INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO RIO DE JANEIRO Programa de Pós-Graduação Lato Sensu Especialização em Ensino de Historias e Culturas Africanas e Afro-brasileiras Campus São Gonçalo
Phellipe Patrizi Moreira
“HISTÓRIAS PARA NINAR GENTE GRANDE” E “O SALVADOR DA PÁTRIA”: os enredos das escolas de samba como expressões de uma Pedagogia de massas
São Gonçalo - RJ 2019
Phellipe Patrizi Moreira
“HISTÓRIAS PARA NINAR GENTE GRANDE” E “O SALVADOR DA PÁTRIA”: os enredos das escolas de samba como expressões de uma Pedagogia de massas
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como parte dos requisitos necessários à obtenção para o grau de especialista em Ensino de Histórias e Culturas Africanas e Afro-brasileiras, do Programa de Pós-graduação Lato Sensu pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ), campus São Gonçalo.
Orientadora: Professora DrªAngela Maria da Costa e Silva Coutinho
São Gonçalo - RJ 2019
Dedico este trabalho de conclusão de curso a todos aqueles (as) a quem a História não contou suas biografias, indivíduos esquecidos (as) pela narrativa oficial cujos nomes não aparecem nas páginas dos livros didáticos. Enquanto eu viver, suas lutas serão imortais.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, a minha família e em especial a colaboração dos companheiros de vida, os melhores amigos que um ser humano poderia ter Amanda, Carol, José Vittor, Karlla, Wellington e Rayssa. Não me canso de dizer: vocês são as minhas bases. Muito obrigado também a minha orientadora a Professora DrªAngela Coutinho e aos carnavalescos e pesquisadores que me concederam as entrevistas para esse trabalho monográfico de forma respeitosa, ética, solícita e gentil. Muito obrigado a todos e todas, pois este trabalho foi feito por diversas mãos, não somente pelas minhas.
Eu sou da Estação Primeira de Nazaré Rosto negro, sangue índio, corpo de mulher Moleque pelintra do buraco quente Meu nome é Jesus da gente Samba-enredo (G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira 1992). Enredo: ―A verdade vos fará livre‖. Compositores: Manu da Cuíca e Luiz Carlos Máximo
MOREIRA, Phellipe Patrizi. “Histórias para ninar gente grande” e “O salvador da pátria”: os enredos das escolas de samba como expressões de uma Pedagogia de massas 61 p. (Trabalho de conclusão de curso). Programa de Pós-Graduação Lato Sensu no Curso de Especialização em Ensino de Histórias e Culturas Africanas e Afro-brasileiras, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ), Campus São Gonçalo, RJ, 2019.
RESUMO O propósito desse trabalho de conclusão é difundir as reflexões que focam nas narrativas dos desfiles de carnaval do G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira e G.R.E.S. Paraíso do Tuiuti. Como objetivo específico, a pesquisa analisa as construções discursivas dos carnavalescos e pesquisadores das respectivas agremiações cariocas e como estes versaram suas visões da história do país através dos desfiles de 2019 no Rio de Janeiro. A lei 10.639/03 tornou obrigatório o ensino das histórias e culturas africanas e indígenas em todas as escolas, públicas e privadas, do ensino de base até o ensino médio. Isso demanda a construção de uma pedagogia que valoriza a pluralidade étnico-racial e a educação democrática, dentro e fora da sala de aula. Um dos espaços possíveis que podem ser usados como exemplo dessa investigação são os temas-enredos das escolas de samba, capazes de criar um sistema discursivo direcionado ao grande público e desempenhar um papel pedagógico contra o racismo. Palavras-chaves: Escolas de samba. Pedagogia de massas. Cultura afro-brasileira.
MOREIRA, Phellipe Patrizi. “Histórias para ninar gente grande” e “O salvador da pátria”: os enredos das escolas de samba como expressões de uma Pedagogia de massas 61 p.. (Trabalho de conclusão de curso). Programa de Pós-Graduação Lato Sensu no Curso de Especialização em Ensino de Histórias e Culturas Africanas e Afro-brasileiras, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ), Campus São Gonçalo, RJ, 2019.
ABSTRACT The purpose of this concluding work is to disseminate the reflections that focus on the narratives of the G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira and G.R.E.S. Paraíso do Tuiuti. As a specific objective, the research analyzes the discursive constructions of the carnavalescos and researchers of the respective Rio associations and how they addressed their views on the country's history through the 2019 parades in Rio de Janeiro. Law 10.639/03 made it mandatory to teach African and indigenous histories and cultures in all schools, public and private, from basic education to high school. This demands the construction of a pedagogy that values ethnic-racial plurality and democratic education, inside and outside the classroom. One of the possible spaces that can be used as an example of this investigation are the themes-plots of the samba schools, capable of creating a discursive system aimed at the general public and playing a pedagogical role against racism.
Keywords: Samba schools. Pasta pedagogy.Afro-brazilianculture.
SUMÁRIO
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INTRODUÇÃO
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2 SAMBA E EDUCAÇÃO: ENREDOS INTEGRANTES DE UMA PEDAGOGIA DE MASSAS A PARTIR DOS ANOS 80 NO CARNAVAL CARIOCA 14 2.1 ESCOLAS E SAMBA: AS HIPÓTESES EM TORNO DO SURGIMENTO DA DENOMINAÇÃO ―ESCOLAS DE SAMBA‖ 15 2.2 AS NARRATIVAS CRÍTICO-POLÍTICAS ENCONTRAM ECO NA PASSARELA DO SAMBA 19 3 “BRASIL O TEU NOME É DANDARA”: AS LUTAS DAS POPULAÇÕES NEGRAS E INDÍGENAS PELA REPRESENTATIVIDADE NA HISTÓRIA OFICIAL 29 3.1 UM BREVE HISTÓRICO DOS MOVIMENTOS NEGROS NO BRASIL REPUBLICANO 33 3.2 ALGUNS APONTAMENTOS DA HISTÓRIA RECENTE DOS MOVIMENTOS INDÍGENAS BRASILEIROS 36 4 “DEIXA EU TE CONTAR A HISTÓRIA QUE A HISTÓRIA NÃO CONTA: AS NARRATIVAS PRESENTES NOS ENREDOS NA MANGUEIRA E DO PARAÍSO DA TUIUTI NO CARNAVAL DE 2019 35 4.1 OS ATRAVESSAMENTOS ENTRE A EDUCAÇÃO ESCOLAR E A PEDAGOGIA DO SAMBA 39 4.2 O ENREDOS DAS ESCOLAS DE SAMBA PARA ALÉM DA MARQUÊS DE SAPUCAÍ 40 4.3 AS VOZES DO SAMBA QUE ECOAM NA ACADEMIA
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS
51
APÊNDICE
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ANEXOS
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1 INTRODUÇÃO
As escolas de samba cariocas desde o seu florescimento apontaram como instituições ligadas às camadas empobrecidas da sociedade brasileira e evidenciaram como locais de forte apelo cultural, recreativo e pedagógico para estes setores sociais. Ao decorrer de sua história, permeado por conflitos, contradições e negociações com o poder público, as agremiações, situadas principalmente na cidade do Rio de Janeiro, engendraram discursos constituídos a partir das realidades em que viviam os membros de suas comunidades, expondo na Avenida Marquês de Sapucaí, palco das apresentações, seus modos de narrar suas versões da História nacional, de acordo com alguns estudos da literatura recente sobre carnaval como Cavalcanti (1999, 2006), Faria (2017, 2018), Ferreira (2004), Lopes e Simas (2015). As críticas às políticas vigentes em cada período histórico no qual estava inserido cada desfile carnavalesco deixavam transparecem, em maior ou menor grau, os interesses, discordâncias e os desejos que os componentes das escolas de samba sentiam perante os governantes do país. Aquilo que esperavam alterar no cenário nacional, o que lhes eram convenientes concordam em busca de suas sobrevivências, trocas de favores, campanhas eleitorais ou em oposição ao regime político em vigor, ofertarem seus espaços para reuniões de apoio a democracia, aos candidatos de oposição ou somente ouvir as propostas daqueles que poderiam ser os próximos líderes dos governos em suas diferentes esferas: municipal, estadual e federal. Mergulhado nessa análise, encontro nas escolas de samba um lócus privilegiado de emissão de mensagens, conteúdos, proposições, em suma: um grande espaço para o debate de ideias e planos para o Brasil. Em meio a essa observação que encantei por este tema: as escolas de sambas cariocas desde os meus 14 anos, fase inicial de minha adolescência. Esse encantamento aconteceu enquanto eu estava cursando o oitavo ano do Ensino Fundamental II, ano de 2007, no Centro Educacional Tereza Cristina, escola da rede privada de ensino, localizada no município de São Gonçalo, no Rio de Janeiro. Após ser solicitado pela professora de História para elaborar, em conjunto aos meus colegas de classe, um seminário para disciplina de História sobre a Chegada da Corte Portuguesa ao Brasil, após concluir a atividade, encontrei nos sambas de enredo, um caminho para me dedicar aos estudos da temática abordada naquele trabalho escolar.
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Paralelamente a esse momento, ouvia pelo rádio os sambas de enredos das escolas de samba cariocas. Dentre as letras dos sambas escutadas atentamente, a composição do Grêmio Recreativo Escola Samba Imperatriz Leopoldinense, me despertou um especial interesse. O enredo intitulado ―João e Maria‖, desenvolvido pela carnavalesca Rosa Magalhães, abordava os 200 anos da Chegada da Corte Portuguesa ao Brasil (1808 -2008), justamente o conteúdo escolar do trabalho,que eu ficara encarregado de pesquisar. Este tema despertou em mim o desejo de encontrar diversas outras fontes a respeito do referido fato histórico. O interesse e a curiosidade mobilizados pelo enredo da escola de samba, bem como sua articulação com o seminário apresentado na escola, ainda no oitavo ano de escolaridade, foram decisivos para a opção, que faria mais tarde, pelo Curso de História e o meu atravessamento por aquele que seria o meu tema de pesquisa que me acompanhada desde a escrita do trabalho monográfico da licenciatura em História pela Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FFP/UERJ). Com o título ―A chegada da Corte Portuguesa representada através das escolas de samba cariocas no carnaval de 2008‖, a monografia teve como objetivo geral analisar como os enredos das escolas de samba do Rio de Janeiro: G.R.E.S. São Clemente, G.R.E.S. Imperatriz Leopoldinense e G.R.E.S Mocidade Independente de Padre Miguel abordaram em seus desfiles, sobretudo, em seus sambas de enredo, os 200 anos da chegada da corte portuguesa ao Brasil, no carnaval carioca de 2008. Foram utilizadas entrevistas concedidas por alguns participantes de tais escolas como fontes documentais privilegiadas para o estudo da pesquisa. O meu ingresso no Curso de Especialização Lato Sensu em Ensino de Histórias e Culturas Africanas e Afro-brasileiras pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ/SG), me ajudou a seguir a trajetória como pesquisador das escolas de samba enquanto elemento cultural, pedagógico e político. Nesse sentido, este trabalho de conclusão de curso visa analisar os enredos das escolas de samba Estação Primeira de Mangueira e do Paraíso do Tuitui no carnaval de 2019. A escolha por estas agremiações não se deu de forma aleatória, mas por apresentarem nos últimos anos narrativas contrahegemônicas a História Oficial. Este trabalho dividiu-se em três capítulos. O primeiro, intitulado ―Samba e Educação: Enredos integrantes de uma Pedagogia de Massass a partir dos Anos 80 no carnaval carioca‖. O estudo se ateve a análise de cinco enredos das agremiações 12
carnavalescas do carnaval carioca a partir dos anos de 1980, no contexto no qual se instaurou no país uma conjuntura repressiva como desdobramento do período ditatorial brasileiro iniciado com o Golpe Civil-Militar de 1964 a 1985. Para compreender como ocorreu essa caminhada, faço um breve sobrevôo sobre a década de 1960, cujas mudanças que vinham acontecendo nas escolas de samba, tais quais como a entrada de ―elemento externo‖ e a introdução da temática negra no carnaval, dividiram os rumos da festa. Em seguida, em ―‗Brasil o teu nome é Dandara‘: as lutas das populações negras e indígenas pela representatividade na História Oficial‖, a discussão gira em torna dos movimentos negros e indígenas a partir dos papéis educadores concebidos por eles ao defenderem que a educação escolar, quando não assume uma postura antirracista, tende a adotar um posicionamento associado ao mito da democracia racial. A mudança ainda irrisória dessa concepção seria um dos desdobramentos das lutas e indignações desses movimentos que tencionam a constante a conscientização e valorização da estética e da corporeidade negra nos âmbitos culturais e sociais. No terceiro e último capítulo, ―‘Deixa eu te contar a história que a história não conta‘: as narrativas presentes nos enredos na Mangueira e do Paraíso da Tuiuti no carnaval de 2019‖. Nele, a ideia é pensar as escolas de samba na atualidade como espaços coletivos nos quais sentimentos, sejam eles de tristeza, inquietude, pertencimento, comunidade estão imbricados e por meio da memória coletiva e individual são reafirmados. A partir das falas dos entrevistados, muito deles procuraram personagens, muitas vezes esquecidos e silenciados por forças políticas, ao longo de nossa história para exporem em seus desfiles, objetivando contribuir para que não se apagasse as memórias das lutas dos ―vencidos‖ e os embates com os ―vencedores‖. As escolas de samba podem ser pensadas como modelos de promoção da cultura popular, ao ter os seus sambas de enredos conhecidos popularmente pelo grande público e despertar debates em torno das figuras muitas vezes desconhecidas da população brasileira, mas que passaram na Avenida antes mesmo de chegarem aos conteúdos curriculares. Na maior parte de sua estrutura e de sua organização, as agremiações apresentam-se como um lócus de preservação da memória e cultura afro-brasileira e africana, como por exemplo, a existência de uma ala de baianas. A sua presença no cortejo, já reforça essa concepção, independente do que a ela esteja trajando. O mesmo acontece com a bateria, pela tem íntima ligação com os ogans dos terreiros e pelo o próprio som realizam. O samba, principalmente, finaliza o contorno da festa enquanto de matriz cultural negra. 13
2 SAMBA E EDUCAÇÃO: ENREDOS INTEGRANTES DE UMA PEDAGOGIA DE MASSAS A PARTIR DOS ANOS 80 NO CARNAVAL CARIOCA
“São Clemente... através do Carnaval Traz uma mensagem na avenida Que transformamos em salas de aula Cobrando urgente a solução Para o problema da educação” Samba-enredo (G.R.E.S. São Clemente 1992). Enredo: ―E o Salário Ó‖
A letra do samba-enredo do Grêmio Recreativo Escola de Samba São Clemente em 1992, composta por Helinho 107, Chocolate, Maurício, Ricardo Góes e Ronaldo, revelam o caráter crítico da proposta do desfile da agremiação para o carnaval de 1992. A agremiação a escola de samba originária do bairro de Botafogo, zona sul da cidade do Rio de Janeiro, na voz de seu intérprete Sidney Moreno, emite uma mensagem em tom de reivindicação ―Olha Brasil, se liga na educação!‖ Com o enredo ―E o salário Ó‖, de autoria dos carnavalescos Luiz Fernando Reis e José Félix, a escola das cores preto e amarelo desfilou na Avenida em tom de protesto ao reivindicar por melhores salários para os(as) professores(as) brasileiros(as). A proposta da escola era de carnavalizar o Sambódromo carioca ao transformá-lo alegoricamente em salas de aula. Mas afinal, seria a Avenida Marquês de Sapucaí o palco para esses debates? Os enredos das escolas de samba podem ser considerados integrantes de uma pedagogia de massas1? Como as agremiações dialogam com o poder público no decorrer de suas histórias? E como essa ―negociação‖ influencia no caráter pedagógico de temas levadas para a Avenida Marquês de Sapucaí? 1
