5 minute read

1.4 Considerações Sobre Este Capítulo

Next Article
4.12.3 Palmares

4.12.3 Palmares

Como seria possível “Nós lá do morro/ Vamos vivendo de amor”, diante de tantos conflitos existentes entre a periferia, interna e externamente? Utopia. Ironia. Inversão. Os últimos versos da música, “Estudando com carinho/ O que nos passa o professor”, celebram a carnavalização da linguagem, uma vez que, naqueles anos de 1930, a maior parcela da população brasileira não tinha acesso à educação. De qualquer modo, há de se questionar que, mesmo aqueles poucos moradores dos morros, que conseguiram estudar, naquela época de desigualdades tão acentuadas, tiveram condições de “aprender com carinho” o mero “passar” de conteúdos dos professores, num tempo em que o método tradicional de ensino vigorava no país. Portanto, esse Teste ao samba merece especial leitura não somente pela coesão entre o texto escrito, o enredo, e a representação artística na Praça Onze. Destaca-se pela linguagem das alternâncias, renovações e denúncias, apropriando-se da ironia para apresentar-nos um relato histórico acerca da exclusão no acesso ao ensino em nosso país. Nessa direção, oportunas são as considerações de Roberto DaMatta a respeito dos sambas e das Escolas de Samba, em que observa os objetos deslocados. A própria escola, situada geralmente em um morro ou subúrbio, não ensina a ninguém uma profissão ou a “ganhar a vida” ensina, sim, a “própria vida”. Conforme atestam esses escritos, no Carnaval, os marginais anônimos que formam esse segmento social do subúrbio, do morro e da “escola de samba”, transformam-se em “professores” e “doutores” de samba e ritmo. (DAMATTA, 1981, p. 134)

1.4 – CONSIDERAÇÕES SOBRE ESTE CAPÍTULO

Advertisement

Neste primeiro capítulo, observamos que algumas teorias demonstram que as origens do Carnaval estão nos cultos agrários da Antiguidade e apontam a prática desse evento entre várias culturas e povos distintos, egípcios, hebreus, romanos, persas, armênios, fenícios, cretenses e babilônicos. Há de se ressaltar que outras linhas investigativas definiram a origem dessa festa popular nos eventos da Idade Média. Na verdade, o Carnaval é encontrado de maneiras diversas nos mais diferentes lugares e tempos, sempre com músicas barulhentas, danças, máscaras e mesmo com licenciosidade. Provavelmente, veio do paganismo e a Igreja Católica o tolerou e o regularizou, quando o Papa Gregório I o inseriu no Calendário Eclesiástico, em 590, conforme destacou Eneida de Moraes.

Percebemos que a festa ignorava toda a distinção entre atores e espectadores, era um espetáculo de todos, sem separação de idade, sexo e condição social. Era um lugar de inclusão por excelência, uma vez que até os escravizados podiam inverter as suas posições com as dos seus senhores, ainda que provisoriamente. Igualmente relevantes foram as observações de Bakhtin acerca do caráter universal e libertador do Carnaval, assegurando que a festa se reveste na segunda vida do povo, sendo a autêntica festa do tempo, a do futuro, das alternâncias e renovações, além de se opor às festas oficiais da Idade Média por meio da linguagem. Uma linguagem surgida ao longo dos séculos, capaz de transmitir a percepção carnavalesca do mundo, em todas as formas e símbolos impregnados do lirismo, da alternância e da renovação, da consciência relativa das verdades do poder. Uma linguagem caracterizada pelo avesso das coisas, pelas alternâncias. Acerca das performances rituais, não podemos ignorar as observações de Debret que são um legado para o nosso Carnaval, os negros mascarados e fantasiados de velhos europeus, imitando-lhes os gestos. Geralmente, reis e rainhas do Carnaval são afrodescendentes, como nas congadas e reisados. As possibilidades de inversão das classes sociais nos momentos de festa são muito evidentes e devemos observar, na escrita

dos sambas-enredos, na inscrição da palavra liberdade, essas mudanças de escala de Riccœur.

Se, para a maioria dos teóricos, os escravizados de qualquer época, durante a festa, tinham o direito de criticar e zombar de seus senhores, nos momentos de perigo em nosso país, em que quase todos éramos submetidos a um regime autoritário, como se comportaram, então, os nossos compositores na escrita dos sambas-enredos? Será que a todos foi concedido o direito de criticar os seus “senhores” durante a festa? Também, neste estudo inicial, mesmo que de forma breve, consideramos a importância das praças públicas enquanto espaço privilegiado para abolição temporária das diferenças e barreiras hierárquicas entre as pessoas. Verificamos o papel das Sociedades Carnavalescas na defesa das liberdades democráticas, da causa da abolição da escravatura negra, da Proclamação da República e a identificação da maioria de seus integrantes com os ideais da Revolução Francesa. Assim, soubemos que as Escolas de Samba surgiram reunindo vários elementos do nosso passado histórico – dos Cordões e dos Ranchos, as fantasias, a comissão de frente, o mestre sala e a porta estandarte; das grandes Sociedades Carnavalescas, os carros alegóricos; do samba, a música, a dança e os enredos.

Observamos que muitos autores têm como referência a data de 07 de fevereiro de 1932 como a da realização, pelo jornal Mundo Sportivo, do primeiro desfile das escolas de samba na Praça Onze, centro do Rio de Janeiro, apesar de haver controvérsias, podendo ter sido 1931 o ano do primeiro desfile, conforme promovido por jornais menores. De fato, podemos assegurar a década de 1930 como fase embrionária das Escolas de Samba. O Mundo do samba apresentado pela Unidos da Tijuca em 1933 foi considerado o primeiro samba-enredo da história. O Homenagem da Mangueira, também em 1933, o modelo desse gênero. O Teste ao samba, exposto pela Portela em 1939, foi considerado emblemático no que se refere à coesão entre as partes musical e visual, o samba-enredo e as fantasias e alegorias, respectivamente. Na escrita dos primeiros sambas, percebemos a preocupação dos compositores em divertir, entreter os foliões, contando a história do samba, a identidade com a sua escola e o seu lugar, o morro. Um sujeito escrevente que muito coincide com o poeta descrito por T.S. Eliot “Não há dúvida de que um poeta deseja dar prazer, divertir ou entreter as pessoas; e normalmente ele deveria ficar contente de poder sentir que esse tipo de entretenimento ou diversão é desfrutado pelo maior e mais variado número possível de pessoas. ” (ELIOT, 2012, p. 43) Apesar de que em nenhum de nossos primeiros sambas-enredos encontramos a inscrição da palavra liberdade, a sugestão desse vocábulo, conforme aspectos relacionados ao introito, à identificação do autor com a música e a escola, e o uso da metalinguagem, por exemplo, serão retomados ao longo das produções carnavalescas, em todos os tempos.

This article is from: