Projeto Experimental em Jornalismo GCO 04235
Universidade Federal Fluminense (UFF) Centro de Estudos Gerais Instituto de Arte e Comunicação Social (IACS) Curso de Comunicação Social
Internet e Carnaval: O grupo “Salve a Mocidade” como pólo de encontro de interesses comuns e de reafirmação local
Fábio Fabato
IACS/UFF Niterói Agosto/2006
Projeto Experimental em Jornalismo GCO 04235
Universidade Federal Fluminense (UFF) Centro de Estudos Gerais Instituto de Arte e Comunicação Social (IACS) Curso de Comunicação Social
Internet e Carnaval: O grupo “Salve a Mocidade” como pólo de encontro de interesses comuns e de reafirmação local
Projeto Experimental apresentado por: Fábio Fabato
Matrícula: 102.30.076-2, como requisito obrigatório para obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social – habilitação Jornalismo – sob a orientação do(a) professor(a). Simone Pereira da Sá
IACS/UFF Niterói Agosto/2006 2
RESUMO “Mergulhei nesta magia, era tudo o que eu queria para este carnaval...” (“Sonhar não custa nada, ou quase nada”)
Este trabalho visa a analisar a comunidade virtual “Salve a Mocidade”, formada por torcedores do G.R.E.S. Mocidade Independente de Padre Miguel, e da qual o autor deste Projeto Experimental é membro atuante. A lista de discussões surgiu em 2003, logo após a agremiação assistir a um processo de mudança estilística e política, com o intuito de pensar crítica e coletivamente estes novos rumos tomados. A partir do objeto de estudo em questão, serão discutidas algumas visões acerca das comunidades que agregam indivíduos com interesses semelhantes através da grande rede. Além disso, a própria noção de identidade coletiva no seio da modernidade tardia, que, assumindo novas características, redefine a relação entre as questões de cunho global e local.
Palavras-chave: Identidade, comunidades virtuais, carnaval carioca, Mocidade Independente.
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Este trabalho é dedicado aos meus pais, Antero e Lêda, à minha irmã, Lívia, à minha avó, Lêda, e a todos os amigos que pude fazer na Universidade Federal Fluminense e no grupo “Salve a Mocidade”, em especial, Rafael Sobral, Fábio Gomes, Ligia Margotto e Vicente Magno. E, claro, à Mocidade Independente de Padre Miguel, por todos os carnavais em que preencheu de magia a minha vida...
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SUMÁRIO INTRODUÇÃO............................................................................................................PÁG. 07
CAPÍTULO 1 – IDENTIDADE E MOCIDADE..........................................................PÁG. 09 1.1 – Breve recorte histórico...............................................................................PÁG. 09 1.2 – As noções de sujeito..................................................................................PÁG. 11 1.3 – Crise de identidade.....................................................................................PÁG. 13 1.4 – O início de uma história.............................................................................PÁG. 16
CAPÍTULO 2 – TRANSFORMAÇÕES IDENTITÁRIAS DA MOCIDADE............PÁG. 20 2.1 – A força da identidade estética....................................................................PÁG. 20 2.2 – A figura do patrono....................................................................................PÁG. 26 2.3 – Sujeito pós-moderno folião........................................................................PÁG. 28 2.4 – As transformações ocorridas em 2002.......................................................PÁG. 31 2.5 – Surge o “Salve a Mocidade”......................................................................PÁG. 33
CAPÍTULO
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–
TEORIA E PRÁTICA
NAS
RELAÇÕES
DO “SALVE A
MOCIDADE”.................................................................................................................PÁG. 35 3.1 – Referencial teórico sobre comunidades virtuais........................................PÁG. 35 3.2 – Contextualização da teoria com o “Salve a Mocidade”.............................PÁG. 40
CAPÍTULO 4 – O PÓLO DE ENCONTRO DE INDEPENDENTES.........................PÁG. 48 4.1 – A Mocidade nos três anos de vida do “Salve a Mocidade”.......................PÁG. 48 4.2 – “Sou Independente, sou raiz também...”....................................................PÁG. 50
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CAPÍTULO 5 – O “SALVE A MOCIDADE” CRESCE E GANHA VOZ.................PÁG. 59 5.1 – Referencial teórico....................................................................................PÁG. 59 5.2 – “Parece que foi ontem” – “Virtual vira realidade”....................................PÁG. 62 5.3 – A voz que vem da Internet.........................................................................PÁG. 65
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................PÁG. 72
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................PÁG. 74
ANEXOS;
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INTRODUÇÃO “Boa noite, meus senhores, sambistas e compositores...” (“Cartão de identidade”)
O que leva alguns indivíduos a manterem durante três anos, um pólo de encontro onde discutem temas relativos a um amor conjunto? O fato é que a Mocidade Independente de Padre Miguel vivenciou um processo de modificações internas bastante significativo no ano de 2003. E que, logo após este momento, emergiu na grande rede uma comunidade virtual, o “Salve a Mocidade”, que visava a tratar de múltiplos temas relativos a ela. Talvez muitos dos participantes nunca tenham atentado para o fato de que o grupo surgiu logo após a saída do carnavalesco Renato Lage, que comandou os carnavais da escola nos campeonatos de 1990, 1991 e 1996. O pólo de reunião de pessoas com interesses em comum, portanto, despontou na grande rede em um momento de incertezas internas na agremiação, tentando auxiliá-la na procura por um novo caminho estilístico. Este exemplo tomado para análise pode ser compreendido à luz das discussões entre o fenômeno global e tendências de reafirmação local. Ou seja, um contexto em que as identidades, valores e o sentido de si estável dos sujeitos se encontram em xeque, ante o bombardeio de possibilidades trazido pela globalização. O “Salve a Mocidade” é fruto de valorização dos aspectos regionais, no seio da perspectiva global de estilos que rege as relações contemporâneas. O grupo foi construído com a aparentemente pretensiosa premissa de reunir, pela Internet, os torcedores da Mocidade Independente de todo o mundo. Claro que o planeta inteiro não foi atingido, mas os debates conseguiram extravasar as fronteiras nacionais abarcando participantes de diversos países, como EUA, Argentina e Holanda. Além disso, não só fluminenses ou cariocas, mas também participantes de outros
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estados brasileiros puderam estar em conexão com as novidades da escola, suprindo, através do fórum, a carência informacional dos órgãos de imprensa locais, sobre carnaval. A comunidade passou a contar com cerca de 150 membros, promovendo debates diários. Com o passar do tempo, estes indivíduos possibilitaram a construção de grandes amizades e discussões, textos com apuradíssimo trato, e o reconhecimento do grupo como voz de relevância, tanto por parte da escola, como também de alguns jornais do Rio de Janeiro. O “Salve a Mocidade” completou três anos no dia 13 de maio de 2006 e mantém a sua vitalidade. Com os maus resultados obtidos pela escola nos carnavais de 2004, 2005 e 2006, o espírito das mensagens tem sido o mesmo de sua gênese, ou seja, o de resgatar a faceta vitoriosa de alguns anos atrás da agremiação da Vila Vintém. No primeiro capítulo, serão enunciados alguns referenciais teóricos relativos à identidade, bem como um breve relato do início da história da Mocidade. No capítulo dois, serão discutidas as transformações identitárias pelas quais a escola passou, e que, em 2003, desembocaram na criação do “Salve a Mocidade”. O capítulo três trará a visão de autores que pensaram as relações nas comunidades virtuais, fazendo um contra-ponto com a rotina da comunidade virtual tomada por objeto de estudo. Já no capítulo quatro, será discutida a dinâmica social do “Salve a Mocidade” e suas particularidades, em comparação com a lista “Rio-Carnaval”. O quinto e último capítulo analisará o crescimento do grupo, trazendo a visão do “Salve a Mocidade” como voz coletiva. Este trabalho, portanto, visa a mostrar os processos que levaram à criação desta comunidade virtual, bem como mergulhar em sua práxis de promoção de encontros e discussões relacionadas a um único elemento de agregação: o G.R.E.S. Mocidade Independente de Padre Miguel.
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CAPÍTULO 1 Identidade e Mocidade “Mostrando a minha identidade, eu posso provar a verdade a esta gente...” (“Cartão de identidade”) 1.1 Breve recorte histórico O grupo “Salve a Mocidade” foi criado no dia 13 de maio de 2003. É importante, para início da análise que aqui se pretende, que sejam tecidas algumas considerações sobre o momento que vivia o G.R.E.S. Mocidade Independente de Padre Miguel, instituição que é a referência temática para os debates produzidos na comunidade virtual em questão. O então presidente da escola, José Roberto Tenório, após o carnaval de 2002, assumira o poder. Neste panorama de modificações políticas, algumas transformações com relação ao ano de 2002, único carnaval em que Paulo Clênio Vianna, eleito em 2001, esteve à frente da presidência, aconteceram. Depois de 13 carnavais, três títulos e dois vice-campeonatos tendo o carnavalesco Renato Lage no comando de seus enredos, a Mocidade contratou o carnavalesco e figurinista Chico Spinosa para assinar o carnaval 2003. Renato acabou rumando para o G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro. Já o intérprete Wander Pires, revelado pela escola em 1994, deixou Padre Miguel pela segunda vez, para se tornar a voz principal do G.R.E.S. Acadêmicos do Grande Rio. A Mocidade, portanto, nos preparativos para o desfile de 2003, já se anunciava com uma roupagem completamente diferente da que apresentou em quase toda a década anterior e início dos anos 2000, o que acabou sendo reforçado quando do anúncio do enredo, em julho de 2002: “Para sempre no seu coração, carnaval da doação”, tema que trataria da importância da doação de órgãos, e que, segundo Chico Spinosa, se enquadrava na alcunha “enredocidadão”, incomum ao universo do carnaval:
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Eu, Chico Spinosa, sinto-me engajado nessa campanha que norteou os motivos para o desenvolvimento deste enredo, cuja importância está voltada para a compreensão da possibilidade de nos unirmos através de nossos corações. Através de nossa doação nossos corações poderão bater no mesmo compasso, pois me sinto muito preparado para doar o meu junto com o da Mocidade para essa campanha tão social (CHICO SPINOSA – Trecho da sinopse do enredo entregue à Ala de Compositores da Mocidade).
Diante deste panorama, o período pré-carnavalesco gerou inúmeras discussões acerca dos “novos rumos” da Mocidade. Os torcedores, a imprensa, carnavalescos e dirigentes teciam especulações sobre como a escola se comportaria em termos estéticos sem o carnavalesco Renato Lage. O desfile acabou sendo bem-sucedido, muito em parte devido ao samba-enredo de autoria de Santana e Ricardo Simpatia, de baixa qualidade melódica e poética, mas bastante animado, que levantou as arquibancadas e injetou ânimo na apresentação da escola. O Jornal do Brasil estampou o seguinte título em sua versão on line: “Mocidade empolga com enredocidadão”. A escola acabou obtendo o quinto lugar naquele ano. Entretanto, apesar da garra dos componentes e da repercussão semelhante à produzida pelo desfile do ano anterior, ficava nítido que naquele carnaval se delineava uma espécie de “nova Mocidade”, ou, para ser mais exato, a tentativa de encontro de uma “nova Mocidade” ante um processo de modificação de comando. Definitivamente, não era fácil a tarefa de se desligar estilisticamente de um profissional que havia dado expediente por tantos anos no barracão da escola. Nesta ótica, é importante, para início de análise, que se faça um mergulhar teórico na noção sociológica de identidade, e também naquela que emerge com o advento dos “sujeitos pós-modernos”, bem como em suas conseqüências. Assim, haverá campo fértil para que se entenda o surgimento e vitalidade da comunidade virtual que foi construída após a apresentação de 2003.
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1.2 As noções de sujeito Stuart Hall (2005, p.10) destrincha três concepções de identidade, o “sujeito do Iluminismo”, o “sujeito sociológico”, e o “sujeito pós-moderno”. O “sujeito do Iluminismo” se baseava em uma concepção humana de um indivíduo centrado, com um núcleo que nasceria e se desenvolveria fechado nele mesmo, em uma perspectiva que não incluiria qualquer espécie de interação social e cultural no processo de construção identitária. Já o “sujeito sociológico” estabelece a noção de identidade “como um processo de construção de significados com base em um ou mais atributos culturais inter-relacionados” (Sá, 2005, p.60), de quem Hall fala nos termos que se seguem:
A identidade é formada na "interação" entre o eu e a sociedade. O sujeito ainda tem um núcleo ou essência interior que é o "eu real", mas este é formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos culturais "exteriores" e as identidades que esses mundos oferecem. A identidade, nessa concepção sociológica, preenche o espaço entre o "interior" e o "exterior" - entre o mundo pessoal e o mundo público (HALL, 2005, p.11).
As proposições acerca do sujeito sociológico refletem a complexidade do mundo e a visão de um indivíduo não-autônomo. Ou seja, que estaria plenamente integrado ao ambiente construído no entorno, às pessoas para ele importantes, mediadoras de um elenco de significados, valores e sentidos. Simone Pereira de Sá reitera a proposição de “sujeito sociológico” ao afirmar que prefere fugir de qualquer definição essencialista de identidade, dando ênfase ao caráter dinâmico e instável no processo de sua construção (2005, p.60). Pollack observa que o sentimento de identidade é construído com base em três pilares básicos: corpo e território, continuidade temporal e sentimento de coerência com relação aos elementos formadores do indivíduo (Pollack apud Sá, 2005, p.60).
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Já Douglas Kellner afirma que na modernidade a discussão sobre identidade giraria ao redor de como nos constituímos, nos percebemos, nos interpretamos e nos apresentamos a nós mesmos e aos outros. Ou seja, tangendo questões ligadas à descoberta e afirmação de uma essência inata, e também a partir dos papéis e materiais sociais disponíveis (2001, p.297). David Harvey, também inserido-se nas questões relativas à modernidade, traz a visão de que esta não representaria o rompimento impiedoso com nenhuma condição previamente existente. O eu moderno, no caso, seria caracterizado “por um processo sem-fim de rupturas e fragmentações internas no seu próprio interior” (1989, p.12). Com o advento da modernidade tardia, o “sujeito previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado” (Hall, 2005, p.12). O autor descreve então a construção do que denominou por “sujeito pós-moderno”. Kellner reitera os conceitos de Hall, proclamando que na “cultura pós-moderna”, o sujeito teria se desintegrado num fluxo de euforia intensa, fragmentada e desconexa (2001, p.298). Os processos de identificação, através das quais acontece a projeção de identidades culturais, estariam, segundo Stuart Hall, tomando nuances variáveis, provisórias e problemáticas, com a conseqüente perda, por pela descentração do sujeito, de seu “sentido de si estável” (2005, p.09).
Somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais podemos nos identificar – ao menos temporariamente (HALL, 2005, p.13).
Na visão de Hall, quanto mais as relações passam a ser mediadas através de uma perspectiva global de estilos, lugares e imagens de representação, mais as identidades se tornam desvinculadas de tempos, lugares, histórias e tradições. O autor decreta que as identidades nacionais estariam “se desintegrando, como resultado do crescimento da homogeneização cultural e do “pós-moderno global””(2005, p.69).
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À medida que as culturas nacionais tornam-se mais expostas a influências externas, é difícil conservar as identidades culturais intactas ou impedir que elas se tornem enfraquecidas através do bombardeamento e da infiltração cultural (HALL, 2005, p.74).
Kellner, citando proposições estabelecidas por Baudrillard e Jameson, afirma que o eu pós-moderno já não mais possuiria a profundidade, a substancialidade e a própria noção de coerência, que seriam “os ideais, e, às vezes, a própria realização do eu moderno” (2001, p.298). Hall também evidencia a noção de não-coerência assumida pelo eu da pósmodernidade, já que, como afirmou, identidades ditas “contraditórias”, o empurrariam para diferentes direções, em um processo de “celebração móvel” (2005, p.13). E David Harvey traz para o plano das discussões algumas questões que corroboram as mesmas visões:
Se, como insistem os pós-modernistas, não podemos aspirar a nenhuma representação unificada do mundo, nem retratá-lo como uma totalidade cheia de conexões e diferenciações, em vez de fragmentos em perpétua mudança, como poderíamos aspirar a agir coerentemente diante do mundo? (HARVEY, 1989, p.55).
1.3 Crise de identidade A modernidade tardia trouxe com ela a globalização – econômica, política, cultural, etc. – muito em parte auxiliada pelo desenvolvimento das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs). Estas, possibilitadas pela atual excelência da Comunicação Mediada por Computador (CMC), que lançou as bases para o surgimento da Internet, das redes de sociabilidade via web, o próprio ciberespaço, alteraram as relações estabelecidas no globo.
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No âmbito cultural, a tecnologia possibilitou a construção do que se denominou por cibercultura. Ela estabeleceria relações interpessoais na grande rede, a sociabilidade, (Castells, 1999), e a própria noção de interconexão, que, na visão de Lévy, seria “uma das pulsões mais fortes na origem do ciberespaço” (1999, p.127).
A Internet é o coração de um novo paradigma sociotécnico, que constitui na realidade a base material de nossas vidas e de nossas formas de relação, de trabalho e de comunicação. O que a Internet faz é processar a virtualidade e transformá-la em nossa realidade, constituindo a sociedade em rede, que é a sociedade em que vivemos (CASTELLS, 2003, p.287).
A Internet e o relacionar social estabelecido em rede, além de representarem, assim como outros adventos que entram em cena com a globalização, a dissolução de identidades estáveis, do que fala Douglas Kellner a seguir, também acabaria por representar uma espécie de contra-tendência aproximativa.