O conceito Pedagogia de massas que norteia este texto é compreendido como ―uma pedagogia para o grande público que expressa numa série de elementos visuais que inclui desde alegoria a fantasia e ao mesmo tempo, interage com o canto, a dança, a música entre outros fatores‖ de acordo com as palavras ditas pelo professor e historiador Luiz Antônio Simas durante a entrevista concedida ao autor desse trabalho. Simas é enfático ao afirmar que alguns personagens emblemáticos da história nacional como Zumbi dos Palmares e Xica da Silva atravessaram a avenida dos desfiles antes de serem pautas de discussões nos ambientes escolares. Para ele, a dimensão pedagógica das escolas de samba tais como nos enredos da G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira e pelo G.R.E.S. Paraíso do Tuiuti no carnaval de 2019 têm a função de dialogar com a sociedade no campo da educação transcendente aos espaços das salas de aulas. Nesses dois referidos casos de estudo, bem como nos enredos com temáticas africanas, a missão educativa é vista como uma proposta de debate para além dos limites do mundo do samba, no entanto, essa concepção educativa não reduz a dimensão carnavalesca da festa. 14
2.1 ESCOLAS E SAMBA: AS HIPÓTESES EM TORNO DO SURGIMENTO DA DENOMINAÇÃO ―ESCOLAS DE SAMBA‖ O termo ―mundo do samba‖ de acordo com as definições de Lima (2002, p.177), expressa os ―ambientes frequentados pelos sambistas, tais como Escolas de Samba, determinados bairros, morros da cidade do Rio de Janeiro, botequins, praças, programas nos meios de comunicação‖. Nestes espaços, há um debate ainda não findado sobre do surgimento da denominação ―escola de samba‖. Dentre as possibilidades estudadas, destaca-se a versão de que Ismael Silva batizou a agremiação ―Deixa Falar‖ em 12 de agosto de 1928 com este termo, visto que nas localidades onde aconteciam as reuniões, no bairro do Estácio, no Rio de Janeiro, ficava próxima a uma Escola Normal. O sambista cunhou esta expressão, pois defendia a ideia de que, já que os (as) professores (as) se encontram na escola para ensinar aos alunos (as), os mestres do samba também deveria se reunir em uma escola, mas neste caso, de samba, afirma Felipe Ferreira (2004). A versão narrada por Ferreira dialoga com a de Nei Lopes e Luiz Antônio Simas (2015) por meio das demais versões contadas por eles para esta história do nascimento das agremiações. Outra hipótese consiste no relato expresso por esses dois autores de que o radialista, pesquisador e cantor Almirante, afirma que com a popularização do tiro de guerra em 1916, veio a nomeação deste temo devido à frequência em que se ouvia pelas ruas do Rio de Janeiro o comando ―Escola, sentido!‖. A terceira possibilidade desse florescimento refere-se à classificação dada pela imprensa ao famoso rancho Ameno Resedá (1907-1943) como ―rancho-escola‖, inspiração para as apresentações das primeiras escolas de samba do país. Deste modo, Ferreira conclui que a suposta preocupação das agremiações em relacionarem as palavras escola e samba ocorreu por conta do desejo de se introduzirem na sociedade e ganharem uma maior aceitação por parte das diversas camadas sociais. Estas primeiras reuniões de sambistas de forma mais estruturada originaram-se dos ranchos e blocos de ruas já existentes, das misturas de batuques com a música popular. Com efeito, os escritos de Lopes e Simas (2015) com o de Lima (2002) reconhecem as agremiações como manifestações articuladoras e negociadoras perante os interesses do poder público em busca de (re) existência, sejam pelos seus modos de se apresentarem, sejam por suas concepções religiosas, sociais e culturais. Logo, as escolas de samba podem ser caracterizadas como elementos de socialização de saberes (LIMA, 2002), nos quais os ―códigos, estratégias de sobrevivência, de resistência cultural, de afirmação de um grupo 15
social que além de estar na base da pirâmide social, sofre discriminação e o preconceito, e tem o peso da história de vários séculos de opressão.‖ (p.180) Desta forma, o samba floresce em meio ao processo de exclusão das populações negras no período da pós-abolição como uma possibilidade de (re)existir às tentativas de apagamento das culturas afro-brasileiras. Com a instauração do regime republicano no ano seguinte da assinatura da Lei Áurea, em 1889, as elites governantes da cidade do Rio de Janeiro são influenciadas por ideal de modernização e urbanização advindos das reformas urbanistas realizadas em Paris, na França. O sentimento da Belle Époque (Bela Época) tomou conta da região, o Rio desejava ser a Paris nos Trópicos e com isso, levou a expulsão das populações negras e pobres, ocupantes dos cortiços no centro da cidade, para os morros e subúrbios, locais periféricos e distantes de seus postos de trabalho, como apontam as análises feitas por Gonçalves e Silva:
A maior parte dos estudos retrata a situação dos negros nas áreas urbanas, no período em que algumas cidades do país iniciam rápido processo de modernização. Mudanças bruscas de valores, associadas a profundas transformações no mercado de trabalho, exigiam, da parte dos diferentes segmentos sociais, a criação de novas formas organizacionais, por adoção de novos dispositivos psicossociais, que os ajudassem a se inserir na sociedade moderna (2000, p. 138)
As autoras afirmam que os menos favorecidos ficaram à margem da sociedade sem contar com nenhuma política pública de reparação pelos séculos do sistema escravista. As comunidades negras e pobres, excluídas do mundo do trabalho, tiveram de se concentrar entre os becos e vielas, restaram-lhe apenas um único deslocamento: da senzala para a favela. Dando eco a essa afirmação, Jessé de Souza diz que ―desse modo, o processo de incorporação do mestiço à nova sociedade foi paralelo ao processo de proletarização e demonização do negro.‖ (2017, p.42). Para Souza, a opressão não se concentrava mais nas mãos dos senhores de escravos, mas na de qualquer europeu contra os mais pobres, negros e os indígenas. Neste período, com o lançamento do livro de maior sucesso do sociólogo Gilberto Freyre ―Casa Grande & Senzala‖ em 1933, a sociedade brasileira é marcada pelo enaltecimento da figura do negro como componente essencial da cultura nacional. Somada estas com as políticas governamentais de Getúlio Vargas no decurso da ditadura do Estado Novo (1937-1945), que promovia oficialmente a unidade e pelo afã da brasilidade. No bojo dessa discussão, encontrava-se a mestiçagem como exemplo da concepção nacionalista através da união das três raças formadoras do país: os colonizadores europeus, povos 16
negros e as populações indígenas. Este seria um dos componentes estruturantes do mito da democracia racial brasileira. Souza (2017) classifica esta ação como um romance da identidade nacional que forjou a compreensão dos(as) brasileiros(as) têm de si mesmos. Para além de espaços de resistência, a história das agremiações carioca é pautada por uma série de negociações, conflito e contradições, logo os surgimentos das escolas de samba no final da década de 1920 e início dos anos de 1930 não seriam diferentes. O episódio marca um impasse entre as populações negras e o Estado. Para Simas e Fabato, ―de um lado, os negros tentavam desbravar caminhos de aceitação social; do outro lado, na tocaia, havia um Estado disposto a disciplinar as manifestações culturais dos descendentes de escravos, vistas constantemente como membros de ‗classes perigosas‘‖ (2015, p. 18) O samba outrora marginalizado tornou-se, em seguida, o autêntico símbolo nacional alimentando a visão do perfil de ―mulato‖ da nação brasileira. Essa máscara sociorracial tornava-se perigosa por conta da ilusão da fraternidade entre as raças, uma vez que o tráfico transatlântico carregou vidas cujas personalidades foram vilipendiadas ao chegaram às terras brasileiras, transformando gente em mercadoria de seus senhores. Com o advento de novas escolas de samba, objetivadas por recreação e sociabilidade, surgem as primeiras disputas entre si. O primeiro esboço de concurso ocorreu em 1929 na Praça Onze em comemoração à data do santo padroeiro da cidade do Rio de Janeiro, São Sebastião, no dia 20 de janeiro, organizada por Zé Espinguela. Nele, o grupo de Oswaldo Cruz consagrou-se campeão do torneio musical. Em 1932, percebe-se o crescimento da festividade com um pequeno cortejo na Praça Onze com as apresentações até três sambas durante a disputa com temas livres nas quais quatro comunidades foram premiadas com as primeiras colocações: Vai como Pode (nome do grupo de Oswaldo Cruz, sucedido por Portela logo em seguida), Para o Ano Sai Melhor, Unidos da Tijuca e a Mangueira. Esta última consagrou-se a campeã do concurso. O patrocínio para a organização desses festejos ficou a cargo do jornal ―O Mundo Sportivo‖. O periódico vislumbrou nessa festa a possibilidade de movimentar as suas manchetes devido à ausência de competições esportivas nesse período do ano. No ano seguinte (1933), com o fim de jornal, a organização do concursou passou a cargo de outros veículos de comunicação, como do periódico do grupo ―O Globo‖. Fora neste ano em que houve os primeiros auxílios públicos ao evento, a prefeitura do Distrito Federal só promoveu oficialmente os desfiles dois anos mais tarde, em 1935. Com a instalação do regulamento seguido pelas escolas, a Mangueira ganhou novamente o título 17
de campeã, assim como em 1934, momento que o palco do espetáculo desloca-se para o Campo de Santana, segundo Lopes e Simas (2015). A partir do final da década de 30, cresce a abordagem dos enredos das escolas de samba sobre as temáticas ufanistas, às exaltações as grandes efemérides da História do Brasil e aos seus respectivos heróis. O debate em torno da introdução dessa temática nos desfiles das escolas confronta a visão até então, popularmente conhecida, de que se tratava de uma política governamental do presidente Getúlio Vargas, centralizada no Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), das escolas de samba homenagearem, em seus enredos, temas nacionais em defesa do ―ufanismo patriótico‖. No entanto, a histografia recente problematiza essa questão, como aponta Lopes e Simas (2015), ao mostrar uma preocupação em maior grau das próprias agremiações em buscarem uma conversa com a proposta governamental do que de uma imposição do DIP. Essa ação visava à maior aceitação das agremiações por parte das diversas camadas sociais, bem como a negociação com a política laudatória do Estado Novo. Contrariando o regulamento e o projeto de governo, a Associação Recreativa Escola de Samba Vizinha Faladeira teve como enredo, em 1939 ,o tema: ―Branca de Neve e os sete anões‖, assunto este considerado como de teor internacional, levando a escola ser desclassificada do torneio, uma vez que fez um tributo a uma história norte-americana. A agremiação da zona portuária carioca, cujas apresentações arrancavam aplausos dos espectadores em anos anteriores, desfilou em 1940 com a faixa com seguinte dizer: ―Devido às marmeladas, adeus Carnaval. Um dia voltaremos". Seguindo a mensagem exibida, a Vizinha Faladeira encerrou as suas atividades durante aproximadamente cinquenta anos, voltando ao carnaval apenas no ano de 1989. A promoção dos valores patrióticos marcou o carnaval carioca ao decorrer de seis décadas, apesar da rotatividade de presidentes no poder do país após redemocratização em 1946 com o fim do Estado Novo no ano anterior. A finalidade governamental era a apresentação de um ―carnaval pedagógico‖ e contando com um samba que teria a função de apresentar o enredo, diferentemente do que vinha ocorrendo nos últimos carnavais, nas quais as agremiações apresentavam temáticas livres e mais de uma composição musical. A ―exigência‖ sobre a temática brasileira nos enredos das escolas de samba foi abolida somente em 1997 quando a G.R.E.S. Acadêmicos da Rocinha exibiu o enredo ―A viagem fantástica de Zé Carioca‖, ironicamente similar ao tema da co-irmã desclassificada no final da década de 1930. 18
2.2 AS NARRATIVAS CRÍTICO-POLÍTICAS ENCONTRAM ECO NA PASSARELA DO SAMBA
A preocupação deste texto não é fazer um olhar sob o panorama histórico das escolas de samba, mas apenas contextualizar o leitor e a leitora de como se deu o surgimento dessas agremiações e como o debate em torno de papel pedagógico ocorreu desde os passos iniciais desse movimento cultural. A seguir este estudo se aterá a análise de cinco enredos das agremiações carnavalescas do carnaval carioca a partir da década de 1980, no contexto no qual se instaurou no país uma conjuntura repressiva como desdobramento do período ditatorial brasileiro iniciado com o Golpe Militar de 1964 e findado em 1985. Para entender como esse caminho fora trilhado é necessário observar desde a década de 1960 as mudanças que vinham acontecendo nas escolas de samba desde a entrada do ―elemento externo‖ e da introdução da temática negra no carnaval. Guilherme Faria (2018) aponta para este espaço conquistado pelas escolas de samba elencando-as como ―um dos canais mais potentes de emissão das expressões culturais afrobrasileiras que as potencializaram e popularizaram em todo o país‖ (p. 193). Faria afirma deste modo, a importância das escolas de samba como ―emissoras de discursos‖ cujas mensagens simbolizam as diferentes disputas do uso do passado na carnavalização das histórias e a partir desse poder de divulgação dessas versões da história, que as escolas de samba ajudam a construir reflexões a respeito do cenário político, social e cultural do país. Como ressalta Faria (2017), ―ampliar uma narrativa que permite compreender o papel desempenhado pelas agremiações nos embates, disputas, conflitos e negociações que se estabeleceram ao longo dos anos 80‖, (p.2). Esse percurso tem o seu embrião nos anos 60, quando o professor da escola de Belas-Artes, Fernando Pamplona, trouxe para a Avenida as mudanças estéticas advindas na parte propositiva dos enredos e no uso de materiais para as confecções de fantasias. A entrada desse ―elemento externo‖ ao universo das escolas de samba gerou inicialmente um estranhamento, porém rapidamente conquistou a sua consagração com os campeonatos nos anos de 1960 e 1970 no G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro. O então jurado do desfiles encantou-se com a bela apresentação da escola no ano anterior, 1959, desfile que rendeu o vice-campeonato a agremiação com um enredo sobre Jean-Baptista Debret, este fato o fez ser convidado para liderar a equipe artística para o carnaval em 1960. 19
