ESCOLAS DE SAMBA DO RIO DE JANEl RO OU A DOMESTICACAO DA MASSA URBANA Maris Isauf3 Pereira de Queiroz,
Diretors de Pesquisa do Centro de Escudos Rursis e Urbanos, Departamento lM Ci6nciss Seciais, USP.
INTRODUCAO
Rio , v~spera do Sabado Gordo : 0 prefeito entrega as chaves da cidade ao ReJ....Momo. As batucadas ressoam pelas esquinas, as ruas centra is cintllam de mil luzes. Jarnais, revistas, TV , em tftulos retumbantes celebram 0 reinado da folia : UrT" banho de laucura sacode a cidade, dizem eles. num ritmo de inversoes e de licenciosidades, trazendo
a abolicao das d istancias socials,
0
nivelamenta dos individuos , a
sol uCao dos conflitos num sonho colet ivo de alegria e felicidade ... Mas ~ na noite do Domingo Gordo, com 0 desfile das grandes Escalas de Samba, que 0 carnaval atinge seu ponto maximo ; inidado as 18 haras, termina por volta de 11 ho ras da manha seguinte, sob 0
ard urne do sol. No deslumbrarnento das cores, no cintilar das luzes, no retumb ar das baterias, 0 supershow desenrola os 40.000 figuran tes das 10 grandes Escolas diante de arquibancadas err- que IT'ais de 100.000 espectadores se requebram cantando sambas , ou gritam no entus;asmo da torcida pela "sua " Escola . . 0 desfile nao ~ sornente um supershow, ~ tamMm urn concurso, uma competicao, na verdade uma batalha impiedosa: na 5{1 feira seguin te , as urnas contendo os votos de vinte e dois jurados serao abertas, a contagem designara a grande vltoriosa do ano. E sera 0 desencadear novarnente da alegria e da loucura, agora no suburbio da Zona Norte ao qual eta pertence. o que sao, na verdade, as grandes Escolas de Samba? CADER NOS CE RU (2~ StO RI E) N~ 1 - 1985
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ESCOLAS DE SAMBA: ESTRUTURA E ORGANIZACAO
o
nome pitoresco de Escala de Samba, conhecido e popular
no Brasil como nenhum outro, nomeia "sociedades civis de cultura
e lazer, sem finalidades lucrativas", cujo objetivo principal ~ organizar, todos as anos, desfiles luxuosos que constituem 0 essencial dos folgue-
dos carnava lescos atuais. Nascidas no Rio de Janeiro, sao ho je imitadas mais au menos por loda a parte no territ6rio nacional. Os cortejos, cujo prepare ~ fe ito com grande antecedencia, exigem organizacao minuciosa e eficiente, em que nada pode ser deixado ao aeaso, pois del a depende 0 sucesso junto ao publico e 0 premia final.
As 10 grandes Escates de Samba do Ri o de Janeiro reunem cada qual 1.200 a 2.000 associados - as "componentes" -, que pagam mai s ou menos regularmente sua cotizacao mensa!. Um numero muito maior de aderentes, entre 3.000 e 4.000, vem se juntar a estes para participar do cortejo , durante 0 carnaval. 0 nucleo dos "componentes" com sua coroa de aderentes ~ acrescido ainda de uma franja de participantes cujo numero e diHcil definir, que auxiliam a exibicao da Escola, mas sem tomar parte efetiva - sao costureiras, marceneiros etc., etc. AI~m deles, uma aur~o l a de si mpatizantes, verdadeira torcida, envolve todo este conjunt0 1 . Esta forma de organiza~o das Escolas de Samba, quando sao de algum porte , e mais ou menos geral no pa rs. Grandes e pequenas, estao elas em cada cidade reunidas num conjunto que Ihes e superior, chamado seja Federacao, seja Associacao das Escolas de Samba; s6 tomam parte no desfi le as que se encontram devidamente inscritas, e s6 se inscrevem as que possuem estatuto legal de "sociedade civil 5erP fi ns lucrativos", devidamente registrado elT' tabeliao . As Associacoes e Fe¡ deracoes, em colaboraCao com as organizacoes locais de turi smo, organizam os desfiles e concursos por ocasiao do Carnaval. No Rio de Janeiro, a Associacao das Escolas de Samba esta sediada num bairro tipicamente de dasse ~dia, 0 bairro do M ~ier, em pr~di o de boa aparencia. Os presidentes das 44 Esco las de Sam¡ ba - os 44 "sab ios do carnaval" - ali se reunem todas as quartas-feiras para discutir os problemas pendentes, tomando decisOes " com a frieza de pol(ticos profissionais", segundo uma crOnica jornal(stica_ Sabe¡se muito bern que outros interesses estao em jogo, alem dos do 1. A ne<:eisidade de p;lQar 'egul tlr mente as ,n6dical CO l i~lI1;6es menlltis constitui sem d uvida loOm d os IOfo,es p'inci pais do nUme .. o mu l to menos irnponanll! UtI "con\ponentH " du nmle todo 0 corre, do un o. QUill'UO conlj"l," OOu com \0001 01 p'l!tic,puntes Qut! "SIlO'" na Esco lo".
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desfil e e da vida cotidiana das Escolas, mas esses permanecem envoltos em seg redo. o poder de decisao d os "sabios" ~ extenso . Delimitam as atilli. dades "pe rmitidas" e as " proib id as" durante 0 perrodo carnavalesco; design am 0 juri dos concursos; decidem contratos de ornamentaC§o da ci dade ; determinam as firmas autorizadas a registrar as canc5es car· navalescas; indicam as TVs autorizadas a difundir as imagens do desfile ; escolhem os produto res cinematogrMicos que poderao filmar ; estabe· lecem 0 custo dos lugares nas arquibancadas ; fixam 0 montante dos premios concedidos as Escolas vitoriosas. E, mais ainda - tareta im· portante e deli cada - , partilham , entre as Esco las dos tres nfveis, as subvencOes alocadas pelo Estado. Sao, na verdade, os organizadores da festa , incumbidos de decisoes festivas, econbmicas, poHticas. Para se inscrever na Associacao, uma Escola deve d ar duas provas: 1) de que sua organizac;ao esta de acordo com as regras legais e admi nistrativas definida s, no pars, para as " sociedades civis sem fi ns lucrativos"; 2) de que seu orcamento, estabelecido segundo as normas correntes de contabilidade , esta equilibrado. Uma demons· trac;ao publica de seu poder economico ~ dada pela quantidade de " componentes .. 2 quites com suas cotizacoes, pel o numero de parti cipantes do cortejo , pela riqueza das fantasi as e dos carros aleg6ricos. Segundo tais c rit~ri os, e ela class ificada nurn dos tn§s nrveis estabelecidos pela Associacao. Toda a atencao do publico e das autoridades esta tixada nas t:s· colas do 19 Grupo, as "grandes". Passarela e arquibancadas sao especial mente constru(das para seu desfile, que tem lugar num dia " forte" de carnaval, 0 Domingo Gordo . Suas atividades sao constantelT'ente foea· lizadas pelas meias de comuni cacao de massa : samente elas figuraIT' nas rellistas ilustradas enos jornais, somente a sua mu sica e registrada e vendida . As Escalas do 29 Grupo podem desfilar na 2{1 feira de Carna· val , d ia " fraco " ; nos dias "fo rtes ", percorrem as avenidas centrais do "seu" suburbio, sem chamar praticamente a aten ~ao dos A"II!!'ios de co· muni cacao de massa. As do 39 Grupo , as mais humildes, habitual mente nao vern dancar no centro da cidade. Nos dias " fortes", animam com suas evolucOes as ruas modestas da periferia e, nos d ias " fracas", ' ·Ihes permitido percorrer algumas avenidas centra is de suburbio, mas praticame nte nada se publ ica a seu respeito 3 . 2 . 56 , ao ch .. mados "c omponentes". nIlS Escol8$ do Rio d e J ane l'o , 0$ que es lao em dia com 5l1aS COl!z~6es , . sO el" tim di.ltilo a VOIO nas elei(:~s . 3 . Some"' !! no Rio de J a ne" u itS EscolM d e $dmbe ati ngirHm lal v.. deda de. em d' vltrsO' gums dt cumple!(rdade e de I"'por lanc , ~.
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No IntenOI de cada categona reina uma compet u:;ao apaixonada para a obtenc;:ao do lC;> lugar no desfile, coroamento supremo da testa em todos os Grupos; porern a atencao do publico s6 se volta para a luta entre as Escolas do pnmeiro Grupo. Nao se fala quase das delT'ais, a nao ser quando uma Escola de n(vel inferior consegue pontos sufi · cientes para subir ao nfvel imediatamente superior. Dois dias depois da Terc;:a· Feira Gorda, a decisao do juri e anunciada; abertos os enve· lopes, con tam·se os pontos, sao indicadas as felizes ganhadoras. A "torcida '· esta presente para vigiar a contagem dos pontos primeira· mente, e em seguida para festejar a vit6ria; a efervescencia e tal entre os grupos rivais que a operac;:ao somente e realizada em locais altamente poli ciados. . Criterios ohciais precisos orientam as decisOes do juri4 . Todavia, sabe-se muito bern que os aspectos esteticos - musicais, poeticos, co· reograficos - de urn cortejo, isto e, os aspectos propriamente artfsti · cos, nao tem 0 mesmo peso que certos elementos outros, muitas vezes ate descon hecidos do grande pUbli co ... Parece existir. pois , uma "co· zinha" previa das decisoes, da qual nao estao ausentes (muito pelo contrariol influencias econbmicas e pol (ticas, que naturairr'Cnte perma· necem secretas. Sao algumas vezes mencionadas no momento em que se anuncia 0 julgamento - no momenTa em Que as perdedores fazem exptodir acusac;:bes de tada a ardem; porem a "hora da verdade" e de curta dural;ao. Em geral, luxo e beleza das fantasias, pompa dos carros alegOri · cos, Quantidade de participantes sambando na passarela - dernonstra· c;:ao palpavel da vitalidade e do pcxler de uma Escola - impressionam fortemente 0 juri. Porem um outro componente do espet,kulo tem maior peso ainda : a disciplina revelada pela massa danc;:ante no de· correr de suas evoluc;:Oes. 0 tempo do percurso e rigorosamente crono· rne trado, os movimentos da multidao cinti lante sao minuciosame nte regulamentados e vigiados, pois a menor falha pode redundar elT' perda de tempo - portanto de pontos - e acarreta~. ate a desclassificac;:ao da Escola. Nao raro os chefes de alas comandam os movimentos de seu grupo contando em voz alta os passos que devem executar, e a movimentac;:ao e regulada por apitos. A contribuic;:ao mensal modesta dos participantes e a subven · 4 . Os cro u!"os s30 em ge,al os segu,nll!S eleg<ln<::Ia da Com'ss;'io de Frente; harmonIa no canta, u san,ba-en,edo sem desal'nar nem ·'alr_55a,'·: baterla. ,mportanifssima, pO'Que <ti 0 " ' m" par" [odo <) cU rlej o , lamas;a de IIlas e deSiaques ; meSire-sala II porta·bandel.a; sam· rn.-enredO mIllod, a do sam bi! . en.edo ; e\lol~io d,lo allu .