À medida que o ritmo, as dimensões, e a complexidade das sociedades modernas aumentam, a identidade vai se tornando cada vez mais instável e frágil (KELLNER, 2001, p.298).
No seio do que se denominou por “crise de identidade” (Hall, 2005, p.09), haveria a ocorrência de um duplo deslocamento – a descentração dos indivíduos tanto do seu lugar no mundo social e cultural, como de si mesmos.
Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e pelos sistemas de comunicação globalmente interligados, mais as identidades se tornam desvinculadas – desalojadas – de tempos , lugares, histórias e tradições específicos e parecem “flutuar livremente” (HALL, 2005, p.75).
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Entretanto, nesta mesma conjuntura que abala os quadros referenciais estáveis dos indivíduos, vê-se aparecer uma nova articulação entre “global” e “local”, proposta desenvolvida por Kevin Robins (1991) e tomada como uma das três vias de retorno estabelecidas por Hall ante o cenário contemporâneo.
Ao invés de pensar no global como "substituindo" o local seria mais acurado pensar numa nova articulação entre o “global" e o "local". Este "local" não deve, naturalmente, ser confundido com velhas identidades, firmemente enraizadas em localidades bem definidas. Em vez disso, ele atua no interior da lógica da globalização. Entretanto, parece improvável que a globalização vá, simplesmente, destruir as identidades nacionais. É mais provável que ela vá produzir, simultaneamente, 'novas' identificações "globais" e novas identificações "locais" (HALL, 2005, p.78).
Sá também deixa evidente estas perspectivas, afirmando que, ao mesmo tempo que a globalização atuaria como agente de fragmentação dos códigos culturais, exacerbando o caráter instável e individual das relações, também alavancaria uma tendência oposta a este fluxo.
Por um lado, a maior interdependência global produz uma extrema fragmentação de códigos culturais que se combinam à multiplicidade de estilos e formas de socialidade fluidas, efêmeras e dispersas, ensejando modalidades de identidades pouco comprometidas com projetos coletivos. Por outro, assistimos ao ressurgimento das resistências comunais locais ou particularistas – baseadas em etnias, religião ou enclaves culturais (SÁ, 2005, p.62).
O ser humano passa a sentir a necessidade de se integrar a grupos sociais, de se envolver com pessoas que compartilhem algo em comum, com as quais tenha identificação (Lévy, 1999). Ou seja, desenha-se um caminho de retorno na lógica da globalização, a busca por características que irão promover um rearranjar na dinâmica de construção das características definidoras dos sujeitos.
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Estabelecidas algumas proposições teóricas, terá início, ainda neste capítulo, um breve panorama dos primeiros passos da Mocidade Independente de Padre Miguel no mundo do samba, e o estabelecer de suas primeiras características.
1.4 O início de uma história O G.R.E.S. Mocidade Independente de Padre Miguel, escola de samba da Zona Oeste do Rio de Janeiro, de acordo com a sua primeira ata de reunião, foi fundada em 10 de novembro de 1955. Originou-se de um time de futebol, o Independente Futebol Clube, cujo uniforme trazia as cores verde e branca, que passaram a identificar a agremiação. As comemorações após jogos eram realizadas com batucada no chamado “Ponto Chic” de Padre Miguel, e acabaram por impulsionar o processo que transformou futebol em samba. O grito de guerra do time dizia: Não é marra não, nem é bafo de boca Independente chegou, Deixando a moçada Com água na boca... E a “moçada” ficou e ficava mesmo com “água na boca”, já que a escola, desde o seu início, soube agregar um signo de ousadia em suas ações. Nos primeiros anos, destacaram-se as atuações de figuras como Sylvio Trindade, o primeiro presidente, Renato da Silva, seu vice, além de Ivo Lavadeira, Djalma Ferreira, Garibaldi Faria Lima, Orozimbo, Cambalhota, Tião Marino, Waldemar Vianna e Mestre André. (Revista Mocidade 50 anos). Em 1958, com o enredo “Apoteose ao samba”, a Mocidade conquista o direito de desfilar no grupo elite do carnaval. No ano seguinte, uma revolução orquestrada pelo mestre de bateria da escola, André, marcaria para sempre o desfile das grandes escolas: a “paradinha”. Nela, todos os instrumentos deixavam de ser tocados subitamente, com a
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permanência exclusiva da caixa-tarol, que fazia com que a escola se mantivesse evoluindo. A um sinal de comando, todos os instrumentos voltavam a tocar.
Na bateria de Mestre André, famosa era a parada. A paradinha, mergulho na morte, da qual saía, violenta, reinventando vida na batida dos tamborins (ARTHUR DA TÁVOLA, Jornal O Dia, 16 de fevereiro de 2000).
A escola, que havia derivado de um time, já fixava uma imagem entre as co-irmãs de maior expressão – notadamente, na década de 60 e início da década de 70, Portela, Estação Primeira de Mangueira, Império Serrano e Acadêmicos do Salgueiro. E esta imagem, muito em parte, estava centrada nos comandados de Mestre André. Como afirma Sérgio Cabral:
A Mocidade Independente, até então, destacava-se pela bateria, que recebia sempre nota 10 da comissão julgadora. Seus ritmistas, comandados pelo Mestre André, que os regia utilizando uma batuta de maestro, e não o apito, encantavam o público e os jurados com seus breques – as famosas “paradinhas” – e com as surpreendentes mudanças de andamento (CABRAL, 1996, p.208).
O surdo de terceira constituiu uma outra inovação na Mocidade Independente. Seu criador foi Sebastião Esteves, o Miquimba. Durante um ensaio, por acaso, o ritmista acabou por desenvolver uma batida diferenciada, intercalando-a com as batidas dos surdos de primeira e de segunda. Mestre André aprovou o “novo instrumento”, incorporando um elemento a mais à bateria da escola. (Revista Mocidade 50 anos). A força deste segmento fez com que surgisse até mesmo a expressão “uma bateria cercada por uma escola de samba” (Cabral,1996, p.208), característica que, a partir da década de 1970, seria modificada. O fato é que agremiação passou a ser reconhecida, esperada e reverenciada por sua bateria. E esta foi o símbolo das primeiras transformações pelas quais a Mocidade Independente passou, conferindo a ela a sua primeira marca identitária:
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A bateria da Mocidade Independente há muito é um dos mais caros patrimônios da cultura popular de nossa cidade. O que mestre André cria e recria sobre o ritmo de sua bateria é impossível de se descrever. Basta que se diga que aquele povo todo, amassado, esmagado, empurrado há mais de treze horas, se levanta inteiro, lepidamente. Enquanto o som da bateria é ouvido, é impossível permanecer quieto. Pela primeira vez vejo o gordo do imenso farnel levantar-se. A bateria foi mais forte que seu apetite. A pista continua a congestionar-se. Mas o secretário de Turismo, Levi Neves, comenta : "Se não houver invasão, não e carnaval." Com isso ele quis dizer que o grande desfile tem público cada vez maior e não há avenida que suporte tal entusiasmo. A massa acompanha o bonito samba da Mocidade e quando chega no verso: "Então componho um poema singular", o coro cresce e a Avenida inteira se une. A harmonia de povo, bateria e escola de samba marca um dos mais belos momentos do carnaval de 71. A emoção foi grande. O bem que a Mocidade nos fez se reflete no comentário geral, O policial do meu lado, que há quarenta minutos reagia com cara feia à invasão da pista, está com outra fisionomia. Ele é jovem ainda e não parece ser carioca. Olha para o meu braço, vê meu nome e o da revista e quase humildemente olha para mim e diz: "Que coisa, hein, moço?". Um bom samba acaba com qualquer tendência para a violência. O espetáculo continua (ALBINO PINHEIRO, Revista Manchete, 06 de Março de 1971).
O fato é que a construção de uma identidade própria, como visto, sempre foi uma preocupação da Mocidade Independente desde a sua fundação. Não à toa um dos mais importantes sambas de quadra da agremiação, “Cartão de identidade”, composto por Djalma Cril e Jorge Carioca, traz exatamente a palavra “identidade” como síntese da mensagem que transmite: Mostrando a minha identidade, Eu posso provar a verdade A essa gente Como sou da Mocidade Independente. Boa noite meus senhores Sambistas e compositores E até mesmo bacharel Sambar é o meu ideal Sou natural lá de Padre Miguel Sou do tempo do Distrito Federal Quando o Rio de Janeiro era capital Sou carioca da gema Nascido num berço de bamba Na capital do samba... (“CARTÃO DE IDENTIDADE” – Trecho do samba)
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Nos termos do que Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti afirmou, as escolas de samba seriam o encontro do morro com a cidade, uma fusão entre samba e o universo social em expansão. E que, portanto, “integram diferentes camadas sociais em sua formação” (1999, p.83). Na sua visão, dialogam e promovem o dialogar social, resultando da interação entre pessoas e destas com seus lugares de origem, construindo sua identidade a partir de tais aspectos. “Cartão de identidade” deixa bem explícita esta noção em versos como “Posso provar a verdade a esta gente, como sou da Mocidade Independente”, ou mesmo “Sambar é o meu ideal, sou natural lá de Padre Miguel”. Com este samba de quadra, fecha-se o primeiro capítulo, para que, no próximo, sejam contextualizados os referenciais anteriormente expressos, com os processos de construção identitária do G.R.E.S. Mocidade Independente de Padre Miguel. A partir daí, no seio das mudanças que vêm à tona com o advento dos “sujeitos pós-modernos”, será compreendido o processo que culminou em mais uma “crise de identidade” (Hall, 2005) da escola, tendo como umas das conseqüências a criação do grupo “Salve a Mocidade”.
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CAPÍTULO 2 Transformações identitárias da Mocidade “Virando nas viradas desta vida, um elo uma canção de amor...” (“Vira, virou, a Mocidade chegou”)
2.1 A força da identidade estética A partir da década de 60, houve uma revolução no carnaval carioca, sobretudo pela chegada dos cenógrafos Fernando Pamplona e Arlindo Rodrigues ao G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro. Os carnavalescos passavam a exercer papel fundamental na engrenagem que movimenta as apresentações das escolas de samba (Cavalcanti, 1999, p.64). Na Mocidade Independente, o ponto de partida destas modificações se confunde com o aumento da participação do banqueiro do jogo do bicho Castor de Andrade na escola de Padre Miguel: o carnaval de 1974.
Esse ingresso do banqueiro correspondeu à implantação de uma administração modernizadora, de modo que a Mocidade passasse a competir efetivamente pelo carnaval da cidade (CAVALCANTI,1999, p.60).
Foi Arlindo Rodrigues quem desenvolveu o enredo daquele ano. “Festa do Divino” enterrou definitivamente o estigma de que a escola possuía apenas uma grande bateria, já que a Mocidade também apresentou belíssimo samba, além de impecáveis harmonia, fantasia e conjunto alegórico (Cabral, 1996, p.208). A escola continuou a ser reconhecida pela competência de seus ritmistas, mas agora disputava os campeonatos em pé de igualdade com as co-irmãs.
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O título não demorou a chegar. Depois de carnavais bem-sucedidos, como o já citado “Festa do Divino” (1974), além de “O fantástico mundo do uirapuru” (1975), “Mãe Menininha do Gantois” (1976) e “Brasiliana” (1978), ele bateu à porta da escola em 1979, com “O descobrimento do Brasil”, também de autoria de Arlindo. A saída do carnavalesco, em 1980, mesmo com o campeonato no ano anterior, muito diferentemente de atrapalhar a contínua ascensão da escola, abriu espaço para a construção da maior identidade da Mocidade Independente de Padre Miguel: a de transformar-se estética e tematicamente, sem prejuízos ao reconhecimento, por parte do publico e de seus componentes, de suas características, o que tange um pouco a proposta Iluminista de Hall. De certa maneira, a transformação pela qual a escola passou em 1974, já havia evidenciado tal aspecto. Nota-se também a preocupação pela sedimentação das modificações estéticas pelas quais a escola passou, que, como visto, não ficaram restritas ao enredo “Festa do Divino”, sendo estendidas até o final da década de 1970. Com a virada para o decênio seguinte, a escola buscou uma nova leitura visual para os seus carnavais. “Tropicália maravilha”, de 1980, trouxe Fernando Pinto, carnavalesco que começou sua carreira no Império Serrano. E com ele, um novo estilo, a incorporação de novos valores para o diálogo cultural travado com o público. O Brasil passava por um processo de abertura política, iniciado no governo Geisel. A ditadura militar começava a perder os seus pilares de sustentação. Neste panorama, Fernando buscou exaltar elementos de identificação nacional em seus carnavais, incorporando uma nova característica de ousadia estética e de vanguarda nos temas da Mocidade. Acabou por fazer, com o decorrer da década de 1980, com que público e crítica também reconhecessem na escola este perfil. As cores verde e amarela, a bandeira brasileira, o índio, dentre outros elementos, estavam constantemente associados às criações de Fernando. A este respeito, Hall diz:
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O fato de que projetamos a "nós próprios" nessas identidades culturais, ao mesmo tempo que internalizamos seus significados e valores, tornando-os "parte de nós" contribui para alinhar nossos sentimentos subjetivos com os lugares objetivos que ocupamos no mundo social e cultural (HALL, 2005, p.11-12). Cavalcanti cita a importância que os enredos adquiriram no processo de construção identitária das escolas de samba. Ratificando a relação estabelecida por Hall, no tocante à idéia sociológica de troca e “contaminação” do eu por aspectos exteriores, afirma que os enredos orientariam o espetáculo, promovendo a cada ano o que definiu por “conversas urbanas sobre os mais diferentes assuntos” (1999, p.82). “Assim, garantem a continuidade e a renovação do desfile, tornando-o um referencial para a construção, reiteração e alteração de identidades” (CAVALCANTI, 1999, p. 82). Fernando Pinto produziu enredos inesquecíveis na Mocidade Independente. “Como era verde meu Xingu” (1983), “Mamãe eu quero Manaus“ (1984), “Ziriguidum 2001 – Carnaval nas estrelas” (1985) e Tupinicópolis (1987) entraram para a história do carnaval. Foi campeão em 1985, quando anteviu um carnaval espacial no futuro, e criou um enredo em que a Mocidade fazia “todo o universo sambar”1. A definição identitária proposta anteriormente para a Mocidade – a de uma escola suscetível a transformações – surgida na rede interativa de seu eu com a sociedade, definição de Hall para “sujeito sociológico”, é ratificada na fala do próprio carnavalesco Fernando Pinto. “Posso dizer que cheguei a um estilo próprio na Mocidade, escola jovem, na qual posso desenvolver o meu trabalho inovando. A faixa etária dos integrantes da escola está entre 20 e 25 anos. Isto dá uma maior liberdade de atuação e tema. (...). O seu estilo vem do próprio nome: Mocidade.” (PINTO, Revista Veja, 27 de fevereiro de 1985).
1. Trecho do samba-enredo de 1985, “Ziriguidum 2001 – Carnaval nas estrelas”, de autoria de Gibi, Tiãozinho e Arsênio.
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Fernando faleceu, vítima de um acidente de carro, em novembro de 1987, pouco depois de produzir o revolucionário carnaval “Tupinicópolis”, uma espécie de grande metrópole indígena calçada no modelo de civilização do homem branco. Após a sua morte, a Mocidade Independente somente vai reencontrar a sua característica de renovação com o casal de carnavalescos Renato Lage e Lílian Rabello, em 1990, quando passa por uma nova virada estilística. O carnaval de 1988 ainda teve algum resquício do estilo de Fernando, já que havia sido ele quem concebera a idéia básica de “Beijim, beijim, bye, bye Brasil”. O enredo acabou sendo concluído por Cláudio Amaral Peixoto. Para 1989, realizou-se um concurso que elegeria o novo carnavalesco. Foram decretados vitoriosos Ely Perón e Rogério Figueiredo, que criaram “Elis, um trem chamado emoção”. A escola acabou sendo mal-sucedida em ambos os carnavais. Um oitavo e um sétimo lugar, respectivamente, demonstravam que a Mocidade sentira bastante a perda da marca estética alcançada naquela década. A pesquisadora Lygia Santos, teceu o seguinte comentário sobre a apresentação de 1989:
É necessário estabelecer dois momentos: antes e depois de Fernando Pinto. A Mocidade se ressente da ausência do seu renovador, está órfã, querendo descobrir um rumo. Mas não conseguiu, e isto se refletiu no carnaval deste ano (SANTOS, 07/02/1989, O Globo, extraído de Galeria do Samba).
A descentração dos indivíduos do mundo social e cultural que os cercam, como também de si mesmos, produziria o que Stuart Hall definiu por “crise de identidade” (2005). O comentário da pesquisadora demonstra uma inserção clara, por parte da Mocidade Independente, nesta já discutida proposição.
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Renato Lage e Lilian Rabello, portanto, ao desembarcarem em Padre Miguel, tinham a complicada tarefa de empreender uma marca. Os dois afirmavam que “não queriam substituir ninguém” (Cavalcanti, 1994, p.61), afinal de contas, Fernando era um nome celebrado e marcado, já que havia “dado personalidade à escola” (Lage apud Cavalcanti,1994, p.60).
Se quero apagar o mito Fernando Pinto, nada como reverenciar os ídolos da casa. Saudar os seus deuses, bater cabeça, deixá-los em paz e ter depois o nosso espaço (RABELLO apud CAVALCANTI,1994, p.61).