O primeiro enredo foi uma homenagem a Zumbi com Quilombo dos Palmares uma parceria com o cenógrafo Arlindo Rodrigues, o desenhista Nilton Sá e com o casal já atuante na escola, a figurinista Marie Louise Nery e seu marido, Dirceu Néri. Pamplona conta que raramente propôs as diretorias enredos para as escolas pelas quais trabalhou, mas desta vez, o professor, atraído pela cultura negra, escolheu o enredo sobre Palmares. Em entrevista concedida à Maria Laura Cavalcanti e à Filipina Chinelli em 1989, o carnavalesco conclui que para alterar o cenário social do país, precisaria ser político em suas ações. Nesse sentido, o enredo sobre Palmares foi uma reação contra a escravidão e pela luta por liberdade. No entanto, era a primeira vez que fazia uma fantasia negra no carnaval. Este fato causou estranhamento aos componentes do Salgueiro, habituados a desfilarem trajando figurinos associados a personalidades brancas como Dom João VI, de D. Pedro I e não com roupas negras. A partir disso, Pamplona argumenta que os desfilantes relacionavam as vestimentas negras à escravidão e a indumentária branca ao poder. Em consequência, eles optavam pelo vestuário relacionado às realezas brancas. Por conseguinte, os responsáveis pelo setor artístico do Salgueiro, resolveram vestir a comunidade com fantasias de negros buscando nas nações africanas essa relação de poder. Para Cavalcanti (1999), ―nos sambas-enredos do carnaval estão em jogo uma pedagogia e uma imensa conversa sobre os assuntos que interessam a diversas camadas sociais. Dentre esses assuntos, destaca-se a temática racial‖ (p.35). Em diálogo com esta afirmação, Faria (2018) aponta para os enredos e suas respectivas letras dos sambas em meio à década de 1960 como porta-vozes das identidades étnico-raciais negras do país no que tange suas questões raciais e as ações de combate ao racismo. No decurso das décadas posteriores, as escolas de samba ecoaram na Passarela do Samba suas insatisfações, desejos, críticas, contradições, ambiguidades e o que esperavam para o futuro da nação. Desta forma, segundo Faria (2017) essas instituições recreativas lançam na avenida a necessidade de lutar por direitos, fazer valerem as suas vozes, as vontades de debaterem a política e os seus modos de exercerem as suas cidadanias. Em entrevista concedida para ao autor deste texto, Simas (2019) diz compreender as escolas de samba como instituições dialógicas com a sociedade para além dos desfiles durante o carnaval. Em sua fala, ele acredita que elas podem ofertar um papel educativo na sociedade. O Salgueiro cantou na Avenida o Quilombo dos Palmares, no desfile de 1960, antes de esse personagem ser abordado nas salas de aula. O entrevistado refere-se a essa ação educativa como de Pedagogia de massass, pois, de acordo com ele, ―ali você está 20
educando. A educação é fenômeno que transcende a sala de aula. É movimento muito mais amplo‖ (LUIZ ANTÔNIO SIMAS. Entrevista. Rio de Janeiro: 2019). Este argumento do Simas pode ser exemplificado pela tese de Rodrigo Ferreira (2014), quando o historiador afirma a influência dos enredos das escolas de samba como sendo o primeiro contato com certos temas para diversas pessoas da sociedade. À visto disso, Ferreira relata a circularidade desses conhecimentos para um grande público, que em muitos casos, não tiveram acesso a tais assuntos anteriormente aos desfiles: Ainda assim, a representação da história de Chico Rei no carnaval de 1964 favoreceu a ampliação desse conhecimento para uma população distante da cultura popular corrente na região mineira de Ouro Preto. Semelhantemente ao que ocorreu com Cacá Diegues e sua inspiração para filmar a história de Chica da Silva, Walter Lima Júnior se recordava do desfile do Salgueiro como sendo seu primeiro contato com o tema, juntamente com as tradicionais festas de congada, quando foi convidado a filmar a história (2014, p.125.)
Em diálogo com essas afirmações, o site da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro publicou um texto intitulado, ―Carnaval: quatro dias de aulas de História e Cultura na Sapucaí‖, assinado pelo jornalista Joice Hurtado, cujo conteúdo corrobora com a discussão presente neste trabalho no tocante a defesa dos desfiles das escolas de samba como lugar de produção de conhecimento e de recreação tornando-se inclusive questões de concursos públicos. As agremiações levam para a Passarela do Samba personagens muitas vezes desconhecidos do grande público podendo ofertar um fomento à cultura por parte dos espectadores das apresentações carnavalescas. Em consonância a esta tese, Hurtado retrata: Desde a introdução de personagens não presentes na História Oficial, fato que se deu a partir da série de enredos desenvolvidos por Fernando Pamplona e sua equipe no Salgueiro da década de 1960, as escolas de samba tornaram-se uma grande fonte de conhecimento para um público que não tem acesso à educação e à cultura. (SECRETARIA DE ESTADO DE CULTURA E ECONOMIA CRIATIVA DO RIO DE JANEIRO, 23 de setembro de 2019)
Em exemplo disso, os cinco desfiles aqui analisados consistem sob à luz do prisma críticopolítico lançados no carnaval carioca nas últimas décadas. São eles: os enredos do G.R.E.S. Caprichosos de Pilares com o enredo ―A visita da nobreza do riso a Chico Rei, num palco nem sempre iluminado‖ de 1984 e ―E por falar em saudade‖, em 1985; os do G.R.E.S. São Clemente em ―Já vi este filme‖ de 1991 e ―E o Salário Ó!‖ de 1992 e; e por último, o carnaval de 2018 do G.R.E.S Paraíso do Tuiuti em ―Meu Deus, Meu Deus, Está Extinta a Escravidão?‖. A seleção destes e não de outros enredos fora motivada por serem 21
considerados pela imprensa como ―emblemáticos‖ no tocante às críticas ao contexto político nacional em que cada escola de samba passou pela Avenida Marquês de Sapucaí. A Caprichosos de Pilares apresentou diversos enredos críticos-reflexivos neste período ganhando o apelido de ser uma ―escola de samba crítica‖. O mesmo termo foi cunhado a São Clemente por conta do perfil crítico-político apresentado no Sambódromo pela agremiação. E o Paraíso do Tuiuti adotou essa postura principalmente com a assinatura do desfile pelo carnavalesco formado pela Escola de Belas-Artes, Jack Vasconcelos. No domingo de carnaval, dia 04 de março de 1984, dia da abertura dos desfiles das escolas de samba da principal divisão do campeonato, o ―Jornal do Brasil” apresentou as expectativas para as apresentações daquela noite. Na coluna ―Coisas do Carnaval” de autoria de Geraldo Viola, o jornalista ressalta os tons críticos nos enredos: E não se pode dizer que se trata de um dopping coletivo, porque a observação e a crítica se fazem presentes, confirmando o lado irreverente do carnaval, que é uma de suas marcas mais importantes. A diversificação dos enredos é altamente saudável e derrota a falsa teoria de que os temas escolhidos são ufanistas ou laudatórios. No desfile das escolas de samba, o povo devolve a História à História, celebrando personagens postos à margem, revivendo episódios não valorizados pela visão oficial e, ainda exaltando o panteão das divindades da religião latente que o brasileiro cultiva. (Jornal do Brasil, 04 mar. 1984. Caderno B, p. 2)
A terceira escola a se apresentar naquele domingo de carnaval, a Caprichosos de Pilares cuja conjuntura do enredo se insere a uma crítica ao Regime Militar (1964-1985) e a luta pelo processo dos movimentos das ―Diretas Já!‖. Nesta época, diversos setores da sociedade brasileira lutavam pelo fim da censura e o fim da Ditadura Militar que assolava o país, desde o Golpe Militar de 1964 quando fora deposto do cargo de presidente da república, João Goulart, visto como uma ameaça ao projeto capital-desenvolvimentista do Brasil, já que desejava a implantação de ―Reformas de Base” no país. A escola de samba azul e branca do bairro de Pilares, zona norte da cidade do Rio de Janeiro, levou para a Sapucaí no carnaval de 1984, no ano de inauguração do Sambódromo carioca, um tema em homenagem ao ator e humorista Chico Anísio. De autoria do carnavalesco Luiz Fernando Reis, a sinopse do enredo presente na Revista da Caprichosos de Pilares, apresenta diversas críticas aos políticos que governam o país na época como, por exemplo, ao jogo de palavras com o nome de Salim Maluf , escrito ao contrário, como o carnavalesco inverte as letras e o batiza como Milas Fulam, o bobo da corte no reino do Chico Rei. 22
As palavras escritas ao longo do texto explicativo do enredo A visita da nobreza do riso a Chico Rei, num palco nem sempre iluminado revelam o desejo da equipe artística do desfile em externar a volta das eleições diretas para Presidente da República como a escrita em caixa alta da palavra ―direta‖ acompanhada das palavras ―sem intermediários‖ ou até mesmo quando Reis escreve em meio a uma sátira ao rei do Chico Rei: ―forma indiretamente o bobo queria ser rei‖ e ―ainda escondidos‖. Estes trechos revelam a insatisfação com a as eleições indiretas para o mais alto cargo do poder executivo do Brasil e as pessoas perseguidas e exiladas durante o Regime Militar no país. A sinopse, segundo as palavras do próprio carnavalesco da agremiação, releva a proposta de um desfile ―popular, crítico e descontraído de fácil assimilação por parte do grande público‖. No encerramento do desfile, visto através de imagens da internet, a Caprichosos de Pilares soltou balões em plena Sapucaí pedindo eleições diretas para Presidente, numa clara demonstração que escola de samba emite mensagens políticoeducativas para o grande público. O ―Jornal do Brasil‖ apresenta nesta mesma edição de domingo de carnaval as intenções da escola para o desfile que aconteceria naquela noite, dia 04 de março de 1984. A azul e branca optou pelo humor e pela sátira, uma marca que tem se tornado recente nos seus desfiles: Popular, descontraído e crítico, é como a Escola de Samba Caprichosos de Pilares define seu carnaval, no desfile de hoje. O enredo A Visita da Nobreza do Riso a Chico Rei, num Palco nem Sempre Iluminado, de Luis Fernando, é uma homenagem ao humorista Chico Anísio, sem esquecer os outros profissionais do riso como Jô Soares, Chacrinha e Os Trapalhões, que virão em diferentes carros alegóricos. (Jornal do Brasil, 04 mar. 1984. Caderno B, p.4)
No ano seguinte, dando continuidade aos trabalhos do Luiz Fernando Reis, a escola de samba de Pilares endureceu as críticas ao governo militar no momento de transição para o período da redemocratização do país. Reis (2019) em recente entrevista ao apresentador e também carnavalesco Milton Cunha, falou sobre suas memórias do carnaval inesquecível da escola em seu desfile pela Passarela do Samba com o tema ―E por falar em saudade...‖. Segundo ele: A Caprichosos tinha o carinho do público. E o samba foi um grande trunfo. Na sinopse do enredo não tinha essa ideia de ‗Tem bumbum de fora pra chuchu, qualquer dia é todo mundo nu‘. Tive de correr e botar isso no enredo. Tinha uma alegoria com quatro bumbuns virados para cima, mas que quebrou logo no Setor 3. Era um desfile político, mas não panfletário. Era descontraído, alegre, um deboche (PORTAL DE NOTÍCIAS G1. Alba Valéria Mendonça e Milton Cunha, G1 Rio, 28 de fevereiro de 2019) 23
O clamor por votar em presidente da república mesmo deu o tom novamente aos acordes da Caprichosos mesmo após a derrota da emenda Dante de Oliveira motivada pelo movimento ―Diretas Já!‖. A sétima escola a pisar na Avenida na segunda-feira de carnaval, dia 18 de fevereiro de 1985, mostrou a saudade dos antigos carnavais, dos sambistas imortais e da democracia brasileira suplantada durante vinte e um anos pelo governo militar. As críticas atingiram também o falso moralismo dos diversos grupos sociais, o alto valor dos alimentos com a inflação, até o hiato de tempo sem vitórias do clube Botafogo. A nostalgia associada à ironia e a alegria da agremiação da zona norte do Rio de Janeiro embalaram o desfile da escola rumo a melhor colocação de sua história, quinto lugar do grupo principal. Os sonhos, desejos e frustrações levados para a Avenida marcaram a história do carnaval brasileiro e até os dias atuais é lembrado com carinho recebendo o título de carnaval inesquecível como apontou as matérias do ―Portal de notícias G1‖ realizada em 2019, descrita em tela, o excerto da descrição do desfile pelo Jornal do Brasil, no dia da apuração das notas. Pôde ter curso e reconhecimento, assim, a deliciosa sátira trazida no enredo do carnavalesco Luiz Fernando Reis. Praticamente nada escapou da bem-humorada metralhadora giratória, que acertou em cheio as mazelas do sistema financeiro, na fraude ou na tentativa de fraude eleitoral, no regime político em geral em alguns políticos e autoridades, em particular; nos agrotóxicos, no ensino, no moralismo e por aí afora, chegando até o jejum de títulos do time de futebol do Botafogo. (Jornal do Brasil, 20 fev. 1985. Caderno B, p.6)
Já a agremiação do bairro de Botafogo, a única representante da zona sul do Rio de Janeiro, permeada pelo processo de redemocratização do país com a promulgação da Constituição de 1988, desfilou na Avenida, na década seguinte (1991), seguindo da co-irmã Caprichosos de Pilares de pensar o sistema político que pairava sob o país. Ao apresentar um enredo de cunho ficcional-futurista, a escola de samba das cores preta e amarela desfilou na oitava e última ordem de apresentação no domingo, dia 10 de fevereiro de 1991 com o ―Já vi este filme!‖. A proposta do trio de carnavalesco da escola Carlinhos Andrade, Roberto Costa e Cesar D‘Azevedo era imaginar o carnaval de 2991 cujas formas de vida no planeta teriam findadas com explosão da Terra, restando apenas os vestígios das civilizações que habitaram o espaço terrestre. A solução para o caos instaurado com o final dos tempos foi governo espacial do Clementius I e Único no qualeste último com o poder do consegue recriar os céus e a Terra. O desenvolvimento da trama aborda desde a criação do Homem até o carnaval ano de 3991 quando o Diabo faz do mundo tudo o que deseja: escuridão, poluição, destruição e medo. 24
As grandes efemérides da História do Homem sob a Terra são satirizadas, mas pelo olhar fictício do comandante Clementius. Dentre as críticas tecidas ao período da Ditadura Militar e o seu desfecho, a São Clemente faz uma analogia entra a ilusão e a realidade, fato este presente na sinopse da escola, na qual os carnavalescos apontam como tudo se repete e recomeça outra vez, assim como os próprios preparativos para os desfiles no ano seguinte:
Cem anos depois, em 3989, depois de um bom tempo sem votar para Presidente o povo vai às urnas. E é eleito o novo Clementius, que sobe ao Phódium-Planaltus e num mortal golpe de caratê liquida com as novas esperanças. Todos foram confiscados. E o mesmo Clementius de sempre. De novo não tem nada. Já vi este filme! E no carnaval de 3991 a Terra está do jeito que o Diabo gosta - escura, poluída, violenta, criminosa, consumista bárbara, dantesca. Para de novo tudo se acabar na quarta-feira. Já vi este filme! (D‘ANDRADE, Carlinhos; D'AZEVEDO, César e COSTA, Roberto, 1991)
A apresentação da escola de Botafogo gerou comentários na imprensa, como os demais desfiles. O teor crítico da agremiação não poderia ficar de fora dos comentários feitos pelo ―Jornal do Brasil‖ no caderno B - Carnaval no qual o comentarista Vicente Dattola afirma que a “História do futuro começa em ritmo lento” ao expressar os problemas de evolução sofridos pela escola durante o desfile: Dentro de 1.000 anos será o fim dos tempos preconizam os carnavalescos da São Clemente em seu enredo Já vi este filme. Porém as primeiras alas da escola já se pouparam no desfile de domingo. Nem mesmo a ala das baianas conseguiu se salvar do naufrágio inicial, onde só chamava a atenção o carro alegórico com vários monumentos destruídos, entre os quais o Cristo Redentor. (Jornal do Brasil, 13 fev.1991.Caderno B, p. 5).