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cao concedida pelo governo, em geral moderada, nao sao certamente suficientes para pagar fantasias 5 , carros aleg6ricos, instrumentos muSica lS, nem para remunerar os "ca rnavalescos" organlzadores dos cortejos e demais especialistas encarregados de sua realizaca06; multo rnais recursos se tornam indispensaveis para equilibrar as despesas. De onde a transformacao dos ensaios sema nais em "shows" pagos, realizados no decorrer do ano todo, transformando a sede da Escola numa espkie de casa de espet,kulos7 ; ela se exibe tambem em comernoraCOes publicas ou privadas , contra pagamento de caches. Uma Escola pequena e pobre com grande esfor~o S9 mant~m no 39 Grupo, isto e, no n(vel rnais baixo. 0 acesso aos n(veis seguintes e, portanto, dif(cil. Somente depois de ter demonstrado seu poder de organizacao, pela beleza e harmon ia de seu desempenho no desfile, pela expansao de sua capacidade economica, pela ordem e riqueza de seu cortejo, pela disciplina dos participantes durante as evolucoes, poclera ela passar de urn a outro n rvel. Os desfiles constituem, assim, competicoes extrema mente importantes para as Escolas, embora 0 montante dos premios nao seja extraordinario. Guerra surda e constante existe entre elas, no interior de cada catego ria, mas tambem de uma categoria a outra; geralmente contida durante a competicao, pocle explodir em conflitos de toda a esoecie, principal mente no momento da atribuiCao dos premios. Cada Escola esta dirigida por uma Diretoria eleita; os "componentes" com seu pagamento em dia sao eleitores. A Diretoria monopoliza todas as decisOes concernentes it Escola - centralizaCao de pocler justificada em nome de "interesses superiores". A Diretoria controla 0 desenvolvimento das alas e tern a ultima palavra quanto a escolha de seus chefes; fiscaliza tambem a circulacao das informac?>es no interior da Escola; e seu representante diante do governo IT'etropoli tan o e do governo federal. 0 presidente tem assunto, em geral , na comissao dos "44 sabios" que dirigem a AssociaCao das Escolas de Samba do Rio. Quando tratam das relac6es da Escola com 0 governo, eta(1\bern da organizac;:ao dos folguedos carnavalescos, as reuniC'>es da Diretoria sao rigorosamente fechadas ao publico, aos participantes da Escola 5. Os panicipamM de
~ll(a categoria. como a. dal alai. t'm a sau cargo 0 lÂť9amento de t.uat lantasias. 6. 0 "carnavale54:o" â&#x20AC;˘ um I15peCiatiSla enearregado cia realizacSo do conaio de uma Escol â&#x20AC;˘. ,6.. gr.ndes Elcolas lutam entre ,i pare contrater os melhorft carl'l.v.le,cos. alguns dOl quail, iKsim como certos membros de wa equipfl. sfo muilu veze. diplomados de ellCol," ,upef IV' ,~ (Leopold; (51, p. 72. notas 46 e 47 : Ribeiro (81, P. 4517 Os ve.dadei'o$ 111'1$"05 ,a dio el'l1&! am ruazil'lhas alanaclas. nItS q .... i' OS partlc,pantes po. dem evo lu" "anquil~men HI (Goldwasser (41. Leopoldli61. Ribeiro (81.
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inclusive. Cada ala rem tambem sua diretoria com reuniOes peri6dicas, e seus estatutos; suas relac;:5es com a Diretori<l central determinam copiosa remessa de oHcios, circulares, relat6rios, cartas, cornunica· c;:5es etc. 8 Sem duvida 0 numero crescente dos participantes de UrN Escola de Samba, assim como sua inserc;:ao nurna sociedade urbana mu ito complexa, tal qual a do Rio de Janeiro, determinou a adocao de seu aparelho administrativo-burocratico. Seus velhos fOli?>es manifestam sempre a nostalgi a dos antigos tempos, quando ela era composta de famWas de uma vizinhanca, e sua organizac;:ao dependia da exist~ncia de um Ifder de indiscut(vel presHgio, espontaneamente surgido em seu interior; reconhecem porem que um impulso exterior, decorrente das transformac;:5es da regiao metropolitana e da expansao dos suburbios, convergiu com um if'T'Pulso interior a Escola, proveniente de seu pr6prio cresci mento, tornand o inevitavel a transformacao. Foi preciso entao, explicam eles, se organizar segundo 0 modelo eficiente de escrit6rios e firmas ...
ESCOLAS DE SAMBA: EMANA«;AO DAS ZONAS SUBURBANAS
As zonas suburbanas da cidade do Rio de Janeiro constituefll a matriz do desenvolvimento das Escolas de Samba atuais; algufT'as del as nasceram sem duvida nas favelas, mas trata-se de hist6ria do passado que vai se tornando mito. A expansao extraordinaria, relativamente recente, liga·se estreitamente a dilata~o inusitada da peri · feria da Zona Norte da cidade, se alastrando para 0 fund a da ba(a; 0 desenvolvimento industrial da cidade, durante a 21,1 Gu erra Mu ndial, deu um primeiro impulso importante a esta ampliac;:ao suburbana, que outros fatores depois alimentaram 9 . Cada suburbio se compoe de duas partes distintas: um nuc1eo 8. A$ reuniGes de urna Direto.;a 1$0 muito prOl0COlares. 0 presidente abo-e a $ess:1o; 0 sec,e· t~ri o " a Ala cia sess.5o antOl,io. I! a subrnttl! ~ apfova.;:I"o d os preSflnt": 1$0 discutidas as artas recebidas II 8$ '8$postas ; dete.mina-se que in fo.mac,," deYllm circular da Qi.etoria pa,a as aiM; debate ·ti l! finalmente a o.oom do dia. 9. Entre 1950 e 1970. houVOj ali VOj,dade;,a e><pIO$$o u.lulna, com um crescimento de 340%. '''P'''''tn lando I)tIrtO de- 33% do creSC lfnen lO demogr~ fi co do RIo de Janei.o Novas ttk:nlcas IOlna.am posslvel 8 COn$ tru ~;jo nos mo.-rOJ pro.dmoi a ba.r,ol mai5 abastadOs d~ Zona SUI. onde h/>"i .. 18\101<>5 . Sob 0 P"'I1"~IQ do! ",,,lho.-8' /> "id.. doJ fily"lados. fora", ,,,,no,,idof !XI'" 0 fundo da bala. Em 1974 . qU3renia e Um;] fa"elas havi am sido ass;m suprimidas. P'o· r4n •. em 1978. 1al poll\. ca fo, considerada ··errone.... ; decidiu·Nj "u.. baniza,.· as fay,laI re-stanlM Mas 1-" tie havra ope.-ado 0 considef~VOj I (resc •.......,nto (los suhu.b,os. Ver J. sa";o Ie(>polu, (51 pp 38·39 r n01;O 18 Oil",,, Sachs (9) e Did,e, Drummo nd 131 .
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residencial e comercial onde habita a camada dominante local, que detem as postos elevados da administracao publica, do com~rcio, da industria, d as pro fiss~es liberais , ali sediados. A medida que se avanca na d i r~ao da periferia, as habita¢es se tornam mais e mais pobres, suas condic5es de vida em n(tido contraste co m aquela, privilegiada, do nucleo . Assim, as casas modern as no meio de jardim existentes no centro, nitidamente minorit~rias, segue-se a multiplicidade de habitacOes precarias, moradias em mas condic5es de higiene de uma populaCao de fracos rendimentos, de n(vel pouco elevado de instru~ao 10.
Suburbano ~ real mente 0 termo que convem para designar 0 estado em que se encontra a maioria deste povo, cuja maior parte trabalha no centro da cidade - comercio ou setor servicos 11 ; porern ha ainda os desempregados, os sem-trabalho, os vagabundos, cuja proporcao e diffcil estabelecer. As etnias se misturam ali ; se os negros sao numerosos, os mulatos parecem dominantes; porem sao encontrados tambem descendentes de imigrantes europeus, de asiaticos, do Oriente Proximo, em quantidades diversas . Os costumes estao diretamente ligados a civilizacao o cidental , mesclados a complexos cu lturais de origell'\ afr icana, mas em menor quantidade ; e no domfnio da religiao, prjnci palmente , e dos folguedos , como a musica e a danca, que os ele· mentos afri canos se tornam marcantes. De qualquer forma, 0 genero de vida da populaCao mais pobre nao e cultural mente diferente do dos habitantes abastados do nucleo central , nem dos moradores da Zona Sui : parti cipam do sistema de producao e consumo da cidade ; quando alfabetizados. sao eleitores; dispaem das mesmas fontes de informacaes, pois 0 radio, principal mente , mas tambem a televi530 se fazem largamente representar entre eles. A diferenca para com os ma is abastados esta na enorme dessemelhanca de peder de compra, e nao na diversidade dos complexos culturais. Nao ha duvida de que nao se pede assimilar indistintamente os habitantes dos suburbios a malfeitores; porem nao hfl duvida tambem de que , alem de uma popul34tao de honestos trabalhadores, sao encontrados oa Zona Norte indiv(duos vivendo de expedientes, sem
10. A popullMVio • am genii propr iata tl s de 'a .." Iot a, ; 0' habitanta' conllroam aiM rnesmOlii SUal (;at' .... Oas famf1i8l. 314 tem \l11l4I renda inferi or" 51&1 ~ riOl mlnimo . ; 40% ' sem'·anaJfabete; 75% es llfo "'oj udlls 11m condio;: o5as p r9C8 r h si mas : a m ort81idada Inlanm ultrapana 90 po< mi l. .. QUi na Sachs. 11 . A d iuiincia do cen" o vari a lin I'" 5 e 25 km , e o s .....'os de loco moclo $& eoco nlram '8m~m e m es lado precario.