O próprio enredo pensado para 1990, “Vira, virou, a Mocidade chegou”, traduzia o equilíbrio entre raiz, vanguarda e transformação, próprio da agremiação, discorrendo sobre as diferentes transformações que levaram o time de futebol a tornar-se, anos mais tarde, uma das maiores potências do carnaval carioca.
Sou Independente, Sou raiz também. Sou Padre Miguel Sou Vila Vintém... (“VIRA-VIROU, A MOCIDADE CHEGOU” – Trecho do samba-enredo)
Os dois carnavalescos incorporaram uma linguagem estética mais limpa aos carnavais da escola, introduzindo efeitos visuais de impacto, como luzes, néon, e movimentos. Acabaram vitoriosos logo na estréia. No ano de 1991, a dupla conquistou o bi-campeonato com o enredo “Chuê, Chuá, as águas vão rolar”. Renato e Lilian se separaram após o carnaval de 1992, mas o primeiro permaneceu até 2002 na Mocidade. Além dos títulos que dividiu com a ex-mulher e parceira, o carnavalesco ajudou a escola a também arrebatar o campeonato de 1996, “Criador e criatura”.
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Foram muitos os desfiles em que a escola, mesmo derrotada, deixou a avenida aclamada pelo público e elogiada pela crítica especializada: “Sonhar não custa nada” (1992), “Marraio feridô sou rei” (1993), “Padre Miguel, olhai por nós” (1995), “De corpo e alma na avenida” (1997), “Villa-Lobos e a apoteose brasileira” (1999) e “O grande circo místico” (2002) foram os mais marcantes. O casamento de 13 anos da Mocidade Independente com Renato Lage, só comparável, em termos de tempo de duração, ao trabalho de mais de uma década realizado pela carnavalesca e cenógrafa Rosa Magalhães na Imperatriz Leopoldinense, representou uma perfeita interação entre ambos, e destes com a comunidade e o público em geral. Reforça-se aí, portanto, o que havia sido expresso anteriormente acerca da preocupação, por parte da Mocidade Independente, ao longo de sua história, em procurar promover a sedimentação temporal das transformações pelas quais passa Os carnavais de Renato na Mocidade o fizeram um dos maiores profissionais da folia carioca, e elevaram a popularidade da agremiação de Padre Miguel.
“A Mocidade foi a minha escola, a minha faculdade, e o meu PHD no carnaval” (LAGE, Revista Mocidade 50 anos, p.123).
À luz desta perspectiva, era esperado que, com a saída do carnavalesco, assim como já havia acontecido nos dois carnavais seguintes ao falecimento de Fernando Pinto, a Mocidade enveredasse por uma via de desestabilização identitária, e também de busca por uma imediata renovação em seu estilo. Este novo processo de “crise de identidade”, entretanto, trazia a singular característica de ter se desenvolvido no explicitar de uma nova escala de compressão espaço-tempo. Ou seja, em um contexto de aproximação entre terminologias aparentemente incongruentes, como “global” e “local” (Hall, 2005).
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2.2 A figura do patrono Como visto, a partir de 1972, e, mais fortemente, logo após os preparativos para o carnaval de 1974, o banqueiro Castor de Andrade, chefe do jogo do bicho da Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro, passou a atuar na Mocidade Independente de Padre Miguel. A chegada de Castor traz no bojo uma espécie de “modernização” (Cavalcanti, 1999, p.68) no pensamento administrativo da agremiação.
Tendo como motor a competitividade e o crescimento das dimensões da festa, a entrada do jogo do bicho na escola de samba é associada a uma racionalização de sua administração – “gera dinheiro”, “tem que ter dinheiro” – e a uma forma peculiar de mecenato artístico – “contratar um carnavalesco” (CAVALCANTI,1999, p.61).
A ampliação da vinculação do jogo do bicho com o carnaval data mesmo da década de 1970. No início dos anos de 1990, a figura dos bicheiros como patronos de agremiações e comandantes da folia carioca, sedimentada na década de 80 com práticas como a criação da Liesa (Liga Independente das Escolas de Samba), em 1985, (Cabral,1996) (Ferreira, 2004) domina quase todas as grandes escolas de samba do Rio de Janeiro. Desde o início da aproximação com o carnaval, os banqueiros sempre despejaram grande quantidade de dinheiro nas escolas de samba que apadrinhavam. O retorno vinha através da “moeda prestígio” (Cavalcanti, 1994, p.37), do próprio reconhecimento por parte da opinião pública e comunitária pelo investimento em cultura popular.
O carnaval do Rio de Janeiro abrigou, durante muitos anos, essa possibilidade muito particular de inversão social: a visibilidade pública e notória de um patrono clandestino, que tanto podia sair da passarela para a prisão, como podia ser cumprimentado com irreprimível admiração pelas autoridades presentes e aplaudido pela população maravilhada com o desfile da “sua” escola (CAVALCANTI, 1999, p. 69).
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O termo “sua” usado por Cavalcanti é síntese da relação construída nos grêmios a partir da década de 70. “Doutor Castor” (Revista Mocidade 50 anos), como era chamado, acabou por tornar-se, no seio da lógica já descrita de associação dos bicheiros com as escolas de samba, parte integrante da “identidade Mocidade”. E, pela força da patronagem, possibilitou a construção de novas identidades, notadamente a das transformações estéticas, trazendo a reboque, prestígio e títulos para a agremiação:
A Mocidade é maravilhosa porque procura te apoiar. Numa escola pequena, você pode fazer um ótimo trabalho, as pessoas olham mas não vêem. Na grande não. Nosso sucesso se deve a isso: porque é a Mocidade. (...) A Mocidade fez o lance direito (...) aquela engrenagem com o Castor que deu certo. Veio o bi-campeonato (LAGE apud CAVALCANTI, 1994, p.63).
Reforça-se aí a conotação de “sujeito sociológico” (Hall, 2005), na qual a Mocidade Independente e suas co-irmãs estão inseridas, no tocante aos múltiplos processos internos e nas questões relacionais com o campo externo, e que compõem as suas características identitárias. As alterações estruturais e financeiras promovidas por Castor de Andrade podiam ser sentidas em todos os segmentos da agremiação. O aporte financeiro mais claro, entretanto, estava relacionado à produção desenvolvida no barracão, o que é justificado pelas proporções estéticas monumentais que a festa tomou (Cavalcanti,1999, p.66).
Na Mocidade, escola paradigmática de um processo de “modernização”, o dinheiro em circulação era um dinheiro vivo, que andava dentro da escola junto com o caráter pessoal das relações que exigiam cultivo, presença constante, o clássico “obrigado”, ao qual subjazia a violência como penhor (CAVALCANTI,1999, p.68).
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Cavalcanti descreve o barracão da Mocidade como um espaço constituído sob a égide do “homem lá de fora”, no caso, Castor, e administrado por seu representante, o “homem daqui de dentro”. E compara a atuação do banqueiro ao mecenato artístico do absolutismo francês do século XVII (Hauser,1969). Nesta ótica, proclama a característica de glória instantânea e passageira, para aquela que é sentida pelo patrono “investidor”. Ou seja, construída por meses a fio, mas visando, unicamente, ao “aqui e agora, para o deleite imediato da população no carnaval” (Cavalcanti,1999, p.68).
2.3 Sujeito pós-moderno folião Em maio de 1993, parte importante da cúpula do jogo do bicho, dentre os quais os principais banqueiros ligados ao carnaval (Castor de Andrade, por exemplo) é condenada à prisão, sob a acusação de formação de quadrilha (Cavalcanti, 1999, p.57). Entretanto, indiretamente, eles continuaram a comandar os rumos da festa, e é importante salientar que até o retorno dos patronos à avenida (1997) nenhuma escola que não fosse ligada ao jogo do bicho sagrou-se campeã (Cavalcanti,1999, p.69). Mas houve uma mudança no tocante à atuação dos mecenas na grande festa. A própria estrutura montada pela Liesa acabou fazendo com que o aporte financeiro dos banqueiros não fosse mais fundamental para a economia das escolas. Cabral cita que, em 1993, as agremiações arrecadaram cerca de R$ 5 milhões de reais, com a venda de ingressos e discos, e com o pagamento dos direitos de transmissão de TV, sem contar o dinheiro dos ensaios. E que tal panorama possibilitou relativa folga para a produção do carnaval seguinte, mesmo sem a participação dos patronos (Cabral,1996, p.232-233).
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A verdade é que a partir da libertação dos bicheiros, uma nova forma de financiamento acabou sendo pensada para as escolas. O CD com os sambas-enredo, por exemplo já não mais vendia como antigamente.2 Até mesmo a própria paridade entre real e dólar, que facilitava o acesso das agremiações a materiais importados, caiu por terra. Mas muito além disso, o carnaval, como festa de natureza ritual que absorve e expressa conflitos e relações de seu tempo (Cavalcanti,1994, p.216), e imerso nas condições por este impostas, acabou por refletir, obviamente de forma proporcional e ligada ao seu universo, o próprio contexto de arrefecimento de marcas identitárias dos “sujeitos pósmodernos” (Hall, 2005).
Procurando sintetizar a folia nacional, a festa do Rio de Janeiro buscaria, através da organização crescente dos desfiles das escolas de samba e de sua cada vez maior internacionalização, incorporar a idéia de pluralidade à sua festa carnavalesca (FERREIRA, 2004, p.352).
A venda temática na busca por patrocínio passou a marcar presença na folia. Em uma primeira análise, a prática não retirava o prestígio dos bicheiros, que continuavam à frente de de um evento agora mais “profissional”. Além disso, permitia a extinção dos prejuízos aos bolsos destes patronos, reduzindo a relação de troca de dinheiro por prestígio. Nesta ótica, portanto, pelo menos no contexto da liderança calçada em finanças, a identidade da “sua” escola (Cavalcanti,1999), ou, mais claramente, a da escola “do” bicheiro, acabou por perder espaço. Ou seja, começava a sair de cena a figura do patrono que custeava completamente os “vôos” criativos imaginados pelos carnavalescos, cedendo lugar às imposições temáticas que vinham agregadas ao financiamento de terceiros e a uma “nova postura “empresarial” dos desfiles” (Ferreira, 2004, p.365).
2. Em 1989, foram vendidas 1 milhão e 200 mil cópias do CD das escolas. Em 2002, 200 mil.
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Sendo um evento multifacetado, representante do Brasil e de sua pluralidade (Ferreira, 2004, p.352) era natural que a festa do carnaval sintetizasse, no âmbito cultural, as mudanças em âmbito global. E diretamente relacionada ao processo de descentralização identitária descrito por Hall, passou-se a notar a presença do capital público e empresarial nacional, e até mesmo internacional, na construção temática de algumas escolas de samba do Rio de Janeiro (patrocínio). A já manifestada característica de transformações e reinvenções temáticas, entretanto, mesmo com a morte de Castor de Andrade (1997), e na corrente oposta a das mudanças políticas nos grêmios, prosseguiu como marca estética e autoral nos carnavais da Mocidade Independente de Padre Miguel. Em 1998, com o enredo “Brilha no céu a estrela que me faz sonhar”, a escola homenageou o falecido patrono. Nos anos seguintes, alternou propostas estéticas mais clássicas como “Villa-Lobos e a apoteose brasileira” (1999), com enredos mais “ousados” como “O grande circo místico” (2002). Todos estes carnavais sem a figura do patrocinador custeando a produção no barracão. Portanto, analogamente ao referencial teórico, ou seja, tomando por base o próprio universo do carnaval, a Mocidade teve seu processo identitário de passagem de “sujeito sociológico” para “sujeito pós-moderno” (Hall,2005) atrasado. A figura do bicheiro, do “homem da mala” (Cavalcanti,1999, p.67) já não era mais tão perceptível nas relações, desde o falecimento de Castor. Entretanto, mesmo assim, a escola optou por manter-se fechada em suas características, custeando os carnavais através de recursos próprios, e também com a receita obtida junto à Liesa.
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2.4 As transformações ocorridas em 2002 Em 2002, a folia carioca passou por uma definitiva virada. Já haviam sido vistos na avenida alguns temas patrocinados em outros carnavais, mas este ano marcou definitivamente a forma com que os presidentes e patronos se relacionariam com o capital de fora, visando ao financiamento das apresentações de suas escolas de samba. Grande parte das agremiações optou por abraçar enredos que traziam cidades, estados, ou até empresas, por de trás do montante que ajudou a produzir suas apresentações. Beija-Flor de Nilópolis e Acadêmicos do Salgueiro, brutamente falando, levaram o mesmo tema para a avenida: o eterno desejo do homem de poder voar. E cada qual com o patrocínio de uma companhia aérea a reboque. A Imperatriz Leopoldinense abarcou um patrocínio da prefeitura de Campos (RJ), mas tratou de fugir da obviedade de contar a história da cidade, abrindo o leque de abrangência de seu enredo para tratar de diferentes formas de antropofagia. Já a Mocidade Independente, mesmo com problemas financeiros e sem mais a ajuda direta de um patrono forte, optou por mais um carnaval autoral de Renato Lage, que seria o seu último na agremiação. “O grande circo místico” ainda representou o retorno do intérprete Wander Pires, que havia deixado a escola após o carnaval de 1999. No seio de uma lógica de abertura e afrouxamento identitário (Hall, 2005) no carnaval carioca, a escola de Padre Miguel optou pela via contrária, cercando-se de seus principais signos. E trouxe um enredo ousado, diretamente inserido temática e esteticamente no padrão de impacto visual que agregou ao seu perfil, terminando em quarto lugar em 2002. Com o fim do carnaval, entretanto, grandes mudanças, já parcialmente descritas no início do capítulo anterior, aconteceram. Transformações que atingiram, ao mesmo tempo, as questões relativas à identidade estética da Mocidade e também à sua estruturação política, com nova e surpreendente mudança na presidência executiva.
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“Para sempre no seu coração, carnaval da doação”, criado por Chico Spinosa, não obteve um patrocinador direto para a sua produção, mas contou com apoio técnico da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos, que também ajudou na captação de recursos para sua viabilização. Diante deste cenário, já estava rompido, de alguma forma, o bloqueio a incentivos externos para a realização dos carnavais na agremiação. E evidenciava-se, portanto, uma alteração identitária inegável no tocante à gestão e aplicação de recursos. Além disso, a temática enquadrada como “enredo-cidadão”, mesmo bem recebida pelos jurados em 2003, não conseguiu promover a reinvenção estilística que a Mocidade novamente buscava. Tanto que Chico Spinosa, após o mal-sucedido carnaval seguinte, “Não corra, não mate, não morra, pegue carona com a Mocidade”, acabou sendo dispensado. A aceitação de um carnavalesco ocorre no espaço existente entre duas noções opostas no ambiente da folia: a de que “cada escola tem sua personalidade”, e a de que um carnavalesco pode “dar personalidade a uma escola”. Trata-se de um jogo de interação informal, onde o carnavalesco deve sempre “compreender” a agremiação (Cavalcanti,1994, p.62). Spinosa acabou não conseguindo percorrer esta tênue linha, ao contrário do que havia acontecido com Renato Lage, Fernando Pinto e Arlindo Rodrigues. Além disso, uma das principais referências identitárias da Mocidade, a primeira de todas elas, foi diretamente atingida também em 2003: a bateria, que no ano anterior conseguira avaliações máximas, e que, em 2001, havia faturado até mesmo o prêmio Estandarte de Ouro3, foi julgada com duas notas baixas, 8,9 e 8,2, o que jogou a escola para o quinto lugar na classificação final.
3. Prêmio criado em 1972 pelo Jornal O Globo, conferido aos melhores do carnaval carioca.
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Uma nova espécie de “crise de identidade”, fazendo outra analogia com a expressão utilizada por Hall (2005), estava desenhada. A Mocidade Independente, uma instituição cultural, no seio de uma nova lógica global de arrefecimento das características mais sólidas dos sujeitos, se viu ela própria inserida no turbilhão de mudanças da contemporaneidade. Desta vez, entretanto, o próprio cenário de aproximação espacial e temporal articulou um mecanismo de enfrentamento para a crise. E é, justamente, neste contexto que emergem as vozes e as iniciativas que empreenderão um caminho de resistência local, apropriando-se de um dos principais mecanismos de rompimento de fronteiras: a comunicação instantânea.
2.5 Surge o “Salve a Mocidade” No dia 13 de maio de 2003, uma comunidade virtual com o nome de um dos mais famosos sambas de quadra da Mocidade Independente, “Salve a Mocidade”, surgiu na Internet. O analista de sistemas que será identificado pela sigla “AS”, então diretor de harmonia da escola, foi o seu criador. Segue a primeira mensagem veiculada no fórum:
Foi criado o grupo “Salve a Mocidade” para falarmos da Mocidade Independente. Esta comunidade tem como objetivo tratar de forma imparcial os assuntos relativos à nossa verde e branco de Padre Miguel. Em primeiro lugar, gostaria de dar as boas vindas aos amigos que aceitaram o convite, e dizer que façamos dessa lista um elo entre torcedores da Mocidade de todo o mundo. Para começarmos, estou enviando uma linda poesia sobre a Mocidade escrita por WF, no site “Galeria do Samba”: "Minha menina, presente de Deus!" Se assim me permite chamá-la./ Tu ocupas o espaço mais especial no meu coração./ E hoje, lisonjeado, recebo o teu numa singela doação!/ Sabes de uma coisa?/ Tenho certeza que és soberana./ Que teu coração fará da humanidade mais sóbria e feliz./ Porque dele pulsa a força do inesquecível amigo Fernando Pinto/ Porque dele pulsa uma fonte de água pura, que lava os males da sociedade./ Nas tuas veias correm as forças de Padre Miguel./ Os insuperáveis valores do criador./ A energia das estrelas./ Dele pulsam melodias que contagiam os sentidos com as maravilhas de Villa-Lobos./ Pulsa a essência da paz!/ O valor da felicidade nos pequenos gestos:/ Nas
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travessuras de um simples palhaço,/ Nas proezas do mágico e sua cartola,/ Na beleza do leão, no encanto do elefante./ Por isso não me envergonha dizer: Te amo!/ Doas para tua gente este coração de glórias imortais./ Doas na esperança de ver a felicidade brotar nos olhos de quem luta pela vida./ De quem a solidariedade é a única arma contra a morte./ Tu és uma dádiva do céu, um presente de Deus ao homem./ Homem este que passa fome,/ Homem este que chora,/ Que luta pela sobrevivência./ Mas quando chega o carnaval, este homem não resiste ao teu encanto, minha menina!/ E tudo, por um instante, se transforma em felicidade!/ És meu maior amor!/ E a você dedico noite e dia da minha Mocidade,/ Somente para estar para sempre no seu coração e nos braços de Padre Miguel.
