da norte-americana PBS e o da japonesa NHK. Um bom exemplo de TV pública bem sucedida é a BBC, sustentada pela sociedade que paga um imposto destinado a ela. A emissora conta com orçamento próprio definido por lei e cerca de R$ 4 bilhões de dólares são destinados


para montar os seus programas e exercer a sua independência. É um bom indicador de como um sólido modelo de televisão pública é peça essencial para o funcionamento de uma sociedade democrática. Devido à própria gênese da televisão brasileira, que nasceu acompanhando o modelo privado americano, tornase difícil seguir o mesmo sistema administrativo financeiro da emissora inglesa. Entre as chamadas TVs públicas do Brasil, o maior orçamento é da TV Cultura, mantida pela fundação Padre Anchieta e pelo estado de São Paulo. A emissora se sustenta com cerca de R$ 140 milhões de reais, dos quais R$ 80 milhões são repassados pelo governo do Estado. Sempre atormentada com a elevada carga tributária vigente no país, a população brasileira mostra-se contrária à criação de qualquer novo imposto. Esse é o motivo pelo qual não prosperou, há pouco mais de dois anos, a proposta da TV Cultura de cobrar R$ 1,00 na conta de luz de todos os usuários deste serviço no Estado de São Paulo. Esse recurso seria destinado à Fundação Padre Anchieta e integraria o orçamento da emissora. Pagar por uma boa televisão pública depende do convencimento do usuário, mas, sobretudo, da formação de uma cultura que envolve três pilares: quem paga, quem faz uso do dinheiro e quem garante que essa transação seja não apenas limpa, mas eficiente. Segundo Renata Trindade Rocha, do Programa Multidisciplinar de PósGraduação em Cultura e Sociedade da UFBA “não se justifica manter uma TV para ninguém, e por outro lado, também não se justifica fazer a sociedade bancar – via impostos, doações, ou de qualquer outra forma – uma TV como as outras. A primeira vez que a TVE contratou o Ibope foi em 2005. Até então não se sabia para quem aquela televisão era feita”. “TVE... a TV pública da Bahia” O orçamento apertado das chamadas

TVs públicas brasileiras também está atrelado à baixa audiência, pois não há tanto investimento na estrutura de aparelhos para que se amplie o alcance dessas emissoras. Segundo Póla Ribeiro, há problemas quanto à chegada do sinal da TVE no interior e isso também é uma preocupação do Estado. “Já recuperamos mais de 60 transmissores que estavam fora do ar há três anos porque estavam em manutenção. Estamos recuperando também transmissores que estavam em mãos da TV Bahia e que a procuradoria geral do Estado já deu o parecer para recolher”, diz ele. Apesar do baixo orçamento da TVE e do alcance da emissora - que chega a atingir 400 mil pessoas em todo estado da Bahia - os novos objetivos, de acordo com seu diretor, são: atingir mais visibilidade no interior, ter cobertura diferenciada e diversificada, aproximação com o local, foco na cidadania e na democracia. “Tem que chegar junto, mas não dar a mesma notícia..., quantos esportes não se ouvem falar nada, por exemplo, o esporte amador. Na programação da cidade parece que só existe o que tá acontecendo no Rio Vermelho ou no Campo Grande, quando na verdade a cidade é cheia de programação. Temos que cobrir outras camadas e buscar ter uma conversa popular”, declara Póla Ribeiro. A expectativa é que o amadurecimento do trabalho desperte um reconhecimento da sociedade. Isto é, audiência crescente. “As fontes que falam no nosso jornalismo já são mais diversificadas, já contemplam gênero e etnias, apostamos na diversidade e quem trabalha na TVE aposta nesse compromisso”, acrescenta Póla Ribeiro. Uma rede pública de televisão tem que ter um diferencial. Tem que ser um espaço com possibilidades de diversificar as opiniões, de tratar de todos os temas e abordar todas as localidades, abrir as oportunidades, ouvir outras vozes, propiciar formatos diferentes de programação, ser um espaço onde as pessoas se reconheçam e participem. Deve ser, prioritariamente, plural e livre para exercer sua autonomia.

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quem

crer e for batizado será salvo É lugar comum, mas não se pode deixar de repetir, que a Igreja domina o bairro do Bonfim. Da colina, ela olha o bairro que se esparrama, árido, extenso e branco, uma brancura que dói à luz do sol. Não é preciso muito esforço de imaginação para trazer à tona os tempos em que daquele ponto se descortinavam campos e esparsas fábricas. As fábricas ainda estão ali, transmutadas em galpões abandonados com algo de fantasmagórico. Pelo menos duas delas, na Av. Beira Mar, foram ocupadas pelo Movimento dos Sem Teto. Índios, estaleiros, pescadores, fábricas, religiosos, mais ou menos nessa ordem, se estabeleceram no Bonfim. “Aqui era uma fazenda. Na casa azul, na ponta, vivia um barão, isso aqui era tudo terra dele. Por isso tem tanta árvore frutífera, mangueiras, cajazeiras, jaqueiras, tá vendo?”. De colete azul, número 18, Gilberto é um dos vendedores ambulantes treinados em parceria pela prefeitura, Sebrae e polícia militar para ter um melhor trato com os turistas. Ele vai despejando informações históricas enquanto tenta me vender um terço de pau-brasil por cinco reais (com um escapulário de brinde). Gilberto faz parte de um comércio voraz que se desenrola nas

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por Carol Neves

carolsneves@gmail.com

proximidades da Igreja do Senhor do Bonfim. Os turistas que ali chegam são soterrados com ofertas. Casas de lembranças competem, pacificamente, lado a lado. Se as lojas têm preços mais baratos para as fitinhas, os ambulantes ganham no corpo a corpo - quando você ainda nem pensou em querer, já está ali a oferta, no tradicional marketing agressivo de rua. Este é, indubitavelmente, o coração do bairro. Na colina, elevada da mesmice, a Igreja. Basílica do Senhor do Bonfim, Cristo Crucificado, devoção que data do século XVIII. Visível por quem chega pelo mar, é causa de romarias que duram até hoje e agrada tanto aos católicos quanto aos adeptos do candomblé, que se unem na famosa Lavagem do Bonfim. A Igreja não é grandiosa, arrebatadora, linda - tem uma beleza discreta, uma simplicidade pungente, com suas duas torres em bulbo e a decoração neoclássica. A fé se concentra no térreo da torre direita; lá fica o confessionário. Quem crer e for batizado será salvo, diz o pórtico. Antes, fica a Sala dos Milagres, um cômodo de proporções exíguas, totalmente aproveitadas por aqueles que lá vão em busca de algum conforto, pedir por graças. As paredes são forradas por fotos; de um lado, centenas de 3x4, de outro, convites de formatura, grandes

retratos antigos, fotos de enfermos. Do teto, pende uma miríade de reproduções de membros humanos, feitas com cera. Pernas e braços são os mais populares, mas atravessando a rua é possível adquirir cabeça, coração, pulmão etc. A réplica que mais vende é a da perna. Uma escadinha à esquerda leva ao Museu dos Ex-Votos, fechado para reformas - lá ficam os agradecimentos e as promessas daqueles que tiveram as preces atendidas. A Igreja enche às sextas. Nos outros dias, recebe alguns turistas casuais e os costumeiros devotos. A praça do Bonfim, logo em frente, é o local mais vivo do bairro, com pombas, turistas, devotos e ambulantes disputando espaço. Contrasta com a morosidade que toma conta na descida da ladeira. Das ruas vazias Ao meio dia, as ruas vazias são tomadas por hordas de jovens fardados e toda a variedade de pessoas que constituem a fauna urbana moderna. No ponto de ônibus da Avenida Dendezeiros, principal rua do bairro, três jovens trajadas de branco aguardam condução, enquanto sai do rádio de um ambulante uma pisadinha enfurecida, buscando seduzir clientes. Essa avenida, também


