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4.11 A Liberdade e as Significações Difusas

Imprescindível destacarmos, nessas composições, a predominância do foco narrativo na primeira pessoa do singular naqueles sambas-enredos que trazem alusões ao carnaval, no contexto do emprego do vocábulo liberdade, naqueles anos de 1989 a 2012. Os autores participam da enunciação, a sua experiência é a vivida, a presenciada e testemunhada. A escrita em primeira pessoa é o reconhecimento da urgência de se posicionar como sujeito ativo, pertencente a sua escola. Ao escrever em primeira pessoa, também se permite que os espectadores se solidarizem com a agremiação dos autores e abrem-se todas as possibilidades que os pronomes “eu” e “nós” podem proporcionar, bem diferente de “ele” e “eles”. O outro passa a ser nós, em várias composições carnavalescas.

4.11 – A LIBERDADE E AS SIGNIFICAÇÕES DIFUSAS

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A seguir, apontaremos 33 exemplos do emprego da palavra liberdade em

significações difusas. São escritas diversas que refletem sobre o estrangeiro, a celebração da bonança, a homenagem ao nordeste “tão sofrido e sem amparo”, a denúncia de que a liberdade não raiara, o gozo propiciado pela liberdade nos braços da Escola de Samba, a primavera – espetáculo das flores, liberdade é religião, o meu ideal, a liberdade de criticar o governo Collor: “Eu sou cara pintada”, a liberdade no rincão, em qualquer parte, liberdade como a do passarinho, a denúncia das prisões injustas, a liberdade sendo reluzida pela luz da lua, “na maré cheia”, a liberdade da necessidade de “vestir a camisinha, meu amor”, a liberdade de escrever um final feliz, a liberdade exercida nas máscaras e nas pinturas, a liberdade aliada à igualdade, a liberdade no vento vendaval, a liberdade no progresso social, “na luta por dignidade”. É o que nos comprovam estes

excertos:

1986 – Caprichosos de Pilares: Brazil não seremos jamais... ou seremos?”: “Contra o que vem de lá/ Canto a liberdade/ Meu hino, minha verdade/ A feijoada e o vatapá”. (Anexo 41) 1986 – Império Serrano: Eu quero: “Cessou a tempestade, é tempo de bonança/ Dona liberdade chegou junto com a esperança”. (Anexo 42) 1988 – São Clemente: Quem avisa amigo é: “O nordeste tão sofrido e sem amparo/ Cidade grande, a polícia e o ladrão/ Se defendendo do monstro da inflação/ Liberdade/ Quero mudar/ O meu canal para outro mundo”. (Anexo 50)

1990 – Unidos de Vila Isabel: Direito é direito: “É hora da verdade/ A liberdade ainda não raiou/ Queremos o direito de igualdade/ Viver com dignidade”. (Anexo 57) 1990 – Acadêmicos de Santa Cruz: Os heróis da resistência: “Por favor, não apague a luz! Goze desta liberdade/ Nos braços da Santa Cruz”. (Anexo 59) 1992 – Tradição: O espetáculo maior... as flores: “Um mistério de magias sem igual/ Fez a primavera multicor/ (...) / Uma sensação de liberdade, devia ser o símbolo da paz”. (Anexo 72) 1992 – Unidos do Viradouro: E a magia da sorte chegou: “A cada passo, a poeira levanta do chão/ Ferreiro, feiticeiro, bandoleiro/ A liberdade é a sua religião”. (Anexo 73) 1994 – Caprichosos de Pilares: Estou amando loucamente uma coroa de quase 90 anos: “O amor viaja na lembrança/ Eu pinto a cara de esperança/ A liberdade faz meu ideal”. (Anexo 78) 1994 – São Clemente: Onde vai a corda vai a caçamba ou uma andorinha só não faz verão: “Sai pra lá bicho malandro que eu sou cara pintada/ Fomos às lutas e ganhamos a parada/ Brilhou o sol da liberdade”. (Anexo 80) 1996 – Unidos de Vila Isabel: A heroica cavalgada de um povo: “Brilha no ar a senhora liberdade/ E no rincão um canto de felicidade”. (Anexo 89) 1998 – Canários das Laranjeiras: Livre como um passarinho: “Eu vou brindar a liberdade/ E voar nas asas da ilusão/ E colorir toda a cidade”. (Anexo 93) 1998 – Unidos do Porto da Pedra: Samba no pé e mãos ao alto: isto é um assalto, “Um viva à liberdade/ E paz no coração/ Meu tigre é só amor/ Mas sem razão caiu na prisão”. (Anexo 105) 2000 – Acadêmicos da Rocinha: O sonho da França Antártica de Villegagnon: “Quando a lua no céu vagueia/ Despontando na maré cheia/ Reluz a liberdade/ O paraíso da felicidade”. (Anexo 105) 2002 – Foliões de Botafogo: Deus ajuda a quem cedo madruga: “Brilhou no horizonte/ Desperta trabalhador/ Com as bênçãos do criador/ Agradeço pelo novo dia”. (Anexo 123) 2002 – Império Serrano: Aclamação e coroação do imperador da pedra do reino: Ariano Suassuna, “Cabra macho, firmeza, que emoção/ Liberdade, esperança, ressurreição/ A bondade, a maldade no coração/ Amor, verdade, eu encontro nesse chão”. (Anexo 125)