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otlcio conhecido, meliantes de variado tipo, delinquentes de diversos graus e esp~cie s, fac rnoras de todos os matizes, de que ~ diUcil estim,.,!" corretamente quantidade e propon;5es. Violencia e crimi nalid ade alcanc;:am ali recordes muito elevados; na periferia de certos suburbios a situac;:ao ~ tal que a pr6pr ia pol (cia mu itas vezes se absterTl de a percorrer ... Estas cond ic;:5es reforc;:am a divisao de cada suburbio nUrN! zona central mais segura , na qual habitam os afortunados , e uma zona periterica, na qual se expande a delinquencia . Nao e de estranhar tenham os suburbios adquirido deplonivel reputac;:ao, dado seu clima socia l extraordinariamente tenso, e que sejam eles encarados de certo modo como dep6sitos da esc6ria da sociedade metropolitana. Emanac;:ao de UITI suburbia cuja expansao demogrtifica fo i decisiva no seu desenvolvimento , as Escolas de Samba exibem em geral 0 nome dele: Estat;:ao Prime ira de Mangueira, Academicos do Salgueiro, Unidos de Vi la Isabel, Mocidade Independente de Pe . Miguel, Impe rio da Tijuca etc. 12 . 0 crescirrento de algumas delas foi lento, se estendendo por uma trinten a de anos, como 0 da rna is antiga, Man¡ gueira, fund ada em 1928. Outras, por~m , progrediram aceleradamente, como Beija-Flor de Nil 6polis, que se firmou como "grande escola" em cinco anos apenas. 0 ritmo lento ou rapido segue de perto 0 crescimento demogrMico e economico do "seu" suburbio. Originarias de uma zona caracter izada por desenfreada vialencia, as Escolas de Samba tern como ponto de honra evitar qualquer assimilac;ao simplista entre sua imagem e grupos de comportamento inconfessavel; apresentam-se sempre como sociedades recreativas , clubes de lazer das famflias de pequenos fun cionari os e de modestos trabalhadores tranquilos e orde iros. Seus estatutos colocam enfase nas exigencias de moralidade por parte de associ ados. Cabe a Diretoria exercer um contrale tao rigoroso quanto poss(vel sobre 0 ingresso de novos membros, a fim de que nao se confunda "sua" Escola com qualquer agrupamento de malandros e prostitutas; uma conveniente filtragem deve preserva-Ia de reun ir indesejllveis. Qu ando existem alas infantis, os jovens participantes devem frequentar a escola primllria; e, em certas Escolas, exige-se que apresentem mensalmente seus boletins, dependendo das notas obtidas a permanencia na ala . 0 rigor moralista dos estatutos e das declarac;5es das Diretorias ~ rroarcante l 3 . 12. OIlS 44 EtcOI. de Sambil do Rio de Janeiro, 6 epenllS nJo apresentem 0 nome de seu subUr¡ bio : Em CirlMl da Hora, Unidos de Ponte. Arranco, ArrMtfo. Grande Ri o. lnlerno Verde, mid 5:'... ,0 Leopold, diz que em 1974 eram 7. e inClui tambilm Bei ja¡Flo, ; porofm 0 nome tado t! 8eija-Fl o, de Nil6polis. 0 IOp6nimo eml a( p,~ente_ Ver Leopoldl, p. 46. 13.0iwfSOs pesquisadores ulm chalT"0Clo a Ittllf1(:fo pare este 10110; Goldwasser. Leopoldi: Ri. ooi,o.
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Nao menos marcante e 0 funcionamento burocnhico e forma !iSla da Diretoria e das alas, de que os associados esdio perfeitamente conscientes a que se referem envaidecidos_ Encaram-no como 0 contrario da desordem, da vida boemia, e tambem como a prova da organiZ<H;aO e da eficiencia de sua Escola. Percebem que a Escola, tornada importante pel o numero de seus participantes, assim como por seus recursos economicos, deve apelar para pessoas suficientemente instrufdas que possam se encarregar da nova organiz<t9ao complexa. A personatidade legal da Escola deve ser man tida diante das exigencias da Assoc iacao da.s Escolas de Samba; urge conhecer as leis locais, regionais, federais; e indispensavel saber se co nduzir no emaranhado das despesas e das receitas; habilidade e diplomacia sao indispensaveis tambem para harmonizar rivalidades, disputas, conflitos que possam surgir en tre a Diretoria, as alas, os indivfduos: quando uma Escola se torna importante pelo numero de seus associados. pela extensao de seus recursos. a direvao escapa entao das maos dos antigos funcla dares e de sua parentela, para calr no domfnio dos "doutores" e dos " homens de neg6cios" ... No interior da Escola , media e pequena burguesia, nas quais os brancos sao mais numerosos. se distinguem da multiciao simplesmente alfabetizada dos "componentes". de cor muito mais carregada em geral'4 . A preeminencia desta media e pequena burguesia se inscreve form almente nas regras de eleicao para os diversos postos, estabelecidos nos estatutos. e informal mente no controle rigoroso que a Diretaria exerce sabre eleitores e diretores de alas'S , Estas distincoes repro14 . Nfwis de escofaddade em lees grandes E$coliu, as du," pr;me;ras eiludadas po< Ribeiro (81 . p. 52 e 6 1 ; a terceirs par Leo p old i (5 1, p . 91, N f llfJ/ d e ElColaridade
anal abeto prlmlirio secundado - 19cic lo secund:lrio · 29ciclo su pe rior Totais
BeijilFlor
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Moc,dade In,jepenoonle de PII. Miguel penence a um subUrb.o ma .. en\l90. 8lllla-Flor dIt N.16polis a um de crescimento muito recente; ambos ""0 bastente mercados pela "iol'ncia, Uniao diI I1he pertence II um subUrbio atlpico. de habitant". de mokIia e peQuena buryuesia. As amonra, correspondem II 10% 00 .imples ·'component"··. 15. A"II Mar ia Ribeiro . em 'eu tn.btlho a M' brevemenut publicado .•epa.a que eki". " um. juslapo$i ~1iO 001 doil segmentOI papulacioneiJ, branco II rlell"o . mantendo'lfl a $Op.eMII.cil de " oder II con trole , e"identemente, em mfo. de elementOI do 9'upo branco" , 00 interior del ElCO'It$. EI " serie a ··reprodu >;5o d o tipo de poder e~ercido pela sociedade dominent. 'ofa das E$Col8$ de Samba, Aos negrOI cabefia • parte tllcnica. lamba' p 'OPriamente dito: &os b'ancos Q con tr Ole" . • Ribeiro '8~. p, 11 I.
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duzem, assim, as existentes no p r6prio subUrbio, com seu nuc leo mais abastado onge reside gente mais c lara e em que pobrel a e co r se acentuam quando se cam inha para a periferia 16 . Tambem seguem 0 que se encont ra na sociedade metropoli tana, na qual se misturam varias etnias, porem ·em que tambC m a abu ndancia de negros e mulatos vai se acentuando a medida que se desce na esca la s6cio-economica 17 . A composicao da Escola e, pois, um refl exo da composicao do subU rbia. A adm in istracao bu rocratica adotada, a ele icao peri6d ica da Oi retoria, mostram que elas se orga nizaram segundo os modelos legais brasil eiros. Fazem gala de sua disc ip li na interna, de acordo com os pri nd pios de respeitab il idade que regu lam a ordenacao soc ial do pars. Pa r intermed io da Assoc iayao das Esco las de Sa mba, co laboram com a Prefeitura do Rio de J anei ro e, portanto, com 0 governo. Assim que se torna poss (vel, constroem sedes importa ntes que sao a marca vis (ve l de sua prosperidade. Estas caracter(st icas as separam nit idamente dos habitantes vio lentos da peri fe ria, numa demo nstracao de que nao participa m de sua m iseria, de sua desordem, de seus crimes. Todavia, a tranqui lidade no in terio r da Escola nao e tota l. A tendencia dos fu ndadores de guardar para si e sua fam fl ia as fu nC5es de direcao, afastando aqueles que nao " nasceram" na Escola; a compe16. Nos dois estudes citaooli os II l'-'Ilis Nfveis dl!l $Slario
1 sal~rio mfllimo 2 e 3 sal. mIn. 4 e 5 sal. mIll. 5 sal. mIll. e m1l;$ TO tBis
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o $1I1<lrio mlllimo er1l de CrS 312.00. em 1973. no momen to da pesquin de Leo poldi 151. p. 95. e de CrS 1. 106,40, em 1977 . no momento da ptl'Squisa da Ribeil o (81 P. 54. No te-sa que a maioria dO$ participanl" gallhava elllre 2 e 5 '"'alios m{nimos; os n,a is pobres dilicil rmnte la~em p arle da Estola, como $It W. 17. As taKas de panicipaclio iltllica. li&Qundo do is e5ludos M Cil000S. sSo iI$ li&Quinles :
E rnills
NegrO$ MulalOl 8rancos TOlais
Mangueirll
!'e. M igu(li
Ribei ro. P. 431
(Leopoldi (5), p , 891
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25,3% 46.1% 28,6"-'
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Cada um desle'S '11l61090S define diferentemeflte "neglo" e "mullllo··. da onde al disc or dlincias en"e eSS(l$ duas clllegorias. De qualquer lonna, a parlicip~o "de tor". nos doi, caKls. t:! muito maior do que a participac80 branca. enlre Of "compOllentes".
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ticao constan te entre as alas; a ambicao de alguns, querendo galgar degraus ate as postas elevados , constituem fante s latentes de canflitos , que podem explodir principa lmente no momento das eleic6es_ Con segue-se em geral evita-Ios media nte arranjos e aco rdos. A rivalidade desmedida que reina entre as Esco las , a desejo exacerbado de ver "sua" Esco la triunfante no carnaval, constituem importantes fatores de solidariedade interna. que diminuem as disputas. Os "ve lhos" acet tam a dominacaa dos "doutores", desde que a vit6ria no concurso esteja assegurada. Em geral, uma ca ndidatura (mica e apresentada nas eleicoes, e a reeleicao constante de um presidente prestigioso constitui tambem a regra, podendo ate mesmo ocupar perpetuamente 0 posto ... Estas falh as de uma eleicao que deveria ser verdadeiramente democratica sao co nside radas inevitaveis pel a grande maioria dos associados, preocupados em preservar a unidade da Escol a. Alias, a Diretoria constantemente proc1ama sua posicao de dominacao; e ela quem resolve as divergencias, provando assim ser indispensavel ao bom fun cionamento soc ial interno; refon;:a co nstantemente 0 esprit de corp dos participantes a fim de assegurar a harmonia do conjunto, sem a qual 0 sucesso do desfile pode ficar comprometido. A operosidade da Diretoria e a eficiencia do "carnavalesco" con tratado para preparar 0 cortejo constituem fatores importantes de exito para uma grande Escola. As regras do concurso, estabelecidas pela Associacao das Escolas de Samba, sao dgidas: 0 m(nimo atraso na en trad a da Escola na passarela; 0 menor trespasse do lapso de tempo concedido para efetuar 0 percurso ; uma falhazinha de ritmo da bateria e dos cantantes; um pequeno erro na evolucao, das alas, mesmo sem chegar ao temivel "atravessar" que exc lui a Escola do prelio - , determinam um resultado - final insatisfat6r io, que va; ate mesmo a desclassificacao, remetendo ¡a para Grupo inferior. A medida que se ap roxi ma a data da festa, os ensaios das alas e dos passistas se tornam mais freq uentes, supervionados pel os diretores respectivos; a presenca constante dos participantes e exigida - tres ausencias consecu tivas podendo acarretar, nalgumas Escolas, a eli minacao dos faltosos. Os participantes tern plena consci~ncia rla necessidade de uma disciplina severa, de uma organizacao rigo rosa, para Que 0 resultado tao desejado seja obtido: em grande parte, a outorga do premio depende deles.