Ruas enoveladas

conhecida como Av. Bonfim, trespassa toda Baixa do Bonfim. É estranhamente pouco movimentada, se estreitando depois do edifício Alcácier, verde e imponente. Estas são as divisões do bairro: existe a Baixa do Bonfim que se opõe, obviamente, à parte mais alta, subindo a ladeira; lá, além da Igreja, ao norte, convivem duas realidades: o Belvedere, com suas casinhas bonitas, população de classe média e vigilância 24hs, e o Estaleiro, ou Beira Mar, que tem os maiores índices de violência do bairro. A Baixa do Bonfim parece árida, em um primeiro momento. Aplainada, tem uma arborização errante. Na frente do “Bar Brasa”, nove frangos giram lentamente, esquentando a calçada. Em frente, “Luiz, o Jornaleiro”, nome auto explicativo. Seu Luiz fica sentado numa cadeirinha ao lado da banca, conversando. No final da tarde, alguns senhores aparecem pra jogar dominó e bater papo, crianças alimentam pombos na praça adiante e a aposentada dona Marta passeia pelo bairro para desanuviar as idéias: “pensar só em dinheiro machuca a gente”. Afastando-se da avenida principal, a sensação de cidade-fantasma aumenta. Ruas esticadas, com casas de janelas estreitas, corredores longos, frestas. As ruas vão ficando maiores, mais quentes, mais ermas, depois que passamos pela Vila Militar, imensa, ocupando todo um quarteirão. O colégio militar da região provê o bairro com jovens fardados, impecáveis, caminhando entre a poeira, contra o céu azul, algo anacrônicos. Galpões imensos, sem identificação, e as docas anunciam a chegada da Boa Viagem, por baixo.

O Bonfim é cercado pela Ribeira, Boa Viagem e Mont Serrat. Os moradores se pegam falando de uma coisa só, Itapagipe, o tempo todo. Os bairros estão entranhados; termina um e começa outro, com fluidez, sem rupturas e numa descida só. Boa Viagem nos recebe com um lindo oceano, inúmeros restaurantes e bares com frutos do mar e duas crianças limpando peixes: inspira e expira maresia. Já a Ribeira parece mais lúdica; lugar bom pra passear com crianças, dizem uns. No fim de linha vemos os barcos, descansados. Subindo novamente a ladeira, norteados pela Igreja, temos à esquerda o Belvedere e à direita o Estaleiro, próximo da Av. Beira Mar; o Belvedere é cortado de cima a baixo pela rua Baden Powell, sossegada como o violinista do qual veio seu nome, que desemboca, sem saída, em uma espécie de mirante natural. Ao redor dela, intrincadas ruelas, num sobe e desce sem cessar, nos fazem parar em mais um “mirante natural”, só que já, desavisadamente, na Boa Viagem de novo. Meninos magros, de canelas finas, jogam bola na beira do mar, como num quadro. Para os lados da Beira Mar, as casinhas parecem se apertar no espaço. Lá acontece boa parte da vida noturna do bairro, com barzinhos e música ao vivo. A descida para o Largo do Papagaio assusta os moradores; os furtos são feitos de bicicleta, muitas vezes por pessoas conhecidas; “Cada um escolhe seu caminho”, é a fala de Manoela. Dendezeiros é a porta de saída e de entrada. O radinho do camelô agora toca uma música internacional, sucesso na novela. Algumas pessoas dormem, a despeito de todo o barulho. Apesar do que cantava Caymmi, deixo o bairro com tranqüilidade. De longe ainda avisto a Igreja, que demora a sumir no horizonte.

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Dos moços todos os lugares, moços de fala mansa, curiosidade disfarçada, calças e cintos, sapatos e botas, dos moços que a cercam por todos os lados, com seu palavreado bonito, com sua estória engraçada, dos moços e moças que a acompanham em gestos e olhares, que se guardam mutuamente, que se guardam ainda que por obrigação, pela provável e quase inevitável retribuição de cada gesto. E da menina que caminha com sorriso de canto de boca, que escuta e observa sem dar mais do que um riso de canto de boca. Menina que fita os olhos disfarçadamente, com uma vergonha encenada e uma malícia deliciosamente guardada. Das sacadas que são pontes, das janelas telefone, e o armário como único lugar que é só seu. Da experiência apressada, da vontade louca e permanente de ir embora, da saudade de mãe, de pai ou o que o valha, saudade daquelas que nem uns cem abraços dão conta. Da fila toda com fome, do bom dia mal dado, dos que acenam com a cabeça, dos que não acenam. Do piti, da TPM, do mau-humor e do mau-hálito. Do riso frouxo da madrugada.

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De todo espaço comunitário, da localização quase geográfica: R3, Quarto 09, beliche de cima... mas qual? Das escadas de mármore, das estrelas no chão e do teto de vidro. Do porão e do sótão. Do ar de romance. Da incompatibilidade de gênios irremediável, não adianta. Da ciência da convivência, da Paciência. Do eco dos cochichos e da sinfonia dos passos, da permanente falta de silêncio. Do sagrado, do profano e do respeito. Da felicidade admirada, da luta cotidiana, da vagabundagem permitida. Do tempo de só passar uma chuva. A casa de todos. Dos moços todos, das meninas e das mulheres, é casa do país inteiro, de toda Bahia, dos muitos sotaques e da tradição de luta. A casa de concreto, suor e homem. Rachada de chuva, cupim e lágrima. Sustentada por gritos, soluções e lucidez daqueles que a levam nas costas e dos que só querem um espaço lá fora pra plantar um jardim, porque quando essa chuva toda passar ele vai ficar muito bonito... Cíntia Guedes, moça da Residência Universitária n.3 da UFBA, no Canela.