O ano seguinte ao desfile ―Já vi este filme‖ marca o perfil da escola, assim como o da Caprichosos de Pilares de exporem na Passarela do Samba suas versões da História nacional, suas inquietações, aspirações para o país, levando para a Avenida pautas sóciopolíticas muitas vezes reduzidas e silenciadas em outros espaços de educação, cultura e lazer. Nesta perspectiva, as escolas de samba manifestam-se como palco de debate ou como um ―divã‖ do país, um espaço de reflexões, de emissão de mensagens, propostas, críticas políticas, sátiras, ilusões, conflitos e transgressões para um grande público. Com o enredo ―E o Salário Ó!‖, a São Clemente transformou a Sapucaí em salas de aula pedindo mais respeito e valorização pelos profissionais da educação. Cantando em forma de clamor o trecho da letra de seu samba-enredo: ―São Clemente... Através do Carnaval/Traz uma mensagem na avenida /Que transformamos em salas de aula‖ ao exibir a necessidade, por parte da escola, em levar uma mensagem para as grandes massass da 25
sociedade. O então carnavalesco da Caprichosos de Pilares, Luiz Fernando Reis, passou a dar expediente na preta e amarela de Botafogo e dessa vez acompanhado de José Félix. Ao ser rebaixada para o então Grupo I, a preta e amarela pisou na Sapucaí como a 9° escola a se apresentar no sábado de carnaval expondo as reivindicações das condições precárias do trabalho docente no Brasil. No final no desfile estavam presentes personagens do programa humorístico ―Escolinha do Professor Raimundo” fazendo menção o título do enredo, ―E o Salário Ô!‖,bordão característico do personagem Professor Raimundo interpretado pelo ator e humorista Chico Anísio. No ano de 2018, o site do Jornal “O Globo” divulgou uma reportagem com a escola cujo conteúdo se referia ao desejo da agremiação de se reaproximar de sua comunidade devido à mudança do endereço da quadra de ensaio do bairro de Botafogo para um galpão na Avenida Presidente Vargas, centro da cidade. A partir dessa preocupação, a São Clemente recuperou o tom das críticas que embalaram os seus desfiles nos anos 1990, sobretudo e optou reeditar o enredo ―E o samba sambou”, de 1990. Nesse sentido, o jornalista Hugo Limar que se recorda do histórico dos enredos da escola ao afirmar que: A São Clemente já tocou em muitas feridas — a exemplo de "Capitães do asfalto" (1987), que tratou da questão do menor abandonado, e "E o salário, ó…" (1992), que falava da falta de recursos para a educação —, mas em "E o samba sambou", a escola voltou-se para seu próprio meio, criticando a mercantilização do carnaval. Entre os pontos citados na letra, está a falta de consideração dos componentes pelo berço, que trocam de agremiação por dinheiro, e o cultivo da vaidade, que transformava a Sapucaí em Hollywood pela presença maciça de luzes, câmeras e artistas. Segundo o presidente, nada do que era denunciado na letra mudou. (O GLOBO, 25 de agosto de 2018)
Já o G.R.E.S Paraíso do Tuiuti, no mesmo ano desta matéria supracitada, relembrou os horrores da escravidão que assolou o país durante mais de três séculos deixando sérias sequelas para a população afro-brasileira em ―Meu Deus, Meu Deus, Está Extinta a Escravidão?”. A figura responsável por criar por meio de sua arte/criação o desfile da escola, o carnavalesco Jack Vasconcelos diz acreditar que confeccionar um desfile de escola de samba, independente do assunto escolhido, é ato de resistência, uma vez que a floresce como um movimento cultural. Para Vasconcelos, o público que lê o caderno Abre Alas2 ou de outros roteiros detalhados dos desfiles das agremiações não é maioria, no entanto, os espectadores
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O caderno Abre alas é o material produzido pelos carnavalescos de cada agremiação em conjunto os historiadores, diretores do departamento cultural contendo detalhadamente as informações, imagens, desenhos do projeto carnavalesco. Ele é entrega aos jurados para que possam julgar de modo adequado os desfiles, no 26
possuem a liberdade de apenas ―pular‖ os festejos dionisíacos, o que não os impede de em seguida, caso os despertem interesse, pesquisar a respeito do que se tratou aquele tema. O enredo da Tuiuti em 2018 soa como chamado do regresso aos enredos explicitamente críticos a colocarem os dedos nas feridas a passarem no Sambódromo carioca. Um das continuações dessa proposta desfile foi visto com o campeonato do G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira em 2019 com o enredo ―Histórias para ninar gente grande” do carnavalesco Leandro Vieira alimentado com a polarização do cenário político no qual a sociedade brasileira se viu dividida em dois grandes pólos: de um lado os defensores do ex-presidente da república Luiz Inácio Lula da Silva do Partido dos Trabalhadores (PT), impedido de concorrer por, no momento da disputa, estava preso em Curitiba (Paraná) em meio a um processo controverso de acusações, e o seu candidato ao cargo, o ex-ministro da educação do país (2005-2012) e ex-prefeito da cidade de São Paulo (2013-2016), Fernando Haddad. Do outro lado, o atual presidente do Brasil, então candidato, Jair Messias Bolsonaro do Partido Social Liberal (PSL) de concepção neoliberal de governo, favorável a privatizações e a reformas como da Previdência. Diferentemente, Haddad defendia ideias alinhavadas com os movimentos sociais, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a uma educação democrática. A grosso modo, as diferenças entre os então candidatos à presidência acirrou os ânimos da população que, em muitos momentos, se viu dividida entre as propostas dos candidatos. Esse cenário, assim como na Ditadura Militar, favoreceu as escolas de samba a levaram para a Avenida o que esperavam do país, o perigo da volta da censura e de práticas ditatoriais. Por isso, as historiadoras Hebe Mattos e Martha Abreu redigiram um texto site ―Conversa de historiadoras‖ em prol do carnaval ao relatar o envolvimento dos componentes das agremiações nas figuras como as dos carnavalescos, casais de mestressala e portas-bandeiras, compositores, coreógrafos, passistas em anunciaram uma narrativa pública e coletiva da História: Ainda assim, o vitorioso enredo de Leandro Vieira tornou evidente o que, até então, apenas alguns reconheciam: as escolas de samba como lugar privilegiado de produção de pensamento crítico sobre a história do Brasil, local de produção de história pública no sentido mais sofisticado e abrangente do termo. Reconhecimento que começou a se estabelecer desde o carnaval do ano passado, com o histórico desfile da Paraíso do Tuiuti, em que comemoramos 130 anos da Lei Áurea e 30 anos da Constituição da 1988.
entanto, estes se encontram acessível para todos os interessados pelo site da Liesa. Disponível em: <https://liesa.globo.com/2019/por/03-carnaval/abrealas/index.html>. Acesso em: 14 jun. 2019. 27
Em tempos de clamores por liberdade, em meio à defesa da consolidação das instituições democráticas, a cada dia mais ameaçadas devido ao regresso conservador, no qual o país mergulhou após o golpe civil, parlamentar, midiático que favoreceu a eleição do atual presidente Jair Bolsonaro, os enredos das escolas de samba apontam como um dos lugares para lançar reflexões, promoção das garantias dos direitos constitucionais, combate ao racismo e a toda forma de discriminação. Nesses momentos de discussão coletiva, as agremiações versam sobre as histórias vilipendiadas, silenciadas e esquecidas de nossa história. O que alguns desfiles fazem é apresentar o que muitos professores de história individualmente fazem em suas aulas de aulas, porém para um público menor do que a os que acompanham os desfiles das escolas de samba no carnaval: ―contar a história de baixo para cima e aclamar com orgulho personagens heróicos da história do Brasil, com Dandaras, Cariris, Malês, Dragões do Mar, Luizas Mahins, Esperanças Garcias e Marielles‖(ABREU; MATTOS, 2019). A partir da análise dos debates presentes na literatura sobre a temática do carnaval e das escolas de samba e somada às matérias de jornais como ―Jornal do Brasil‖ e ―O Globo‖, este trabalho de final de curso pretende socializar as concepções dos enredos das agremiações do Rio de Janeiro que no decorrer de sua história, em especial, nos anos 80 em diante se propuseram a discutir o cenário político no qual cada escola se insere. Portanto, é interessante notar as ideais defendidas em cada tema levado para a Sapucaí cujos discursos manifestados por meio de diversas formas de arte seus sonhos, desejos, críticas, transgressões, combate as desigualdades sociais, ao racismo e todas as formas de discriminação. Por isso é quase impossível não vincular o caráter educativo dessas associações culturais às mensagens de seus respectivos enredos. Dessa maneira, o entendimento é de que os enredos podem ser caracterizados como integrantes de uma Pedagogia de massas por meio das narrativas públicas e coletivas lançadas no Sambódromo através dos elementos artístico-culturais das escolas de samba.
