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1.3.9 O Samba
Foi justamente essa turma que em agosto de 1916 manipulou uma composição, naturalmente cantada em coro, que mais tarde, com a designação de samba e o título PELO TELEFONE iniciara uma nova etapa do cancioneiro carnavalesco do Rio. Os versos expressivos e bem feitos eram uma glosa sutil a um fato importante. O então chefe de polícia Aurelino Leal determinara em fins de outubro daquele ano, em ofício publicado amplamente na imprensa, que os delegados distritais lavrassem auto de apreensão de todos os objetos de jogatina encontrados nos clubes. Antes de qualquer providência, porém, ordenara que lhe fosse dado aviso pelo telefone oficial. Mas a jogatina continuou. Alguns clubes saíram das ruas principais onde se localizavam e foram instalar-se em transversais, mais escondidas. (ALENCAR, 1979, p. 118)
Monique Augras endossa que a famosa Ciata era tia de candomblé, filha de Oxum, e definiu a personalidade dela como a de uma mulher de iniciativa e dedicada ao trabalho. Como outras tias baianas de sua geração, foi também iniciadora da tradição carioca das baianas quituteiras, atividade que tem forte fundamento religioso. “Mãe de 15 filhos, todos os quais deixaram nomes marcantes tanto na participação em atividades religiosas quanto na organização de ranchos e escolas de samba, era esposa de João Batista da Silva, negro baiano” (AUGRAS, 1998, p. 18), e confirma que ele exercera um posto privilegiado, apesar de ser de baixo escalão, no gabinete do chefe de polícia no governo de Venceslau Brás, cuja posição destacada facilitaria a proteção dos sambistas que eram malvistos pelos poderes públicos. Portanto, merecidamente, Tia Ciata recebeu homenagens póstumas de várias escolas de samba, ao longo dos tempos, no exercício da memória cultural; ela, como personalidade, e a sua casa, como espaço geograficamente bem situado próximo à Praça Onze, lugar de interseção, de confluência, de união de vários grupos étnicos e culturais, permitindo, assim, que o samba nascesse plural e inclusivo.
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1.3.9 – O SAMBA
Eneida de Moraes afirma que a palavra samba, até 1917, era utilizada para designar agrupamento ou festa e, depois daquela data, passaria a dar nome a um gênero musical. (MORAES, 1958, p. 177) Sérgio Cabral acentua que “as primeiras formas do samba carioca foram geradas pela comunidade negra do Centro da cidade, responsável também pelas novidades carnavalescas apresentadas pelos ranchos, como as alegorias, as orquestras, o abre-alas e os ‘tenores’”. (CABRAL, 2011, p. 32) Segundo observações de Hiram Araújo, o samba, inicialmente, não era definido como um gênero musical, mas como uma dança pudica em que as pessoas exerciam um
ato livre com o corpo. “No começo o samba era chamado de ‘chiba’ ou ‘xiba’ e consistia numa dança de roda de homens e mulheres, com acompanhamento de violão, viola e cavaquinho, enquanto no centro da roda o dançarino evoluía sozinho. ” (ARAÚJO, 2003, p. 105)
Segundo José Ramos Tinhorão, a marcha e o samba são gêneros de música urbana autenticamente cariocas e surgiram da necessidade de um ritmo para a desordem do Carnaval, sendo que até os primeiros anos do Século XX as músicas cantadas nessa festa eram os estribilhos de sabor africano dos ranchos de baianos ou dos Cucumbis e afoxés
de escravos. Tinhorão também aponta a casa de Tia Ciata como o local em que “um grupo de compositores semialfabetizados elaborou um arranjo musical com temas urbanos e sertanejos que, ao ser lançado para o carnaval de 1917, acabou se constituindo no grande achado musical do samba carioca”. (TINHORÃO, 2013, p. 143) Hermano Vianna, a respeito da formação do samba, não recusa aceitar o lugar de destaque atribuído aos afro-brasileiros na sua invenção, mas assegura que não houve centralização absoluta do processo de criação, uma vez que negros, ciganos, baianos, cariocas, intelectuais, políticos, folcloristas, compositores eruditos, franceses, em maior ou menor grau, colaboraram para a sua fixação. Dessa forma, esse antropólogo supõe que não existia um grupo com força suficiente para controlar o outro, posto que eles usavam uns aos outros, com diferentes objetivos. Havia os interessados na construção da nacionalidade brasileira, por exemplo; outros, na sobrevivência profissional no mundo da música, e ainda aqueles interessados em produzir arte moderna. Reconhece a existência da repressão à cultura afro-brasileira que influenciou a história do samba, mas destaca os possíveis laços que uniram a elite e as classes populares: “Em vários momentos era possível estabelecer pactos entre os vários interesses. Pactos nunca eternos. Pactos sempre negociáveis.” (VIANNA, 2012, p. 152) Sodré argumenta que artistas negros e mestiços – como Pixinguinha, João da Baiana, Donga, Sinhô, Patrício Teixeira, Heitor dos Prazeres e outros – atuaram
profissionalmente e participaram de orquestras, emissoras de rádio, além de gravarem seus sambas, pois esse gênero musical tornou-se uma referência permanente. Relevante assegurar que a letra do samba, nas percepções desse pesquisador, não se pautava necessariamente por provérbios conhecidos ou de forma acabada, mas pelo modo de significação do provérbio: “a constante chamada à atenção para os valores da comunidade de origem e o ato pedagógico aplicado a situações concretas da vida social tendo como suporte os contos orais e as diferentes recitações poéticas” . (SODRÉ, 1998,