espera a chuva passar

por Cíntia Guedes

cintia_guedes7@yahoo.com.br


memórias em série por Caio Andrade e Valéria Vilas Bôas

caiolandrade@hotmail.com lelavbs@gmail.com

“Tudo em volta está deserto, tudo certo, tudo certo como dois e dois são cinco” – é assim que, do outro lado da linha, Humberto Miranda confirma a nossa entrevista; ele já nos espera naquele que chama com orgulho de “Espaço do Colecionador”. O certo é que, contudo, não há deserto à sua volta, mas sim um monte de coisas, cada uma com a sua pequena história – que é sua, dos seus antigos donos, do valor que ela teve e ainda terá em novas mãos. O letreiro é simples e, pela vidraça, o olhar se perde em uma infinidade de objetos. À primeira vista, não é possível distinguir muita coisa – um gramofone, uma foto de Elvis Presley na capa de um

Uma viagem pelo tempo guiada pelo colecionador Humberto Miranda livro, uma cadeira empilhada sobre uma mesa e outra de balanço mais ao fundo. Com o espaço limitado, anda-se até o final da loja desviando de vários objetos espalhados pelo chão, pendurados em estantes, em cima e/ou embaixo de cadeiras: são vinis e chaveiros aos montes, bibelôs, brinquedos, miniaturas, embalagens. Assim que a entrevista começa, Humberto nos apresenta uma de suas preciosidades: uma vitrolinha amarela que se encarrega da nossa trilha sonora – Roberto Carlos. “Eu compro, vendo, troco, aceito doação. O trabalho que eu faço está pautado na cultura, em guardar, em deixar vivo.” Algumas partes da loja abrigam coisas que não estão à venda,

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sempre que passa, pára pra observar o que está exposto e, quando sobra um dinheirinho, compra uma coisa ou outra. Por ora, não leva nada. Por ora, ninguém leva.

e sim à mostra como em um museu, que é um sonho pessoal. Enchendo a boca, ele se diz um “Guardião de Memórias” e repete isso algumas vezes durante a entrevista. “Eu coleciono desde os sete anos de idade, ou seja, estou com 43 anos, são 36 anos colecionando, nunca parei um ano sequer. Eu ia juntando tampa de refrigerante, figurinhas, aquelas figurinhas que meu pai e meu avô compravam... Tinha moedas, selos, essas foram as primeiras, mas eu gostava de tudo.“ Diz Humberto que uma das perguntas mais freqüentes sobre seus guardados é se ainda funcionam. O mais incrível é que grande parte deles funciona sim. Muito atencioso, o colecionador é capaz

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de passar a tarde contando a história das peças que guarda. Confessa que gosta mais de conversar que de vender – isso é fato! - mas não quer dizer que não saiba vender. – Não! Você pode falar, se você quiser uma informação. Aqui ninguém atrapalha! Eu até me considero uma pessoa assim, muito à vontade e muito tranqüila. Eu converso com quatro ou cinco pessoas, assuntos diferentes, ao mesmo tempo, e as coleções são sempre nosso maior assunto aqui mesmo – diz Humberto a um dos visitantes de sua loja. Ali, durante as quase duas horas que conversamos, oito pessoas entraram. Olhavam de longe, iam chegando perto. Humberto puxava papo, mostrava uma coisa e outra. “Pode dizer do que você gostou...” – e, prontamente, a moça que passava parou para olhar os pequenos cálices de cristal; disse que queria pra mostrá-los à amiga. Também colecionadora, ela elogia a loja. Diz que,

Silêncio – ou quase isso. Na vitrolinha amarela, Roberto Carlos parou de tocar e Humberto atende a mais um de seus visitantes. Enquanto isso, testamos a nossa habilidade com a agulha, e o rei canta de novo. Os pequenos objetos colecionados por Humberto não dizem, necessariamente, respeito à história dos grandes nomes, dos grandes feitos, dos marcos históricos, mas à vida que se desenrola nos quintais, nas esquinas, nas propagandas de TV, nos brindes de caldo de galinha. “Esse é o grande barato de colecionar: você recordar, voltar no tempo, você sentir, ter a sensibilidade.” Sua maior emoção como colecionador foi receber de presente uma sacola das lojas Safilho de uma senhora que freqüentava a sua loja. “Lojas Safilhos, é da década de 70... eu fui com as minhas tias, a minha mãe, minha avó na Safilhos! Deve ter mais ou menos


uns 30 anos que eu não ouço essa palavra. E essa senhora me deu de presente”. Para qualquer colecionador, cada pequeno detalhe é importante como, por exemplo, uma medalhinha de metal que ele mostra entusiasmado. De um lado, a figura do rei do futebol e, do outro, seu nome completo: “Edson Arantes do Nascimento”. Enquanto o outro Rei canta que as estrelas mudam de lugar, Humberto nos diz que, na Bahia, não há nenhuma associação de colecionadores e que pretende organizar uma. Mas as pessoas são difíceis, ele desabafa: “Nós sabemos, né? O ser humano é uma coisa difícil.” Além das peças garimpadas entre clientes, ou doadas pelos amigos e visitantes, a coleção é aumentada em viagens. Ele nos conta algumas de suas viagens e nos fala sobre algumas feiras de colecionadores que já conheceu. “O colecionador é fascinado por coisas do mundo inteiro.” Nos Estados Unidos, na Alemanha, na Espanha, além de longas peregrinações pelo nosso país, os objetivos se confundem. Passeio, visita familiar ou para resolver trâmites de um visto americano, as viagens de Humberto sempre viram motivos para

a procura de novos itens para suas coleções ou para o estoque de sua loja, sempre se empolgando com novidades, ou com o valor que as coleções têm em outros lugares. Tocando sozinho o seu negócio, nosso anfitrião disse que seria impossível ter um ajudante ou outro vendedor porque ninguém seria capaz de aprender todas as histórias das peças – coisa que acredita ser indispensável a seu trabalho. Isso rende à loja um excêntrico horário de funcionamento: geralmente das 09:00h às 19:00h. Mas a loja fecha se precisa sair. Para compensar, é possível marcar, por telefone, horários de visita à loja, ou convidar o colecionador para avaliar uma peça, onde quer que seja, e negociá-la. “Nessa questão de valores, eu procuro comprar pelo mínimo possível para revender pelo mínimo possível, porque eu tenho prazer em fazer isso. E costumo dizer que estou aqui só de passagem.

Eu tô uma temporada aqui, então, eu procuro fazer as coisas melhor. “ O argumento da temporada, baseada em sua fé na doutrina espírita, também vale para justificar o fato de ele não se incomodar se alguém derruba e quebra um objeto: “Ninguém derruba nada porque quer.” Se diz desapegado a coisas materiais e justifica sua paixão pelo colecionismo pelo simples fato de ver um grande valor em pequenas coisas. Durante a tarde, a vitrolinha não tocou “Como dois e dois“. Do LP Detalhes, de 1971, só a capa sobre uma pilha no chão. Da vida que passa depressa, recordações que fazem dos dias de Humberto eternas jovens tardes de domingo. Em nós, fica a vontade de voltar, de saber um pouco mais de cada coisa. Dos velhos tempos, belos dias.