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ESCOLAS DE SAMBA , BREVE ESBOCO HISTORICO A origem das Escol as de Samba " tradicio na is" (Mangueira, Portela, Salgueiro etc. ) remonta ao tim des anos 20, quando as ativi -
dades ca rnavalescas de rua, no centro da cidade, estavam ainda quase exclusivamente dominadas pel a burguesia do Pi a de Janeiro. Era a burguesia que, fortemente apoiada pel a comercio e pel os jornais, detinha 0 privilegio de "se divertir" du rante 0 chamado TdduQ de ~~ omo :
fazia realizar bailes em clubes e teatros; organizava batalhas de confete nas pracas de determinados bairros; sUas famflias fantasiad as desfilavam a tarde nas avenidas centrais, em carruagens a princ(pio, mais tarde em autom6veis, "fazendo 0 corso"; a noite, percorriam as avenidas brilhantes prestitos noturnos das chamadas Sociedades Carnava lescas, financiadas por abastados proprietarios e co merciantes. Os jornais apoiavam prazeirosamente estas atividades festivas, que chamavam de "grande carnaval", instituindo premi os para os mais bel os cortejos, e agUl;:ando assim competi~oes e rivalidades . A pol (cia vi giava de perto os folguedos para garantir a boa ordem em sua realiza~ao .
Este tipo de carnaval iniciou-se por volta de 1856 no Ri o de Janeiro , e, durante um seculo, somente as pessoas mais ou menos abastadas tiveram 0 direito plena de se exibir nas ruas durante 0 reinado de rv'omo : eles "divertiam povo" , ao qual era concedido 0 sim ples papel de espectador 18. Grupos de vizinhan~as pouco abastados 'lue hahitavam 0'<> morros ou a periferia nao podiam nem mesmn se reunir numa esquina, no pedodo carnavalesco , sem desencadear imediatamen te a persegu i~ao da polfcia. Divertiam-se, por assim dizer, clandestinamente, em ruelas afastadas ou no fund o dos Quintais. Re· voltavam-se par vezes; pequenos artesaos juntavam-se a o perarios, a gen te de trabalho esporactico, ate a vagabundos, resolviam afrontar a proibieao e chegar ate 0 centro da cidade, ca ntando e daneando, com 0 resultado habitual de verdadeira batalha contra a po l(cia seguida de prisao ... Todavia , a originalidade de seus instrumentos de musica, de seus cantares, de suas dan~as, comeeou a chamar a ateneao de urn publico cada vez maior ; 0 samba, com sua musica. danea e canto de
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18. Os h<liles loram organ.zados no RIO de Janell o a pa rI" de 1840; 05 prfSUlOt das Socilldadet CarnavalHcas. a parli, de 1856. ES1;"' for ma de c arnaval 10' prec:ed ida de uffill ou " a. nltida· menle porlUguesa chamilCla ·'en'.ud o ". Von S'm1On 11 0 1. p. 331.
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caracteristicas africanas, penetrava pouco a pouco nas altas esferas da sociedade carioca 19. No infcio da decada de 30, a nova industria do disco e a implanta.-;:ao das radios difundiam largamente esta mCJsi ca nacional 2o . As razoes da tolenincia paternalista das camadas supedores para com musicas e dan.-;:as das camadas inferiores no Brasil estao ainda por estudar. A primeira Escola de Samba, oficialmente organizada enquanto grupo carnavalesco permanente, nasceu no dia 2B de abril de 1928, e resultou da fusao de alguns grupinhos de viz inhanca de um mesmo bairro; reunia artesaos, vendedores ambu lantes, engraxates, estivadores etc., alem de trabalhadores ocasionais de variado tipo, geralmente de cor escura, embora nao estivessem excl urd os os brancos. Grupos semeIhantes se formaram noutros bairros. Os Jornais da epoca desempenharam impo rtante papel em sua aceita.-;:ao enquanto participantes do carnaval de rua, po is nao tardaram em oferecer tambem premios aos melhores grupos, aos melhores sambistas, a musica mais excitante 21 . 0 desfile das Escofas, desde in (cio, apresentava assim a caracterfstica de uma competi.-;:ao desenfreada 22 . Porem , tambem desde 0 in (cio, os cortejos se inspiraram nos que eram organizados pelas antigas grandes Sociedades Carnavalescas burguesas 23 . Todavia, a aceita.-;:ao pelas camadas
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19. No carnaval do lim do Mlc. XIX .• musica e ra flSlenci almenle europeia. As alivided" a'8m anunciadas pelo ZtI Pe rei ra. grande lambo. caraclerfnico das le51 al componeuts de Po nugal . Nos bailes. eram tacaclas ma:;r.urcas. valsM, polCas, "'"oles" flIC. 01 desfiles" e"ibiam 110 sOm dtI musica de opera, entlio mUilO pOpUlar no pa fs, esco lhendo·se especi almenle as de c unh o ffiilrcial. como a marcha tnu nl al dB Arda IVerdil . ou do Tore~or IBilel!. Ver V on Simson. 197B. A mUsica alricana se substilUiu 101almente Ii mu si ca europdia, no carnllYal b'Bsilei.o da P. melada do S41c. XX ; somen!!1 sul»istiu. enQuanto Ilmbo lO musical do ca.n ..... I. 0 Zd Pereira, Von Simson 111 I. aJ.O grande desenvolvimen.o d os g,amo lones. do~ discos, das r;ldi os no pals coincidiu c o m 0 nascimenlO das EKo las de Samba e e><erceu i nflu~ncia indubil;l~1 na aceila.,;50 deslos ullimei. ass;m como r'l3 difu sao da mU~lc3 r:lopul ar, r:lara a qual se ab ri a assim um Me. cado ;mpOna 01~. Est e me.cado , rlue 101 50 {OfOan(lo acass {vel para u m publ ico mais modesto , ln lluenciou sam duvida a .mportaneta c,escenle de sambas e OUlrllS m':'sicas popula.es nationais, Vet Borges Pero"a 11). P. 197 ; GoldWas5O' (4 ). p . 20. nOla 2 ; Ribeiro (BI . p . 101, 21. Gol dWOlner (4). p. 19 e 20. p. 24 ; Ribeiro (8), P . 36 e seg. n. Ainda hoje , a compell';:io $9 man\ll!m 110 longo do ano lodo. A esp ionage", entre as cocolas I! correnle e mUl tO lemida, com a I.natidade de conhe(;ar de aOlamao lema, musi ca , orlla· nlza.;50 dOl conejos rivais. 0 oontrole da Escota sobre leUS componanles e , prin<;;pal men le . sobre 0:. est,anho:. .orna·se cada vel mais r lgoro$O 11 medida Que 0 carnaval 50 apro"irna. 13. Nas Sociedades Carnavalescas. por a><emplo. a ComiUSo Oirelora abria coneio , COm 50us membros eleganleman\e vestioe)!, c avalgando escolhidos animais, e, 100 som dBl f»ofa"M . saudallilm 0 publ ico de Citrlola na mio. Vinham em seguida os figu''''''es brilhanlemenlfl lrajados, as carrol aleooricos lor lemente oolor;dos ci nlilando de mil IUlfll, enfe;t..:los de belM mulheres sorridenlBS ,;camen'e lanl aliad&5. Este fIIQ uem a permaneceu mail OU menos mesmo nas Esto la. de Samba, Ainda hoje, a Comiss€o de Freme. com pos. a cia Oiret o ril. e dos lundadores , all •• a mafCha; saus Pilrt ici pantes. ricamen.a VIIilidol , de carlola ou chapliu na m.fo , " pedem p;lssagem"', segundo e fO rmula conlag rada. Cump.e le mbr ar t~m· btlm Qua a ma ioria dos esPBcialislas em carnaval indica. como lo me traditional pera 0 esquema e a o r9lln;z&(;30 dol delliles carnllValascos nacionais , " p.acin6ei rel 'giases do sec. XVII a XVIII. auim como 01 desliles co,.,..,.moralivol de reil e prrnci~ port uUUftB. em SBUS lIOive.iarios e oU\fas datas imPOrlan" •. du ran1l 0 perfodo colonial. Esta Ilga.;:lo hist o dca tem sido notll(iu tambllm nos carnevais tberO'arTlericanos: ver Paraire de allBi '02161.