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3 “BRASIL O TEU NOME É DANDARA”: AS LUTAS DAS POPULAÇÕES NEGRAS E INDÍGENAS PELA REPRESENTATIVIDADE NA HISTÓRIA OFICIAL
“Brasil , o teu nome é Dandara E a tua cara é de cariri Não veio do céu Nem das mãos de Isabel A liberdade é um dragão no mar de Aracati Salve os caboclos de julho Quem foi de aço nos anos de chumbo Brasil chegou a vez De ouvir as Marias, Mahins, Marielles, Malês” Samba-Enredo (G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira 2019). Enredo: ―- Histórias Para Ninar Gente Grande‖ O desfile da Estação Primeira de Mangueira, no carnaval de 2019, teceu uma homenagem aos heróis e heroínas esquecidos da História do Brasil. De autoria do carnavalesco Leandro Vieira, a agremiação verde e rosa do Morro da Mangueira, localizada na zona norte do Rio de Janeiro, se propôs questionar a consagração a um seleto grupo personalidades das camadas dominantes pela Narrativa Oficial como de reis, rainhas, bandeirantes, militares apoiadores da Ditadura Militar e torturadores. Quem escreve a nossa História Oficial? Por que alguns desses nomes foram silenciados e vilipendiados enquanto outros foram eternizados em nomeações de ruas, avenidas e praças públicas? A concepção do desfile da escola nasceu da preocupação de Leandro Vieira de narrar uma história possível das páginas ausentes dos livros didáticos. Responsabilizandose por contar fatos relevantes da narrativa oficial do país, em acordo com as elites econômicas, financeiras, políticas e culturais do Brasil, o carnavalesco traz outra versão de ―gente comum‖, de quem ―não está no retrato‖ e confirma caráter excludente de nossa História, escrita por uma elite intelectual da sociedade brasileira. A historiografia sobre os povos indígenas, africanos, afro-brasileiros, de mulheres e dos mais pobres que temos nos tempos atuais resulta de processos de resistência em nome da equidade social e da perspectiva de construção de uma imagem positiva desses povos. O carnavalesco, na escrita da sinopse do enredo “Histórias para ninar gente grande‖ relata a importância de serem contadas outras histórias, como nos diz Walter Benjamin (1940). Ao escovarmos a História a contrapelo, concebemos uma visão dos vencidos em 29
oposição das narrativas comumente contadas do ponto de vista dos vencedores, dos ―heróis oficiais‖. Por isso, torna-se fundamental olharmos para a História na contramão do que tem sido narrada, fazendo-nos adormecer para que, deste modo, não pudéssemos nos rebelar e contestar a autoria da História. Nesse sentido, Leandro Vieira nos alerta da importância de despertamos deste sono e procurarmos o ―avesso do mesmo lugar‖, sem nos distrairmos com as ideais forjadas pelas mídias, pelas elites e pelos colonizadores portugueses do país: Esses nomes não serviram para eles. Para nós, eles servem. Para nós, sentinelas dos ―ais‖ do Brasil, heróis de lutas sem glórias ainda deixados ―de tanga‖ ou preso aos ―grilhões‖, eles são as ideias que usaremos para ―gestar‖ o que virá. ―Engravidados‖ de novas ideias, jorrará leite novo para ―amamentar‖ os guris que virão. Sabendo outra versão de quem é o Brasil, – não a que nos ―ninou‖ para quando fôssemos adultos – sabendo que CABRAL ―invadiu‖ e que, ao invés de quinhentos e dezenove anos, somos brasileiros há quase doze mil anos. Conhecendo Cunhambebe, a Confederação dos Cariris, cientes da participação dos caboclos na luta do 02 de julho na Bahia, e sabendo que os índios lutaram e resistiram por mais de meio século de dominação, talvez se orgulhem da porção de sangue que faz de todos nós, sem exceção, índios. Sabendo que a ―bondosa‖ princesa Isabel deu vez a ―Chico da Matilde‖, ―Luiza Mahin‖ e ―Maria Felipa‖, é possível que reconheçam em si a bravura que vive à espreita da hora de despertar e aí, talvez, o ―gigante desperte sem ser para se distrair com a TV‖. (VEIRA, 2018)
Deste modo, podemos analisar a importância da luta das populações negras e indígenas para que suas histórias sejam incluídas e reconhecidas com o mesmo peso dos outros povos que habitaram e ajudaram a construir o país, seria este então um ponto de partida para uma mudança social significativa. ―Na política educacional, a implementação da Lei n. 10.639/2003 significa ruptura profunda com um tipo de postura pedagógica que não reconhece as diferenças resultantes do nosso processo de formação nacional‖ (BRASIL, 2008, p. 10). Esta lei federal assinada no dia 09 de janeiro de 2003, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, deve ser encarada como um resultado das lutas dos Movimentos Negros engajados em mais de meio século para a obrigatoriedade do Ensino das Histórias e Culturas Afro-brasileiras e Africanas em todas as instituições de Ensino Fundamental e Médio em território nacional. A Lei n° 10.639/03 altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 no que se refere à obrigatoriedade dos conteúdos curriculares supracitados no âmbito da instrumentalização das práticas de combate e discriminação ao racismo. Com o objetivo de enfrentamento das desigualdades educacionais do Brasil, em fevereiro de 2004, o Ministério da Educação criou a Secretaria de Educação Continuada Alfabetização e Diversidade (SECAD). 30
De acordo com o texto ―Contribuições para a implementação da Lei 10.639/2003‖ de responsabilidade da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e do Ministério da Educação, a situação educacional das populações negras no país desmonta o mito da democracia racial, ao marcar níveis desfavoráveis aos estudantes negros e negras em detrimento aos estudantes brancos e brancas. A luta dos Movimentos Negros deve ser de toda a sociedade já que o racismo é um elemento enfraquecedor da sociedade. A escola, nessa perspectiva, não é o único pólo de enfrentamento do racismo, mas ela é uma das principais locais para reflexão visando à quebra deste comportamento em nossa sociedade. Valorizar os afro-descendentes é garantir o direito à igualdade de condições de vida e de cidadania, aponta Petronilha Silva, relatora das ―Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana‖ de 2004. Nesse aspecto, Nilma Lino Gomes aponta a função desempenhada pelas escolas para uma educação antirracista cuja preocupação é o combate aos preconceitos e as formas de discriminações raciais aos povos negros nos cotidianos escolares. No desejo de refletir sobre as ações racistas, o educador e a educadora são figuras chaves na construção de uma educação das relações étnico-raciais e para o Ensino de Histórias e Culturas Afrobrasileiras e Africanas, como determina a Lei 10.639/03: A escola tem um papel importante a cumprir nesse debate. Os professores não devem silenciar-se diante de preconceitos e discriminações raciais. Antes, devem cumprir o seu papel de educadores, construindo práticas pedagógicas e estratégias de promoção da igualdade racial no cotidiano da sala de aula. Para tal, é preciso saber mais sobre a história e a cultura africana e afro-brasileira, superar opiniões preconceituosas sobre os negros, denunciar o racismo e a discriminação racial e implementar ações afirmativas voltadas para o povo negro, ou seja, é preciso superar e romper com o mito da democracia racial. (2005, p. 60)
Santos (2017) seguindo o pensamento de Gomes (2005) em seu livro, ―O Movimento Negro educador‖, traz como mensagem principal a importância da elaboração de um projeto educativo emancipatório que socialize os saberes fomentados pelas populações negras no decorrer de suas caminhadas de luta e resistências. Esse projeto educativo visa à educação escolar, no entanto, esses conhecimentos são se restringem a educação básica e ao Ensino Superior. A ideia central é pensar a educação como processo formativo continuado destacando a capacidade de indignação perante as mazelas sociais e raciais.
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Para Santos, os Movimentos Negros são educadores, uma vez que ―são produtores e articuladores dos saberes construídos pelos grupos não hegemônicos e contra-hegemônicos da nossa sociedade. Atuam como pedagogos nas relações políticas e sociais‖ (2017, p.16). Conhecimentos de diversas áreas como pela sociologia, antropologia e educação beberam das fontes desses movimentos que reacenderam discussões, questionamentos e problematizações sobre diversas questões a respeito dos conhecimentos científicos. Segundo o Parecer 003/2004, nas palavras da relatora Petronilha Silva, as propostas dos Movimentos Negros ao longo do século XX intensificaram as pautas desempenhadas por esses grupos em prol da valorização e do reconhecimento das Histórias e Culturas Afrobrasileiras e Africanas comprometidas com uma educação nas ações afirmativas nas relações-raciais. Para Petronilha Silva, ―a escola tem papel preponderante para a eliminação das discriminações e para emancipação dos grupos discriminados, ao proporcionar acesso aos conhecimentos científicos, a registros culturais diferenciados‖ (BRASIL, 2004a, p.6) De acordo com as convicções dos Movimentos Negros, ser negro no Brasil não se limita a condições físicas, mas há um posicionamento político. Inclui-se neste posicionamento a autodeclaração realizada pelas classificações do Instituto Brasileira de Geografia e Estatística (IBGE) sobre a população brasileira. Alguns pesquisadores atribuem às categorias de pretos (as) e partos (as) a de negros (as). Segundo um dos últimos censos do IBGE, elaborado no ano de 2014, 54% se autodeclararam pretos (as) e pardos (as) agrupados na categoria negros reconhecendo, assim, as suas ascendências. ―É importante destacar que não se trata de mudar um foco etnocêntrico marcadamente de raiz europeu para um africano, mas de ampliar o foco dos currículos escolares para a diversidade cultural, racial, social e econômica brasileira‖. (BRASIL, 2004a, p.8). Busca-se, portanto, a inclusão e abordagem nos currículos escolares das contribuições histórico-culturais dos povos de matriz africanas, indígenas, asiáticos e de seus descendentes. Percebemos que o tocante a diversidade curricular não se restringe aos povos das raízes africanas, mas também as diversas populações que ajudaram a formar o país. Desta maneira, Silva diz que o Brasil, um país multi-étnico e pluricultural, necessita que seus habitantes se identifiquem com as histórias contadas nas escolas, se reconheçam nas culturas escolares, sem serem obrigados a negarem quem são, de onde vieram e os grupos étnicos aos quais eles (elas) pertencem. Esta ação tem por e objetivo a preservação
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de suas culturas, tradições, hábitos e línguas. Isto ajudaria a alavancar os níveis educacionais do país. Em 2008 foi assinada a Lei federal n° 11.645, assim como fez a 10.639/03, alteraram a LDB no aspecto da obrigatoriedade dos estudos e abordagens das histórias e culturas afro-brasileiras, africanas e indígenas com a intenção de construir uma visão positiva para as relações étnicorraciais. A lei 10.639/03 e em seguida, a Lei 11.645/08 seguem sob a mesma ótica de orientação a inclusão dessas temáticas nas escolas. Elas são se limitam a serem apenas instrumentos de combate à discriminação, mas podem ser utilizadas também como leis afirmativas, visto que enxergam a escola como lugar de promoção e valorização das matrizes culturais que formaram o país que temos hoje, diversificado e pluralista (BRASIL, 2009). Hoje sabemos que há uma estreita relação entre o pertencimento étnicorracial e o bom rendimento escolar, por isso é necessário uma luta constante e firme para que a pluralidade cultural do país adentre aos conteúdos curriculares como um foco de rico ―acervo de valores, posturas e práticas que devem conduzir ao melhor acolhimento e maior valorização dessa diversidade no ambiente escolar‖ (BRASIL, 2009, p. 9). Nesse ―Plano Nacional das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana”, o objetivo consiste para que todos e todas tenham direito à educação e para que possam combater que as práticas institucionais e preconceituosas prejudiquem as trajetórias escolares determinando percursos diferentes entre brancos (as) e negros (as). A fim de que todos (as) possam usufruir da equidade educacional, busca-se uma sociedade mais justa e democrática na qual os muitos negros (as) excluídos da escola ou tiveram acessos limitados aos bancos escolares possam ter suas permanências garantidas, na promoção de seus desenvolvimentos culturais, sociais, econômico, individual e coletivo.
3.1 UM BREVE HISTÓRICO DOS MOVIMENTOS NEGROS NO BRASIL REPUBLICANO
Os movimentos negros, de acordo com Petrônio Domingues, se articulam a partir da ideia de ―raça‖, fator crucial para a organização dos negros e negras na busca de um projeto coletivo de engajamento. Em seu texto “Movimento Negro Brasileiro: alguns apontamentos históricos‖, Domingues (2007) traça uma trajetória dos movimentos negros 33
durante o período republicano brasileiro dividindo-os em três fases principais: da Primeira República ao Estado Novo (1889-1937); da Segunda República à ditadura militar (19451964) e do início do processo de redemocratização à República Nova (1978-2000). Desde a primeira fase dos movimentos negros na republicana brasileira floresceram distintas associações de caráter pedagógico, cultural, esportiva e social de cunho filantrópico e assistencialista para com as camadas sociais mais empobrecidas e negras do país. A partir da fundação da Frente Negra Brasileira (FNB), em 1931, a mais importante instituição negra do Brasil desenvolveu diversas intervenções em prol das populações negras como escola, time de futebol, grupo de teatro e música, departamento jurídico, serviço médico dentre outras ações, como o jornal ―A Voz da Raça‖. Se no início de sua organização a FNB obtinha um caráter ―beneficente‖, no entanto, já no final da década de 1930, atingiu o patamar de partido político em 1936 precisamente. O então presidente da república, Getúlio Vargas recebe a entidade em uma audiência cuja algumas pautas chegaram a serem atendidas pelo chefe da nação, umas destas reivindicações foi o término da proibição da entrada de negros na Guarda Civil em São Paulo. No segundo momento, os Movimentos Negros por volta dos anos de 1950, os representantes da União dos Homens de Cor (UHC) retomam a preocupação política dos movimentos encontrando parceria para esta luta pelos direitos civis a favor da ―população de cor‖ com o Teatro Experimental do Negro (TEM) na figura de Abdias do Nascimento. Na terceira e última fase, afloraram centenas de organizações em defesa dos negros (as), entre elas, a de maior destaque foi o Movimento Negro Unificado (MNU). Esta entidade ―significou um marco na história do protesto negro do país, porque, entre outros motivos, desenvolveu-se a proposta de unificar a luta de todos os grupos e organizações anti-racistas em escala nacional.‖ (DOMINGUES, 2007, p. 114). Visto antes como o dia da assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel, o 13 de maio passou a servir como um dia de denúncia contra o racismo. A data comemorativa associada à luta dos negros e negros, contudo, foi realocada e tomou uma proporção de resistência e conscientização maior para o dia 20 de novembro, dia da morte de Zumbi dos Palmares. Batizada como Dia Nacional da Consciência Negra, a possível data de falecimento do líder do Quilombo dos Palmares, passou a representar a sua nomeação como herói da resistência à opressão racial, afirma Domingues (2007).