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fábrica de Prólogo Definitivamente, “sonho não enche barriga”. Seus pais já devem ter lhe dito algo parecido. Se não disseram, você já ouviu essa frase de alguém ou escutou alguma história que envolvesse a “frase aspeada”. Não se trata naturalmente daquele sonho com recheio de goiabada ou doce de leite que é vendido na padaria mais próxima da sua casa, e sim dos seus desejos projetados que, muitas vezes, são sufocados pela preocupação familiar que lhe suscita as mais cruéis possibilidades de futuro. Quando o futuro em questão é o teatro como opção profissional, parece que as coisas se tornam ainda mais complicadas. O discurso batido, mas de certa forma sincero, que considera reais dificuldades pra quem sonha ser artista é unânime entre os que fazem e os que não fazem teatro. O dramaturgo e diretor Elísio Lopes Jr., que já trabalha com teatro há mais de dezoito anos, fala que “viver de teatro é uma Tragédia!”. Ele vislumbra a carreira do ator como algo pautado em sucessivos atos de heroísmo e acredita que o ator precisa enxergar além dos outros, sendo a sua função “convencer lojistas, empresários e políticos de que fazer teatro é importante. Labutar com pregos, madeiras e tecidos para erguer o sonho e depois ainda convencer mais um punhado de gente de que é bacana ir assistir e dialogar conosco. Resumindo: nós, artistas de teatro somos uma verdadeira Comédia”, finaliza. 1º ato

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Dessa forma irreverente, Elísio explicita o quão difícil e quantos movimentos precisam ser feitos pelo ator para que as coisas possam se materializar em sua vida profissional. Nesse sentido, o ator ocupa um lugar fundamental na fomentação do desenvolvimento do campo profissional na área do teatro. O primeiro passo para que as coisas aconteçam parte do ator, que deve ter disposição interna e iniciativa para encarar as agruras e desagruras dessa profissão. Desse ponto de vista compartilha Andréa Elia (“Boca de Ouro”

As comédias e tragédias de quem faz do palco uma profissão


sonhos por Gabriel Camões verdade.trivial@gmail.com

e “A prostituta respeitosa”), atriz baiana com mais de vinte anos de carreira, diz que “quem ingressa nessa profissão precisa aprender a se administrar no perfil de autônomo, viver sabendo que muitas vezes não se tem a previsibilidade de uma renda fixa.”, conclui Andréa, confirmando que quem faz teatro deve estar preparado para conviver e viver nesse estado de eterna transitoriedade. Embora haja essa consciência por parte de alguns dos bem-aventurados que optam viver do teatro, hoje essa postura e pensamento não contemplam o comportamento da maioria. O diretor Fernando Guerreiro (“Shopping and Fucking” e “Vixe Maria”) revela sentir

atualmente uma grande falta de iniciativa por parte das pessoas que trabalham na área. O diretor conta que, há alguns anos, chegou a fazer vários espetáculos encomendados por atores. Segundo Guerreiro, naquela época “os atores geravam mais oportunidades do que hoje, tinham esteticamente na cabeça o que queriam, convidavam o diretor e reuniam-se em grupos para se articularem e produzir seus espetáculos”. Ele conta que a Cia Baiana de Patifaria (“A Bofetada”), por exemplo, começou a partir da iniciativa de um grupo de atores e não de um diretor, o que revela o quão importante é para o ator se movimentar, se articular com outros atores. A formação de grupos de atores, portanto, torna mais fácil construir e viabilizar bons espetáculos, já que envolve a força de um maior número de pessoas. 2º ato As palavras do diretor Fernando Guerreiro apontam para o ator como a figura central, o pivô dos acontecimentos nesse processo de expansão e evolução do campo profissional do teatro na Bahia. Ter iniciativa, saber o que quer e estar ciente das dificuldades que enfrentará é o primeiro passo a ser dado. Mas ainda de acordo com as palavras de Guerreiro, tão ou mais importante do que esse primeiro passo, é o passo seguinte: estabelecer boas relações com os colegas de palco, pensando na formação de um grupo de atores que tem afinidade e buscar estreitar o seu vínculo com diretores atuantes. Segundo Guerreiro, a relação construída entre diretor e grupo de atores é primordial para viabilizar projetos que tragam retorno para as duas partes, já que uma depende da outra para crescer e evoluir profissionalmente.

um número razoável de pessoas no processo para que o projeto seja viabilizado. O diretor revela que teve muita sorte de ter um time de atores muito bons sempre ao seu lado, provando a importância da existência do senso de coletividade, de atores articulados entre si, de uma estrutura para produzir e criar espetáculos. A prova disso é o fato de Guerreiro creditar grande parte do seu sucesso como diretor aos atores que trabalharam com ele. “Eu digo sempre: metade do meu sucesso eu devo a esses atores com quem trabalhei, por entenderem uma linguagem e por terem partilhado isso comigo, eu sempre tive nos meus trabalhos atores muito talentosos”, explica. Portanto, as companhias e grupos de teatro atuantes em Salvador, provam o quão importante é o senso de coletividade no teatro. Graças a um trabalho desenvolvido em grupo, que cria uma estética de produção particular – como é o caso do Bando de Teatro Olodum e seus premiados espetáculos – novas peças, com novas propostas, vêm sendo encenadas e apresentadas movimentando a cena teatral da cidade. O professor da escola de teatro da UFBA e diretor, Luiz Marfuz, reconhece essa retomada da cultura de grupos na cidade e cita “A Outra Companhia de Teatro”, que é um grupo residente do teatro Vila Velha, como “um grupo bastante atuante, que não tem mais do que cinco anos de existência”. Marfuz acredita que “há um ressurgimento dessa cultura de grupos, de se considerar a importância que tem um grupo de atuar como construtor das identidades culturais e movimentador da cena teatral”, afirma. 3º ato Embora seja a primeira associação feita, “fazer teatro” não se resume única e simplesmente a “atuar”. Há uma noção mais ampla que envolve todo tipo de atividade relacionada a essa linguagem. Por isso, muitos profissionais – por questões de necessidade de buscar uma sobrevivência digna como artista –

Mesmo a produção de um monólogo, envolve

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recorrem a funções e atividades que não só a de ator ou de diretor. Em Salvador a maioria dos considerados bons atores no meio artístico são também aqueles que estão ensinando na universidade, abrindo seus cursos particulares de formação teatral, ministrando palestras, investindo na área de educação, etc. Andréa Elia, que além do longo período de carreira como atriz, trabalha há três anos como gestora do Curso Ato de teatro e dirige os espetáculos produzidos pelas turmas do seu curso, conta que “viver de teatro é abarcar várias funções dentro da linguagem do teatro. Á medida em que você vai mergulhando nele, você vai descobrindo faces, portas que se abrem”. No caso dela, o caminho encontrado foi conciliar as atividades de atriz, diretora e professora de teatro. Luiz Marfuz concorda com essa visão e reconhece que é difícil viver exclusivamente daquele ramo específico de teatro, escolhido como formação básica inicialmente. Segundo ele, é complicado para o ator só viver de atuar, o diretor só viver de dirigir, o professor de ensinar e assim por diante. O professor fala que “existe um conjunto de coisas, um leque de possibilidades e todas elas são atividades do teatro”. Marfuz relata queem seu caso, por exemplo, além de ensinar na universidade e dirigir peças, ele ainda trabalha com arte-educação, dá cursos paralelos, faz eventualmente trabalhos em empresas,. Para ele, afirma, isso já é um grande salto. Porém, Andréa deixa claro que nem todo mundo que trabalha com teatro se dispõe a abarcar várias funções: “Existem pessoas que querem ser exclusivamente atores e bancam isso. Eles ficam meses esperando alguém chamar pra trabalhar...”, conclui a