As proposições de Sá para a lista “Rio-Carnaval” podem ser incorporadas ao espírito que move o desenvolvimento do “Salve a Mocidade”:
O papel da tecnologia é o de potencializar a comunicação de uma comunidade construída em bases locais, ampliando a encenação da identidade carioca/sambista com base no pertencimento para além da comunidade geograficamente demarcada, e possibilitando assim a entonação de um carioquismo virtual (SÁ, 2005, p.86).
É interessante notar que a comunidade, já em sua gênese, lança a idéia de que pretende ser “um elo entre os torcedores da Mocidade de todo o mundo”. Tal aspecto realça a busca por um pólo de encontro de pessoas com interesses em comum. Tudo isso em plena era da descentração espacial, rompimento de fronteiras identitárias, e de novas formas de articulação transnacionais, que ultrapassam as barreiras e vão tensionar as relações cidadão-nação (Sá, 2005, p.61). Além disso, a escolha ilustrativa de uma poesia que enumera diferentes elementos de identificação da Mocidade Independente, somente vem ratificar que a motivação inicial básica da comunidade era a de ajudar a reencontrar a “verdadeira” Mocidade Independente. Ou seja, uma voz de resistência, de auto-afirmação local, estabelecida, justamente, através de um mecanismo conectivo global.
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CAPÍTULO 3 Teoria e prática nas relações do “Salve a Mocidade” “É o festival do coro, alegria da cidade... Salve a Mocidade...” (“Salve a Mocidade”)
3.1 Referencial teórico sobre comunidades virtuais A primeira grande característica das comunidades virtuais, discutida por autores como Howard Rheingold e Pierre Lévy, reafirmada por Simone Pereira de Sá seria a de estabelecer uma perspectiva de encontros de iguais, o compartilhamento de interesses em comum. Também denominadas de cibercomunidades ou comunidades on line, elas se caracterizariam por um espírito agregador, através de ferramentas possibilitadas pela Internet, como as listas de discussão, os chats e o correio eletrônico (Sá, 2005, p.39). O “Salve a Mocidade”, desde a sua gênese, foi marcado pelo confrontar de idéias, opiniões e informações via E-mail (Yahoogrupos), constituindo-se como um pólo de encontro de pessoas que tinham o desejo compartilhado de debater assuntos relativos à Mocidade Independente de Padre Miguel. A seguir, a definição de comunidades virtuais desenvolvida por Rheingold: Agregações sociais que emergem na Internet quando um número de pessoas conduz discussões públicas por um tempo determinado, com suficiente emoção e formando teias de relações sociais (RHEINGOLD apud SÁ, 2005, p.40).
Partindo do próprio envolvimento com a comunidade “The WELL” (Whole Earth Letronic Link) Rheingold propõe que as comunidades virtuais desmentiriam completamente as suposições de que a tecnologia que possibilitou o surgimento da grande rede, promoveria o isolamento de indivíduos.
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Pelo contrário, fariam despontar ambientes propícios à convivência, ao debate, à construção de relações sociais, o próprio ideal comunitário que estaria em declínio com a construção dos “sujeitos pós-modernos”. Esta visão de Rheingold, de certa forma, associa-se ao que Hall estabeleceu acerca de um engendrar ou de um reafirmar identitário local inseridos na lógica da globalização. Sá traz como proposição inicial um compêndio das clássicas visões do termo comunidade, o que definiu por “visão pastoral de comunidade”. E, a partir destas noções, embasou as visões de Rheingold e Lévy no tocante aos conceitos de comunidade virtual. Ela identifica e descreve as duas visões:
Por um lado, aquela que percebe as comunidades virtuais, de forma nostálgica, nos termos da gemeinschaft ou da communitas: abrigos para o indivíduo que se refugia entre iguais e no qual ele vai encontrar o conforto, apoio emocional, afeto e tudo o que se remete ao “lar doce lar”. Por outro lado, as comunidades virtuais seriam os novos espaços para o convívio com a diversidade e a complexidade da vida social contemporânea, a nova ágora desaparecida das cidades, em que o encontro com desconhecidos seria canalizado para a construção do bem comum – seja a inteligência coletiva (Lévy, 1993, 1999) ou o espaço público ampliado de matriz habermasiana (Ess, 1997) (SÁ, 2005, p.49-50).
Rheingold enxerga que as comunidades virtuais se estruturariam como novos arranjos das antigas communitas, baseadas em um amplo espírito de cooperação mútua. E que, portanto, no seio da sua característica de agregarem indivíduos com interesses em comum, facilitariam o estabelecimento de laços de amizade, mais difíceis nas comunidades tradicionais. O fato de a comunicação desenvolver-se, no caso do “Salve a Mocidade” e das outras comunidades virtuais, através de uma mediação virtual, incorporaria, segundo o autor, singular característica a esta comunicação e relação: a de tornar os seus membros despidos de suas molduras sociais e físicas.
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Citando Oldenburg, Rheingold decreta como ambiente propício à realização das conversações virtuais, a noção de terceiro lugar. Ele se entenderia por um local de neutralidade, onde os debatedores não seriam enquadrados em qualquer espécie de hierarquia, mas sim em uma perspectiva igualitária, e de convivência amistosa (Oldenburg apud Sá, 2005, p.51). Imerso na comunidade The WELL, ele também enxergou, em determinadas discussões, os choques opinativos e a “quebra de harmonia” (Sá, 2005, p.53), tendo a diversidade de seus membros como agente motivador. Entretanto, afirmou que o lema hippie “paz e amor” sempre colocaria um ponto final em polêmicas, restabelecendo o sentimento e as relações de troca. Pierre Lévy contempla em sua análise, ao tratar de “inteligência coletiva”, as duas vertentes descritas por Rheingold, ou seja, a de os participantes das comunidades virtuais buscarem interesses semelhantes e, ao mesmo tempo, conviverem e aprenderem com a alteridade. Como já dito, para ele, uma das pulsões mais fortes do ciberespaço é da interconexão. “Para a cibercultura, a conexão é sempre preferível ao isolamento. A conexão é um bem em si” (1999, p.127).
Uma comunidade virtual é construída sobre a afinidade de interesses, de conhecimentos, sobre projetos mútuos, em um processo de cooperação ou de troca, tudo isso independentemente das proximidades geográficas e das filiações institucionais (LÉVY, 1999 p.127).
O autor refuta qualquer argumento de que as relações estabelecidas nas comunidades virtuais sejam frias, havendo espaço para o que ele mesmo definiu por “emoções fortes”. É importante reiterar que o grau de envolvimento dos participantes nas comunidades incentivaria este envolvimento emocional, atestando a responsabilidade individual, a força das opiniões, bem como o julgamento destas.
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O espírito e a liberdade de expressão são os norteadores das discussões em âmbito virtual. O autor, entretanto, salientou a importância do que chamou por “netiqueta”, afirmando a importância de temáticas que não façam as pessoas perderem tempo, além das noções de pertinência e veracidade informacional.
A moral implícita da comunidade é, em geral, a da reciprocidade. Se aprendermos algo lendo a troca de mensagens, é preciso repassar o conhecimento de que dispomos (...). A recompensa (simbólica) vem, então, da reputação de competência que é constituída a longo prazo na “opinião pública” da comunidade virtual (LÉVY,1999 p.128).
A vida nas comunidades virtuais também é identificada como propícia à manifestação conflituosa, própria da convivência com a alteridade, e também, pela característica de trocas descrita acima, à construção de amizades. Além disso, através do estilo textual de cada um, o autor identifica que os membros vêem os colegas de debate da forma mais humana possível, afirmando que “eventuais tomadas de posição obviamente deixam transparecer suas personalidades” (Lévy, 1999, p.128-129). Lemos (2004) afirma que o ciberespaço seria fruto da lógica industrial moderna (deliance), e um instrumento que possibilitaria o contato (reliance). E que a própria tecnologia estaria sendo apropriada pela socialidade. Ou seja, mesmo na lógica da globalização e do pleno explicitar das alteridades, vê-se o contato, as trocas, e também a busca por um refúgio junto aos semelhantes (2004, p.141). Citando M. Godwin, o autor também deixa claros nove princípios básicos para a coesão de comunidades virtuais. Seriam eles: 1) uso de software que permita debate coletivo, 2) ausência de limitação em troca de mensagens, 3) possibilidade de acesso para todos, 4) possibilidade de deixar que os participantes resolvam seus problemas, 5) promoção de uma memória para a comunidade, 6) promoção da continuidade, 7) bom recebimento dos neófitos,
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8) promoção de áreas para as crianças e 9) confrontação dos usuários nas crises da comunidade. O fato é que as comunidades virtuais modificaram a lógica das relações, desenvolvendo características peculiares e reorganizando a lógica relacional em esfera global. Através do aproximar de indivíduos com interesses em comum, trazendo para o mesmo ambiente de convívio (virtual, obviamente), uma gama de distintos valores, culturas, classes sociais, etnias, pensamentos, estas listas promoveram uma espécie de efervescência social. Sá traz à tona o fato de que tanto Rheingold, como Lévy, contemplam as características de liberdade e de abertura das relações, em suas descrições sobre as comunidades virtuais. E deixa clara a posição contrária destas visões acerca do desrespeito à democracia de idéias e expressão, o cerceamento opinativo. A autora afirma também que algumas questões permaneceriam sem uma resposta clara por parte de ambos os autores, e que ela questiona nos termos que se seguem:
Ficamos a nos perguntar sobre como é que as comunidades, na concepção dos autores, podem ser ao mesmo tempo lugar de conforto emocional, solidariedade e compartilhamento entre iguais, mas também o espaço de abertura para a alteridade a fim de constituírem-se como coletivos inteligentes, cosmopolitas e em crescente interconexão com a diversidade (SÁ, 2005, p.55).
O grau de abstração, fluidez e efemeridade das comunidades virtuais pode ou não ser maior do que nas comunidades fora da grande rede. Assim como a própria assiduidade participativa acaba sendo variante de membro para membro no universo on line. (Sá, 2005, p.63). Nesta ótica, portanto, é impossível, como já identificado, deslocar a construção e a estabilização das comunidades virtuais do processo das dinâmicas identitárias, e resolver, dedutiva ou genericamente, questões como a destacada anteriormente.
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Até mesmo a própria denominação “comunidades virtuais” é discutível entre alguns autores. Lemos (2004, p.142) deixa explícito que distingue meras agregações virtuais, de vínculos comunitários propriamente ditos. Assim, é o olhar pontual, que devassa as particularidades específicas de cada comunidade, o melhor caminho na busca por entender suas razões e processos. No universo relativo ao carnaval carioca, por exemplo, são muitas as comunidades virtuais. E notáveis, por exemplo, as diferenciações entre elas, até mesmo nas próprias modificações em termos de postura retórica por parte dos membros que integram mais de uma. Uma destas razões, se deve, justamente, aos variados leques temáticos de cada um destes vínculos on line, seus públicos característicos e que, conseqüentemente, irão influenciar a participação de cada membro.
Somente a aproximação pontual, caso a caso pode nos ajudar a refinar a reflexão que não deve opor as comunidades virtuais e as comunidades outras mas sim pensá-las em continuum et conflictum (SÁ, 2005, p.63).
3.2 Contextualização da teoria com o “Salve a Mocidade” Partindo da inquietude manifestada por Sá ao se debruçar nos conceitos de Rheingold e Lévy – a da aparente incongruência estabelecida nas comunidades virtuais (combinação de lugar de conforto emocional e perspectivas ligadas ao conflitar opinativo) – será iniciado um debruçar geral prático sobre a comunidade virtual “Salve a Mocidade”. É notável que há uma carência em todos os segmentos de imprensa do país, no tocante à veiculação de informações sobre as escolas de samba. Em grande parte das vezes, os profissionais que cobrem a festa, fazem este trabalho por imposição editorial, deslocando-se de suas editorias de origem. Além disso, estas informações só chegam a público com mais freqüência, no mês anterior ao carnaval e nos quatro dias de folia.
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Abarcando uma quantidade de membros espalhada por todo o país, e até mesmo ultrapassando as fronteiras nacionais, o “Salve a Mocidade”, para muitos dos seus membros, supre esta espécie de carência informativa (e na qualidade da informação) sobre a Mocidade Independente e as co-irmãs, na grande imprensa. Mas tanto para estes, como para o restante do grupo, a comunidade traz a singular característica de entender-se por um “lugar” onde as pessoas podem produzir debates sobre uma paixão em comum, a escola. Indo mais ao ponto central, podem produzir debates sobre a escola, com pessoas que, a priori, teriam um mínimo conhecimento acerca da história e da rotina de funcionamento deste objeto de discussões. Nesta ótica, já dá para perceber que a descrição dos autores para o tema “comunidades virtuais”, enquadrando-as como pólo de integração de iguais, se adapta ao objeto de estudo deste trabalho. Mas como administrar a questão da alteridade? Bem, a própria denominação dos grêmios de carnaval, popularmente chamados de “escolas”, demonstra que as relações no seio da agremiação se estruturam por uma constante transmissão e troca de saberes. Ensaios são aprendizados. Desfiles também. A relação entre, por exemplo, as velhasguardas das agremiações com os mais jovens, é a de constante troca de experiências e sensibilidade, em uma contínua passagem de material intelectual e sensível de geração para geração. À luz destas características, era natural que uma comunidade virtual que trata de uma específica escola de samba, também seguisse pela mesma via. Surgida no turbilhão provocado por uma “crise de identidade” (Hall, 2005), ou seja, o da busca, reconstrução e renovação coletiva dos caracteres identitários da Mocidade, a idéia de não-existência de uma verdade absoluta nos assuntos discutidos no “Salve a Mocidade”, é nítida e imperativa.
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O componente já se insere nos debates com a visão clara de que todos ali não sabem nada e, concomitantemente, sabem tudo, e que o crescimento coletivo da comunidade foi, é, e será fruto, justamente, do conflitar opinativo e sensitivo. Trocando em miúdos: Há um tema principal, a Mocidade Independente, e o reconhecimento por parte de todos que, sendo uma entidade artística, sensível e de difusão cultural, não haveria qualquer cartilha de temáticas incontestáveis. Aqui se segue um exemplo prático: após a manifestação de um dos membros, que qualificou o carnaval de 2001 da Mocidade Independente como tendo sido “um lixo”, o componente que será identificado por “RA” teceu algumas considerações que, contando com o apoio de muitos membros, fez com que o primeiro voltasse atrás em sua afirmativa:
É complicado a gente chamar de "lixo" um trabalho que envolve milhares de pessoas e que mexe, principalmente, com o nosso lado emocional. Algumas vezes, assistindo aos desfiles de grupos de Acesso, vejo uma escola com poucos recursos passar e fico me perguntando porque aquelas pessoas que ali desfilam insistem em estar ali. Daí aparece uma baiana, por exemplo, com uma fantasia simples, sorrindo pra você, como se estivesse pedindo desculpas pelo que a escola estava apresentando. Tente se envolver pra você ver melhor que, em todo desfile, há pelo menos algo que o faça valer....
Nesta ótica, aprendizado e troca, como já visto na teoria, são os resultados que fazem com que a relação entre o pólo de agregação de pessoas com interesses comuns, possa conviver com saudável manifestação e administração das diferenças, pelo menos no “Salve a Mocidade”. Sá ainda termina por identificar um segundo problema não bem resolvido por Rheingold e Lévy. Calçada em questões levantadas por Fernback, a autora afirma que seria complicado estabelecer uma relação entre a liberdade de expressão dos participantes “com a necessidade de regras sociais que regulem e limitem os interesses conflitantes dos indivíduos em prol do coletivo” (Sá, 2005, p.55).