2003 – Acadêmicos do Cubango: Cândido Mendes, um século de paixão na história da educação: “Eu vou ao paço... / Que eu não passo sem você/ Tradição e liberdade, vem ver”. (Anexo 133) 2003 – Império Serrano: E onde houver trevas, que se faça a luz: “E a paz, desejo da humanidade/ Se faz com liberdade e igualdade/ Feliz, muito feliz”. (Anexo 144) 2004 – Acadêmicos do Grande Rio: Vamos vestir a camisinha meu amor!: “Eu vou brincar, curtir, vou sacudir essa cidade/ GLS, adolescentes, gente da melhor idade/ Num grito de liberdade/ Saúde e vigor quero ter pra ver/ O milagre da vida acontecer”. (Anexo 147) 2004 – Unidos da Vila Kennedy: Que rei sou eu?: “Essa estátua que surgiu, liberdade/ Simboliza o poder da nossa atualidade/ Segue a humanidade”. (Anexo 149) 2006 – Acadêmicos do Cubango: Na magia da escrita, a viagem do saber: “Um novo mundo repleto de paz/ Na liberdade que eu sempre quis/ Escrevo um final feliz” (Anexo 162) 2006 – Arranco: Uéledés, o retrato da alma, “Mascarei a liberdade/ E pintei poder e fé” (Anexo 164) 2006 – Beija-Flor: Poços de Caldas derrama sobre a terra suas águas milagrosas: Do caos inicial à explosão da vida, a nave mãe da existência: “Surgem civilizações/ Com arte e sabedoria/ A liberdade de buscar/ Um novo mundo conquistar”. (Anexo 165) 2006 – Mocidade Independente de Padre Miguel: A vida que pedi a Deus: “E amanhã, quando brilhar o novo amanhecer/ Com liberdade e igualdade/ Será um mundo bem melhor para se viver”. (Anexo 169) 2006 – São Clemente: De Gonzagão a Gonzaguinha: Em vida de viajante: “Amar a mulher e a pureza da criança/ No futuro há esperança/ Com liberdade sonhar”. (Anexo 170)

2011 – Mocidade Independente de Padre Miguel: Parábola dos divinos

semeadores: “Uma luz no céu brilhou, liberdade! / Meu coração venceu o medo”. (Anexo 213)

2011 – Unidos de Vila Isabel: Mitos e histórias entrelaçadas pelos fios de cabelos: “Respeite a coroa e meu pavilhão/ A desfilar na avenida / Carrega os filhos de Isabel, da liberdade/ É minha vida, é a vila”. (Anexo 214)

2011 – Unidos do Porto da Pedra: O sonho sempre vem pra quem sonhar: “A bruxa boa vem aí, eu quero ver! / O saboroso elixir, eu vou provar! / No vento vendaval da liberdade/ Um samba de verdade vai passar”. (Anexo 216) 2012 – Acadêmicos da Grande Rio: Eu acredito em você! E você? “Me dê a sua mão por liberdade/ Sou brasileiro, mandei a tristeza embora/ Eu ‘tô’ sentindo que chegou a nossa hora”. (Anexo 218) 2012 – Alegria da Zona Sul: Os saltimbancos: “Lutar.../ A liberdade tão sonhada conquistar/ Com força e coragem/ A felicidade, eu hei de encontrar”. (Anexo 219) 2012 – Vizinha Faladeira: A essência da vida... o progresso social sob a liberdade e igualdade: “Quero igualdade, dignidade, romper barreiras/ Tenho os meus direitos/ Exijo respeito e hoje vou me declarar/ Raiou o sol da liberdade tão sonhada”. (Anexo 226) 2013 – Inocentes do Belford Roxo: As sete confluências do Rio Han: “O destino soprou, saudade/ Um porto seguro, o futuro revela/ Um bom retiro de esperança e liberdade/ Sinto a emoção”. (Anexo 228) 2013 – Mocidade Independente de Padre Miguel: Eu vou de Mocidade com samba e Rock in Rio – por um mundo melhor: “Em verde e branco reluziu/ Um sonho de amor e liberdade/ De lama então, a flor se abriu/ Cantei a paz, a igualdade”. (Anexo 229) 2013 – Unidos do Cabuçu: O mestre-sala dos mares: “Ecoou... Um grito de liberdade/ Florescendo a igualdade/ Na ‘luta’ por dignidade”. (Anexo 231) Esses trinta e três sambas-enredos, escritos entre os anos de 1986 a 2013,

ilustram, significativamente, a importância atribuída a um novo conceito de liberdade. A liberdade sem um qualificativo específico. Talvez, pudéssemos escrever assim – a

liberdade de ir e vir, de não se estar preso(a) a nada. Uma liberdade em seu conceito mais abstrato possível por não ser, ou ser além, das liberdades tão conhecidas, políticas, econômicas, filosóficas. A liberdade por ela mesma. Nessa perspectiva, há de se considerar que somente no período democrático de nosso país é que os autores dos sambas-enredos puderam ampliar o significado da palavra liberdade. Não que eles não soubessem das potencialidades múltiplas desse vocábulo; é que o contexto dos períodos autoritários era desfavorável para fazê-lo. Foi uma questão de estratégia, de sobrevivência discursiva, empregar a palavra liberdade a heróis de há muito consagrados como Isabel, Tiradentes, Dom Pedro I, Deodoro, José do Patrocínio, Castro Alves e ressignificar Zumbi, Chica da Silva, Chico Rei, Chiquinha Gonzaga, todos personalidades pertencentes a um passado distante do

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