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atriz. Talvez hoje isso se explique, em parte, pela recente consagração na TV e no Cinema de dois atores baianos – Lázaro Ramos e Wagner Moura – tenha aumentado ainda mais o coro daqueles que sonham em administrar suas vidas somente com o trabalho desenvolvido como ator. Porém, Andréa fala que “se formos parar pra analisar o volume de atores talentosos que temos em Salvador, isso deveria acontecer numa proporção muito maior do que acontece”. Epílogo O diretor Fernando Guerreiro acredita que os atores Lázaro Ramos e Wagner Moura são dois fenômenos específicos, e que independente do talento de ambos, foram descobertos em um contexto particular. Guerreiro acredita que por conta desse sucesso repentino, muitos atores bons daqui da Bahia se despencaram para o Rio de Janeiro descontroladamente e “nesse desespero nós perdemos uma bateria de profissionais de primeira linha”. O diretor afirma que os bons atores baianos que chegaram ao Rio de Janeiro foram descobertos e começaram a crescer graças aos espetáculos em que estavam atuando e ainda coloca que “quem chega lá e fica com currículo na mão é para fazer Linha Direta, não tem saída, quase impossível progredir”, mostrando que é muito mais fácil que o talento seja reconhecido no palco ao invés de numa folha de papel. Mas enquanto há pessoas no teatro que anseiam chegar rapidamente a TV e viver apenas do sucesso com o seu trabalho de interpretação, existem outras, que já começam a trilhar o seu caminho com uma consciência bem diferente.

Laili Florez, estudante de Licenciatura em Artes Cênicas pela UFBA, fala que pretende focar suas energias na área da educação e que precisa de um trabalho que ofereça um retorno mais regular, pois isso a realiza como pessoa e como artista. Laili acredita que muitos dos que fazem licenciatura são atores que buscam uma formação acadêmica que lhes dê um suporte financeiro maior, mais regular, com uma maior segurança. Mas em seu caso, ela tem claro na cabeça que além da segurança há também a sua vocação: “Hoje, me reconheço como alguém que tem a educação como parte integral de sua vida, porque descobri na minha formação, mesmo que aos trancos e barrancos, a minha verdadeira vocação”. Apesar de pretender trabalhar com educação, ela acredita que isso de forma alguma exclui o seu trabalho como atriz e como palhaça (Técnica de Clown), “mesmo porque essas três atividades estão totalmente interligadas” afirma. O fato é que nem todo mundo que faz teatro sonha necessariamente em um dia atuar na novela das oito ou aparecer no quadro “Arquivo Confidencial” do Domingão do Faustão. Os anseios são variados e os sonhos diversos alimentam a alma dos artistas. Sonhos que nem sempre se expressam no desejo de chegar necessariamente ao cinema ou a televisão. Muitos dos atores sonham apenas com teatro, outros com educação, e ainda outros com muitas outras coisas. Para cada um dos que se aventuram a fazer teatro é forte o bastante para encher o seu estômago de borboletas. Portanto, é justo fazer uma correção da primeira frase desse texto. Em tempo: definitivamente, “sonho enche barriga”.


Numa época em que a tecnologia dá as cartas, ainda faz sentido a arbitragem de futebol apitar baseada apenas no que seus olhos podem ver

em terra de cego quem tem olho é (quase) rei por Jés

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Meninos, eu vi! Mas caso você não tenha visto, não se preocupe que o replay recupera tudo, na íntegra e com riqueza de detalhes. Quantas vezes já aconteceu de você estar lá, entediado (a), vendo aquele jogo que parece não ir mais a lugar algum, já aos 40 do segundo tempo, com direito a torcedor saindo do estádio e narrador dando dicas culinárias até que, de repente, como num passe de mágica, pênalti! Pronto: está instaurada a polêmica. A primeira coisa que o comentarista quer é rever o lance. Uns irão dizer: pênalti claro! Outros vão alegar simulação do atacante. Seja lá qual for o veredicto, o narrador vai pedir que repitam a jogada uma, duas, quinze vezes, tudo para aumentar a audiência e instigar a polêmica. O mundo hoje é transmitido o tempo todo “ao vivo” na tela da sua televisão, ou do seu computador, ou do seu celular. Seja lá em que tela for, todos querem ver tudo e pelo melhor ângulo. Mas será que o replay faz tanta falta assim?

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“Faz!”, pelo menos se você estiver torcendo no estádio, como afirma Paulo Ludwig Júnior, torcedor do Grêmio e freqüentador assíduo dos jogos de seu time. “Quando você está no estádio é um participante direto do espetáculo, mas existe perda na recepção, até porque você não tem o recurso do replay. Sempre que há um lance polêmico fico ansioso para chegar em casa e rever a jogada”, conclui Paulo. Já o repórter de campo da rádio BandNews FM, Lucas Mascarenhas, tem uma opinião mais moderada sobre o recurso. “Já que não há replay na transmissão no campo, a informação que você passa é checada apenas por seus olhos. Não vejo prejuízo, apenas é necessário reforçar a atenção. Além do mais, o rádio trabalha mais com a transmissão da emoção do jogo, e não dos detalhes visuais”. Da condição de recurso técnico complementar, o replay foi alçado à condição de última instância nas discussões futebolísticas. Tem uma dúvida? Volta a fita! Passa de novo para a gente ver de outro ângulo. No entanto, a