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supenores ainda era relativa : destinava-se a sua exibicao a celebre Pral;:a 0nze, locali zada no limite de uma zona urbana considerada de teriorada e caracterizada pel a prostituicao ... Par volta de 1935, a evolucao das Escolas de Samba na Pra.;:a Onze era jil considerada como uma das atracoes importantes do carn"v,,1 do Rio de Janeiro . As Escolas decidiram entao se reunir em federacao para tomar elT' comum as dedsoes concernentes as suas atividades . For· mul ou-se uma serie de exi~ndas pa ra a filiacao dos agrupamentos : es· tatutos, diretoria eleita, sede oficial, mensalidades etc. Uma pr imeira barreira foi assim erguida contra a partidpaCao de qualquer grupo aque· la assoc ia~ao; eram s6 definidas como Escola as organizadas segundo 0 modelo das sociedades civis nacionais. Desde 0 in(cio, a radonalidade da organizacao fOi , portanto, erigida como criterio para sua admissao a Assoda~ao, 0 que vale dizer, ao desfile . Um ana depois, a Prefeitura do Rio de Janeiro "Iegal izou " a participaCao das Escolas de Samba ao carn ava l e Ihes concedeu pequena subvencao, desde que obedecesse m ao regulamento que estabelecera, 0 qual, todavia, ia na mesma direcao do regulamenlO da Assoda~ao; a par tir desse momento , e uma vez filiadas, as Escolas de Samba adquiriram o estatuto legal de sociedades recreativas civis de finalidade nao .lucrati va. Uma notavel convergencia de preocupa~Oes era assim manifestada pelOS dois organismos: a Associacao, que representava as camadas in fe· riares da populac;;ao do Ri o, das quais emanava, e a Prefeitura do Rio de Janeiro, representando as camadas superiores; a mbas formulavam es tatutos e regulamentos semelhantes. As exigencias da Prefeitura iam, pon!m, mais longe do que a simples organizacao radonal das Escolas; in terv inh a ela diretamente na conformacao dos cortejos, Impunha que os temas deviam se Inspirar na hist6ria do Brasil , proibla toda manifestacao abe rtamente polftica au re ivi ndicativa, tod a alusao QU cd tica a acontecimentos marcantes . loda propaganda comerci al ; determillava tambem que percurso seguina 0 destile . A menor desobediimcia significava a desclassificacao da Escola, isto e, sua impossibilidade de participar do essencial da festa . A atividade interna das Escolas de Samba ultrapassou mui to cedo os limites do per/odo carnavalesco e se estendeu a festas e come moracOes a roda do ana todo; bailes aos sabados, quermesses, piquen i ques, festas dvicas etc. Elas se tornaram, assim, a prirneira organizacao legal dos habitantes de favelas e $uburbios, e, para as ca madas inferiores, constitu(ram uma replica dos clubes esportivos e recreat ivos das cama· das ricas. o prime iro desenvolvlmento das Escolas de Samba, entre 1930
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e 1950, coincid iu com uma epoca de mudancas economicas e polrticas importantes para 0 pars. Tres constituic5es (1933, 1937, 1947) foram sucessivamente adotadas; novas regras eleitorais aumentaram con tingentes de eteitores, entre as quais a integracao do eleitorado feminino e, para votar, 0 abaixamento do limite de ida'de para 18 anos (1933l. A 2~ Grande Guerra, iniciada em 1939, desencadeou grande vaga de industrializacao, alcancando principal mente Sao Paulo eo Rio de Janeiro. No Rio de Janeiro, suburbios e favelas entraram en tao em crescimento acelerado, sua falta de organizacao se exprimindo no amontoado ern desordem de casebres rnise raveis e s6rdidos; as autoridades encaravarn tais malocas como caldos de cultura de vagabundos e criminosos. Mas tambem ali se encontrava muita gente sabendo ler e escrever - portanto avultada quantidade de eleitores, mina de aura para os pol (ticos. Urn perrodo pot{tico marcado pelo poputismo se iniciava. A toterancia e mesmo a benevolencia Que a Prefeitura do Rio de Janeiro demonstrou en tao para com as Escotas de Samba sem duvida decorreu destas circunstancias. t numeras testemunhos e documentos se referem as verdadeiras transac5es que se opera ram entre fundadores de Escolas de Samba, chefes pot rticos de diversas n (veis, candidatos a va¡ riados postas, altos funcionarios em busca de prestrgio. Destes solicitavam os fundadores das Escotas methorias e privilegios para etas, contra certa numero de votos no momento das eteic;Oes; e obtiveram 0 que desejavam 24 . Por volta de 1960, as Escotas , bem estruturadas ja, atingiam 0 ponto culmimante de sua ascen~o sOcia-economica: conquistavam 0 direito de desfilar nas avenidas centra is. Fora outorgado, tam~m , 0 direito de desfilarem num dos dias "fortes" do carnaval, 0 Domingo Gordo. A medida que a estrela das Escotas subia, a participac;ao das camadas elevadas e medias da sociedade urbana do Rio ao carnaval de rua se anulava cada vez mais : alem do desaparecimento do "corso", das batalhas de confet.e, 0 desfile das grandes Sociedades se deteriorava ano a ano. Hoi coi nc icJencia significativa entre a ascensao das Escotas de Samba, a degradaci!lo das grandes Sociedades Carnavalescas financiadas por media e alta burguesia, e um outr~ acontecimento coetaneo ainda nao estudado: a proibic;i!lo dos jogos de azar em 1946, entre os quais 0 jogo do bich0 25 . As Grandes Sociedades haviam side uma esp4kie de clubes masculinos de jogos de azar, abertos no decorrer do ano todo. A proibic;ao do jogo foi um golpe mortal para suas atividades lucrativas e :;!4 .
Go ld _ .se" p . 14 , nOla 16, II p, 42: Lw p o ld i, p , 8 1 , nOla 56 : Ribei,o, pp, 101 II 104,
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apressou 0 desaparecimento paulatino de seus desfiles ca rnavalescos; a decadencia se expressou na pobreza cada vez maior dos cortejos, qUE" foram sendo empurrados para um dos dias " fracos" do carnaval, a Segunda -Feira Gorda, e deslocados para avenidas de menor importancia. I\~as 0 bicho, isto e, 0 jogo de azar tradiclonal dos pobres, persistiu de forma clandestina e se beneficiou com a explosao demogrMica da cidade e com a expansao de favelas e subUrbios, acelerada pelo processo de industri alizacao. Oesta maneira, ao mesmo tempo que 0 jogo do bicho tecia sUas malhas nas localidades de peri feria, onde habitava sua mais importante clientela, as Escolas de Samba tambem ali se encontravam em plena ascensao 26 . A ligacao subterranea do bicheiro co m a Escola de Samba assegurou a este 0 apoio de certa massa eleitoral que Ihe tornou poss(vel negociar com pol(ticos, com a poUcia, com membros de governo, a fim de assegurar a impunidade de suas atividades clandestinas. Atraves das Escolas de Samba, que constitu iam uma base de apoio que os bicheiros ia encontravam mais ou menos organizada, era muito mais facil dominar de um lade 0 suburbio, de outro lado assegurar 0 auxflio dos "carto las" da Zona SuI. Alem disso, 0 dinheiro que davam as Escolas de Samba permitia a estas sua expansao; reunindo uma quanti dade cada vez maior de associados, impunha 0 aperfeicoamento da organizacao burocratica, permitia a reali zacao de cortejos cada vez mais suntuosos, de espetacu los cada vez mais elaborados. Assim eram levadas as Escolas de Samba ao seu pleno desenvolvimento. Assim, ao mesmo tempo que cada subUrbio tinha a "sua" Escola de Samba, tambem possufa igualmente 0 "seu " banqueiro ou a "sua" reuniao de banqueiros associados. Nao tardou muito e suburbios e favelas do Pio de Janeiro se viram partilhadas entre riqu fssimos "contraventores" . cad a qual dominando determinada tlrea urbana ou subu rbana; e 0 dominio de um determinado bicheiro se justapos it localizacao de uma das gran des Escolas de Samba. A coincidencia entre aumento da densidade de 25.0 jogo do bicho fol cdado em 1889. num momento em que 0 analtabelismo imperlva no Brasil. A !lSsocipo;So an l ra numeros e oete,mln8do1 blchos permit Is s iog&durll'l snalllll)etol apostar co m Sflgy,an\:a; as apos\as b.;"a5 colocavam 0 logo PO /licance da pOpulac6o ma;s pobra. Banque;rol a 8IJ8n tes do bicho eram for\:osamente alhbetizadol a adquiriam fOrte MCendl1ncia lob'a 0$ clian tel. :;S. QuantO 10 influt!ncla dOl b lcheirOi.â&#x20AC;˘ hiu 6ria da. Escolal de Samba no R;o de Janairo pll1lCe cons lilui. urn e"emplo (inico no pari. Ao que se laiba. ela nlo a"illiria no d&senvolvimamo que 11'1185 "sodedades de lazer " IOma'3m nOU\<<15 cidade<. que fo; In fluenciaclO p or falor" total<neme diversos. Ponfm IUOO ISlO ainda eut! mU;lo poucO eSludado . embora se,a uma porta abena para a compreensao do mundo urbano brasileiro.
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populacao de um suburbio; riquez a do banqueiro do bicho af esta belecido; sucesso da Escola de Samba ali sediada, nao parece, pois, fortuita. Nao tardaram os bicheiros em se tornar presidentes, ou presidentes de honra, de "sua" Escola, comandando real mente suas atlvi ¡ dades e realizac;:oes. Ouanto mais populoso 'o suburb io, mais poderoso o banquelro, mais rica e brilhante a Escola. A hist6ria da ascen~o da Escola Beija-Flor de Nil6polis, a grande vitoriosa dos concursos dos ultimos anos, ilustra bem tat associa(fao. Nil6polis era modesta local idade de populacao pouco densa. No inrdo dos anos 70, foram para ali enviadas levas de desfavelados; o recenseamento de 1980 acusou 200.000 habitantes para os seus 9 km 2 , isto ~, mais de 2 .000 habitantl':!s por km 2 ... A rede do jogo do bicho desenvolveu-se aceleradamente, sob 0 impulso de um banqueiro que logo ascendeu ao pfncaro da profissao, tendo manobrado r~pida e habilmente para se apropriar de uma clientela que, com a transferencia de habita(fao, havia rompido os la(fos com os bicheiros de sua localidade anterior; tornou-se ele em pouco tempo poderoso entre seus pares. Interessou -se naturalmente pel a modesta Escola de Samba que deambu lava nas ruas durante 0 carnaval, e fe-Ia surgir subitamente en tre as grandes, tornando-a pela primeira vez vitoriosa em 1976. A partir desse momento, a massa dos participantes, 0 luxo desl umbrante das fantasias, a imagina(fao do grande "carnavalesco", contratado por alto prec;o para organizar 0 cortejo, Ihe asseguraram constantemente 0 primeiro lugar entre as rivais27 . Cada banqueiro ou grupo de banqueiros vigia zelosamente "seu reino", para prevenir qualquer invasao rival. Uma luta aberta se desenvolve entre eles, que de tempos em tempos se exacerba em assassinatos, em conflitos sangrentos, em atrozes ajustes de contas - luta terrfvel e constante que alimenta a violencia do subUrbio. A atmosfera deste e prenhe de perigos para os habi tantes, principal mente para os que ali forcejam por levar vida honesta e t ra nqui la . Caracterfstica marcante desta situacao: na rede do bicho, como nas Esc olas de Samba, a popul8(fa'o pobre, espicacada pela miseria , amontoada em prec~rios casebres. encontra meios de subsistencia e de sobrevivencia, com a esperanca de um futuro melhor, de uma ascens30 social ou de sUbita fortuna . a que reforca na populac;ao loca l 0 sentimento de aliados dos bicheiros e das Escolas de Samba. 'n . Belja¡Fl or de Nil 6poli5 (:on!leguiu romper verdadeira muralha que us quano g'andn EJeole5 tradiciol'lai5 haviam erguido em tOtno dos pr'miol, os quais sempre .e dividiam enHe ela.: Manguei,a. Portela, Imperio Sefral'lo. Salgueiro. Ve, Ribeiro . p. 16.