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E ressalta duas conseqüências claras: A primeira seria a de que a desinibição poderia levar ao surgimento de intimidades e amizades ou, em uma via oposta, de agressividade e desrespeito, possibilitados pelo anonimato da rede. A segunda dá conta de que o estabelecimento de novas relações sociais, com ênfase na liberdade opinativa e de expressão, não poderia ser confundido com um ambiente anárquico, irresponsável. O fato é que o “Salve a Mocidade” está envolvido em regras, as tais “netiquetas” de Lévy (1999), que transcendem cartilhas, sendo estas internalizadas na própria práxis de debates do grupo. Há uma negociação diária, encerrada no contato constante dos membros, de lideranças e hierarquias. As conversas estão sujeitas a controle social (Reid, apud Sá, 2005, p.56-57), mas até mesmo a fiscalização é discutida e contestada, na medida em que há mais de um moderador para o grupo. Certa vez, durante uma discussão relativa ao local onde seria realizado um evento de confraternização, um dos moderadores do “Salve a Mocidade”, insatisfeito com a declaração de um participante, optou por colocá-lo em modo web-only, que o impedia de acessar a lista por E-mail. A atitude levou o moderador em questão a perder a sua posição de liderança. Outra moderadora da comunidade, “LM”, produziu o seguinte comentário:
Gostaria de tornar público um fato que aconteceu na lista: Fiquei muito decepcionada em saber que houve a moderação da participação do FF na lista. O critério de hierarquia no “Salve a Mocidade” nunca foi usado em beneficio próprio... Isso sempre foi muito discutido entre a gente!
Em outro caso, após discussão acerca das qualidades e aspectos falhos de um sambaenredo concorrente na disputa da escola visando ao carnaval 2005 (e que mais tarde acabaria sendo proclamado vitorioso), um membro do “Salve a Mocidade” afirmou que um de seus interlocutores perdera “grande oportunidade de ficar calado”. Acabou sendo repreendido pelo criador do grupo:
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Caros amigos, este é um espaço para debates, e, por isso, vamos respeitar as opiniões sem agredir, ou ser grosseiro. Aqui não é lugar pra ficar calado, e sim para discutir e expressar opiniões. O que vale é a opinião. Concordando ou não, somos todos a favor de um amor maior chamado Mocidade.
Na comunidade, as divergências em debates, em muitos dos casos, não apresentam desfechos singelos, gerando confrontos que se arrastam por longo tempo (muitas das vezes até mesmo com pedido de desligamento da comunidade por parte de algum dos envolvidos). Apesar disso, evidencia-se, respeitadas as devidas proporções, uma clara espécie de “paz e amor”, como na “The WELL”, nas relações do “Salve a Mocidade. A própria fala do fundador da lista, destacada anteriormente, “Concordando ou não, somos todos a favor de um amor maior chamado Mocidade”, já deixa explícita este singular agente “pacificador”, que, a bem da verdade, apenas é o reforçar do ensejo pelo qual todos estão ali: a Mocidade Independente de Padre Miguel. Também inserida nas discussões relativas a esta mesma disputa de samba-enredo, no caso, relacionada à decisão da diretoria de premiar uma obra que havia sido encomendada a compositores de fora da agremiação, foi pinçada uma declaração do participante que será identificado pela sigla “DN”. Ela demonstra claramente que não há uma forma definida de possibilitar o constante consenso entre os membros, mas que a instituição Mocidade, e o fato de todos “quererem o melhor para ela”, acabam por legitimar os argumentos e promover, no fim das contas, o entendimento mútuo:
Eu considero que a diretoria está procurando o melhor para a agremiação, independente de agradar a um ou outro. (...) atitudes têm que ser tomadas para que a escola não amargue mais uma obra questionável. E acho que nós, torcedores, temos que tomar partido de algo que pensamos ser correto. Eu torço pra Mocidade, e não para compositor A ou B, quero o melhor para a minha escola, apesar de, infelizmente, achar que tudo poderia ter sido feito de
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uma maneira menos questionável que essa. Mas os fins justificam os meios, o que não pode se aceitar é que a Mocidade gaste rios de dinheiro pra perder ponto em samba-enredo. (...) Estou com a minha escola acima de tudo. Infelizmente, não serão todos que ficarão felizes com tal ato da diretoria, mas acho que essa medida de emergência, se realmente foi feita, visa claramente a um grande desfile.
É perceptível também, já no início dos debates do “Salve a Mocidade”, a característica de integração e promoção de relações que a comunidade traz no bojo, dando asas à proposição de busca referencial local, bem como às questões teóricas fundamentais acerca das dinâmicas identitárias na rede:
Meu nome é LM, sou da Cidade de Vila Velha, Espírito Santo. Sou estudante universitária, faço curso de artes visuais na Federal do meu estado. Tenho 21 anos, me apaixonei pela Mocidade aos 8, no carnaval de 1990, e não consegui me libertar desta mania de Mocidade até hoje. (...) De 94 para cá, guardo tudo sobre a Mocidade. Tenho recortes das décadas de 70, 80, 90 e 2000. São páginas de puro amor à nossa escola.
A resposta de um conterrâneo não demorou mais do que 10 minutos:
Finalmente alguém do meu estado que torce pela Mocidade! Sou de VitóriaES. Tenho várias fitas, revistas, manchetes da escola, podemos estar copiando desfiles um para o outro... Qualquer coisa, entre em contato comigo pelo meu e-mail pessoal, ou pela lista mesmo. Conheço algumas pessoas aqui do estado que amam carnaval carioca, inclusive tenho um super amigo que torce pela Imperatriz, e tem vídeos de várias escolas...
As questões relativas ao envolvimento emocional por parte dos membros (Lévy, 1999) no “Salve a Mocidade” ficam bastante evidentes nos debates. E, sobretudo, porque a comunidade virtual transcendeu as barreiras do virtual, o que será discutido mais adiante. Além disso, todos na comunidade se reuniram com o interesse comum de discutirem não somente um tema que os agradava, mas sim a notável paixão compartilhada pela Mocidade.
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Nesta ótica, os alicerces sociais da comunidade virtual se constituíram rígidos, e o sentimento de autoproteção e proteção à unidade cultivada nos debates, é evidente. Acerca de um conflito entre um ex-carnavalesco da agremiação e alguns membros, um participante teceu o seguinte comentário:
Penso que não há qualquer problema que passemos a empreender uma postura crítica com relação ao carnavalesco em questão. (...) Vejo estas mensagens não agradáveis a ele pelo válido prisma da auto-defesa, algo natural em um grupo independente, sem conotações políticas, "de resistência", e até marginal. (...) Sou Mocidade Independente de Padre Miguel em primeiríssimo lugar. Sempre. Mas, com o passar do tempo, e as pessoas maravilhosas que aqui conheci, também aprendi a ser "Salve a Mocidade". E não tolerarei carnavalesco chiliquento profanando inverdades acerca de nós todos. “LM” somou-se ao coro: Ele sair falando aos quatro ventos que os componentes do grupo viviam pedindo fantasia foi um tanto quanto ridículo, pois, como todo mundo sabe, desfilamos na Ala Bons Amigos do Ararê, e a escola não forneceu nenhuma fantasia pra gente. O problema deste carnavalesco é apenas um: Ele fala demais. Quem sabe o grupo até o prestigie com uma faixa de apoio na Intendente Magalhães, lá onde desfilam os grupos C e D...
Esta entrega até sentimental aos debates na comunidade retoma também os propósitos de Lévy (1999, p.126) no tocante ao reconhecimento, pela coerência em termos de postura retórica e opinativa, da personalidade de cada membro. Uma espécie de memória coletiva da comunidade, que atesta a força do vínculo e da verdade participativa dos debatedores. Nas mensagens a seguir, um participante do Rio de Janeiro demonstra claramente conhecer o estilo textual de um colega de debates morador de Brasília. Ele surpreende-se e faz uma brincadeira com a manifestação do companheiro acerca de uma hipotética queda de grupo da Mocidade Independente de Padre Miguel:
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Se a Mocidade cair, a AESCRJ4 fará a festa. E até que não seria tão ruim assim um rebaixamento da verde e branco de Padre Miguel. Imaginem só as arquibancadas lotadas no sábado de carnaval, com o povão da Zona Oeste finalmente podendo ver o desfile da sua escola. Imaginem só o enfraquecimento da Liesa, que veria o seu espetáculo- evento menos atrativo. Imaginem só a queda substancial do preço das fantasias. Acho que não é só a AESCRJ que faria a festa... RESPOSTA: RM, é a primeira vez que vejo você com um discurso positivo. Esse seu e-mail deveria até ser impresso. (Risos).
À luz das discussões anteriores e da já manifestada perspectiva de continuum et conflictum das comunidades virtuais (Sá, 2005, p.63), no próximo capítulo será analisada a dinâmica social do “Salve a Mocidade”, suas especificidades, e o que vem norteando os debates e possibilitando a vitalidade do grupo desde a criação, em 2003.
4. AESCRJ – Associação das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, responsável pela organização dos desfiles dos grupos de Acesso A, B, C, D e E.
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CAPÍTULO 4 O pólo de encontro de independentes “Agora... Que me tornei realidade, vou encontrar o meu futuro por aí, curtindo a minha Mocidade...” (“Vira, virou, a Mocidade chegou”)
4.1 A Mocidade nos três anos de vida do “Salve a Mocidade” Como já discutido, o “Salve a Mocidade”, surgiu dois meses após o carnaval que entrou para os registros como o “carnaval da doação”, quando a Mocidade desfilou modificada estética e tematicamente, em busca de novo um caminho para a sua história. A lista de discussão que, mais tarde, pela aproximação dos membros, se tornou um grupo de torcedores, se estruturou de forma a pensar criticamente as novas tendências, em um processo de reafirmação local no seio da lógica global (Hall, 2005). A análise realizada refez todo o caminho de construção, sedimentação e renovação do grupo, analisando desde os períodos de maiores comentários (anúncio de enredo, processos de escolha do samba que irá para a avenida, mês antecedente ao carnaval) até a “baixa temporada” do período seguinte ao desfile. Antes de entrar especificamente na práxis do grupo, é importante estabelecer, de maio de 2003 a junho de 2006, como se estruturou a Mocidade Independente de Padre Miguel política e esteticamente. O carnavalesco Chiquinho Spinosa, após o “enredo-cidadão” de 2003, resolveu insistir nesta linha. E em 2004 apresentou o tema “Não corra, não mate, não morra, pegue carona com a Mocidade”, um panfleto de conscientização às leis de trânsito. A escola acabou, sob um dilúvio, amargando o oitavo lugar. Em abril de 2004, Paulo Vianna, que havia deixado o comando após o carnaval de 2002, voltou à presidência. Com a saída do antigo presidente, foram embora também o intérprete, Paulinho Mocidade e Chiquinho Spinosa. Em seus lugares entraram Roger
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Linhares e Paulo Menezes, respectivamente. As mudanças também chegaram à bateria da escola, com saída de Mestre Coé e a volta de Mestre Bira, que comandara os ritmistas por alguns carnavais na década de 80. Para o carnaval de 2005, com este citado “time”, a escola quis resgatar a estética barroca, marcante em seus carnavais da década de 70. Mas, em contra-partida, abriu-se inteiramente ao patrocínio, recebendo um aporte financeiro de cerca de R$ 2 milhões de uma companhia telefônica para exaltar a Itália, sua cultura e culinária. O resultado foi apenas o nono lugar, o que provocou uma demissão generalizada. Para o lugar de Menezes, foi contratado Mauro Quintaes, que chegou com a missão de também resgatar o que seria a “identidade” da Mocidade, só que desta vez tentando buscar uma perspectiva temática que englobasse os carnavais de Fernando Pinto e Renato Lage. Wander Pires voltou a ser a voz da agremiação e Mestre Jonas, filho de um dos fundadores da escola, Orozimbo, e irmão de Mestre Jorjão, que marcou época na Mocidade na década de 1990, foi conduzido ao posto de diretor de bateria. Mas o décimo lugar na quarta-feira de cinzas com o enredo não-patrocinado “A vida que pedi a Deus”, uma ode à qualidade vida e ao cinqüentenário da Mocidade, provocou nova debandada. Saíram o carnavalesco e o intérprete. Ficaram três inegáveis maus resultados seguidos na avenida, e a impressão de uma escola que não se reencontrou após o carnaval de 2002. Os números evidenciam esta impressão: De 1973 a 2002, em apenas quatro carnavais a Mocidade não contou com o trabalho dos carnavalescos Arlindo Rodrigues, Fernando Pinto e Renato Lage. De 2003 a 2007 (o novo carnavalesco da escola será Alex de Souza), notam-se quatro carnavalescos distintos à frente da agremiação.
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Além disso, neste meio tempo, duas presidências com tendências políticas opostas, mudanças sucessivas no comando de vários segmentos, e um enredo internacional completamente patrocinado por uma multinacional, a própria síntese da inserção na perspectiva global de afrouxamento identitário descrita por Hall. O samba, expressão musical brasileira desde a década de 1920 (Ferreira, 2005, p.339), abria suas fronteiras explicitamente à participação estrangeira e empresarial, no caso, italiana. E, justamente, através da Mocidade Independente, uma das escolas que, até 2002, ainda estava mais fechada em suas próprias características de auto-sustentabilidade temática e política. Diante do quadro descrito anteriormente, não é de se espantar a sedimentação e vitalidade do grupo criado em 2003. Afinal de contas, promovendo um reafirmar local ante um particular processo de “crise de identidade” (Hall, 2005), seus membros tinham cinco décadas de glórias e processos históricos para conflitarem com as más colocações recentes.
4.2 “Sou Independente, sou raiz também...” Sá (2005) ao analisar a lista “Rio-Carnaval”, afirmou que a sua primeira preocupação foi a de identificar os componentes envolvidos nos debates. Este trabalho foi facilitado porque os membros, na grande maioria, faziam questão de se identificar ao redigirem suas mensagens. A não-opção pelo anonimato mostra que a identidade virtual assumida pelos membros seria uma espécie de extensão da identidade anterior de militância no mundo do samba. E que, nesta ótica, tinha importância a identificação dos novatos, que deveriam informar a todos, por exemplo, de onde vinham, para qual escola torciam, e também se mantinham alguma relação direta com o carnaval. Sá discute também a manutenção da ordem
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frente à liberdade de entrada de forasteiros, assim como a relação “Estabelecidos e Outsiders”, a partir dos conceitos de Elias, ou seja, entre os que já estavam na lista e aqueles que vinham chegando com o passar do tempo, respectivamente.
Como não há como barrar a entrada de outsiders – uma vez que o que constitui a vantagem do sistema é a abertura e facilidade de acesso – cabe aos estabelecidos educá-los para o convívio com o grupo, mediante regras explícitas ou implícitas (SÁ, 2005, p. 72).
Mesmo havendo o ideal de um acolhimento irrestrito, portanto, eram evidentes as “netiquetas” (Lévy, 1999) da lista, “ensinadas” pelos membros que detinham uma espécie de prestígio junto aos demais. E este residindo em noções como “longa militância no mundo do samba”, experiência in loco (do sambista-internauta que freqüenta os ensaios), no próprio envolvimento descomprometido, “apaixonado, amador, voluntário e desinteressado” (Sá, 2005, p.74) com as escolas. Ou seja, uma espécie de modelo-folião que seria exaltado.
Esta escala de valores parece reproduzir, portanto, aquela das próprias escolas de samba – que são ao mesmo tempo associações que têm um pólo aberto e inclusivo e outro altamente exclusivo, cujos membros têm alta consciência de bairro, grupo e cor. Instituições dotadas de um núcleo “duro” – resistente à mudança, ciente das tradições, zeloso da autenticidade – rodeada por círculos concêntricos mais flexíveis (SÁ, 2005, p.77).
Uma outra legitimação de discurso também se faz presente na “Rio-Carnaval”: o tratamento conferido ao texto. Nas comunidades virtuais como um todo, “fruto da atividade ergótica ao postarem suas mensagens à lista, ele constitui-se na forma de uma narrativa coletiva na qual sobressaem a coloquialidade, a fluidez, o espontaneísmo e o estilo nos limites entre a escrita e a conversa” (Sá, 2005, p.104).
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Entretanto, na comunidade em questão, vê-se a presença de “escritores”, que dedicam grande importância ao apuro textual, estabelecendo uma interconexão narrativa no seio do vaivém de mensagens. E que, nesta perspectiva, catalisam atenção e respeito pelo trato na reprodução escrita das experiências vividas. Por mais distante que a reflexão de Benjamim passe do universo virtual, ela pode ser inserida no contexto do que foi expresso:
A experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a que recorrem todos os narradores. E, entre as narrativas escritas, as melhores são as que menos se distinguem das histórias orais contadas pelos inúmeros narradores anônimos. (BENJAMIM, 1994, p.198 apud SÁ, 2005, p.103).
Sá afirma que as discussões, apesar de enaltecerem a figura do “sambista participante”, não percorreriam uma via meramente saudosista. Entretanto, o compromisso com os valores essenciais da festa, com a espontaneidade dos foliões permitiria “a concretização de um tipo de debate aprofundado, para além da superficialidade do que a grande mídia divulga” (2005, p.79). E conclui, calçada nas noções anteriores, que a lista de discussão estaria longe de possuir uma identidade globalizada. Ou seja, acessível de todas as partes do globo, mas com debates intimamente ligados a uma identidade antes de tudo carioca, construída com base em valores como raiz e preservação, em que o componente territorial e afetivo (com relação a uma escola de samba) exerceria forte influência. No tocante à estrutura dos debates, o “Salve a Mocidade” se assemelha à lista “RioCarnaval”. Em ambas as comunidades há a premissa da troca de mensagens via E-mails. E o atrativo de que, ao enviar um comentário, instantaneamente, este estará repousando nas caixas de mensagens de todos os outros integrantes, além de, ao mesmo tempo, passar a integrar a memória da comunidade, acessada por qualquer membro.