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Um dos maiores símbolos dos anos 90 da luta dos Movimentos Negros, a primeira ―Marcha Zumbi contra o Racismo, pela Cidadania e pela Vida” foi realizada no dia 20 de novembro de 1995, cuja adesão revelou a força das reivindicações de mais de 30 mil presentes no episódio. A escolha da data para o ato não se deu de modo aleatório, como salientado anteriormente, marca a morte de Zumbi dos Palmares. Neste ano,celebravam-se os 300 anos deste acontecimento que, desde o ano de 1971, ganhou o título de Dia nacional de Consciência Negra. Como destaca Carla Lopes (2019), as atividades dos movimentos negros não se limitavam aos atos e manifestações políticas, todavia as militâncias se preocupavam também com a escrita sob um novo olhar para a história dos negros e negras no Brasil. Um dos exemplos dessas atuações destaca-se o Instituto de Pesquisas das Culturas Negras (IPCN) criado no ano de 1975, no Rio de Janeiro, que atuava em diferenças instâncias culturais, como nos diz Lopes:
A militância do IPCN convivia em encontros ocorridos nas quadras das Escolas de Samba, como o Grêmio Recreativo de Arte Negra Escola de Samba Quilombo (GRANESQ) em blocos afros, como o Agbara Dudu; de bailes de Black Music realizados na parte debaixo do Viaduto Negrão de Lima (no bairro de Madureira) e demais espaços onde se reuniam as comunidades negras. (2019)
Nomes de militantes como Lélia Gonzales, Maria Beatriz Nascimento, Helena Theodoro, Januário Garcia e Milton Gonçalves marcaram presenças nos encontros do IPCN dando voz àslutas pelo combate ao racismo e à promoção da equidade racial. Em sua maioria, apresentam um interesse em conscientizar a população dos crimes cometidos contra os negros e negras como desdobramento das incitações ao ódio e a discriminação racial perante essas camadas sociais. Os saberes construídos pela luta de emancipação dos Movimentos Negros são comumente desconsiderados e desperdiçados pela escola, vista como socialmente uma das responsáveis pela socialização desses conhecimentos, aponta Gomes (2017). A educação escolar, quando não assume uma postura antirracista, tende a adotar um posicionamento associado ao mito da democracia racial. Nos últimos anos a mudança desse paradigma é resultado desses anos de luta e contestação desses movimentos que tencionam a conscientização da valorização da estética e corporeidade negra nos âmbitos culturais e sociais.
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3.2 ALGUNS APONTAMENTOS DA HISTÓRIA RECENTE DOS MOVIMENTOS INDÍGENAS BRASILEIROS
Diferentemente das trajetórias traçadas pelos Movimentos Negros, os caminhos trilhados pelos Movimentos Indígenas Brasileiros ganharam maiores destaques no cenário nacional por volta nos anos 1970, após a criação da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) em 1967. Momento em que as lideranças indígenas ultrapassaram o alcance de suas comunidades e começam a refletir sobre as inquietudes dos povos originários e questionarem o uso do termo índio. Tal nomeação, dada pelos colonizadores portugueses ao chegarem ao Brasil em 1500, num processo violento de conquista, aos povos que habitam este território há séculos, baseava-se no equívoco de acreditar que estavam em solo indiano, na Ásia. Esta visão da História do Brasil gera debate e controvérsias até os dias atuais na histografia brasileira. Segundo Daniel Munduruku (2012), em seus escritos no livro ―O caráter educativo do movimento indígena brasileiro (1970-1990)‖, a nomenclatura ―índios‖ era desprezada pelos povos indígenas até o final da década de 1950, uma vez que não representava a pluralidade de suas populações e alimentava uma visão distorcida que a sociedade tinha dos chamados ―índios‖. Desde o início da conquista portuguesa nas terras brasilis, os agentes da colonização, como Igreja e funcionários da Coroa,objetivaram ―civilizar‖ esses povos numa visão linear e evolutiva de civilização. A partir da década de 1970, as lideranças indígenas ultrapassaram as fronteiras de suas localidades e passaram a participar mais ativamente da conjuntura política vigente naquele período histórico. Para tal empreendimento, fez-se necessária a adaptação e o resgate da terminologia ―índio‖ por parte desses indígenas. Desta vez não seria pelo ―dominador europeu que procurou uniformizar para melhor controlar, passou a ser aglutinador dos interesses das lideranças. E passou a ser utilizado para expressar uma nova categoria de relações políticas‖ (MUNDURUKU, 2012, p. 46). De acordo com análise de Munduruku (2012, p.47), a participação dos(as) responsáveis pelos Movimentos Indígenas nas assembleias e em outras instâncias de atos políticos demarcavam as demandas dos povos indígenas reivindicadas pelas memórias e pelo fortalecimento das identidades indígenas, que apesar de conflituosas, procuravam manter um projeto livre das garras opressoras dos planos capital-desenvolvimentistas,mas, que ao mesmo tempo, incorporasse os povos indígenas à dinâmica social do país. Um dos 36
articuladores dessas assembleias nos anos 60 foi o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), entidade vinculada aos bispos em que em meio às discussões defendiam a garantia das terras indígenas. O território era visto como uma ferramenta de luta pela preservação cultural dos mais de 200 povos indígenas. Com o apoio da CIMI, os Movimentos Indígenas afloram e ganham notoriedade nacional culminando com a criação da União das Nações Indígenas (UNID) e, em seguida, da União das Nações Indígenas (UNI), no início dos anos de 1980. Nesta década, marcada pela promulgação da atual Constituição Federal de 1988, renovam as esperanças, tanto para os povos indígenas, quanto para os povos afro-brasileiros, de conquistas de direitos com vistas à equidade social. A assinatura da Carta Magna do país, apelidada de Constituição Cidadã, contou também com a presença de associações, movimentos, organizações e grupos políticos articulados com defesa dos direitos desses povos em nome da preservação de suas culturas, histórias e dos territórios demarcados garantidos pela Constituição, todavia, até os dias de hoje estão em voga à garantia desses direitos constitucionais a esses povos. Similarmente como ocorreu com o Marcha de Zumbi contra o Racismo, pela Cidadania e pela Vida, a Marcha Indígena percorreu todo o país caminhando o caminho inverso da colonização e findou com a realização da Conferência Indígena, na cidade de Porto Seguro, no estado da Bahia, justamente no lugar da ―chegada‖ dos primeiros colonizadores europeus em 1500. Nesse mesmo momento, aconteceu também o movimento ―Brasil: 500 anos de Resistência Indígena, Negra e Popular - Brasil outros 500”. Este símbolo de resistência manifesta a indignação desses povos em detrimento das comemorações dos 500 anos do ―descobrimento‖ do país pelos portugueses. Uma das reflexões levantadas pelos povos indígenas e afro-brasileiros era questionar o processo dominador manchado pelo ―sangue e o suor da escravidão‖. O período colonial brasileiro foi permeado pelo sistema escravista, inicialmente com os povos indígenas e nas décadas seguintes com a incorporação dos povos africanos trazidos forçadamente de seu continente para servirem de mão de obra nas fazendas dos seus proprietários, uma vez que eles eram vistos como meros objetos de compra e venda, sem terem suas identidades, culturas, línguas, laços comunitários e familiares respeitados. ―Talvez a maior contribuição que o Movimento Indígena ofereceu à sociedade brasileira foi o de revelar - e, portanto, denunciar - a existência da diversidade cultural e linguística‖, afirma Munduruku (2012, p. 222). O papel educativo dos Movimentos 37
Indígenas foi de questionar as imagens estereotipadas atribuídas a esses povos. Ao revelarem suas particularidades, as diversidades culturais presentes dentre eles (elas), puderam propor uma nova forma de compreender a História e lançar no cenário político questionamento sobre os lugares ocupados por eles (elas) na atual sociedade brasileira. Com a proposta de enfretamento à destruição provocada pela Ditadura Militar, os Movimentos Indígenas emergiram como uma resposta a mais uma tentativa de apagamento de
suas
memórias.
Desejavam,
portanto,
maior
autonomia,
autogoverno
e
autossustentabilidade. A crítica ao modelo desenvolvimentista de acelerado consumo minava as práticas comumente associadas aos povos indígenas, mas para conseguir lidar com essa batalha, foi necessária a incorporação dos instrumentos dominadores do Ocidente para lutar conhecendo as armadilhas do ―adversário‖, revela Munduruku (2012, p. 195). A luta dos povos negros e indígenas pela representatividade na História Oficial do Brasil é carregada de tensões, conflitos e negociações. A Lei n° 10.639/03, assim como a 11.645/08, alteraram a LDB no artigo referente à obrigatoriedade nas instituições escolares de Educação Básica em todo território nacional abordarem essas temáticas em seus currículos escolares. A determinação da lei federal no que se refere à inclusão ao Ensino das Histórias e Culturas Afro-brasileiras, Africanas e Indígenas reflete os séculos de silenciamentos, opressões, sistemas escravistas e tentativas de apagamentos das culturas desses povos na perspectiva da narrativa dos livros didáticos brasileiros. Quantos heróis negros(as) e indígenas são estudados nas escolas? Quais imagens são associadas a eles (as) quando estes(as) são mencionados(as) nas salas de aula? O(a) professor(a) de História, Literatura, Artes dentre outras disciplinas escolares conta para os seus(suas) alunos(as) quem é Dandara? Zumbi? Abdias do Nascimento? Em suma, ―Brasil chegou a vez de ouvir as Marias, Mahins, Marielles, Malês”.
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4 ―DEIXA EU TE CONTAR A HISTÓRIA QUE A HISTÓRIA NÃO CONTA: AS NARRATIVAS PRESENTES NOS ENREDOS NA MANGUEIRA E DO PARAÍSO DA TUIUTI NO CARNAVAL DE 2019 “Brasil, meu nego Deixa eu te contar A história que a história não conta O avesso do mesmo lugar Na luta é que a gente se encontra Brasil, meu dengo A Mangueira chegou Com versos que o livro apagou Desde 1500 tem mais invasão do que descobrimento Tem sangue retinto pisado Atrás do herói emoldurado Mulheres, tamoios, mulatos Eu quero um país que não está no retrato” Samba-Enredo (G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira 2019). Enredo: ―Histórias Para Ninar Gente Grande‖
A arte da narrativa, presente nos desfiles das escolas de samba cariocas, alcança multidões por meio da divulgação pelos veículos da imprensa. Oriundas das camadas populares, as agremiações carnavalescas apresentam ao grande público suas compreensões sobre a história do País, utilizando-se de múltiplas formas de contar o enredo. No carnaval de 2018, os chamados ―enredos críticos‖ voltaram ao centro do debate ao abordarem, nas concepções dos desfiles, temáticas contra-hegemônicas, multiculturais e políticas. Dando sequência a esta linha de estudos, os festejos de 2019 seguiram essa perspectiva para corroborar a festa como representante da resistência à tentativa de invisibilidade de heróis negros, malandros, índios, figuras tão pouco conhecidas em nossa história. O apelo popular e dramatúrgico encontra-se com o debate historiográfico atual, o que se percebe no carnaval exibido no Sambódromo carioca. Deter-nos-emos na análise de como o Grêmio Recreativo Escola de Samba (G.R.E.S) Estação Primeira de Mangueira e G.R.E.S Paraíso do Tuiuti narraram a história em seus desfiles no carnaval carioca de2019. Pretendemos compreender essa festa como uma História Pública, já que envolvem outros profissionais, em sua maioria, não vinculados às universidades brasileiras. 39
Os desfiles das escolas de samba mostraram-se, em muitos casos, como meio de propagação da cultura popular e dos usos da memória de suas comunidades, suas marcas, sonhos, projetos e os modos que estes enxergam o mundo. E quando as temáticas propostas por essas agremiações abrangem o cunho histórico, podem servir como ponte entre o acadêmico e o popular, o institucional e a cultura de massass. Em busca dessas atividades de dança, música e do desejo do campeonato, as escolas de samba ao longo do tempo vem oferecendo para as suas comunidades um pólo de lazer, cultura e educação. Muitos jovens conseguiram sair da marginalidade ao obterem uma oportunidade de trabalho, de estudo ou de viagens, como problematiza a porta-bandeira da G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira, SquelJorgea ―O que seria do morro de Mangueira sem a escola de samba?‖ A escolha por essas duas agremiações do Grupo Especial das escolas de samba do Rio de Janeiro se deu por meio da afinidade dos seus artistas com os assuntos pertinentes a críticas políticas e pelo fato de a temática afro-brasileira atravessar os seus mais recentes trabalhos.
4.1 OS ATRAVESSAMENTOS ENTRE A EDUCAÇÃO ESCOLAR E A PEDAGOGIA DO SAMBA
Dada à visibilidade das questões propostas pelas referidas agremiações, a preparação do carnaval de 2019 apresentou-se como continuação às críticas sobre o perigo de uma a história única, como nos mostra a sinopse da Mangueira:
Levando em conta apenas pouco mais de 500 anos, a narrativa tradicional escolheu seus heróis, selecionou os feitos bravios, ergueu monumentos, batizou ruas e avenidas, e assim, entre o ‗quem ganhou e quem perdeu‘, ficamos com quem ―ganhou.‖ Índios, negros, mulatos e pobres não viraram estátuas. Seus nomes não estão nas provas escolares. Não são opções para marcar ‗x‘ nas questões de múltiplas escolhas. (VIEIRA, 2018)
A escola regular tem um papel fundamental na inclusão das histórias e culturas afro-brasileiras, africanas e indígenas, cujos estudos tornaram-se obrigatórios nas salas de aulas, por meio das leis 10.639/03 e a 11.645/08, como forma de luta por uma educação antirracista. Estudos que busquem proporcionar aos estudantes o questionamento à visões preconceituosas para com estes povos e suas importâncias para a construção da identidade nacional. 40
Segundo o Parecer 003/2004 da relatora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva referente às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Étnico-Raciais e para o Ensino de Histórias e Culturas Afro-brasileiras e Africanas, as escolas precisam favorecer ―a conquista de racionalidade que rege as relações sociais e raciais, a conhecimentos avançados, indispensáveis para a consolidação e concerto das nações como espaços democráticos e igualitários‖ (BRASIL, 2004, p. 6). No entanto, é difícil enxergar a escola como um espaço plural no qual as questões relativas à identidade de gênero, relações étnico-raciais e as desigualdades sociais são debatidas, pois, muitas das vezes ―ela é concebida como uma instituição a serviço da reprodução e legitimação da dominação exercida pelas classes dominantes.‖ (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2009, p.71). Por conseguinte, a educação escolar tem por base a cultura associada às elites, desencadeando a valorização dos aspectos sociais atribuídos a essas camadas da sociedade, seus hábitos culturais, linguísticos, consuetudinários. Em contrapartida, os saberes vistos como tradicionais e populares são desvalorizados, deslegitimados pela escola. Em visto disso, as escolas de samba, mesmo com as contradições que serão exploradas a seguir, despertam como lugares de fortalecimento de vínculos, lugares esses não reconhecidos como possuidores de um potencial pedagógico legitimado em nossa sociedade. Haja vista que: As escolas de samba, desde os anos 1960, louvam os orixás e a mitologia africana em alas, fantasias, encenações. Mais do que exibicionismo, estas são práticas de vida e resistência sociocultural brasileira. Assim, o povo se olhava no espelho, se reconhecia e gritava por respeito. As crianças cresciam conhecendo a história dos orixás, percebendo que uma narrativa branca, colonizada não podia ser a única possibilidade de se lidar com compreensões culturais relativas à ancestralidade. (CAMPOS, 2018, p. 151)
Reconhecermos a multiplicidade dos campos educativos aponta-se como um desafio para contemporaneidade, principalmente, os pertencentes as matrizes africanas e afrobrasileiras. O racismo institucional que aflige o Brasil perpassa inclusive o olhar para essas manifestações culturais. Vê-las como possíveis redes de saberes e sociabilidades, onde se possa trabalhar o pertencimento étnico-racial, a construção de identidades e fortalecimento de étnico pode contribuir com os propósitos mais amplos das leis 10.639/03 e a 11.645/08, quer seja contribuir para a construção de espaços democráticos e igualitários.
