PARA ALÉM DA CASA DA TIA CIATA: OUTRAS EXPERIÊNCIAS NO UNIVERSO CULTURAL CARIOCA, 1830-1930 *
Tiago de Melo Gomes** Sambas da Tia Ciata Cadê mais Tia Ciata Talvez em Dona Clara meu branco Ensaiando cheganças para o Natal1
A macumba se rezava lá no Mangue, no zungú da tia Ciata, feiticeira como não tinha outra, mãe de santo famanada e cantadeira ao violão. Às vinte horas Macunaíma chegou na biboca levando debaixo do braço o garrafão de pinga obrigatório. Já tinha gente lá, gente direita, gente pobre, advogados garçons pedreiros meiascolheres deputados gatunos todas essas gentes e a função ia principiando. [...] Tia Ciata era uma negra velha com um século no sofrimento, javevó e galguincha com a cabeleira branca esparramada feito luz em torno da cabeça pequetita. Ninguém mais não enxergava olhos nela, era só ossos duma compridez já sonolenta pendendo pro chão de terra.2
É
importante notar que nem Manuel Bandeira nem Mário de Andrade estavam sozinhos em suas referências a Tia Ciata nas linhas citadas acima. Antes estavam se inserindo entre os mais ilustres autores a render homenagens à comunidade baiana da Capital, em um processo que *
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Este ensaio muito deve a Camilla Agostini, a quem agradeço profundamente por suas intervenções sempre críticas e provocantes, bem como aos pareceristas anônimos da revista Afro-Ásia. Doutor em História (Unicamp), Professor do curso de História da Unileste/MG. Manuel Bandeira, citado em Roberto Moura, Tia Ciata e a pequena África do Rio de Janeiro, 2a ed., Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura, 1995, p. 163. Mário de Andrade, Macunaíma, in Obras Completas, 3ª ed., São Paulo, Martins, s. d., p. 78.
Afro-Ásia, 29/30 (2003), 175-198
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