“O que o rei não viu”: música popular e nacionalidade no Rio de Janeiro da Primeira República* Letícia Vidor de Sousa Reis
Resumo Neste artigo, por meio do acompanhamento do processo de legitimação do samba carioca durante as três primeiras décadas do século XX, a autora investiga de que maneira esse ritmo deixa, paulatinamente, os redutos negros e vai se firmando como nacional. Tal processo foi conflituoso e ambíguo por estar vinculado ao reconhecimento social do negro no Brasil. Dessa forma, se o ritmo fruído era o mesmo, seus significados e usos eram diversos. Observa-se, então, uma cisão na sensibilidade estética das elites do período no que se refere à essa música popular, o que provocará uma oscilação entre o elogio e o repúdio à mesma. Esta dupla perspectiva relaciona-se a um dos grandes dilemas dos intelectuais e governantes da época quanto à constituição do corpo político da Primeira República. Se, de um lado, os critérios darwinistas sociais eram um empecilho à plena incorporação do negro à esfera pública, de outro lado, as tradições culturais negras, preteridas como sinal de “decadência”, eram já parte constituinte da expressão do nacional. Finalmente, investiga como esse dilema se traduziu na infrutífera tentativa de criação de uma simbologia popular por parte da jovem República, em busca de sua legitimidade política.
* Esse artigo é uma versão modificada de parte de minha tese de doutorado intitulada “Na batucada da vida: samba e política no Rio de Janeiro (1889-1930)”, defendida em 1999 junto ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, sob orientação da Profa Dra Paula Montero.
Estudos Afro-Asiáticos, Ano 25, no 2, 2003, pp. 237-279
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