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Pois a rede do bicho e fonte de empregos, seja pela aferta de func5es rel ativamente tranquilas de simples agentes e vendedores de bilhetes, seja pelas fun yoes aventureiras e perigosas de capanga e pistoleiro, que sao os defensores dos banqueiros e de suas famllias diante de rivais e da poHcia, Dando extraordinario impulso as Escolas de Samba e aos folguedos carnavalescos, os bicheiros desenvolveram mais ainda 0 mercado de trabalho subu rbano, Transformadas em poderosas associacoes c ivis possu ido ras de elabo rada s e ricas sedes, eom servicos de bar e de restaurantes, eom uma administracao complexa a exigir numerosos funcionarios para assegurar a boa marcha das atividades cotidianas e festivas, as Esco las de Samba oferecem aos habitantes do suburbia possibilidades de emprego decente e estavel. E, mais ainda, abrem a via de asce nsao s6eio-econo mica aos bem-dotados para as artes - musieos, ca ntores, passistas, eo re6grafos, artistas pl asticos etc, - , que sem elas teriam veget ado, impedidos de desenvolver seu talento 28 , 0 bicheiro , mecenas de uma grande Escola de Samba e senhor de urn suburbia, se torna assim grande dispensador de beneffdos aos habitantes, fat or de ordem e estabi li dade dos que nele se ap6iam, e seu domfni o se eneontra extraordinariamente reforcad029 . A Escola e, pois, um instrumento de integraCao dos bieheiros a sociedade metropolitan a, Exibin do " su a" Escola duran te 0 carnaval, o banqueiro do bicho da a sociedade metropolitan a demo nstracao evidente de seu poder, eujas bases sao porta nto duplas : qu an t idade e qualidade de todo 0 pessoa l que eonsegue mobilizar; grandes somas de dinheiro que pocle despender 30 . A evolucao na passarela do brilhante eortejo carnavalesco de que jose sente dono" e prova gritante de seu poder sobre uma quantidade de gente e da extensao de sua fortuna 31 , A Escola de Samba constitui , assim, poderoso trunfo nas ma-os do bichei ro ; ela esconde, mas tambem to rna ace itaveis, suas atividades proibidas , Porem , para tanto, e indispensavel que a Escola de Samba osten-
28. A Iransfer(! ncia de cepi lal para Brasilia, em 1960. suprimiu para os habilanles dos suburbios uma parle imponanle do mercado de emprego, da cidade. Que eles au! en l80 lin h im pod ldo alcanr;ar, Seu efei lo sobra a massa dos habil8nla$ da POUC O$ recU f$OS n80 foi ainda euu-
"'do.
29, Possui lambim 0 bicheiro sua pol(cia privada, que man uim a ordam no bairro am que ale mora, Tal prOIe<;50 _ qua II conhec ida e aU! mesmo apr egoada - constilul vardadeira benclo pare seus vizinhos imedia loli, dl!$ejosos da uma vida ordaira a \fanquila: enas la IO rn am. portanto, oUlros Ian 105 de fansores dos bkhairoli ... :J>, As Quanlias ga1135 com 85 Escolas da Samba podem iIIr deduzidas do Impos lo de renda, poi. as Es.c:olas '80 legalmenla defini(las como sociadadEtS civls de fins nio¡lucralivos, deninados ao desenvolvimento dol cullun. e do laze,. 31,05 bichei,os prOlegem lem l;M!m os duties de fUle1)o1 dOli subUrbiOs pelas mesmas raz Oes da pr Ote<;ao as ElIColl)5 de Samba,
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te uma fa chada de respeitabi lidade , contrab a lan~and o as atividades subterraneas do seu mecenas. Na decada de 70 afirma -se a vit6 ria definitiva das Escolas de Samba co mo "prato de resistencia" do ca rnaval do Rio e modelo das come mora~oes ca rnavalescas das cidades brasileiras; consequentemente, simbolo do pr6prio carnava l do pais. Embora co nserva ndo na aparencia a direc;:ao das atividades ca rnavalescas, a Prefeitura do Rio de Janeiro e tambem a Riotur, instituic;:ao do governo criada especificamente para 0 turismo, foram delegando cada vez mais poder a Assodac;:ao das Escolas de Samba. Ficou ela encarregada da distribuic;ao das subvenc;:oes; outras func;:oes Ihe foram sendo atribu(das, a tal ponto que, no inido da decada de 70, as decisOes mais importantes eram js tomadas pelos "44 sabios", Reconh ecia-se, pois, a Associac;:ao co mo merecedora do respeito e da confianc;:a do Estado , do qual se tornara aliada. Duas caracte r (sticas devem ser ressaltadas em conclusao: em pri meiro lugar , os con to rnos internos da cidade do Rio de Janeiro foram nitidamente demarcados pel as Escolas de Samba e pelos bicheiros, di vidindo ¡a em duas zonas distintas : a Zona No rte , sede das Escolas de Samba, cujos hab itantes estao estreitamente ligados a festa e o nde se multiplicam as atividades dos bicheiros; a Zona Sui , onde nao existem Escolas, cujos habitan tes ou sao espectadores da festa ou se ausentam no momento dela, e na qual as atividades do bicheiro sao mais apagadas e modestas . Em segundo lugar, a ascensao das Escolas <.Je Samba determinou, at raves do tempo , uma transformacao da pr6 pria composi~a-o dos fol guedos carnavalescos co m a inversao dos papeis desempenhados pelas diversas camadas sociais em sua realizecao . A populac;:ao urbana inferior, outro ra impedida de danc;ar na rua durante 0 Tr(duo de Mo mo, tornou -se a protagonista da testa ; as camadas medias superiores que , no passado , haviam constitu(do as grandes animadoras, ou abandon am a cidade, ou, entao, bem defendidas nas arquibancadas, se contentam em aplaudir as melhores performances. Assim divididas as func;:oes e a localizac;ao de atores e espectadores, 0 desfile des Escolas de Samba desencadeia grandes vegas de en¡ tusiasmo e a "loucura co letiva" do publico, mas nao ps'rece determiner a anulacao de diferenc;:as s6cio-economicas durante 8 festa ...
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ZONA NORTE, ZONA SUL NO RIO DE JANEIRO: REPARTlR, INTEGRAR
A am11ise da evoluc;ao do carnaval carioca durante as ultimos 100 anos desyendou uma inversao de papeis e de func;Oes das camadas sociais, no decorrer do tempo, em re1ac§o a festa: ve-se Que elas naa participaram nunea de maneira semelhante em suas atividades. At~ 1950, 0 "carnaval de rua" era dominado pels m~dia e alta burguesia, fosse Ii tarde, fosse a noite, e 0 publico era composto principal mente de geote modesta. A partir de 1950, a rua ficou reservada aos caftejos cujos participantes pertencem t.s camadas inferiores; os espectadores, gen· te das camadas abastadas que podem pagar ingressos. estao nas arqui bancadas. Nos dois momentos, as fUrl4;oes distintas de atores e de espectadores acentuam a separar;ao. no espaco festiva, entre dois tipos de participantes, e um forte dispositivo policial gar ante a "ordem" da festa , impedindo invers5es de fun(:oes e indevidas invasOes dos espacos. A esta divisa"o de pap~is e de fum;:i5es, bern como a esta tocalizacfo de atores e espectadores durante 0 desfile, corresponde tamb~m uma divisao da pr6pria cidade, expressao das diferen.;:as entre habitantes pobres e habitantes afortunados. As camadas superiores gozam das belas praias do SuI, abertas para 0 mar alto e bafejadas por brisas suaves; seus bairros residenciais arejados, seus belos jardins, constituem o "cartao de visita" do Rio. As camadas inferiores chafurdam nos mangues do fundo da bafa, onde nao penetram brisas, onde reina pesa· damente 0 abafadolcalor. A separ8(:§o n(tida do espa(:o da festa nao ~ senio urna continua(:§o da divisao existente flO esp8Co urbano co· tidiano. Na Zona Norte, OS habitantes se engajam diretamente nas atiyi · dades carnavalescas, ou como atores. ou contribuindo com seu trabalho (costureiras, bordadeiras, rnarceneiros, pintores etc.) Ii reaHzacao de festa. AI~m disso, estao impedidos de se tornar espectadores: 0 pre<:o dos lugares ultrapassa de muito seus recursos, par um lado, e par ou tro lado, as arquibancadas, se erguendo dos dais lados da avenida, ao longo da passarela, impedem a vista de quem nelas nao se encontra. Os habi· tantes da Zona Sui. por sua Yez, pagam para gozar em paz a belez3 da fest8. Esta diyiS§o Norte-Sui I! sensfvel tamt>em quando se analisa a distribui(:io do jogo do bicho: agencias e agentes pululam na Zona Norte. sede de suas atiyidades, enquanto na Zona Sui sao muito menos frequentes e nlo se fazem notar. Existe a mesma separa(:ao de urn outro ponto de vista: a Zon Sui se apresenta como a sede do progreS$O economico, da vida pol fti
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ca, das atividades intelectuais, do conforto cotidiano, da seguranca des famllias protegidas pela poHcia - sede, portanto, da "sociedade ordeira"; a Zona Norte, marcada pel os jogos clandestinos, na qual se abrigam vagabundos, malandros e criminosos, seria a sede da "sociedade perigosa"32. As relac5es entre as duas Zonas, aparentemente, seriam de separacao e desconexao. A ascensao das Escolas de Samba, que se tornaram a partir de 1960 as rainhas do carnaval carioca, parece, a primeira vista, 0 resultado da rivalidade inconsciente entre, de um lado, m6dia e alta burguesis e, de outro lado, os pobres h.!lbitantes. de suburbios e favelas. Dado Que as participantes das Escolas de Samba lutaram para ocupar um es路 pat;:o que, na festa carnavalesca, Ihes fora outrora proibido, celebrariam hoje a vit6ria com seus cortejos cintilantes e demonstrariam possuir urn trunfo fundamental na porfia constante entre as classes sociais: sua forca numerica . Seria entao uma primeira vit6rla da massa sabre as camadas superiores, preludio e ameaea talvez da inversao futura das hierarQuias s6cio-economicas e pol (ticas. Nesta perspectiva , os bicheiros, que comandam ao mesmo tempo as atividades legais das Escolas de Samba e as atividades clandestinas do jogo e do contrabando , poderiam, quem sabe, ser encarados como "generals" de uma esp4cle de guerrilha urbana, conduzida pelas cama das inferiores contra as camadas superiores. Guerrilha Que teria dues faces : a face subterranea da contravenc;:ao, des roubos, dos assassina路 tos, da violencia enfim; e a face revel ada e patente dos desfiles carnlllvalescos, com seu fausto e pompa. Ambas seriam manifestaeoes da can路 testac;:ao popular. As camadas inferiores se caracterizam no Rio (e no Brasil) por reunirem a maior quanti dade da populac;:,ao de cor, Que denuncia SU8 origem africana; sao implicitamente consideradas, portanto, como portadoras de uma civilizac;;ao rude e pr6xima ainda da barbarie . Os subUrbios da Zona Norte, onde em geral habitam, seriam sede . e origem de uma heranca cultural rudimentar e alga primitiva, muho afam路 da das praticas elegantes e requintad~s das camadas superioes da Zona SuI. Nesse contexto, 0 desfile das Escolas de Samba nao exprimiria apenas a vit6ria do numero. 0s habitantes da Zona Norte, onde Ie jul9a reinar a pobreza e a falta de ume instrucio aprimorada, trariam para a rua, com setJS cortejos, a prova de que slo tlo "civilizados" quanto seus oponentes da Zona Sui, uma vez que podem tam~m criar um 32. Etta lerminologia ntll
C81~a
na eM LOu;. (;heval'" 121.
