O que dizem os tambores? A macumba e o samba como poéticas da subversão

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O que dizem os tambores? A macumba e o samba como poéticas da subversão Conferência realizada na Universidad Nacional de las Artes (UNA), Buenos Aires, Argentina. 10 de outubro de 2017 MARCOS RAMOS

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Agradeço a presença dos senhores aqui hoje, agradeço especialmente ao professor Eduardo Corbo Zabatel, a Cátedra Livre de Estudos Brasileiros e as pessoas desta Universidade que tornaram possível este encontro. Para iniciar esta exposição que será seguida de uma conversa, gostaria de dizer que se por um lado meu objetivo é apresentar certos aspectos que constituem a formação cultural do Brasil, com ênfase nos elementos africanos presentes nesse amálgama;; por outro lado, há um objetivo político e urgente de denúncia internacional do atual cenário de discriminação religiosa e racial presentes no país. No mês de setembro, no Brasil, pelo menos dois vídeos foram amplamente compartilhados nas redes sociais expondo casos de violência por motivação racial e religiosa. No primeiro deles, um homem adepto à religião de matriz africana é obrigado a arrebentar todos os colares que simbolizam sua devoção religiosa, o que chamamos de guias, e é terrivelmente ameaçado: “É só um diálogo que estou tendo com você”, afirma o agressor portando um bastão de madeira, e completa: “Da próxima vez eu mato”. Em outro vídeo, uma Ialorixá é obrigada a quebrar todas as imagens presentes no espaço onde se realiza o ritual. Segundo o agressor, as imagens precisam ser quebradas porque assim “Todo o mal será desfeito, em nome de Jesus”. As casas de cerimônia onde os vídeos foram gravados estão situadas em uma região do Rio de Janeiro chamada Baixada Fluminense que compreende os municípios de Duque de Caxias, Nova Iguaçu, São João de Meriti, Nilópolis, Belford Roxo, Queimados e Mesquita, todos ao norte da capital. Esses municípios tem uma característica em comum: receberam um enorme contingente de ex-­escravizados, e descendentes de escravizados, com origem na região nordeste do Brasil. Estamos falando da região que comporta parte substância da população negra e pobre do estado do Rio de Janeiro. Foi justamente a imigração desses negros e pobres (o que nos países construídos sob o signo da escravidão é quase um sinônimo) que favoreceu a formação de polos religiosos de matrizes africanas.

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