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arbitragem – verdadeira responsável por decidir o que vale e o que não vale em campo – conta apenas com um recurso bem arcaico: a visão humana. “Temos que estar sempre bem posicionados e atentos a tudo o que acontece. Às vezes a vontade de acertar é tanta que nos precipitando e erramos, mas os erros fazem parte do jogo, seja do juiz que não marca um gol válido ou de um jogador que marca um gol contra”, diz o árbitro de futebol Ligerval Carvalho Vargas, filiado à Federação Baiana de Futebol desde 1988. Esquentando ainda mais o debate sobre as dificuldades que os árbitros enfrentam na interpretação das jogadas, a Revista Mente&Cérebro publicou uma matéria em maio de 2005 “difamando” a regra mais controversa do futebol: o impedimento. A matéria de título “Impedimento não faz sentido”, diz que o médico espanhol Francisco Belda Maruenda comprovou cientificamente que, devido à lentidão do globo ocular, é impossível para o olho humano registrar todas as variáveis que determinam se um jogador está ou não impedido. Apesar das dificuldades, Ligerval Carvalho não é a favor da extinção da regra

do impedimento e defende a polêmica como a essência do jogo. “São os detalhes controversos – como a regra do impedimento – que tornam o pósjogo tão intenso e instigante para os fãs do esporte. A utilização do replay para análises extra-jogo é uma realidade à qual os árbitros têm que se habituar, mas ainda acho que deve valer aquilo que é decidido em campo”, conclui Ligerval Carvalho. A relação vídeo X arbitragem é um dos temas mais recorrentes do futebol na atualidade. Na final da Copa do Mundo de 2006, quando o meio-campista francês Zinedine Zidane foi expulso por dar uma cabeçada no zagueiro italiano Marco Materazzi, o técnico da seleção francesa – Raymond Domenech – alegou que a expulsão não era válida porque o árbitro Horácio Elizondo teria tomado a decisão graças ao replay do lance visto no telão do estádio. Em sua defesa, Elizondo alegou que de fato não viu o lance, mas foi alertado pelo quarto árbitro, o que tornava sua decisão válida de acordo às regras da FIFA. Enquanto em alguns esportes o vídeo é utilizado para que os juízes possam conferir o lance antes de tomarem uma decisão – caso da ginástica olímpica e do tênis – no futebol o que ainda conta é aquilo que o árbitro e seus assistentes vêem na hora em que o fato ocorre. Com vídeo ou sem vídeo? Eis a questão..


O repórter da BandNews FM, Mascarenhas, vê as inovações tecnológicas como vantagens a mais para o esporte e acredita que o uso desses recursos melhoraria as condições atuais da arbitragem. “Essa história de mística do futebol, de deixar as coisas acontecerem para que depois os lances virem lendas não rola nos dias de hoje, quando recursos técnicos nos dão precisão nos lances”, afirma. Em contrapartida, Edmário Duplat, torcedor do Bahia e fã do esporte, acredita que paralisações para analisar as jogadas de forma mais atenta não se adequam às peculiaridades do futebol. “Vi um debate na ESPN Brasil sobre o assunto, falando que a Federação Paulista de Futebol testou num jogo a utilização do vídeo para auxiliar a arbitragem e a partida durou quase quatro horas e meia. A quebra do formato de dois tempos de 45 minutos descaracterizaria o futebol e faria o jogo perder seu ritmo próprio”, opina. Em se tratando de futebol, quanto mais se discute, mais aparecem pontos a serem discutidos. E muito embora a questão do vídeo às vezes soe como mais uma birra entre a torcida e a arbitragem - com as emissoras de televisão contando round a round - não se pode esquecer que o jogo não deve sair prejudicado. Muitos questionam porque o futebol ainda comove multidões e suscita paixões

intensas numa época regida pelo virtual. Talvez o segredo seja exatamente o fator humano, a congregação de indivíduos que não se conhecem em nome de um time e o sentimento arrebatador provocado por um gol. Além disso, o que seria do futebol sem suas célebres histórias? Imaginem se o juiz voltasse a fita e anulasse o famoso gol que Maradona marcou com sua “mão de Deus” na Copa de 86? No mínimo o esporte perderia uma de suas histórias mais famosas e pitorescas. Sem falar que nem tudo pode ser elucidado pelo vídeo. “As regras são claras, mas não são totalmente explícitas. Elas deixam margem à interpretação”, afirma Ligerval Carvalho. Talvez o vídeo possa resolver o problema do impedimento, mas pênalti que é pênalti tem que ser discutido, caso contrário não é futebol! Enquanto isso, cabe às federações serem mais rigorosas com a formação e o trabalho de seus árbitros. Tudo bem que errar é humano, mas para tudo deve haver um limite, ainda mais quando tem tanta gente de “olho no lance!”*. * Frase de Sílvio Luís, narrador de futebol da TV Bandeirantes.

A regra 11 O fato de se estar numa posição de impedimento não constitui numa infração em si. Um jogador estará em posição de impedimento quando se encontrar mais próximo da linha de meta adversária do que a bola e do que o penúltimo jogador adversário. Um jogador em posição de impedimento será punido somente se a arbitragem considerar que ele está ativo na jogada, ou seja: interferindo no jogo, interferindo na ação de um adversário ou tirando vantagem da posição irregular.

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Mateus da Costa, jogador de Duke Nukem. Matou três em um cinema de São Paulo. Eric Harris e Dylan Klebold jogavam Doom. Mataram doze colegas de escola em Columbine, Estados Unidos. Keith Flag jogava Hell. Matou três familiares. A correlação entre os homicídios e os jogos é argumento frequente. Jornalistas sensacionalistas e declarações duvidosas de psicólogos geraram juntos matérias que aumentam bastante o preconceito contra os videogames e jogadores. Poucas décadas, mas já tem alguma história. As origens do videogame remetem aos anos sessenta. Como toda jovem arte de jovens, ainda é vista por muitos com olhares de esgar, para dizer o mínimo. Sérgio Nesteriuk, professor de design de games e coordenador do Festival Universitário de Games diz que: “quando foi inventada, a bicicleta despertou grande receio nos pais, pois estes acreditavam que seus filhos se tornariam adultos alienados. Hoje, muitos pais adorariam que seus filhos andassem mais tempo de bicicleta. Os valores e parâmetros daquilo que é considerado edificante ou nocivo pertencem à cultura e mudam conforme muda a própria sociedade”.

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O reconhecimento do videogame como algo além de puro entretenimento é buscado pelos envolvidos, seja desenvolvedores, jogadores ou mesmo

professores universitários. É uma guerra lutada em várias frontes. A divulgação de pesquisas sobre o atual papel dos videogames no desenvolvimento cognitivo da criança é um exemplo. Outro é a criação de cursos universitários e editais de apoio governamental, que aos poucos aparecem no Brasil. As mudanças de opinião vêm acontecendo aos poucos. À medida em que a indústria dos videogames foi crescendo - e hoje já é superior à do cinema nos Estados Unidos - os caminhos foram abertos à força. Dentre iniciativas isoladas e grandes eventos, os jogadores e profissionais da área começam a sentir mudanças também noutro sentido. O videogame começa também a ser considerado arte. O videogame exposto Não podia ser de outro jeito. Foi nos Estados Unidos que aconteceu a primeira exposição dedicada aos videogames. Em 1989 o American Museu of the Moving Image, em Nova York, apresentou a exposição Hot Circuits: A Video Arcade. Jogos arcade - também chamados de fliperama dos anos 70 e 80 foram expostos à disposição de quem quisesse jogar, além de materiais relacionados à sua história e linguagem.