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espetaculo de alta Qualidade. 0 show bem organizado e desl umbrante. com seus grandes conjuntos de componentes. demonstra Que a inteli · gencia. a imaginacao. a riQueza e at~ mesmo a erudicao nao consti tuem apanagio exclusivo dos habitan tes brancos da Zona SU1 33 . Tambem tra· zem um desmentido as acusacoes de desregramento e de confu$§o habi · tualmente formuladas contra eles. A criacao. todos os anos, do "mai~r espetaculo popular do mundo" nao se torna poss(vel senao pel a discipli· na conscientemente aceita pel os participantes, e pelo controle estrito impasto pelas Diretorias. Pois somente uma Escola Que se distlnga pela sua boa organizacao interna pode levar a rua grupos macicos e bern ordenados de componentes, cujas evolucoes seguem rigorosamente 0 rltmo marcante da bateria, e Que obedecem como um s6 homem ao apito dos chefes das alas. Os cortejos das Escolas parecem afirmar. assim, Que a dominacao fuuira das massas mio seria uma degradacao, uma diminuic~o da Qualidade e dos valores da vida; a dominacao"futora das massas paderia constituir, 80 contrario , uma exaltacao ... Todavia , uma interpretacao contraria tambf!m poderia ser valida. Nao se deve eSQuecer Que as camadas superiores, durante 0 carna· va1. continuam a afirmar sua clara posjc~o de dominacao. De seus pa· lanques elevados, aplaudem com entusiasmo 0 desfile, conscientes de seu pader: sao elas que permitem a realizacao da festa ; $§o elas Que, por interm~dio das autoridades e da pol (cia, controfam todo 0 desen· rolar dos cortejos; e a pr6pria disciplina reinante ~ uma prova a mais de sua hegemonia . A hegemonia delas se exprime tambf!m nos modetos seguidos para a organizacao das pr6prias E~o las . A adoc;ao de valores e maneiras de ser das camadas superiores pelas inferiores - adocao voluntaria e consciente - se manifesta de variadas formas: a administrac~o buro· cratica das Esco las de Samba se inspirou na organizacao de firmas e de industrias; a eleicao das Diretorias copia as normas aparentemente democraticas do governo brasiteiro; a competicao exacerbada Que reina entre as Esco tas, com seus gorpes variados, com a espionagem, com as tentativas de suborno para assegurar a vit6ria. constitui r~plica do capita lismo selvagem que domina a sociedade nscional; os temas e personagens dos cortejos. com sua feicao erudita, se liga a grande valorii'acao de cultura livresca ; 0 luxo das fantasias e das alegorias retlete 0 consu ma ostentat6rio caracter(stico da sociedade capitalista atua!. Esta ado · 33. A "calha de lerT\8S ,ruditas pare 01 eor le jO!, 01 pe ...onage .... hillOrleas ancernedos pelO! fi · Gurant..... lanlll';8oI In,pl.adM 1'101 ves lu6r iOli da notlrell euro~;. do Me. XVlll . au n • • ntigiil(lade.l8rillm Outfa. 1111'1181 prov", de "ud;~'O II .IIIinll...... nlo.
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cao de valores e de maneiras de ser vai no mesmo sentido de outras imposicoes autoritarias das camadas hegemonicas. Mas a submissao das camadas inferiores n§o se opera pel a reproduc;ao apenas dos model os poHtico-economicos e culturais; as afirmacees morais encontradas nos estatutos das Escolas de Samba. as regras de comportamento exigidas dos componentes e praticadas nas ativida · des cotidianas. vem se juntar aos servicos prestados por elas a populacao do "seu" subu rbio, e ao novo papel de casa de espetacu los. que assume a sede. Organizac§o e eficiencia sao qualidades ind;spen~veis para 0 sucesso de uma Escola de Samba e de uma casa de espetacu los, e tam~m probidade , trabalho consciencioso. Assim, pelos seus regu · lamentos, pelo comportamento dos associados, pel as virtudes diuturnas, demonstram as Escolas de Samba sua moralidade, sua respeitabili dade, sua disciplina. e se dissociam sem equ (voco de qualquer paralelismo com a desordem, a vagabundagem. 0 crime. Nas zonas suburbanas deterioradas do Rio de Janeiro, as Escolas de Samba exibem os valores dominantes, positivos e negativos, da sociedade burguesa: racionalidade, ordem. erudicao, moralidade, mas tam~m consumo ostentat6rio, competicao tenaz. agressividade exacerbada, levando at~ aos conf li tos. Oferecem demonstrayao patente de sua adaptac;ao a sociedade ambiente : sua organizayao raciona l e dela garantia na vida cotidiana; 0 desenrolar suntuoso de seus corte· jos constitui brilhante afirmacao del a durante a festa . Apresentam-se portanto as Escol as de Samba como um pode · roso fator de integracao dos suburbios violentos a sociedade metropolitana. Talvez tenham correspondido, numa fase de seu passado, a lu ta das camadas oprimidas contra os grupos hegemonicos ; seu nasci mento esponHineo. no fim dos anos 20, podia representar um esfon;:o proveniente das bases mesmas da sociedade urbana para ultrapassar sua forma antiga e simp les de sociabilidade familiar e vicinal, e inaugurar uma outra, mais complexa, que correspondesse as exigencias do desenvolvimento demogrtifico e da industrializayao urbana . Mal tal esforc;o de organizacao, que poderia representar perigo paga as ca madas superiores, foi rap ida mente recuperado por estas. A proibic.Jo de qualquer cr(tica ou reivindicacao, polftica e s6cio-economica , durante os desfiles, nao teria sido um meio de impedir um possfvel despertar da consciencia coletiva? AI~m disso. ao assumir a Associac;§o das Escolas de Samba a func;ao de distribuidora da. subvenc;oes dadas pelo governo, ao nomear 0 juri dos concursos, 0 Estado transformou -a em verdadeiro vigia do born comportamento das Escolas: s6 recebiam subvenc5es. s6 podiam aspirar aos premios,
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as inscritas na Associaeao, isto e, aquelas que haviam provado SUi submi s~o ... 0 Estado , representa nte leg(timo das camada s superiores , dominava assim as "soc iedades recreativas" inventadas pe los suburbios , e, atraves del as, domesticava as massas. A "legalizacao" das Escolas de Samba e a conces~o de subveneaes para realizaeao dos desfiles deixa m de ser , nesta perspectiva, ,uma vit6ria das massas, para se tornarem instrumentos utilizados pelas camadas superiores, no sentido de reforear sua preerninencia sobre a populacao suburbana . 0 desfil e nas avenidas. centrais do Pi o dei)(a de parecer a afirmacao de urn direito conQuistado e apresenta·se como recompensa co ncedida diante de um " bo rn comportamento" manifesto. Ve-se assim coincidir no tempo o ~esfon;:os da massa desorganizada das camadas inferiores na tentativa de produzir ela mesma estrutu · ra e formas de sociabilidade compadvel com uma sociedade urbana' cada vez mais complexa, e a a<;a'o das carnadas superiores, conscienteS' do perigo representado pelo numero e quantidade dos menos afortuna· dos, buscando domestica -Ios par meio da recuperac;:ao de organizac;:Oes espontaneamente criadas. Encerrando os habitantes do suburbio nas ma lhas das Escolas de Samba estreitamente controlac!as, seria poss(vel impedi ·las de descambar totalmente para a situac;:ao de " classes perigosas" , conservando-as tanto quanto poss(vel na condicao inofensiva de "classes laOOriosas .. 34 . A ascensao das Escolas de Samba , tal como se o perou, parece' expressar novamente a hegemonia s6cio-economica, pol ftica e cultural das camadas superioes, que conseguem do mar as inferiores. No entanto, os desfiles carnavalescos continuam testemunhando tam~m 0 po· derio numerico das camadas inferiores e sua capacidade de o rganizac;:ao , que elas poderao utilizar um dia em seu pr6prio benefrci036 . As duas interpretac;:Oes contrcirias do papel das Escolas de Samba - a da oposicao e luta das camadas inferiores contra as superiores, 0 desfile significando a vit6ria das primeiras; a da integracao das duas ca· madas atra~s da hegemonia das camadas superiores, que conseguem subjugar as inferiores - nlo serao apenas 0 reflexo de uma ambiguidade fundamental, ja reconhecida em inumeros fatos socials? Pois estel, 34. A Ofgen1uc;fo. em 1943. da lindiUIOI direl.rnente lig.clol ao Min'-t.rio do Tr~lho Mi.r. m.v. "mb.tm lod. inicieli.... prownient. do_ openiriOI e Ihlll epllc....e um 'nQuedremento 1m que I lute par MUI dlreltDi .. ,..- i. dar por di .... " s.ob I tutell do Eltedo .•. Not_ qu. doi. outrOi Iflquidrlmer1tOl lllpontineOi de man. papul.r urbonl n.elm ,-,"bllm ao ...... mo tempo qu. .. EICOhK de Sembe : ~ grendel clublll da futebol • u",. nove rellgi60 . fro-brIllUel" . I umbllnde. um pou co ..,tenOrlll _ Ilndk:eto l. Todol per.:em ter. mft",. fUn(:60 ~ziguldore del l.tlI~ aociell .•. V. r P.r.lre d. Oueiroz (71. 36. Um novo cepltulo d. -.cuper~ nl' ..ndo In iciado hoie , Itrl"'" de lUI. pel, pro flJllon.li. lec;6o des "'ries categories de sembi"... nn EICOIIli de Sembe.