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Porém, precisamos nos ater que essas agremiações para (re) existirem necessitam negociar com poderes governamentais, mostrando-se assim, como organismos vivos e conflituosos. Na política varguista temos um exemplo disso. Na busca de legitimidade dos componentes essenciais da identidade nacional, as escolas de samba se enquadraram na proposta da valorização de uma História Oficial dos heróis do Brasil, das efemérides de nossa história. Após o decreto da Lei de Vadiagem de 1890, (40 anos do início da Era Vargas), procurou-se perseguir os hábitos e costumes africanos sujeitos à prisão ou tortura, ou quando não um ou outro, os dois juntos, por perturbarem à ordem pública com os batuques, práticas religiosas, danças e ritos. A criminalização veio acompanhada da abolição da escravatura assinada em dia 13 de maio de 1888 pela Princesa Isabel, dois anos antes. Conforme se dão as supostas ―liberdades‖ aos negros e negras foram sendo cerceados seus costumes, reconhecendo-os como crimes. O que outrora era marginalizado configura-se, em meio ao período varguista (1930-194), como uma política pedagógica que impingia às agremiações carnavalescas, originárias dos povos afro-brasileiros (as), o silenciamento das culturas negras e o enaltecimento da História Oficial, traduzida como a dos brancos colonizadores. Dessa forma ―para os homens do poder, as agremiações funcionavam como livros didáticos para a população sem livros didáticos, com precário contato com a cultura formal, escrita dentro de cânones ocidentais.‖ (FABATO; SIMAS, 2015, p.28). O que se almejava era uma disciplinarização dos costumes e uma adequação das práticas através dos desfiles das escolas de samba. O efeito civilizador ocorria no próprio contexto das manifestações culturais, de modo que uma se sobrepõe a outra. O que vem do negro era caracterizado como ruim e criminoso, o importante naquele momento eram as grandes datas comemorativas da nação. Em meio à Belle Époque o país almejava se embranquecer e virar a ―Paris Tropical‖. ―Se até as escolas de samba reproduzem, em sambas compostos por negros, estes preconceitos, imaginem o que acontece na maioria das escolas em que o samba não entra.‖ (FABATO; SIMAS, 2015, p.103). Quem são os sujeitos selecionados pela história para serem narrados nos livros escolares? Que brasileiros e brasileiras alçaram os patamares de heróis e heroínas do Brasil? A preferência da História Oficial pela versão dos colonizadores sobre a História do Brasil vem sendo denunciada e já acumula uma produção significativa no meio acadêmico. Quem foram, de fato, os bandeirantes? Tiradentes é nosso herói do povo? Foi a princesa 42
Isabel quem libertou os escravizados? O fomentado de uma identidade nacional advinda da Era Vargas enumerou a quem os interessava qualificar como defensores da pátria. Em contrapartida, os outros e as outras brasileiros(as) também presentes em materiais didáticos, só que em condições precarizadas e degradantes, nunca foram ouvidos. Quem são esses sujeitos de quem a História não conta? O perfil étnico-racial de nossos alunos se assemelha com quais personagens da História: os vencedores ou vencidos? As escolas que não se abrem para a multiplicidade de versões da história, que não contemplam as vozes dos diferentes segmentos da sociedade, corroboram para a manutenção de um status quo identificado com as elites e com a subalternização das classes populares. É fundamental, portanto
dar espaço não só para o Dia da Pátria ou de Tiradentes, mas também para o carnaval, dada à importância que aí têm os enredos históricos, representando Zumbi, por exemplo, ou abolição da escravatura etc. Um meio festivo de transmitir tradições.‖ (BURKE, 2007, p. 18.)
Por isso a necessidade de salvaguardar o carnaval carioca em suas diferentes facetas, sobretudo, a das escolas de sambas, pois elas geralmente homenageiam por meio de seus enredos pessoas negras pouco conhecidas do grande público. Daí a importância de se preservar e valorizar as tradições carnavalescas. É a partir da abordagem dessa temática que o cortejo negro passa na Avenida. Embora em alguns momentos não expressar verbalmente temas associadas à cultura afro-brasileira, as agremiações expressam através do toque da bateria, da dança, do ritmo a ancestralidade africana.
4.2 O ENREDOS DAS ESCOLAS DE SAMBA PARA ALÉM DA MARQUÊS DE SAPUCAÍ
O estudo sobre o carnaval, recorrentemente, tem se colocado como temas de pesquisas nas universidades, exposições, museus e escolas, principalmente, quando os enredos abordam temas históricos, assim saem dos muros acadêmicos e chegam ao grande público contribuindo para as suas representações, uma vez que se inserem na cultura da sociedade brasileira. As escolas de samba, além de terem o poder de ensinar, por meio de suas artes e criações, os conteúdos, antes restritos às academias e instituições escolares, ofertam aos 43
seus frequentadores a possibilidade de aprenderem sobre a cultura popular, a História do Brasil e do mundo. Isso se deve ao fato de procederem contar histórias de locais os quais muitos dos componentes dessas agremiações, bem como seus admiradores, sequer disporiam de meios para conhecê-los. Nos movimentos da investigação deste trabalho de conclusão de curso, recolhemos alguns depoimentos de funcionários das escolas de samba, segundo os quais a história contada nos enredos, apesar de não se tratar de uma narrativa histórica oficial, penetra na comunidade por meio do canto e dança na Avenida. Muitos revelam que aprenderam suas profissões no cotidiano da quadra de ensaios e, embalado pelo tema abordado pela escola, conseguiram identificar importantes momentos de nossa história. Essa é uma característica da História Pública: extravasar o conteúdo acadêmico para outros locais, fora dos muros da academia. Depoimentos como esses, nos permitem assinalar a contribuição das escolas de samba como forma de resistência às pressões de apagamento da memória.
4.3 AS VOZES DO SAMBA QUE ECOAM NA ACADEMIA
Após a repercussão positiva dos desfiles do G.R.E.S Estação Primeira de Mangueira e do G.R.E.S Paraíso do Tuiuti de 2018 e, em especial, de 2019, os artistas responsáveis pelo projeto de elaboração dos desfiles carnavalescos, Leandro Vieira e Jack Vasconcelos, respectivamente ganharam uma notoriedade para além do ambiente escolas
das quadras das
de samba. Os referidos carnavalescos são convidados para comporem mesas
acadêmicas, participarem de debates, congressos e seminários realizados em universidades, centros culturais e museus. 3 Consultado por Leandro Vieira, o professor de História Luiz Antônio Simas relata, em entrevista gravada para essa pesquisa, que a ideia do carnavalesco era fazer um contraponto não somente com a História brasileira, como também com as histórias contadas 3
Dentre os diversos eventos/grupos de pesquisas cujos carnavalescos marcaram presença, destacam-se: o Observatório do Carnaval, vinculados ao Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), já contou coma presença dos referidos carnavalescos em seus encontros mensais nos quais se busca dialogar e dar espaço científico para os assuntos carnavalescos. A aula inaugural da disciplina ―Carnaval, Processos e Construções‖ do Instituto de Artes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) apresentou um debate com Jack Vasconcelos (Paraíso do Tuiuti) e Leandro Vieira (Mangueira) cujo título era ―Escolas de Samba: Política e Estética na Cena Carnavalesca, ocorrido no dia 3 de maio de 2018 às 10h. O CinePet do mês de maio de 2019 ―História para ninar gente grande‖ promoveu a exibição do desfile da G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira e em seguida o debate com o carnavalesco Leandro Vieira. O evento teve como local a Universidade Federal Fluminense (UFF).
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pelas próprias escolas de samba. Era um desejo do responsável pelo projeto artístico da Mangueira questionar a histografia oficial, ―escovar a História a contrapelo‖, como dizia Walter Benjamin, lembra Simas. No que tange a importância dessas instituições como elemento de integração comunitária, entendê-las além dos desfiles carnavalescos, como instâncias de diálogo com a sociedade é uma possibilidade que vai sendo construída a partir das vozes de carnavalescos como Leandro Vieira e Jack Vasconcelos. Simas defende que as escolas de samba possuem uma missão educativa, o que ele chamou de ―Pedagogia de massas‖. Exemplificando, o estudioso aponta que a Escola de Samba Salgueiro homenageou Zumbi dos Palmares, no desfile de 1960, antes mesmo da inserção nas instituições escolares e nos livros didáticos desse importante personagem da história da escravidão brasileira. O mesmo aconteceu com o enredo do Salgueiro em 1963 ―Xica da Silva‖ e com o G.R.E.S. Educativa Império da Tijuca, em 1971, com o enredo ―Misticismo da África ao Brasil‖. Essas agremiações levaram para um grande público, em apresentações repletas de elementos visuais, temáticas sobre a História brasileira, que ainda não circulavam nas salas de aula. O historiador aponta: ―Ali você está educando. A educação é fenômeno que transcende a sala de aula. É movimento muito mais amplo‖. (LUIZ ANTONIO SIMAS. Entrevista. Rio de Janeiro: 2019.) Vieira reitera as reflexões de Simas mostrando que as escolas de samba têm um papel importante na preservação da memória e da narrativa afro-brasileira. Logo, as escolas de samba são criação negra. Para ele:
Existe um motivo pelo qual escolheram registrar para a posterioridade as histórias dos vencedores dando a eles um contorno heróico sobre os vencidos, mas não nos foi ensinado que os vencidos fomos nós. Então a gente nunca tem esse pensamento crítico de que a gente anda rua e se depara com estátuas que celebram aqueles que nos venceram. A gente se esbarra com nome de ruas, pontes, avenidas que prestam tributo a memória daqueles que lutaram contra a gente. A praça Floriano Peixoto, a ponte Presidente Costa e Silva. A gente vai normatizando um tributo aos falsos heróis, mas a gente acaba não aprendendo a história de Dandara, de indígenas como Cunhambebe, Sépe Tiaraju. A gente acaba não compreendendo, não tomando conhecimento da complexidade do que é sociedade indígena como a tapajônica, como a sociedade marajoara, que eram o que foram sociedades indígenas brasileiras de alto nível organizacional de quando Cabral chegou ao Brasil nem existiam mais e de que nós nunca tomamos conhecimento disso. Então é o enredo da Mangueira aponta para essa construção e para a apresentação de um Brasil de verdade, eu não conto uma história fictícia. Eu conto uma história possível. Mas essa história possível que a Mangueira conta não é a história que foi construída como a História Oficial. (LEANDRO VIEIRA. Entrevista. Rio de Janeiro: 2019).
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O enredo da G.R.E.S Estação Primeira de Mangueira levou para a Avenida Marquês
de Sapucaí, em 2019, o enredo ―História para ninar gente grande.‖ O carnavalesco pesquisou nas dissertações de mestrados, teses de doutorados, professores de História para elaborar o tema do desfile da agremiação. Segundo as palavras de Leandro Vieira, focar na valorização da cultura popular brasileira, é uma marca de seus trabalhos desde o carnaval de 2015, na G.R.E.S Caprichoso de Pilares, quando iniciou sua carreira solo, na função de carnavalesco. A comunidade que o carnavalesco representa a do Morro de Mangueira, em suas palavras, é uma comunidade negra. Devido a esta questão, o tema está representado no carnaval de 2019. A escola de samba, na visão do carnavalesco, tem o papel de se colocar como ―guardiã das bandeiras das causas populares‖. Já o carnavalesco Jack Vasconcelos da G.R.E.S Paraíso do Tuiuti acredita que produzir um desfile de escola de samba em si, já é um ato de resistência, independente do tema escolhido. As escolas assumem um lugar de fala. As pessoas percebem isso de modo mais claro quando os enredos abordaram diretamente essas questões. Exemplo quando uma escola de samba escolhe um enredo que vai louvar um orixá isso se potencializa. Uma das principais fontes de contatos da maior parte da população com a cultura africana, cultura ameríndia, por exemplo, é feito através dos enredos das escolas, porque se a gente ficar dependendo de algum contato oficial isso é prejudicado. Parece que não há um incentivo para que as pessoas saibam, tenham contato, descubram essas culturas que são nossas, porém não são incentivas. Quando as escolas de samba investem o seu trabalho anual em cima de algum enredo que vai passear de alguma forma nessas áreas é uma forma de resistência. Ela fica mais explícita. (JACK VASCONCELOS. Entrevista. Rio de Janeiro: 2019).