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Somando-se a isto, a visão de que o texto, em ambas, assim como os softwares, estabelece as bases da comunicação, sendo a interface fundamental e o agente que confere concretude a estas “comunidades imaginadas” (Anderson apud Sá, 2005, p.97). A expressão “imaginadas”, obviamente, refletindo o fato de, mesmo tendo seus debates girando em torno de uma identidade também territorial, não possuírem bases que as definam materialmente. Em princípio, a participação nos debates travados no “Salve a Mocidade”, de forma geral, abarcava ampla maioria de pessoas relacionadas à agremiação, notadamente pertencentes à bateria e harmonia. Seu criador, “AS”, à época, tinha ligação com este último segmento, tendo sido componentes residentes em Padre Miguel e adjacências mesmo, aliados aos que conhecera em outros fóruns de discussão de carnaval, que deram início à comunidade. É interessante notar, logo no início, a preocupação dos membros pertencentes à escola em tecerem suas opiniões em conjunto com uma identificação básica associada o afirmar das posições que ocupavam na Mocidade. Este foi dos primeiros artifícios utilizados para obtenção de prestígio junto aos demais participantes, e a conseqüente legitimação para os discursos:
“Eu, AR, componente da bateria da Mocidade Independente de Padre Miguel, presente a todos os ensaios, não tenho nada contra a Luma de Oliveira como rainha da nossa bateria. Sempre gostei dela à frente da bateria da Viradouro, concordo também que é linda e carismática (...).”
Diretamente inserida na perspectiva de reafirmação local dentro da lógica que rege a globalização (Hall, 2005), contra-tendência da queda de fronteiras contemporânea, a chegada de debatedores de outros estados, como já visto no capítulo anterior, não demorou. E com esta, a necessidade de deixarem evidentes seus lugares de origem, explicitando o caráter de
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encontro de pessoas afastadas fisicamente, mas com interesses em comum (Rheingold, 1993) (Lévy, 1999).
IM: Meu nome é IM, moro em Fortaleza, CE. Estou atualmente realizando uma pesquisa acadêmica sobre escolas de samba, focando a nossa Mocidade.
RC: Sou o RC, tenho 20 anos, estudo jornalismo e moro em Pelotas, RS!
CC: Gostaria de confirmar minha participação no grupo. Moro em Curitiba, PR, adoro a Mocidade e faço parte da galera do setor 3. Todo ano bato ponto lá. Confesso que já estou ficando preocupada com o enredo deste ano que não sai nunca...
Este processo de apresentação foi e é uma prática bastante comum aos participantes da lista, sempre preocupados com a contextualização de suas personagens, como os locais de origem, e as razões pelas quais começaram a torcer pela Mocidade Independente. A relação entre os já “estabelecidos” e os “outsiders” sempre acontece de maneira cordial e estimula boas vindas. Ao contrário do que acontece na “Rio-Carnaval”, a discussão gira em torno de uma única escola de samba, o que exclui, por exemplo, conflitos entre torcidas, e facilita o aprendizado dos neófitos quanto à postura no fórum. Os novatos são sempre rapidamente integrados aos debates e estimulados a veicularem suas impressões. Já o processo de obtenção de “prestígio” segue à risca o modelo identificado por Sá na comunidade que analisou. A militância no mundo do samba, a experiência do sambista que marca presença nos ensaios da agremiação, e o próprio envolvimento descomprometido, movido unicamente pelo afeto à Mocidade, são sempre levados em consideração na promoção das vozes principais do “Salve a Mocidade”.
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Uma participante do Espírito Santo, por exemplo, depois de algum tempo como debatedora, foi elevada à condição de uma das moderadoras da comunidade. A ligação afetiva com a Mocidade fez com que reunisse respeitável acervo de material impresso sobre a escola. E a postura com que sempre pautou suas análises gerou respeito por parte dos colegas de fórum. A maneira com que os componentes do grupo lidam com os textos é bastante variada e, alguns deles, compõem verdadeiras crônicas sobre a escola nas mensagens que veiculam na lista. Este, assim como na “Rio-Carnaval”, é um outro fator que agrega prestígio ao discurso: o tratamento textual. O exemplo a seguir, pinçado no período da disputa de sambas-enredo visando ao carnaval 2006, é bastante representativo:
O primeiro carnaval a que assisti foi o de 1990. Ali, perdidão naquela televisão já aposentada em algum depósito de quinquilharias, então com meros 7 anos, com o meu copo de coca-cola sempre a tiracolo, pude me apaixonar perdidamente pela Mocidade Independente, ao me deparar com aquela estrela-guia engendrada pelo grande Renato e sua ex-mulher, Lilian Rabello. Mas não só me apaixonei pela estrela, como também por aquele samba, "Vira virou", maravilhoso, que contava, poeticamente, toda a história da bela agremiação de Padre Miguel que emergiu de um time de futebol. Veio 1991, e, junto com ele, mais uma daquelas apresentações singulares, que ficam guardadas para sempre na memória e nos corações apaixonados. A estrela do mar do abre-alas, o feto-símbolo de toda uma era de vitórias, os escafandros na comissão de frente, a antologia de samba que dizia que a escola estava a navegar "no afã de encontrar", um jeito novo de fazer aquele povão todinho novamente delirar. Só pude entender que um certo compositor, chamado Antonio Correa do Espírito Santo, apelidado carinhosamente de Toco, era um dos responsáveis por aquelas duas obras-primas, alguns anos mais tarde. E aí fui tomar conhecimento das maravilhas que ele já havia produzido para a escola, como, por exemplo, "Rapsódia de Saudades", talvez o maior hino da história da Mocidade Independente de Padre Miguel. O tempo correu, a Terra, em intensas rotações e translações fez a vida se modificar, passar e pulsar. Muita gente se foi para um lugar, talvez, melhor do que este, nós todos pudemos crescer, alguns nasceram. Coisas nossas mil entraram e saíram da ordem mundial. A Mocidade abocanhou mais um caneco, em 1996, ainda fez alguns outros grandes carnavais, como em 1999, mas acabou perdendo um pouco do assombro que sempre despertou nas pessoas como um todo. Fatores de naturezas diversas contribuíram para tal, desde a perda de força política com a morte de seu patrono-padrinho e de sua cria mais velha, passando por
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gestões mal-conduzidas, além da perda da... "Magia" de sua ala de compositores que, desde o já referido 1999, não conseguiu levar para a avenida qualquer obra digna das tradições da estrela. Vieram os preparativos para 2006, e, junto a um enredo super integrado ao espírito de uma agremiação que buscar reencontrar-se consigo mesma – "A vida que pedi a Deus", de Mauro Quintaes – surgiu um samba que, depois de anos, voltou a acender o espírito apaixonado da torcida de Padre Miguel. Sem dúvida, está longe de ser uma obra-prima, qual os sambas já citados do início da década de 90, e também o de 1971. Entretanto, entende-se por um grande e belo canto que, sobretudo, traz aglutinada a vontade de uma escola de, novamente, apresentar-se vitoriosa e digna diante de sua multidão de apaixonados. Na autoria... Está ele... O grande mestre Toco, que tem a chance maior de sair vitorioso, depois de 15 anos de espera. "E amanhã... Quando brilhar um nov amanhecer..." a verde-branco pode virar a página de sua vida, construindo uma nova "virada" em sua história... (...).”
“DC”, participante bastante atuante, moradora de Chicago, nos Estados Unidos, que e que sempre desfilou pela escola, inclusive como integrante da comissão de frente, legitimou a força das palavras anteriores:
Apenas duas palavras: LÚCIDO E LINDO!!! Rapaz, você não escreve, mas sim compõe palavras de uma forma ímpar e emocionante!
A tônica geral dos debates, entretanto, é a da brincadeira, de bate-papo informal. E não poderia deixar de ser ante a posição de pólo de encontro de pessoas com interesses semelhantes (Lévy, 1999). Mas é errôneo pensar que, pelo fato de conservarem uma relação de afeto com a instituição, os participantes iriam seguir por um caminho unicamente saudosista e de exaltação. O grupo sedimentou uma postura opinativa independente, proporcionando o também surgimento de manifestações críticas de toda espécie. E, de certa forma, a carência de bons resultados da Mocidade Independente de Padre Miguel nos três anos de existência do “Salve a Mocidade”, contribuíram para a sua vitalidade.
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Afinal de contas, calçados nos resultados ruins obtidos, os debatedores incorporaram um espírito de “arregaçar as mangas”, justamente, dando asas à perspectiva de que “muita coisa necessita ser feita”. Nesta ótica, assim como na “Rio-Carnaval”, é interessante notar que a lista, apesar de unir participantes de diversas partes do globo, também não agrega uma identidade globalizada. O “Salve a Mocidade”, portanto, se relaciona, antes de tudo, a uma identidade e a valores próprios do Rio de Janeiro. Ou melhor, está diretamente ligado aos referenciais culturais de um nicho deste centro urbano, a Zona Oeste, exaltando tradições, pessoas e a força de um componente de inegável importância na dinâmica de construção identitária da Mocidade Independente: a comunidade de Padre Miguel. Comunidade, obviamente, em um conceito amplo, não apenas territorial, mas também humano, artístico, afetivo, que aglutina os caracteres definidores da escola. E é, justamente, emoldurada por estes princípios que se estrutura a práxis do grupo, buscando pensar contemplativa e criticamente a agremiação à luz de seus traços. Após o “II Encontro Internet e Carnaval”, evento produzido pela lista “Rio-carnaval” em que um integrante do “Salve a Mocidade” foi convidado a contar a história do grupo, surgiu uma questão que sintetiza claramente o espírito que rege as trocas de mensagens desde 2003:
No encontro acontecido no último fim de semana, o diretor cultural do Salgueiro fez uma pergunta um pouco mal intencionada ao nosso companheiro que proferiu a palestra sobre o grupo. Ele queria saber sobre o que seria "a cara da Mocidade". (...) Pois é, bateu uma curiosidade: o que o pessoal da lista entende como sendo "a cara da Mocidade"? Como boa parte é de gente que começou a gostar da escola no período de Renato Lage, até acredito que tenho idéia de qual deve ser a resposta da maioria, mas não custa nada perguntar. Tenho a minha opinião, mas e vocês?
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É girando em torno desta “cara da Mocidade”, ou melhor, de seus valores essenciais, que foi sedimentado o pólo de encontro de torcedores apaixonados pela escola de Padre Miguel. Um “lugar” surgido através de um mecanismo conectivo global, mas que, acima de tudo, busca o reafirmar identitário local de uma instituição que é a síntese cultural e criativa de toda uma gente.
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CAPÍTULO 5 O “Salve a Mocidade” cresce e ganha voz “Sou a Mocidade, sou independente, vou a qualquer lugar...” (“Ziriguidum 2001- Carnaval nas estrelas”)
5.1 Referencial teórico Simone Pereira de Sá, ao se debruçar sobre a lista “Rio-Carnaval”, utilizou-se da classificação de Kozinets – que faz a distinção entre as comunidades virtuais ditas “puras”, as que só existem no plano virtual, e as “derivadas” que coexistem no espaço virtual e real. Ela enquadrou a comunidade analisada na segunda definição, só que com a diferença de que as ações virtuais foram primeiras, havendo uma conseqüente passagem para a esfera real. O “Salve a Mocidade” percorreu o mesmo caminho. Lévy (1999) afirma que é um erro pensar as relações entre novos e antigos dispositivos de comunicação sob a perspectiva da substituição. Ou seja, as relações virtuais não surgem para ocupar o lugar dos encontros físicos. Na sua visão, o surgimento das comunidades na grande rede aponta para uma outra perspectiva, a da construção de contatos e interações de todos os tipos.
(...) “comunidades virtuais” realizam de fato uma verdadeira atualização (no sentido da criação de um contato efetivo) de grupos humanos que eram apenas potenciais antes do surgimento do ciberespaço (LÉVY, 1999, p.130).
Ao discutir a modalidade de identidade sambista virtual da lista “Rio-Carnaval”, Sá demonstra que os seus membros, já estando firmemente comprometidos com o envolvimento no mundo do samba carioca, utilizam a Internet para potencializar este encontro. Sobretudo com aqueles que compartilham a mesma visão de mundo sobre a folia.
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O vetor de construção é de “dentro para fora” – ou seja, parte de um núcleo central que se formou no contato por meio da lista, que reivindica a identidade de carioca e amante do samba como a referência básica e que faz questão de distinguir-se dos turistas, que só vão à quadra nesta época do ano (SÁ, 2005, p.87).
Sá então reitera os propósitos de Hall (2005), afirmando que, no caso da “RioCarnaval”, “a Internet é ferramenta para o reforço e ampliação das vozes de uma cultura local” (Sá, 2005, p.87). Os meios de comunicação, portanto, viriam potencializar o encontro daqueles que, a priori, já possuem uma cultura de envolvimento com o samba. Nesta ótica, a Rio-Carnaval já nasceu sob o signo do extravasamento das fronteiras virtuais, possibilitando o engendrar de um terreno fértil para o encontro físico de seus membros, tal qual o “Salve a Mocidade”. A autora avança em suas proposições, encontrando nos laços de reciprocidade e apoio mútuo entre os participantes das comunidades virtuais, o manifestar de uma espécie de consciência de grupo. E a possibilidade, ante esta visão, de construção de uma voz coletiva substanciosa na sociedade.
(...) Pertencer a uma comunidade, também no mundo virtual, significa conquistar representação real, de fato, dentro da vida social mais ampla (SÁ, 2005 , p.88).
As comunidades virtuais, ao partirem da premissa do estabelecimento de manifestações sujeitas ao olhar de terceiros e, conseqüentemente, a um contra-expressar deste público receptor, realçam a sua característica de exploração de novas formas de opinião pública (Lévy, 1999). E esta opinião pública pode residir no interior da lista, (críticas à manifestação de alguns dos membros) e, de maneira concomitante, ligar-se ao compartilhar de visões, construído na dialética dos debates na comunidade – visão consensual – como sugere a questão a seguir:
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Não seria permitido, então, entrever hoje uma nova metamorfose, uma nova complicação da própria noção de “público”, já que as comunidades virtuais do ciberespaço oferecem, para debate coletivo, um campo de prática mais aberto, mais participativo, mais distribuído que aquele das mídias clássicas? (LÉVY, 1999, p.129).
Ferreira (2005) afirma que a Internet vem promovendo grandes modificações na festa carnavalesca, na medida em que coloca diante do folião inúmeras formas de fazer valer a sua opinião. E exalta o caráter de importância das listas de discussão neste processo, já que agregam pessoas que se encontravam dispersas pelo Brasil e pelo mundo.
A possibilidade de convívio virtual amplia as conversas, as críticas e os elogios que, a partir dessas comunidades acabam por repercutir, mesmo que indiretamente, sobre os responsáveis pelas decisões ligadas à folia. Foliões de Fortaleza opinam sobre os desfiles do Carnaval carioca. Grupos se reúnem (virtual ou fisicamente) para discutir a justiça, ou não, do resultado das disputas. Pessoas que nunca haviam conseguido se aproximar do fazer carnavalesco encontram espaço para apresentar seu trabalho. Premiações e julgamentos paralelos são organizados. Em suma, um processo que parece impossível de ser detido, que mais cedo ou mais tarde acabará influenciando o próprio caminho que será trilhado pela festa carnavalesca (FERREIRA, 2005, p.396).
Sá (2005, p.88), citando Watson, traz o exemplo da força que a comunidade Phish.net, de fãs da banda Phish, agregou em suas ações. Os cerca de 50 mil membros associados conseguiram a negociação de muitos de seus interesses no tocante às decisões da banda de adoração. A autora completa suas exemplificações acerca da condição de voz coletiva que uma comunidade virtual pode vir a assumir, voltando à lista “Rio-Carnaval”, mais especificamente discutindo o troféu “Sambanet”. A premiação foi criada pela lista em 1999, e, a cada ano, ganha mais espaço e importância, valorizando os grupos A e B de Acesso, menos badalados pela mídia.
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O mais interessante é que o prêmio ganhou repercussão, sendo divulgado pelos próprios jornalistas nos veículos nos quais trabalham – assim como outras votações restritas às listas (sobre os melhores sambas, melhores desfiles), conforme chama atenção um membro: “Estava eu entrevistando o Jorge Tropical semana passada para o nosso programa na Tupi, quando ele disse o seguinte, ao exaltar a ela de compositores da Vila: você sabia que o nosso samba de 1994 foi escolhido na Internet como o melhor da década de 1990?” (SÁ, 2005, p.90).
Sá deixa explícita a visão de que vislumbrar um grupo como comunidade é, antes de tudo, reconhecê-lo como voz, mas frisa que não há qualquer processo autônomo inerente à ferramenta tecnológica neste fenômeno. Ou seja, o crescimento das comunidades é visto como fruto das relações de reciprocidade, espírito de cooperação e respeito mútuo que ocorrem em seus interiores (2005, p.90). No “Salve a Mocidade”, a partir do momento em que se encontraram fisicamente, os membros da comunidade se enxergaram imersos em um relacionar que conferiu à lista as características de um grupo coeso e real.