Desde então, o videogame começa, aos poucos, a ser considerado digno de ser exibido em galerias de arte. No Brasil, um marco incontestável foi a exposição Game o Quê?, em 2003. Produzida pelo Itáu Cultural de São Paulo, essa foi a primeira exposição de grande porte que tratou os próprios videogames comerciais como obra de arte. Júlio César, fundador da cooperativa Cooper Games, ao falar de sua experiência com o jogo Half-Life, define o quanto um videogame pode ser marcante: “não me esqueço do momento em que o reator explode e os seres alienígenas começam a invadir o centro de pesquisa Black Mesa. Acredito que esse seja o primeiro clímax do jogo, que até hoje considero uma obra de arte, pois, se notarmos, cada detalhe do ambiente, cada monstro, fase, armamento, história, diálogo e enredo, juntos, formam uma obra de arte tecnológica por si só.” Essa descrição mostra um grau de envolvimento possível que é característico das obras de arte, como o videogame. As exposições não fazem nada além do que dar a estes videogames, tão impressionantes, finalmente um espaço ritualizado, como todas as outras artes (alguns dizem que os videogames são a décima) possuem.


a arte dos videogames por Tarcízio Silva

tarushijio@gmail.com O videogame transformado Lembrando as performances do artista pop Roy Lichtenstein, que ampliava vinhetas de quadrinhos para expor em galerias de arte, instalações e reapropriações artísticas sobre os videogames comerciais também têm acontecido. O exemplo mais famoso é o Video Games Live, um evento que leva as músicas de videogames “clássicos”, como Mario Bros., Zelda e Final Fantasy para os instrumentos de uma orquestra, combinado à projeção de vídeos dos jogos. Uma iniciativa brasileira desse tipo foi a Realidades Alternativas. O evento, ocorrido em 2006 na cidade de São Paulo, teve como objetivo questionar o problema da “ânsia realista”, criticada pelo artista, dos videogames comerciais. Foram três modificações diferentes do famoso jogo Counter Strike (tiro). Cada uma delas buscava um tipo de estranhamento. A primeira exportava o universo gráfico dos quadrinhos Sin City, a segunda era uma simulação de cegueira, e a terceira inseria sons inusitados no lugar dos originais. O artista responsável pela instalação, Roger Tavares, que também é professor universitário e fundador do portal GameCultura, é categórico: “não considero os jogos em si, apenas a sua forma ou mecanismo, com autonomia

suficiente para serem considerados arte, pelo menos no que eu considero a arte. Arte, para mim, é uma forma de crítica e desafio ao estatuto atual das mídias. Muito embora alguns jogos sejam realmente estarrecedores, dessa maneira vejo esses jogos como manipulação, craft, e não arte.” Mesmo assim considerando que aqueles produtos expostos na Hot Circuits ou na Game O Quê? não são arte, iniciativas como a de Roger Tavares não deixam de ser muito importantes para o campo. Ivan Garde, desenvolvedor do Cativeiro Studio, diz que, apesar de não depender só disso para que todos entendam que videogames podem ser arte, é importante explorar e virar os games ao avesso, para mostrar todo seu potencial. Videogame como arte “amadora” As novas tecnologias dos jogos de computador mostram outro aspecto da noção de arte para os videogames. Alguns jogos trazem programas que permitem que o usuário modifique o jogo, criando mapas, personagens e todo o tipo de material que envolve a experiência de jogo. O próprio evento Realidades Alternativas tem como base uma modificação desse tipo. Os jogos em equipe, como CounterStrike (jogo do gênero “tiro”), Age of

Empires e Warcraft (jogos de estratégia medieval e fantástica) estão entre os mais famosos nesse sentido. Os jogadores criam mapas, cenários virtuais de jogo para uso próprio, para distribuição ou mesmo campeonatos de criação. Um caso célebre de cobertura jornalística “positiva” sobre os videogames foi a divulgação do mapa CS_Rio, criado pelo designer Rogério Sodré, o Mataleone, que, em plena crise de violência no Rio de Janeiro, obteve repercussão mundial ao recriar uma favela carioca dominada pelo tráfico, disponibilizada para qualquer jogador de Counter Strike do mundo. A arte de criar mapas é reconhecida como qualquer outra entre jogadores. Envolve várias habilidades, desde programação, estética e noções arquitetônicas. Ivan Garde diz que a repercussão do CS_Rio foi importante, mereceu o destaque por mostrar ao público em geral que o videogame é uma forma de expressão, sim. Ou, como diz o desenvolvedor Leandro Serpa, entre exposições, eventos ou mesmo novas formas de criar e recriar o jogo, a própria denominação de game-arte pode ser uma forma de dizer a todos que os jogos, mesmo os comercializados, são manifestações artísticas e culturais e não apenas passatempos nocivos.

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blogs, gays e capital político

por João Barreto e Tanara Régis

tudo.eventual@gmail.com tana.nadamais@gmail.com

Em agosto passado, vieram a público edições irregulares na enciclopédia virtual Wikipedia. Um usuário, cujo IP foi rastreado como oriundo de um escritório do governo canadense em Ottawa, alterou o verbete sobre homossexualidade e substituiu o texto por aforismos de cunho cristão e homofóbico - dois adjetivos complementares tais como: “Homossexualidade é demoníaca”, “Homossexualidade é errada de acordo com a Bíblia” e ainda “Homossexuais precisam da nossa ajuda e aconselhamento”. O endereço de IP responsável por tais pérolas continuou a modificar o verbete “homossexualidade” do Wikipedia vinte e quatro vezes entre julho de 2005 e julho de 2006. As edições foram descobertas por um jornalista canadense que mora em Toronto, David George-Cosh (www.strangehold.com) e reportada também no site ciberativista Queerty (www.queerty.com) em 17 de agosto de 2007.

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O Queerty é um site em formato blog atualizado diariamente por Andrew Belonsky, formado em ciência política pela Universidade de Vassar, estado de

Nova Iorque. O site foi criado há dois anos por David Hauslaib (editor também do www.jossip.com) para suprir um buraco no ciberespaço, uma vez que a maioria dos sites disponíveis na web sobre temática GLBTT (Gay, Lésbica, Bissexual, Travesti e Transgênero) versava mais sobre sexo do que propriamente sobre política e ativismo, afirma Belonsky, contratado exclusivamente para alimentar diariamente o Queerty. A intenção, explica, era criar algo mais fundamentado, informativo e, principalmente, divertido. Assim como o Queerty, outros sites e portais têm se dedicado a temáticas GLBTT. No que diz respeito a ativismo, entretanto, o espaço reservado em tais sites se restringe mais propriamente às notas recém-chegadas das agências de notícias, ou em colunas de opinião. Tais notas ficam disponíveis nas áreas de últimas notícias e, geralmente, não recebem tratamento por parte da equipe que atualiza os sites: são publicadas como chegam. Representativos desse segmento é o portal Mix Brasil (www. mixbrasil.uol.com.br), que, mais voltado


para o entretenimento, traz ainda roteiros GLBTT, contos e ensaios eróticos. Há ainda os sites do Grupo E-Jovem de Adolescentes Gays, Lésbicas e Aliados (www.e-jovem.com), que funciona mais ou menos como o Mix Brasil, embora com menos conteúdo, é também dividido em editorias, trazendo notícias, artigos etc. O site Armario X (www.armariox. com.br), de caráter mais informativo, é estruturado como o E-Jovem, e o Casa da Maitê (www.casadamaite.com), criado pela transexual Maitê Schneider, funciona também como portal GLBTT típico. A web e as minorias O advento e a popularização da web foi particularmente impactante junto as chamadas minorias políticas, especialmente junto ao público GLBTT, que, especialmente nos chats, encontrou lugar para discutir inquietações, medos, inseguranças sem necessariamente abrir mão da proteção do anonimato.