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quando muito complexos, apresentam sempre vtirias facetas entre as quais e dif(cil distinguir a mais importante. Mas serti que um refinamento da antilise, penetrando mais a fundo nos dados, nao permitirti perceber qual seria 0 significado dominante?
o OESFILE OAS ESCOLAS OE SAMBA: UM CAMPO DE BATALHA
A quesUlo colocada hd pouco alcancarla talvez uma resposta quando se stenta para importante caracterCstica das Escolss de Samba, sem a qual 0 desfile perde seu significado : 0 de encarnieada competicao opondo Escola contra Escola, na ambieao de se mostrar a grande vitoriosa do ano.
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desfile carnavalesco assume assim 0 aspecto de um grande campo de batalha, no qual concorrentes ciumentos se afrontam, impelidos pelo desejo de se ultrapassarem uns aos outros. Os adverS(lrios de determinada Escola de Samba nao Sยงo, portanto, as integrantes das camadas superiores. Os inimigos de Belja-Flor de Nl16polis, por exemplo, n~o sao os rna is abastados da populacfo suburbana, nem os habitantes afortunados da Zona Sui, e sim todas as demais Escolas de Samba, em bloco e separadamente. Apesar da divisJo que parece ta'o evidente entre as camadas socials, atrav~s da localizacao na passarela e nas arquibancadas, durante 0 desfile, a grande seprac:!o n50 se d8 por s(; os sentimentos de afastamento e de aversfi'o, podendo conduzir ate j) agres~o, att; aos conflitos, at~ mesmo so crime, spartam as Escolas entre sl e deal nem os suburbios. Crescendo a par de seu subUrbia, do qual reproduz a composi cao, a Escola de Samba se tornou seu s(mbolo, sua manifestaeao vis(vel , nao apenas durante 0 per(odo carnavale5Co, por~m 0 ano todo. E e na intensldade da luta no momento do carnaval que se reforea, entre os habitantes do suburbio, real solidariedade: v!em-se ent50 ligados por poderoso interesse coletivo, representado pelo violento anseio de vit6ria , no pr6prio instante em que 0 concurso, exaltado pelos meios de comunic~o de massa, sa torna 0 ponto de mira do pars e do mundo. Sentimentos de esperanca, de angUstia, de alegria slo ressentldos em comum pel os suburbanos; qualquer que seja SUI condi(:lo, estfo ligados por uma realizacยงo coletiva, para a qual nlo mediram .sfor~OI_ Exp'resSยงo concreta de urn subUrbio, a Escola de Samba anule 8S dis~ inclSes s6cio-econ6micas, reunindo essim 0 pequeno numero de habl-
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tantes mais abastados ao conjunto dos habitantes deserdados da sorte. acordo das emo.-;:oes partilhadas teee entre ambos liames afetivos, deixando na sombra contendas e 6dios Que poderiam levar a uma ruptura efetiva da integra.;:ao interna da localidade. As ESI" )Ias desempenham, pais, papel inlegrativo ao n(vel dos habitantes dos suburbios, apagando as d istancias sociais existentes en tre eles. Porem, ao n(vel dos suburbios entre si, sua funcao e dissociati · va : pela intensa rivalidade despertada entre eles, apagam qualQuer possibilidade de sua reuniao numa aeao comum, que uniria a Zona Norte numa ameaea contra a ordem estabe lecida, isto e, contra a hegemonia da Zona SuI. Desse modo, conforme 0 n(vel, podem as Escolas desenvolver um ou outro tipo de atuacao .
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r.J1as seus efeitos nao param aL Cada Escola tem sua torcida disseminada pelos diversos bairros abastados na Zona Sui, tern seus admi · radores ferventes noutras camadas sociais, e mesmo entre personal idades de marca . Ao declarar urn destes personagens not6rios sua preferencia por determinada Escola de Samba, 0 presdgio desta aurnenta; as componentes, os habitantes do subUrbio em que ela se situa, sentem·se realcados em sua auto-estima ao saberem que "sua" Escola foi escolhida por "gente bem,,36. Ha entao novos lacos que se estreitam, agora entre os suoorbios pobres da Zona Norte e os bairros afortunados da Zona SuI. Porem esta aCao integradora das Escolas de Samba e ainda mais profunda, urna vez que, servindo de apoio aos banqueiros do bicho, reune a "sociedade da ordem" a "sociedade do crime" e teee lacos estreitos entre "classes labori osas" e "classes perigosas", seja no interior da Zona Norte, onde estas ultimas sao dominantes, seja na pr6pria Zona Sui sede da "sociedade da ordem". Cada bicheiro desenvolve abertamente sua guerrilha particular contra os outros bicheiros, e nao contra as ca · madas superiores, tanto abertamente quanta de forma ca rnuflada, atra ves das Escolas de Samba. A pr6pria continuidade del es impoe que ali mentern a rivalidade entre bandos, entre Escolas, entre suburbios. Seu SlJcesso depende fundarnentalmente da existencia de urna sociedade partilhada entre a massa de pobres e urna camada numericamente menos importante de gente afortunada, economica e politicamente dom; nante, e a massa de pobres, entre os quais cultivam eles a esperanca :J3.Camores e eompos;tor81 de musiea popular, prMtigioSDS j09itdores de fUlebol . pertonatida· dIIS da granfinagem e mesmo polIticos de renome decl a rllm llbertamente suas prefer~ncilH PD' estu ou aque!a Escola; chegllm II des/ ilar com ele.
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de alcanc;ar a riqueza sem esfon;o. A massa dos pobres da aos bicheiros recursos financeiros e 0 apoio do numero. Dos estratos elevados da soc iedade Ihes vem 0 poder, se conseguirem a tolerancia deles; 0 que nao deixa de acontecer, pois na verdade Sยงo deles aliados. Assim, a inserC;ยงo dos bicheiros na sociedade metropolitana exige a persist~ncia da divisao entre pobres e ricos, e reclama imperiosamente obstaculos a formaC;ยงo de um front comum de suburbios pobres da Zona Norte contra bairros ricos da Zona Sui, isto ~, impoe a manu tenc;ao da ordem existente. E para eles absolutamente necessar"io culti var rivalidades e dissensOes entre os suburbioi, pois constituem fatores ativos de sua incorporac;ao de fato it sociedade metropolitana; e isso muito embora seu direito it existencia seja sempre negado , pois eles do contraventores ... A rivalidade des Escoles de Samba ~, pois, um grande trunfo dos bicheiros em seu esforc;o para subsistir; a competiC;ยงo das Escolas de Samba se torna entao instrumento eficaz da integrac;!o deles Ii sociedade carioca. Servindo de apoio aos banqueiros do bicho, as Escolas de Samba, que participam ao mesmo tempo da "sociedade da ordem" por sua organiz~o, seus componentes e sua func;ao, e da "sociedade do crime" pelos seus mecenas, parecem demonstrar Que a diviSยงo entre estas duas partes da sociedade nao seria tao n(tida quanto se deseja conslderar. Com efeito, no interior dos suburbios da Zona I\lorte, elas aproximam "classes laboriosas" e "classes perigosas '; ao n(vel da sociedade metropolitana, a aceitac;ao entusiastica de seu desfile reline os habitantes da Zona Norte, cujos suburbios violentos representam a "soc iedade do crime ", aos da Zona Sui, em que reina a "sociedade da o rdem ". oesta forma, toda divisao radical entre "ordem" e "crime", entre estabelecimento de regras indispensaveis it vida social e violac;:60 dessas regras, parece contrariada pela exist~ncia, lado a lado, e sem atritos, no interior da Esco la, de seus "componentes", Que se procura recrutar entre os representantes respeitaveis da " sociedade da ordem", e dos bicheiros , equ (vocos representantes da "sociedade do crime". 1\10 interior dos suburbios. como no interior da sociedade metropolitana. estas duas partes da sociedade , enreitamente imbricadas nas Escolas de Samba, se apresentam ligadas por todo um tecido de malhas $Utis e em gera! subterraneas, que todavia se tornam vis(veis e sa expandem em organlsmos como essas mesmas Eseolas. Torna-se manifesto, pois, 0 carater domlnante destas - 0 de fator integrativo da sociedade global carioca. Fator integrativo que age paradoxalmente par interrMdio da exacerbaC;ao de certas divis6es internas desta mesma sociedade, Que levam ao conflito e it luta constan-
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teo Trata-se, por1!m, de dissens5es que nao poem em perigo 0 status quo. Dividir para reinar, tal parece ser 0 lema das camadas superiores, quando desenvolvem as competi~6es entre as Escolas de Samba e fa· vorecem sua rivalidade. Lema partilhado pelos bicheiros, nurn acordo dissimulado e inevitavel com os estratos superio res, cujo senti do e assegurar a mutua hegemonia . As Escolas de Samba, cujo enorme sucesso as transformou na maior atrac;:a'o do carnaval do Rio de Janeiro e do Brasil, se definem assim como elemento importante do reforc;:o da coes:io interna, nos diversos n(veis da sociedade do pars , que exerce seu poder Cite sobre sua globaHdade, uma vez que 0 "superespetaculo" se tornou um dos componentes do orgulho nacional ; as vibrac;:oes de entusiasmo que sa· codem 0 pars inteiro diante da beleza dos desfiles constituem sua mao nifestac;:ao vis (vel . I\ssim , sob a demonstrac;:ao de forc;:a apresentada pelas Escolas quando poem em movimento as massas imponentes de suas alas - s(mbolo da forc;:a das camadas populares; sob a alegria de suas danc;:as apa· rentemente desenfreadas por ocasia'o da testa carnavalesca, porem estri· tamente controlaas pelo apito dos chefes - , marcaram elas sua func;:ao fundamental de consolidadoras da solidariedade interna de uma sociedade composta de camadas sociais discordantes, de fatores de fortaleci· mento das hierarqui as s6cio-economicas, pol{ticas e culturais existentes. A luta feraz que se desencadeia entre elas no mo mento da festa , e que, mais suavizada, e mantida durante 0 ano todo, constitui apoio e garantia da permanencia da sociedade atual. Oesta sociedade, cada uma delas e a imagem, na racionalidade de sua organiza~o; dessa soc iedade, elas celebram a ordem, cuja cauc;:.ao invocam. Pois a ordem e elemento fun damental para a realizac;:ao dos jogos carnavalescos; pois a oOOdiencia estrita a ordem e indispensavel para que uma Escola seja a grande triunfadora na competic;:ao carnavalesca. A voz possante e fonemente ritrnada da bateria durante 0 desfiIe, despertando em atores e espectadores as mesmas ernoc;::oes, impondo a todos os mesmos cornportamentos, os mesmos gestos, a mesma ca· dencia, n3"o exprime justamente a necessidade primordial da obediencia
a Of"dem?
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