5.2 “Parece que foi ontem” – “Virtual vira realidade” Quando do primeiro aniversário da lista, um participante maranhense bastante atuante, publicou um comentário intitulado “Parece que foi ontem”, sintetizando com bastante fidelidade e clareza o crescimento do “Salve a Mocidade”. Ele ratifica o que havia sido expresso anteriormente acerca do encontro de pessoas com interesses comum, integradas através de uma relação recíproca, e que, mais tarde, pela aproximação real dos membros, possibilitou a incorporação da expressão e do sentimento de “grupo”:
Em um ano fiz amizades que jamais pude imaginar. E não são só amizades, porque amizades a gente faz todos os dias. Só que aqui aconteceu diferente: eu
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conheci pessoas que falam e gostam da mesma coisa que eu, e isso, num país onde todo mundo acha que o carnaval só acontece durante aqueles quatro dias, é espantoso. Agradeço à mãe de todos nós, a Internet (salve ela também neste dia!), e ao nosso pai, o Yahoogrupos, que nos dá a honra de unir todos num só ciberespaço... Nesse dia especial para nós, peço muitos anos de vida para o nosso grupo e para nossa escola - nosso desejo em comum (...). O fato é que nos preparativos para o carnaval 2005, houve forte mobilização para a realização do primeiro encontro real dos membros do “Salve a Mocidade”5. O grupo já possuía até mesmo um portal de Internet (www.salveamocidade.com.br), lançado uma semana após o primeiro aniversário, e a data escolhida para o evento de confraternização foi a da apresentação dos sambas-enredo concorrentes a hino da escola de Padre Miguel para o carnaval “Buon Mangiare, Mocidade, a arte está na mesa!” Faltando poucos dias para o encontro na quadra de ensaios, em votação estabelecida na lista, o grupo escolheu uma camisa que todos deveriam vestir na ocasião. A idéia básica era a de que fossem reconhecidos como o “pessoal da Internet” (Sá, 2005, p.90), demonstrando a força do “Salve a Mocidade” em unir torcedores de todo o país. No dia do evento, 04 de setembro de 2004, com grande parte dos membros uniformizados, em confraternização entre si e com os diferentes segmentos da Mocidade Independente, a comunidade virtual obteve o reconhecimento como grupo de torcedores. Pouco antes da apresentação dos sambas, o locutor oficial anunciou aos freqüentadores que o “Salve a Mocidade” se fazia presente. Durante o ensaio, uma equipe do Jornal O Dia que fazia a cobertura, convidou alguns integrantes para auxiliá-la em uma entrevista com o então carnavalesco, Paulo Menezes. A matéria foi veiculada em formato pingue-pongue na versão on line do periódico, na seção especialmente dedicada ao carnaval carioca: “O Dia na Folia”.
5. Ver anexo 1. 6. Ver anexo 2.
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O crédito das questões formuladas pelos membros foi concedido ao grupo, já intitulado na entrevista como “Grupo Salve a Mocidade”. Além disso, também foi publicada uma matéria contando a história do próprio “Salve a Mocidade”, com o título, “Virtual vira realidade”7.
Queria que eles fossem ao barracão e que o site deles funcionasse como portavoz da escola. Se existem pessoas que moram fora do Rio e amam a Mocidade, por que não podemos tornar isso mais próximo? (PAULO MENEZES, em entrevista concedida ao Jornal “O Dia”).
No dia seguinte ao evento, o relato do criador da lista demonstrou o sucesso do evento que possibilitou à comunidade virtual transformar-se em grupo real, promovendo o encontro ao vivo dos “iguais” (Rheingold, 1993) (Lévy, 1999):
Gostaria de dizer que o encontro de ontem foi um sucesso. (...) Grande prazer conhecer a todos que estiveram presentes. O grupo está (...) criando uma identidade fora da área virtual. Ontem fomos entrevistados pelo pessoal do Jornal O Dia, tivemos um bate-papo com o Paulo Menezes, conversamos com o nosso poeta maior, Toco, tiramos fotos com o compositor Santana e ainda, no final da madrugada, por volta das 5 da manhã, batemos um bom papo com o Tiãozinho. (...) brincamos, fizemos novas amizades e consolidamos as antes somente virtuais...
Deste encontro, muitos outros surgiram, e com eles a conseqüente sedimentação da amizade de muitos dos membros. No carnaval 2005, alguns deles desfilaram na Mocidade Independente juntos. A ala “Bons Amigos do Ararê”, cuja presidente é integrante da comunidade virtual, recebeu os amigos que se conheceram pela Internet.
7. Ver anexo 3.
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5.3 A voz que vem da Internet O grupo cresceu ainda mais após o desfile de 2005. A maior penetração da Internet na folia e nos lares, sem dúvida, ajudou a fomentar este processo. Mas voltando à teoria expressa no início deste trabalho, o fato é que depois das cinzas daquele ano, a Mocidade acabou por aprofundar sua crise estilística. Afinal de contas, o novo flerte com o estilo barroco, desta vez com dinheiro de patrocínio, ao contrário do que se esperava, apenas alcançou o nono lugar, até então a pior classificação da história da Mocidade Independente no Grupo Especial do Rio de Janeiro. O resultado, ao contrário do que possa parecer, agregou mais força ao “Salve a Mocidade”. Afinal de contas, porque no seio das especulações sobre o futuro da escola, as mensagens na lista buscavam entender e enxergar soluções para o momento vivido, demonstrando a capacidade analítica do grupo. A abrangência do comentário a seguir traduz este quadro: Os “independentes” que acompanharam o processo eleitoral confuso lá nas bandas da Vintém, em 2004, sabem bem que uma das propostas-chave do presidente Paulo Vianna, era a de promover um ZERA TUDO. Ou seja, construir uma espécie de nova virada na agremiação, trazendo novo carnavalesco, novo puxador, novo mestre de bateria, etc. Acho que foi feliz o processo de moralização da escola. É sabido que a gestão anterior há muito fazia lambanças na administração dos cofres da agremiação, o que quase acabou por levar a Mocidade Independente à falência. O próprio Renato Lage afirmou, em uma conversa antes do carnaval 2004, que havia deixado a escola ao perceber que a bandalheira monetária havia se instalado. Pois bem, o Vianna acabou vencendo uma eleição conturbada, propôs mudar tudo e acabou, após o desfile de 2005, vendo sua escola amargar uma nona colocação. Nem com José Roberto Tenório tivemos coisa pior.. Mas... Coloquemos a mão na consciência: A Mocidade, em 2005, avançou milênios, digo na questão da gestão propriamente dita, com relação ao pífio e esquecível 2004. (...) Lógico que houve erros neste processo de reconstrução (era difícil que fosse tão bem-sucedido quanto o de 1990), mas é inegável que, em 2005, a verde-branco já viu iniciado um processo de reestruturação, tendo apresentado um carnaval esteticamente de PONTA. (...) Devem sim haver algumas mudanças. Bateria e samba foram REAIS problemas em 2005, mas... Demitir o Paulo Menezes, na minha humilde visão, é retroceder, voltar ao passado, mostrar que não há um rumo definido. Enfim, é NEGAR as propostas básicas que elegeram o Paulo Vianna. Acho que o presidente da Mocidade
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está perdido com a sova que a escola levou na quarta de cinzas.... Mudanças? Sim. Na bateria (volta, Jorjão...), no gogó da escola, (falta ao Roger carisma e personalidade vocal do Wander), na ala de compositores (que deveria ser aberta...) Agora... o comando de carnaval TEM de permanecer intacto. A escola veio bem neste aspecto. Apesar dos apelos do grupo, que, em um primeiro momento, preferiam a manutenção da equipe de 2005, o comando de carnaval foi modificado. O arquiteto Mauro Quintaes entrou no lugar de Paulo Menezes. O novo carnavalesco, assim que assumiu o barracão, quis conhecer de perto os freqüentadores do principal pólo de discussão e integração de torcedores da Mocidade. O reconhecimento do “Salve a Mocidade” como voz crítica de relevância seria concedido, portanto, pela principal cabeça pensante do desfile de 2006:
O carnavalesco Mauro Quintaes pediu uma reunião com o nosso grupo para receber sugestões para o próximo carnaval e saber o que o torcedor da escola espera dele. (...) nosso carnavalesco quer entender qual o melhor caminho que o grupo (torcedores) acha para a Mocidade nessa nova fase, como queremos enxergar nossa escola. (...) O encontro de 12 torcedores com o carnavalesco Mauro Quintaes ocorreu em 25 de junho de 2005, no antigo barracão do G.R.E.S. Mocidade Independente de Padre Miguel, localizado na Praça XI. Estava também presente o diretor de carnaval da escola, Dejahyr dos Santos. Na época, a diretoria da Mocidade dizia estudar três possibilidades temáticas: Festival de Barretos, Disney World e algo que girasse em torno da idéia de qualidade de vida. Durante a conversa, os componentes do “Salve a Mocidade” expuseram suas visões acerca de qual direcionamento estético e temático enxergavam como ideal para que a agremiação assumisse. Houve a opção unânime por um enredo que tratasse de qualidade de vida. Mauro Quintaes ouviu as sugestões, fez anotações e ganhou um texto com algumas propostas de abordagem temática rascunhadas por um dos membros.
8. Ver anexo 4.
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No final, tanto o carnavalesco como o diretor de carnaval receberam camisas como presente, manifestaram a importância da ocasião, e fizeram fotos com os membros. A partir daquele momento, o “Salve a Mocidade” passava a obter voz no mundo do samba, tendo sua importância reconhecida pela própria escola em torno da qual foi construído. A repercussão no fórum demonstra claramente isso:
A reunião, realmente, teve resultado excelente e muito produtiva. O carnavalesco Mauro Quintaes, o diretor de carnaval, Dejahyr dos Santos (...) foram extremamente francos, receptivos, atenciosos e simpáticos, e ficou clara a preocupação em se fazer um trabalho sério e que nos faça voltar para as cabeças. Penso que a Mocidade está com uma mentalidade avançada, ao convocar a galera do "Salve a Mocidade", ou seja, um segmento embasado de sua grande torcida, para uma conversa. Não se vê isto no mundo do samba (...).
O carnavalesco Mauro Quintaes, em entrevista publicada no portal do “Salve a Mocidade”, pouco antes do carnaval 2006, exaltou a contribuição daquela reunião para que pudesse entender o que os torcedores e a escola esperavam de seu trabalho:
Meu primeiro passo foi o de entender a Mocidade que a Mocidade gostava de ser. Eu não poderia ousar implementar algo que a escola não abraçasse, pelo qual não se apaixonasse. Desde o momento que você entende o que uma agremiação deseja para si, abre-se um caminho a ser trilhado com sucesso. E foi movido por este ideal que promovi a reunião com o Grupo “Salve a Mocidade” (...) Foi um encontro fundamental para que as pessoas pudessem me conhecer e eu conhecê-las. É muito fácil construir uma crítica sem conhecer as pessoas. E desde o momento que você olha o outro nos olhos, mostra as dificuldades de colocar um carnaval na rua, e entende os anseios destes interlocutores, as coisas passam a fluir. Eu fui bem claro ao abrir a reunião: “Não estou aqui para mudar a opinião de ninguém com relação ao meu trabalho, mas sim para mostrar o quanto é difícil pôr uma escola de samba na rua”. No final da reunião, eu senti que havia conseguido uma parceria. O grupo é jovem, formado por uma galera que ama a Mocidade. Constitui uma referência externa para o meu trabalho, um olhar de fora, além das “quatro linhas”. Afinal de contas, o “Salve a Mocidade” não tem ligação profissional com a escola, não possui interesse comercial, não está impedido por qualquer empecilho ético, vamos dizer assim, de, por exemplo, fazer críticas.
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Em agosto de 2005, foi anunciado “A vida que pedi a Deus”, enredo autoral do carnavalesco. O tema tratava de qualidade de vida calçado nos ideais de paz, fartura, saúde e equilíbrio, englobando também o aniversário de 50 anos da Mocidade Independente de Padre Miguel. O grupo não participou de nenhum momento do processo de construção do enredo, mas, tendo estreitado os laços com Mauro Quintaes, contribuiu com críticas e sugestões. Ao mesmo tempo, os debates na lista seguiram pautados pela independência na postura dos membros, sempre preocupados em analisar criticamente os acontecimentos que emergiam do novo barracão da escola, na então recém-inaugurada “Cidade do Samba”, e da quadra, em Padre Miguel. Em outubro, a escola declarou vitorioso o samba-enredo que tinha um dos componentes do grupo, Marquinho Marino, como co-autor. Na parceria também estavam Rafael Paura e Antonio Correa do Espírito Santo, o Toco, compositor mais importante da Mocidade Independente, e sempre referido no grupo “Salve a Mocidade” pela expressão “poeta maior”.
Amigos, não tenho palavras para descrever meus sentimentos com a festa de hoje na Mocidade9. Foi espetacular, uma emoção que nunca vivi em uma final de samba na escola. Para o Marquinho, eu nem quero dizer mais nada, pois tudo foi dito na quadra ontem. A emoção ainda toma conta de mim, meus olhos se enchem d'água toda vez que me lembro da galera do grupo se abraçando quando do anuncio do samba campeão. O relato de um dos membros, transcrito acima, traduz a importância da vitória. O “Salve a Mocidade”, que havia abraçado aquele samba-enredo desde o início da competição, demonstrava a sua capacidade de, além das análises e debates na lista, também ajudar a promover a renovação deste segmento da agremiação. Afinal de contas, aquela era a primeira vitória de Marquinho Marino nas disputas em Padre Miguel.
9. Ver anexo 5.
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Aliado a isso, dando asas ao reafirmar identitário através de um mecanismo global (Hall, 2005), a torcida dos agora “amigos que se conheceram pela Internet”, e que criaram um grupo de apaixonados pela Mocidade, também residia na figura de Toco. Tendo assinado obras consagradas como “Rapsódia da Saudade” (1971), “O Descobrimento do Brasil” (1979), “Vira, Virou a Mocidade Chegou (1990), o compositor não se sagrava vitorioso em disputas de samba desde 1991, com “Chuê, Chuá, as Águas Vão Rolar”. Em 26 fevereiro de 2006, domingo de carnaval, uma reportagem com o título de capa “Loucos pela Mocidade”10, veiculada no caderno “Zona Oeste” do Jornal “O Globo”, contou a história do grupo “Salve a Mocidade”. A foto principal trazia cinco dos seus membros ao lado do presidente da agremiação, Paulo Vianna, e do então carnavalesco, Mauro Quintaes. O novo reconhecimento de força, desta vez concedido por um dos mais importantes jornais brasileiros, e também por parte da própria presidência da escola, não promoveu modificações no tom dos debates e na independência das decisões tomadas. Esta postura, aliás, fez com que muitos dos diretores da escola não enxergassem com bons olhos o crescimento do grupo. Logo após a folia, por exemplo, uma nota veiculada no portal do “Salve a Mocidade”, trazia severas críticas à Revista Mocidade 50 anos, produzida pela Vice-Presidência Cultural para comemorar o cinqüentenário da escola. Os responsáveis pela criação do material não receberam positivamente o apontar público das falhas, publicado nos termos que se seguem:
O Grupo “SALVE A MOCIDADE” vem a público lamentar o frágil conteúdo e também o amadorismo estético da revista comemorativa do cinqüentenário do G.R.E.S. Mocidade Independente de Padre Miguel, desenvolvida pelo Departamento Cultural da agremiação. A publicação foi lançada pouco antes do carnaval, e tinha como premissa exaltar as cinco décadas de vitórias e grandes momentos da verde-branco.
10. Ver anexo 6.
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Infelizmente, o resultado final ficou bastante aquém daquilo que toda a imensa gama de torcedores da estrela esperava diante de uma data tão singular. Personagens e diversos carnavais, por exemplo, foram jogados para escanteio. Além disso, houve uma total ausência de cuidados com a revisão textual, o que gerou um festival de absurdos cronológicos, assim como a repetição de informações e uma sucessão de equívocos de toda espécie. (...) a Mocidade Independente pode ser descrita como um símbolo representativo de toda a zona oeste do Rio de Janeiro. Com seus carnavais, promove a disseminação e a exaltação de valores culturais, assim como dos aspectos formadores de uma população, unindo credos, raças e sonhos em torno de sua bandeira. É inadmissível, portanto, que uma história tão valiosa acabe resumida a uma melancólica publicação mal planejada, cuidada e realizada. A revista não passa nem de longe pelos aspectos essenciais da Mocidade. E perdida em dispensáveis brindes com champanhe encenados por seus idealizadores, em lamentáveis mini-currículos de artistas e pseudo-artistas que nada têm a ver com a escola, em páginas e mais páginas que pouco acrescentaram no final das contas, acabou resultando em desperdício, falta de compromisso e frustração. No dia 15 de julho de 2006, um evento denominado “II Encontro Internet e Carnaval”11, reuniu professores, pesquisadores e pessoas ligadas ao universo da folia para debater a relação estabelecida entre a grande festa e a grande rede nos últimos anos. Um integrante do “Salve a Mocidade” foi convidado a representar o grupo – que mais uma vez tinha sua força reconhecida – na mesa de discussões cujo tema era “Louvação e contestação, a Internet e os grupos independentes”. Alguns meses antes, a quarta-feira de cinzas de 2006 havia reservado a desagradável surpresa de um décimo lugar para a Mocidade, o que provocou nova debandada geral na agremiação. No entorno deste quadro, buscando enxergar novas perspectivas, o “Salve a Mocidade” continuou a aproximar pessoas através dos seus debates, manteve sua postura independente, e alcançou o terceiro aniversário já pensando na folia de 2007.
11. Ver anexo 7.
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(...) A mão que faz a bomba faz o samba, o Deus que fez o homem, fez o samba para driblar os cavaleiros do apocalipse e reinventar o mundo, com a saudade que deixou no paraíso (RENATO LAGE – Trecho da sinopse do enredo “Criador e criatura”, 1996, entregue à Ala de Compositores da Mocidade).
