Onde mora o samba no documentário brasileiro contemporâneo?

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Onde mora o samba no documentário brasileiro contemporâneo?

Guilherme Carréra Campos Leal Jornalista e mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e doutorando em Artes e Mídia na University of Westminster, em Londres, Reino Unido, com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Prólogo Em dezembro de 2014, a versão brasileira da Rolling Stone chegou a sua centésima edição. Para comemorar a efeméride, a revista apresentou como reportagem de capa uma lista com os chamados 100 maiores momentos da música nacional. Listas, sabemos, são carregadas de subjetividade – ainda que se lance mão de uma ordem cronológica em detrimento de um ranking assumidamente qualitativo, como foi o caso. Na ocasião, a publicação reservou ao samba dez menções entre os anos de 1910 e 2011, marcos inicial e final da listagem. Seis dos doze primeiros momentos elencados diziam respeito ao gênero. A medalha de prata foi conquistada pela gravação de Pelo telefone, pelo intérprete Donga, no ano de 1916. Em seguida, surgiram Adoniran Barbosa chegando a São Paulo em 1932 (4º), o desentendimento musical entre Noel Rosa e Wilson Baptista em 1933 (5º), Dorival Caymmi triunfando no Rio de Janeiro em 1939 (8º), Aquarela do Brasil ganhando o mundo em 1942 (9º) e Lupicínio Rodrigues despontando como artista popular em 1947 (11º). Ou seja, a percepção da revista parece remeter à

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importância da primeira metade do século XX para o samba, quando o mesmo deixou de ser uma manifestação cultural exclusiva à periferia do Rio de Janeiro, espalhando-se Brasil afora como símbolo de certa identidade nacional. Em tempo, as três próximas menções ao gênero fariam referência à década de 1960: dos afro-sambas de Vinicius de Moraes e Baden Powell (28º) ao surgimento de Jorge Ben (29º), ambos em 1963, passando pela consolidação do samba-rock do próprio Jorge Ben em 1969 (44º). Esses destaques, por sua vez, já não seriam sobre o samba propriamente dito, mas parecem valer a pena pela aproximação do mesmo com outras modalidades sonoras: a bossa nova e o rock. Sua última participação na lista vai acontecer na já distante década de 1970, quando Cartola é redescoberto e grava seu primeiro LP em 1974 (58º). Esse parágrafo introdutório nos ajuda a pensar o samba na contemporaneidade sob dois aspectos distintos, mas complementares. Essencialmente pop, a Rolling Stone é considerada uma das principais publicações voltadas ao universo musical, de amplo alcance ao

público médio e com estabelecida credibilidade como difusora de informações. Em alguma medida, seu posicionamento em relação ao samba radiografa o modo como a mídia e, por conseguinte, o público se relacionam com o gênero. Mais do que isso, de que forma essa relação se cristalizou com o passar do tempo. Nitidamente, a Rolling Stone prioriza os anos 1930 e os anos 1960 na narrativa que escolhe contar – ou reiterar, afinal tomamos essa narração como reflexo de um quadro maior, não restrito à publicação, mas a ela pertencente. De um lado, a disseminação do samba urbano via Adoniran Barbosa, Noel Rosa, Wilson Baptista, Dorival Caymmi e Lupicínio Rodrigues, para citar alguns agentes determinantes em favor da profusão do gênero; do outro, sua ramificação em direção à bossa nova e ao rock, por meio de Vinicius de Moraes, Baden Powell e Jorge Ben. Essa primeira leitura é coerente ao demarcar essas décadas como fundadoras, mas, sobretudo, por estar alinhada ao que nos foi ensinado a consumir como samba. O segundo aspecto para o qual propomos uma consideração atenta diz respeito não ao coerente, mas ao ausen-

te. Entre a gravação de Pelo telefone e o imaginário construído pela figura de Cartola, o que há de samba nesse ínterim? Melhor dizendo, antes da gravação de Pelo telefone e depois do imaginário construído pela figura de Cartola, quanto do samba permanece às margens do próprio samba? Obviamente, não se trata de questionar Donga ou Cartola, tampouco Adoniran Barbosa, Noel Rosa ou Dorival Caymmi, mas de incitar uma percepção disseminada por pesquisadores como, por exemplo, Carlos Sandroni (2001) e Felipe Trotta (2011). Do primeiro, podemos resgatar a gênese de um gênero vinculado a um processo histórico específico, resultado da incorporação da herança africana em solo brasileiro e da resistência diante de sucessivas tentativas de sufocamento. Muniz Sodré (1998) e José Ramos Tinhorão (2010), para mencionar outros dois teóricos, corroboram esse ponto de vista com apontamentos, ainda, sobre o lundu e o maxixe, anteriores ao samba, sem negligenciar o contexto social, econômico, político e cultural de cada época. De certa forma, podemos dizer que investigam os alicerces que propiciariam

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