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1.3.11 Samba Enredo
bloco ‘Deixa Falar’abriu mão do título de escola de samba e “só não foi esquecido porque os sambistas jamais negaram o seu pioneirismo como escola de samba”. (CABRAL, 2011, p. 46) Sérgio Cabral também observou uma das curiosidades no primeiro desfile das escolas registrada pelo Correio da Manhã e pelo O Globo, foi a informação de que a Unidos da Tijuca apresentou um samba considerando o enredo. Inscrevendo, assim, a necessidade de se adequar a forma com o conteúdo, ou seja, a composição escrita com o desfile apresentado, cujo “gênero iria impor-se somente nos últimos anos da década de 1940”. (CABRAL, 2011, p. 88) Roberto DaMatta analisou o papel desempenhado pelas Escolas de Samba do Rio de Janeiro, ressaltando a consciência de seus integrantes e a possibilidade de os marginalizados serem “doutores” e “professores”, numa posição invertida. Posição que permaneceu inerente aos festejos carnavalescos desde a Antiguidade, os cultos agrários e a Idade Média, cujos maiores exemplos foram as mudanças entre escravizados e senhores.
As escolas de samba têm assim um duplo padrão: de um lado, são clubes abertos e inclusivos, de outro são associações dramáticas exclusivas, com uma alta consciência de bairro, grupo e cor. Os membros das escolas sabem que são pretos e pobres (a maioria é parte do enorme mercado de trabalho marginal do Rio de Janeiro), mas estão altamente conscientes do fato de que nos seus ensaios e durante o Carnaval, são eles os “doutores”, os “professores”. Com essa possibilidade, podem inverter sua posição na estrutura social, compensando sua inferioridade social e econômica, com uma visível e indiscutível superioridade carnavalesca. Essa superioridade manifesta-se no momento “instintivo” de dançar o samba que o senso comum brasileiro considera um privilégio inato da “raça negra” enquanto categoria social. (DAMATTA, 1981, p. 128-129)
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1.3.11 – SAMBA-ENREDO
Alberto Mussa e Luiz Antônio Simas definem o samba-enredo como uma das
espécies mais impressionantes de samba, especialmente por não ser lírica, contrariando uma tendência universal da música urbana e “porque integra o maior complexo de exibições artísticas simultâneas do mundo moderno: o desfile das escolas de samba”. Asseguram que o samba-enredo é um gênero épico. “O único gênero épico genuinamente brasileiro – que nasceu e se desenvolveu espontaneamente, livremente, sem ter sofrido a mínima influência de qualquer outra modalidade épica, literária ou musical, nacional ou estrangeira.” (MUSSA e SIMAS, 2010, p. 10) Hiram Araújo esclarece que o samba-enredo é uma produção encomendada sobre determinado tema, a trilha sonora do enredo, a ilustração poético-melódica do tema eleito
e desenvolvido pela Escola e, no seu entendimento, não deve ser analisado como obra erudita, acadêmica, mas como expressão da linguagem popular. Com base nas
considerações de Ivan Cavalcanti Proença, ao afirmar que a letra do samba possui uma sintaxe interna que serve à comunicação popular, observa a necessidade de o estudioso, o pesquisador e o julgador dos sambas-enredos conhecerem os componentes estruturais de sua sintaxe/interna própria, peculiar, posto que no universo popular não há erros de gramática normativa. Enfim, a liberdade de criação é o essencial, o indispensável. De maneira objetiva, Hiram Araújo aponta duas classificações do samba-enredo – descritivo ou interpretativo. Os descritivos são aqueles em que os autores expõem os detalhes do enredo. Em geral, são textos de longa duração e de difícil memorização, ao passo que os interpretativos apresentam o enredo desconsiderando os detalhes, porém apontando de forma implícita a ideia geral do tema; os versos são mais curtos e de fácil memorização. Os dois têm um objetivo comum: “Seja descritivo ou interpretativo, o samba de enredo deverá possuir a necessária harmonia musical que propicie o canto e a evolução, sem esforço dos componentes, facilitando, ainda, a manutenção da cadência da bateria.” (ARAÚJO, 2003, p. 265) Para Edgar de Alencar, o samba-enredo é geralmente “um trecho de lenda brasileira ou da História Pátria, narrado e musicado, com certa frieza, quase sem poesia, mas frequentemente com melodização agradável, destacada ainda pela afinação e disciplina dos grandes coros e de baterias numerosas e bem treinadas”. (ALENCAR, 1979, p. 51) No entendimento dele, não se pode precisar com exatidão a data em que teria surgido o primeiro samba-enredo. Considera a oficialização do carnaval em 1935, quando regulamentado o desfile das escolas de samba, e lembra que, em meio às normas a que se obrigariam, “estava a de versarem seus enredos na História do Brasil”. Acerca da
linguagem, concorda com Hiram Araújo quanto ao fato de que não se pode exigir de compositores iletrados poemas de escrita formal. O mais relevante em grande parte musical carnavalesca é a simplicidade, a linguagem viva, palpitante e autêntica.
Há expressões e palavras que não cabem no verso do samba ou da marcha de carnaval. Os vocábulos negra e bêbado ou bêbedo, por exemplo. No samba ou na marchinha o certo, o natural é nega ou bebo. A palavra exata daria um tom afetado, inautêntico, uma vez que raramente figura na linguagem falada da gente do samba. Da mesma forma se justifica a ausência da partícula de nas frases com o verbo gostar: A mulher que eu gosto, o homem que eu gosto, etc. (Acentue-se de passagem que a omissão tem até abono clássico). E não vamos citar expressões como “deixa ela” porque hoje figuram na linguagem falada geral [...] (ALENCAR, 1979, p. 32)