Os carnavais passam e o grupo construído na grande rede, inegavelmente, tem ficado e crescido cada vez mais. Buscando, sobretudo, reinventar o mundo, o “mundo” da escola de Padre Miguel, com a saudade que deixou no paraíso das glórias e transformações bemsucedidas de outrora...
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CONSIDERAÇÕES FINAIS “Aonde chega é felicidade, quando vai embora é um mar de saudades...” (“O grande circo místico”)
Como visto, a Internet, dos principais mecanismos de comunicação que despontaram com a chegada da Globalização, também pode atuar de forma a promover o reafirmar de identidades e valores locais. E o “Salve a Mocidade”, tomado como objeto de estudo, traduz exatamente esta faceta também incorporada pelas novas tecnologias. O grupo trouxe no bojo duas premissas básicas: integração e resgate. Integração de torcedores da Mocidade Independente espalhados por todo o globo, e resgate do espírito de vanguarda e de vitória, que haviam possibilitado à escola alcançar cinco campeonatos (1979, 1985, 1990, 1991 e 1996). Iniciados em maio de 2003, os debates acerca de diferentes temáticas relativas à agremiação de Padre Miguel possibilitaram a construção de grandes reflexões sobre a escola, e fomentaram um processo inerente às comunidades virtuais, descrito por autores como Howard Rheingold e Pierre Lévy: a construção de amizades. Além disso, o dito espírito de resgate trazia embutida um preocupação, por parte dos membros, em estabelecer a preservação de materiais impressos e audiovisuais que contassem a história do time de futebol que se tornou escola de samba. Ou seja, a própria contratendência local vislumbrada no seio da lógica de compressão espaço-tempo. O grupo cresceu, construiu um portal de Internet próprio, teve sua importância reconhecida pelo carnavalesco Mauro Quintaes, que comandou o carnaval da Mocidade em 2006, e também por alguns órgãos de imprensa carioca. É curioso notar, portanto, que alguns segmentos da agremiação ainda não encarem de maneira positiva a ascensão e vitalidade do grupo.
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A postura de independência nas conversas e tomadas de decisão sempre foi uma marca característica dos debatedores. E uma agremiação que sempre se vangloriou pelo espírito jovem, mesmo diante de críticas que possam gerar insatisfações por parte de alguns diretores (como no caso da “Revista Mocidade 50 anos”) deveria estar sempre atenta a este olhar externo, sobretudo neste período de escassez de bons resultados.
O carnaval carioca e o desfile das escolas de samba constituem um imenso dispositivo ritual de articulação das mais diversas ordens de diferença, e seu dinamismo sempre se pautou por esta integração nem sempre harmoniosa entre os de “dentro” e os de “fora” (CAVALCANTI, 1995; DA MATTA, 1981 apud SÁ 2005).
O fato é que o “Salve a Mocidade”, como expresso neste trabalho, ratifica os propósitos levantados por Stuart Hall. Com o seu pensamento crítico, o exaltar de valores referenciais próprios da escola, e a promoção de relacionamentos em múltiplos âmbitos, o grupo, definitivamente, deu asas à condição de pólo de encontro de interesses comuns e de reafirmação local.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. Carnaval carioca: dos bastidores ao desfile. Rio de Janeiro: Funarte, UFRJ, 1994.
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HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva e Guaracira Lopes Louro.
KELLNER, Douglas. A cultura da mídia – estudos culturais: identidade e política. entre o moderno e o pós-moderno, Bauru, SP: EDUSC, 2001. Tradução: Ivone Castilho Benedetti.
HARVEY, David. A Condição Pós-Moderna. São Paulo: Loyola, 1989. Tradução: Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves.
HAUSER, Arnold. História social de la literatura y el arte. Vol. II. Madri: Guadarrama, 1969.
LEMOS, André. Cibercultura, tecnologia e vida social na cultura contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2004.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999. Tradução: Carlos Irineu da Costa.
MARQUES, Francisco Paulo Jamil Almeida. Da conversação pública em termos digitais: horizontes e provocações sobre a validade de uma esfera pública virtual. In: LEMOS, André e CUNHA, Paulo (org). Olhares sobre a cibercultura. Porto Alegre: Sulina, 2003.
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RHEINGOLD, Howard. The Virtual Community: Homesteading on the electronic frontier. New York: Addison-Wesley, 1993.
SÁ, Simone Pereira de. O samba em rede – comunidades virtuais, dinâmicas identitárias e carnaval carioca. Rio de Janeiro: E-Papers, 2005.
REVISTAS:
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PINHEIRO, Albino. O samba na ponta do pé. Revista Manchete, Ano 18, 06/03/1971.
REVISTA MOCIDADE 50 anos, Ano 1, 02/2006.
WEB SITE:
Galeria do samba: http://www.galeriadosamba.com.br, acessado em 15/06/2006.
Esquentando os tamborins: http://www.tamborins.com.br, acessado em 15/06/2006.
JB ON LINE: http://jbonline.terra.com.br, acessado em 09/06/2006.
Lista Salve a Mocidade: http://br.groups.yahoo.com/group/salveamocidade, acessado em 25/05/2006.
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Portal Samba Rio: http://www.sambario.v10.com.br, acessado em 15/06/2006.
Portal Salve a Mocidade: http://www.salveamocidade.com.br, acessado em 09/06/2006.
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ANEXO 1
Primeiro encontro: 04 de setembro de 2004
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ANEXO 2 O Dia na Folia: 07 de setembro de 2004
Noite de estréias em Padre Miguel Mocidade inicia temporada de cortes de samba e apresenta carnavalesco, intérprete e mestre de bateria
A
Mocidade iniciou, neste sábado, sua temporada de cortes de samba. Foram apresentadas 10 composições que estarão concorrendo ao título de samba oficial da agremiação para o Carnaval 2005. As estréias da noite, em Padre Miguel, ficaram por conta do carnavalesco Paulo Menezes, do casal de Mestre-Sala e PortaBandeira, Rogerinho e Priscila Rosas, além do mestre Bira e do intérprete Roger Linhares. A equipe do DIA NA FOLIA conversou com o carnavalesco da escola Paulo Menezes. Aproveitamos a presença dos torcedores do grupo “Salve a Mocidade”, que tiveram a oportunidade de fazer perguntas para o carnavalesco. Grupo Salve a Mocidade - A Mocidade vai abrir o desfile. O que você vai mostrar para chamar mais atenção do público. Um bom samba é o fator mais importante para levantar a arquibancada ou a parte plástica do desfile? Paulo Menezes – O carnaval é um conjunto de elementos. Às vezes achamos que o carnaval vai dar certo na avenida, mas ele não acontece. Hoje, penso que a Mocidade é um escola moderna e abusada que pode se permitir abrir o desfile. A Liga e a Globo querem que as escolas de maior torcida e que têm maior potencial de campeonato que iniciem o carnaval. A Mocidade vai começar com essa nova tendência. Vamos ver o que acontece, não há como fazer uma previsão. Grupo Salve a Mocidade – Com relação ao enredo, a Mocidade vai falar da ligação Brasil e Itália ou do povo italiano? Paulo Menezes – O enredo não é só a Itália e sim sobre o pensamento do homem, aquele que a partir de suas idéias e ideais, forma a arte. A Itália entrou como o país que mais usou e abusou da arte. Porque se pensarmos em toda aquela arte que começou na Itália, ela está no Brasil. E a ligação com o Brasil está na parte final do nosso enredo quando falamos do modernismo e de Anita Mafalti (descendente de italianos) e Brecheret (italiano). Mas eu também não vejo nenhuma necessidade do enredo ter ligação com o Brasil, até porque se pegarmos o enredo de algumas escolas, percebemos que elas fazem uma viagem pelo mundo inteiro e nunca chegam ao Brasil.
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O DIA NA FOLIA – Na apresentação do enredo no Consulado italiano, você disse que a Mocidade vai ter a cara de Arlindo Rodrigues? Paulo Menezes – A Mocidade está fazendo um reencontro com os carnavais de 30 anos atrás e com o estilo de Arlindo Rodrigues, que é o meu estilo. Meu carnaval é muito próximo ao estilo do Arlindo e da Rosa Magalhães. Então, não adianta eu tentar chegar na Mocidade e fazer um carnaval com o estilo do Renato Lage. Ele foi muito importante para a escola, marcou sua época, mas agora chegou minha vez de mostrar minha cara aqui. A Mocidade permite isso, ela teve a fase Arlindo, depois Fernando Pinto e Renato Lage que são diferentes. Agora chegou a vez do estilo Paulo Menezes, que é um cara que está aparecendo pela segunda vez no Grupo Especial, que não tem uma cara muito definida, parece com o Arlindo e a Rosa, mas que na Ilha quebrou o estilo e se deixou mais leve e brincalhão. Vamos ver o que vai acontecer na Mocidade. Grupo Salve a Mocidade – A Mocidade teve como característica nos últimos anos escolher o pior samba que foi para a final. Qual a sua preocupação com respeito a este quesito? Paulo Menezes – É de 500%. O compositor e o carnavalesco trabalham em conjunto. Se a Mocidade vai escolher um bom samba não posso afirmar, porque a escolha não é só minha. Espero que a escola escolha um samba clássico, como é o enredo. Grupo Salve a Mocidade – Se o seu estilo de carnaval é próximo ao da Rosa e do Arlindo, quer dizer que você centra muito de sua preocupação nos detalhes? Paulo Menezes – Tenho preocupação com os detalhes, como a Rosa e o Arlindo. Minhas fantasias e carros são muito detalhados. Mas o que mais me aproxima deles, é a preocupação com o enredo e o desenvolvimento do carnaval. Sou um carnavalesco que fez o nome no Grupo de Acesso, e lá o acabamento do desfile é essencial. O DIA NA FOLIA – Paulo Barros e Paulo Menezes vão brilhar em 2005? Paulo Menezes – Torço para que isso aconteça. Se o Barros e o Menezes acertarem na avenida em 2005, vai haver uma preocupação constante com a renovação. Grupo Salve a Mocidade – Curiosamente, você abre ou fecha o desfile de suas escolas. Qual sua expectativa de abrir o desfile com a Mocidade? Paulo Menezes – A escola tem um grande carnaval, vai ter uma excelente comissão de frente, um grande casal de Mestre-sala e Porta-bandeira, um grande intérprete e espero que tenha um grande samba. Além de tudo é uma grande agremiação. Portanto, tem tudo para acontecer na avenida. Mas a química disso tudo só vamos ver na hora. A escola está unida e a comunidade vestiu a camisa do enredo.
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O DIA NA FOLIA – Sobre as alegorias do ano passado. Vocês vão utilizar alguma coisa? Paulo Menezes – A escola comprou chassis novos e motorizou tudo. O nosso carnaval está começando do zero. O DIA NA FOLIA – O que os torcedores da Mocidade podem esperar para 2005? Paulo Menezes – Uma Mocidade diferente do que está acostumada. Vai ser um carnaval clássico e muito, muito barroco. As pessoas estão esperando uma Mocidade moderna, só que não vai ser. Ela já é moderna, e permite ser clássica. O DIA NA FOLIA – E essa interação dos torcedores, como o pessoal do grupo “Salve a Mocidade” com o carnavalesco? Paulo Menezes – Acho muito legal. Sinto falta é da interatividade maior. Queria que eles fossem ao barracão e que o site deles funcionasse como porta-voz da escola. Se existem pessoas que moram fora do Rio e amam a Mocidade, porque não podemos tornar isso mais próximo?
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ANEXO 3 O Dia na folia: 07 de setembro de 2004 Virtual vira realidade Rafael Lemos
E
ntre o público que compareceu ao ensaio da Mocidade, estava parte de uma comunidade virtual, representada por mais de 20 membros. Vindos de Curitiba, Santos, Rio de Janeiro, Niterói, São Gonçalo e de muitas outras cidades, alguns integrantes da comunidade combinaram de se conhecerem pessoalmente no naquele fim de semana no Rio de Janeiro. O destino deles não poderia ser outro: a quadra da Mocidade. Mas tudo teve início quando André Santos, 28 anos, analista de sistemas, criou uma lista de discussão na Internet sobre a Mocidade Independente de Padre Miguel para que os torcedores pudessem debater assuntos relativos à escola. Com o passar do tempo, o espaço foi se revelando pequeno para o tamanho da paixão que agremiação despertava. Houve, então, a necessidade de se criar um site. Hoje, com mais de 150 membros e cerca de 1.200 acessos por mês, o site é bem sucedido. André também não está mais sozinho. Felipe carvalho, 24 anos, analista de sistemas, e Lígia Margotto, 22, estudante, são o seu braço direito. Grupos de discussão como este são cada vez mais comuns e têm chamado atenção até das escolas de samba, devido à força das listas na difusão de idéias e polêmicas. "Queria que eles fossem ao barracão e que o site deles funcionasse como porta-voz da escola", disse Paulo Menezes, carnavalesco da Mocidade. No entanto, os organizadores preferem ser independentes da Mocidade. "Assim, a gente pode criticar quando for necessário", alega André Santos.
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ANEXO 4 ReuniĂŁo com o carnavalesco Mauro Quintaes: 25 de junho de 2005
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ANEXO 5 Final da disputa de samba-enredo: 23 de outubro de 2005
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ANEXO 6 O Globo: 26 de fevereiro de 2005
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Paixão para fazer as pazes com o título Novo carnavalesco da Mocidade se integra com grupo de torcedores fanáticos e recupera estilo moderno. Thaís Britto
E
les têm em comum a pouca idade e o amor incondicional pela verde-e-branca de Padre Miguel. Iniciado na Internet, o grupo “Salve a Mocidade” rompeu as barreiras virtuais e seus integrantes, atualmente, são freqüentadores assíduos do barracão. Desde junho têm encontros com o carnavalesco Mauro Quintaes, que, em seu primeiro ano de agremiação, levou em conta as opiniões dos torcedores apaixonados. A idéia é voltar a gritar “É campeã!”. São exatamente dez anos desde o último título conquistado pela Mocidade. A escola, que se destacou na década de 90 com três enredos campeões (1990, 1991 e 1996) e outros tantos que ficaram na memória, pretende voltar aos bons tempos, depois do nono lugar com um enredo sobre a Itália, em 2005. Para isso, investiu numa volta ao estilo moderno, na renovação da equipe e na interação com a torcida. Criado por um grupo de fanáticos pela escola, o site “Salve a Mocidade” existe há três anos e tem mais de 350 integrantes cadastrados. Entre os membros mais atuantes está Maurício Bona, de 22 anos, nascido em Vitória e residente no Rio há dois anos. O motivo da mudança? A Mocidade. – Eu me formei em fisioterapia e vim procurar emprego no Rio, para ficar mais perto da escola – conta o jovem, responsável pelo arquivo audiovisual do grupo, composto por todos os desfiles da agremiação desde 1978 e mais de mil fotos. O material foi de grande valia para o carnavalesco Mauro Quintaes: – Uma das minhas primeiras ações foi conversar com eles. São jovens, amam a escola, e têm um olhar externo que ajuda muito quem está aqui dentro. A vibração e a energia deles oxigenam o nosso trabalho. Quis conhecer a escola pelos olhos deles e ouvir suas sugestões.
Grupo aprova criação de Mauro Quintaes Eles não se fizeram de rogados: trocaram idéias com Mauro sobre o estilo da escola. – Queríamos resgatar o que a Mocidade tem de melhor. O torcedor tem que olhar o desfile e reconhecer a escola ali – ressalta Milene Barros, de 22 anos, que define seu sentimento pela agremiação como uma paixão louca. Mauro Quintaes atendeu aos desejos. Para desenvolver o enredo “A vida que pedi a Deus”, o carnavalesco retomou uma marca registrada da escola: a estética futurista, com muito néon, materiais modernos e carros vazados. Depois da saída do carnavalesco Renato Lage, em 2002, a agremiação havia deixado esta faceta de lado.
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A Mocidade também investiu em contratações: o próprio Mauro, que veio da Viradouro, a volta do intérprete Wander Pires, que no ano passado defendeu a Grande Rio, e a chegada da porta-bandeira Marcela Alves (ex-Salgueiro), do mestre de bateria Jonas (ex-Porto da Pedra) e do diretor de carnaval Dejahyr dos Santos (ex-Viradouro). Além disso, a bailarina Ana Botafogo é a nova responsável pela coreografia da comissão de frente, que será uma das grandes surpresas da escola. Sabe-se apenas que representará uma luta do bem contra o mal. O próprio enredo retoma o caráter lúdico e fantasioso de clássicos como “Sonhar não custa nada”, de 1992, e abandona os temas mais reais e verossímeis como doação de órgãos e segurança no trânsito, de 2003 e 2004, respectivamente. Em “A vida que pedi a Deus”, a agremiação viaja no tempo para mudar o enredo do mundo. Parece difícil? Mauro Quintaes descomplica: – A Mocidade vai ao futuro, transmuta os quatro cavaleiros do Apocalipse em cavaleiros da Apoteose, e recria o mundo a partir dos conceitos de paz, fartura, saúde e equilíbrio. No final do desfile, descobrimos que a vida que pedimos a Deus é a vida dos índios. Assim vamos homenagear os 50 anos da escola relembrando o enredo “Tupinicópolis”, de 1987. A bateria segue o clima. O mestre Jonas resgatou antigos ritmistas e voltou a ensaiar as batidas clássicas da escola. Os tipos de paradinhas, no entanto, são novidade: – Numa delas, a bateria fará um arranjo que vai obrigar o público a cantar. Será uma música que todos conhecem.
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ANEXO 7
“II Encontro Internet e Carnaval”: 15 de julho de 2006
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