O passo seguinte seria naturalmente a organização política em um espaço de troca de informações em tempo real. O que os blogs acrescentaram foi a praticidade de ferramentas de publicação na web que gastam pouco, são fáceis de atualizar, não necessitam de grande investimento e, portanto , podem agilizar todo o processo de midiatização de uma notícia. Segundo Belonsky, “você precisa apenas de três coisas no ciberativismo: um computador, um posicionamento político ou social e leitores”. Sobre blogs, Gonzalo Prudkin, mestrando em comunicação da UFBA, afirma que “a utilização dos blogs ativistas, mais que alterar ou reconfigurar, estão complementando as práticas políticas tradicionais que determinados movimentos sociais levavam a cabo.” Complementa ainda que os sites foram, no surgimento da rede, de larga utilização dos movimentos políticos, como os Piqueteiros, na Argentina, na década de 90. Os Piqueteiros eram trabalhadores

desempregados insurretos durante a recente crise econômica. Outro aspecto interessante ressaltado por Gonzalo Prudkin é o sistema de comentários, que permite interatividade entre autor do blog e leitores. Em termos de ciberativismo, tal aspecto facilita a organização de atos políticos públicos ou midiáticos. Esse é um outro aspecto da esfera de discussão pública. No caso do Brasil, ao “googlear” em busca de blogs GLBTT ciberativistas, não são encontrados blogs de língua portuguesa que não sejam de Portugal. Os Blogs GLBTT brasileiros ainda são de temáticas mais pessoais, relatos de conquistas e casos amorosos e, principalmente, a explorada e batida imagem do sexo entre gays (fortes, parrudos e masculinizados ao extremo). Em outras palavras, pouco engajamento, pouca ação política e muitas fotos eróticas masculinas. No Brasil, temos então um contexto semelhante ao que provocou a criação do Queerty.

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Histórias coloridas Uma busca no Google traz indicações sobre o contexto do movimento GLBTT no Brasil, que começou muito tardiamente em relação a outros países. Em lugares como São Francisco (EUA), Montreal (Canadá), Barcelona (Espanha), Colônia (Alemanha), casais homossexuais de mãos dadas ou se beijando na calçada não são mais práticas escandalosas. No Brasil, embora já tenha havido algumas iniciativas na década de 40 junto com o movimento feminista, só com a abertura política, já na década de 80, que se organizaram a maioria dos atuais grupos em defesa da igualdade de direitos dos homossexuais perante a lei. Vale lembrar que só em 2003 começaram os “beijaços” em locais públicos. O de 2003 foi organizado por grupos GLBTT, devido a proibição de beijos de um casal homossexual ocorrido no Canecão, shopping center de São Paulo. Neste contexto, a internet e a facilidade dos blogs são ferramentas importantes também no arquivamento e disponibilização de documentos e fatos históricos. É importante para a comunidade gay que eles saibam de onde vêm, o que já foi feito, lembra Dale Sheldon, historiador da Califórnia

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e fundador do Sheldon Institute (http:// www.thesheldoninstitute.org), para se organizar para ações políticas futuras: “Pessoas já argumentaram que a comunidade gay não é um grupo real, que somos recentes e que estamos demandando direitos além daqueles que merecemos. Eu encontrei pessoas que realmente acreditam que a comunidade gay começou nos anos 1960 junto com o movimento de direitos civis. Outros acreditam que foi uma invenção do século XIX [...], e outros ainda que tudo começou durante a liberdade sexual da Renascença. Pessoas acreditarem nisto é um testemunho de pouca educação histórica.” Dale localizou comportamentos homossexuais no épico mesopotâmio Gilgamesh do século VII a.C. “As pessoas vão se tornando mais confiantes nas suas vozes ativistas”, como enfatiza Belonsky. “Estamos mais visíveis do que nunca. Claro que isso assusta os conservadores e fornece combustível à artilharia homofóbica, mas também mostra às pessoas comuns que os gays não têm medo. Mais importante ainda, o blogs gays injetaram uma voz gay nos debates políticos e sociais”. Dale afirma que “um site também favorece o acesso à educação, embora eu sempre diga às pessoas que sejam

cuidadosas sobre o que lêem online, há muita informação não apurada na internet, especialmente sobre História [...], assim as fontes do nosso sempre que possível estão coladas com os documentos originais”. E no que resulta tantos bytes trocados na rede? Outras mídias já usam os blogs como referência, eis o recente caso do “blog do Vizinho”, vizinho do famoso Senador. No caso do ciberativismo GLBTT, Belonsky afirma ainda que tanto a televisão quanto impressos têm usado o Queerty como fonte. O problema é que nem sempre a fonte é citada. Outra situação curiosa que o editor do Queerty nos contou diz respeito ao estado de Nova Jersey: “a United Parcel Service – um serviço de entregas internacional – recentemente anunciou que não daria a casais gays no estado de NJ os mesmos benefícios que disponibiliza a casais hétero. New Jersey, extendeu os direitos civis a casais gays no início de 2007 [...]. Alguns sites, assim como o meu, se agarraram ao assunto e pressionaram por ação. Então, o governador de Nova Jersey, Jon Corzine, escreveu um carta para a UPS demandando que mudassem sua política. E, é claro, que eles mudaram”. Ou seja, quer reclamar razoavelmente, põe na rede.


tĂĄ pronto, seu Lobo? por FabĂ­ola Freire, Mayla Pita e Wendell Wagner*

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“Ouvi dizer que existe um lobo muito mau na estrada da floresta, devorando qualquer um que passa por lá...”

*Os fotógrafos Wendell Wagner e Fabíola Freire são monitores do Laboratório de Fotografia (Labfoto) da Faculdade de Comunicação da UFBA. Mayla Pita também é estudante da Facom e é exintegrante do Labfoto.

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Sushi

O autor

Formado em Publicidade e em Jornalismo, Minêu já participou de festivais e exposições de humor gráfico no Brasil, Alemanha, Bélgica, Colômbia, França, Irã, Portugal, Romênia e Turquia. Teve trabalhos publicados em catálogos internacionais e recebeu mais de 10 prêmios em salões de humor. Elaborou vinheta para Globo, publicou uma HQ no Álbum Front e produziu trabalhos para TV Globo, Monsanto, Cresauto Fiat, Abrasel, Restaurante Yemanjá, Revista Metrópole, entre outros. rodrigo_mineu@yahoo.com.br / www.mineu.zip.net

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