O enredo ―O Salvador da Pátria‖, apresentado pelo G.R.E.S Paraíso do Tuiuti, em 2019, na perspectiva do carnavalesco, tratou de políticas de exclusão, ao fazer uma analogia com a figura de um animal (o bode ioiô), que acabou se tornando a voz de protesto da comunidade contra a política local. Assim como o bode foi eleito, qualquer outra pessoa pobre também poderia representar os mais humildes e oprimidos. O cenário é a cidade de Fortaleza do início do século XX em meio à Belle Époque. A escolha da narrativa ocorreu devido à escolha do personagem cômico para falar de assuntos como desigualdade social. A proposta se concentra na figura do bode ioiô eleito vereador em Fortaleza no Ceará em 1922, em protesto da população local pelos rumos tomados pela política cearense. A preocupação do carnavalesco era facilitar o entendimento de quem está assistindo ao desfile. Para ele, o público que realiza a leitura do caderno Abre Alas ou de outros roteiros detalhados das apresentações não é maioria, todavia os espectadores possuem a 46
liberdade de apenas ―brincar‖ o carnaval, o que não os impede de posteriormente, caso lhes interesse, pesquisar a respeito do que se tratou aquele tema. Um dos companheiros de trabalho de Vasconcelos foi o jornalista João Gustavo Melo. Ele relata que não se pode generalizar a percepção de que todos os enredos das escolas de samba possuem a dimensão crítica social, porém só a ação do desfile é um ato de resistência. João Gustavo é cearense, logo as histórias contadas por sua avó serviram de inspiração para o carnavalesco pensar o enredo. No enredo contado pela escola de samba, a inspiração para a saída do bode do meio rural para o cenário urbano, teve como referência a influência parisiense da Belle Époque. Melo afirma que todo enredo deve ter uma ―moral da história‖. Em seu enredo, o carnavalesco toma partido do voto popular. Ele comparou o contexto no qual o bode foi eleito com a política vigente no país em 2016, que passava por debates polarizados e de processos de impeachment, que acabou por afastar da Presidência da República, Dilma Rousseff, que foi democraticamente eleita nas eleições de 2013. As escolas de samba, portanto, podem trazer uma reflexão, ao (re) significar os símbolos visuais em uma forma palatável de carnaval. Por meio de diversão e adequação de época, transformam os desfiles das escolas de samba em um livro aberto. (JOÃO GUSTAVO MELO. Entrevista. Rio de Janeiro: 2019)
Podemos pensar as escolas de samba como espaços coletivos nos quais sentimentos, sejam eles de tristeza, inquietude, pertencimento, comunidade estão imbricados e por meio da memória coletiva e individual são reafirmados. Conforme foi dito pelos entrevistados, os enredos das agremiações carnavalescas, em 2019, neste caso, Mangueira e Paraíso do Tuiuti, procuraram personagens, muitas vezes esquecidos e silenciados por forças políticas, ao longo de nossa história. O interesse das classes dominantes do apagamento da memória coletiva a história das lutas e dos embates dos vencidos com os ―vencedores‖, nos faz perguntar junto com Pollak: (1989): quais vencidos foram esquecidos? Quem seleciona o que lembrar e o que esquecer, quando falamos na História Oficial? Quais seriam os interesses por detrás dessa seleção? Quais são os critérios? As respostas não são difíceis de elencar. As pessoas, especialmente, das classes populares que lutaram contra as práticas colonizadoras e exploratórias em nossa história foram esquartejados para quem servissem de exemplo a quem ousasse se rebelar. 47
Os enredos das escolas de samba não necessitam apresentar uma temática crítica para afirmar uma posição identitária. Outras temáticas, mesmo que não tenham essa perspectiva de forma explícita em seus desfiles, também emergem como lócus de reflexões para o grande público. A ação de desfilar e relevar as origens negras já se configura como um ato de resistência. Assim, de acordo com pensamento de Ferreira (2014), os desfiles das escolas de samba podem representar para um amplo público uma fonte de conhecimentos históricos e culturais, visto que constroem representações dos modos pelos quais seus componentes articulam as memórias, as relações de pertencimento e suas visões perante a História do Brasil e do mundo.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
No carnaval de 2019 duas agremiações se destacaram ao por em evidência enredos críticos ao desfilarem em seus cortejos negros sob a Passarela do Samba: O G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira e o G.R.E.S. Paraíso do Tuiuti. O primeiro levou para o sambódromo carioca o enredo ―Histórias para ninar gente grande‖ de autoria do carnavalesco Leandro Vieira. Para ele, independente de enredo abordado, a existência das escolas de samba e na maior parte de estrutura já aponta para o aspecto da preservação da memória e da narrativa afro-brasileira. Esse pensamento vai ao encontro da fala do responsável pela parte artística da Tuiuti, o carnavalesco Jack Vasconcelos. Segundo ele, quando o enredo aborda, por exemplo, as religiões de matriz africana esse discurso se potencializa, especialmente, porque muito do que sabemos a respeito desses assuntos são referentes às apresentações carnavalescas.
Os carnavalescos e pesquisadores entrevistados neste trabalho foram quase unânimes em afirmarem que não podemos generalizar a perspectiva de que todos os enredos das escolas de samba possuem uma exaltação crítica e política ao contexto social. Todavia, o próprio cortejo das agremiações carnavalescas na Passarela do Samba é um ato de resistência, visível quando analisamos o cotidiano de luta pela sobrevivência das comunidades nas quais estão inseridas e o seu histórico advindo das camadas populares e marginalizadas da sociedade brasileira. É a partir desse sentido, que as agremiações carnavalescas transformam-se em livros aberto cujo foco não é quem escreveu essas histórias, mas lançar no Sambódromo discursos, narrativas, mensagens a serem debatidos e conhecidos pelo grande público. O historiador Luiz Antônio Simas é categórico ao corroborar a tese de que as escolas de samba possuem um papel educativo, uma vez que no decorrer da história dessas associações, elas homenagearam figuras negras poucos conhecidas pela sociedade, introduzem valores estéticos e religiosos inspirados em culturas africanas, afro-brasileiras e ameríndias, inspiram filmes sobre como no caso do enredo do Acadêmicos do Salgueiro de 1963 e inclusive, antes mesmo da inserção de nomes de heróis desconhecidos circulares nas instituições escolares e nos livros didáticos. Portanto, as escolas de samba também educam,
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por isso não devemos dizer o conhecimento se restringe as salas de aula, pois é muito mais amplo e circular do que tradicionalmente se entendia. No caso específico dos enredos da Estação Primeira Mangueira no carnaval de 2019, na figura do carnavalesco Leandro Vieira, a sua agremiação manifesta uma narrativa possível para a História do Brasil diferentemente daquela que fora construída pela História Oficial protagonizada pelos pobres, mulheres, negros(as) e povos indígenas, grupos sociais historicamente esquecidos e subalternizados, tal como nos diz a letra do samba-enredo, ―a história que a história não conta/ O avesso do mesmo lugar‖. Para o carnavalesco do Paraíso do Tuiuti no carnaval de 2019, os discursos emitidos e elaborados pelas escolas de sambas são uma das poucas fontes de um número considerado de brasileiros(as) aos saberes oriundos das culturas africanas, afro-brasileiras e ameríndias. Isso ocorre devido o não cumprimento das leis federais de lei 10.639/03 e a da lei 11.645/08. A escola regular tem uma função importante nas abordagens das histórias e culturas afro-brasileiras, africanas e indígenas, cujos estudos tornaram-se obrigatórios nas salas de aulas, por meio das leis supracitadas, como instrumento de luta de uma educação antirracista, democrática e significativa para a sociedade brasileira, na qual, de acordo com o Censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em 2014, 54% da população se autodeclarou como negra entre pretos(as) e pardos(as). A Pedagogia de Massas se relaciona aos enredos das escolas de samba nas palavras de Simas, durante a entrevista para o autor deste texto, se caracteriza por meio das narrativas públicas e coletivas lançadas no Sambódromo através dos elementos artísticoculturais das agremiações. Reitera assim as ideias de que as escolas de samba têm um papel importante na preservação da memória e da narrativa afro-brasileira. Para ele, a visão pedagógica das escolas de samba nos enredos da G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira e pelo G.R.E.S. Paraíso do Tuiuti no carnaval de 2019 têm a função de dialogar com a sociedade no campo da educação para além dos limites do sambódromo carioca. Divulgar diferentes versões da História, como lembra Faria (2018), reafirma o papel da memória coletiva como espaço de disputa. A carnavalização das histórias pode ser vista como um importante instrumento político para provocar reflexões sobre os cenários políticos, sociais e culturais do país. Importante lembrarmos que as agremiações cariocas, desde o seu nascimento, se constituíram como instituições ligadas às camadas empobrecidas da sociedade brasileira, se evidenciando como locais de forte apelo cultural, recreativo e pedagógico para estes setores. 50
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______. G.R.E.S. São Clemente (RJ). Samba Enredo 1992 - E o Salário Ó! . Disponível em: <https://www.letras.mus.br/sao-clemente/1760928/>. Acesso em: 05 out. 2019. LIESA. Enredos. Disponível em:< http://liesa.globo.com/2019/por/03carnaval/enredos/enredos.html>. Acesso em: 05 abr. 2019. ______. Sinopse. História para ninar gente grande. Disponível em: <https://liesa.globo.com/2019/por/03-carnaval/enredos/mangueira/mangueira.html>. Acesso em: 05 out. 2019. LIMARQUE, Hugo. O GLOBO. São Clemente se mobiliza e promove eventos para estreitar laços com a comunidade. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/rio/bairros/saoclemente-se-mobiliza-promove-eventos-para-estreitar-lacos-com-comunidade-23006391 >. Acesso em: 10 out. 2019. LOPES, Carla. Que república é essa? Portal de Estudos do Brasil Republicano. Movimento Negro no Brasil: resistências e lutas. Disponível em: <http://querepublicaeessa.an.gov.br/temas/186-movimento-negro-no-brasil-resistencias-elutas.html?fbclid=IwAR1oyppDiyJFOhiwd0L011MEszRJqt8xQkU0HRrl8tlsQ0JQpm0kRV1M_0 >. Acesso em: 20 nov. 2019. OBSERVATÓRIO DO CARNAVAL. Disponível em: <http://www.labedis.mn.ufrj.br/index. php/projetos/observatorio-de-carnaval>. Acesso em: 14 jun. 2019. PAPO DE SAMBA. Escolas de Samba: Política e Estética na Cena Carnavalesca. Disponível em: <https://www.papodesamba.com.br/eventos/escolas-de-samba-politica-eestetica-na-cena-carnavalesca/ >. Acesso em: 14 jun. 2019. PORTAL DE NOTÍCIAS G1. Inesquecível Sapucaí: Luiz Fernando Reis lembra da ousadia do carnaval da redemocratização da Caprichosos. Disponível em: <https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/carnaval/2019/noticia/2019/02/28/inesquecivelsapucai-luiz-fernando-reis-lembra-da-ousadia-do-carnaval-da-redemocratizacao-dacaprichosos.ghtml >. Acesso em: 09 out. 2019. REVISTA DA CAPRICHOSOS DE PILARES EDIÇÃO 1984. Enredo: A visita da nobreza do riso à Chico Rei num palco nem sempre iluminado. Disponível em: <https://issuu.com/marcelooreilly/docs/caprichosos-de-pilares-1984>. Acesso em: 09 out. 2019
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APÊNDICE
Roteiro de perguntas direcionadas aos carnavalescos e aos pesquisadores – TCC – IFRJ/SG
● As narrativas presentes nos enredos das escolas de samba apontam-se como símbolos de resistência das culturas afro-brasileiras e africanas? Se sim, de que como? ● O enredo escolhido pela sua agremiação para o carnaval de 2019 apresenta essa proposta? ● Não poderia ter outro viés? Por que houve a preferência dessa forma de narrar o enredo e não de outra forma? ● A narrativa do enredo apresenta alguma preocupação em contar uma história para o grande público? ● As escolas de samba possibilitam conhecimentos por meio de suas artes e criações os conteúdos antes restritos as academias e instituições escolares? ●
Como e de que forma a escola de samba buscará traduzir por meio de sua arte/criação a ideia do enredo escolhido para o carnaval de 2019?
● Que elementos precisam estar nessa encenação/ apresentação? O que não poderia faltar? O que faz parte das alas/das fantasias/ alegorias e adereços? ● Quais as fontes de informação mobilizadas para a construção do desfile?Por que você as escolheu? ● Qual a importância dos desfiles para o povo brasileiro na sua concepção de carnavalesco/pesquisador de escola de samba?
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ANEXO A – Letras dos sambas-enredos das escolas de sambas sujeitos da pesquisa Samba-Enredo – G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira - Carnaval2019 Enredo: História pra Ninar Gente Grande Compositores: Danilo Firmino, Deivid Domênico, Mamá, Márcio Bola, Ronie Oliveira e Tomaz Miranda Brasil, meu nego Deixa eu te contar A história que a história não conta O avesso do mesmo lugar Na luta é que a gente se encontra Brasil, meu dengo A Mangueira chegou Com versos que o livro apagou Desde 1500 tem mais invasão do que descobrimento Tem sangue retinto pisado Atrás do herói emoldurado Mulheres, tamoios, mulatos Eu quero um país que não está no retrato Brasil, o teu nome é Dandara E a tua cara é de cariri Não veio do céu Nem das mãos de Isabel A liberdade é um dragão no mar de Aracati Salve os caboclos de julho Quem foi de aço nos anos de chumbo Brasil, chegou a vez De ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês Mangueira, tira a poeira dos porões Ô, abre alas pros teus heróis de barracões Dos Brasis que se faz um país de Lecis, jamelões São verde e rosa, as multidões Mangueira, tira a poeira dos porões Ô, abre alas pros teus heróis de barracões Dos Brasis que se faz um país de Lecis, jamelões São verde e rosa, as multidões MANGUEIRA, G.R.E.S. Estação Primeira de .Samba-enredo - Carnaval 2019 – Histórias para ninar gente grande.Disponível em: <https://liesa.globo.com/>. Acesso em: 09 nov. 2019.
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Samba-Enredo – G.R.E.S. Paraíso do Tuiuti – Carnaval 2019 Enredo: O Salvador da Pátria Compositores: Anibal, Cláudio Russo, Jurandir, Moacyr Luz e Zezé
O meu Bode tem cabelo na venta O Tuiuti me representa Meu Paraíso escolheu o Ceará Vou bodejar láiá, láiá Vendeu-se o Brasil num palanque da praça E ao homem serviu ferro, lodo e mordaça Vendeu-se o Brasil do sertão até o mangue E o homem servil verteu lágrimas de sangue Do nada, um Bode vindo lá do interior Destino pobre, nordestino sonhador Vazou da fome, retirante ao Deus dará Soprou as chamas do Dragão do Mar Passava o dia ruminando poesia Batendo cascos no calor dos mafuás Bafo de bode perfumando a boemia Levou no colo Iracema até o cais Com luxo não! Chão de capim! Nasceu Muderna fortaleza pro bichim Pega na viola, diz um verso pra iôiô O salvador! O salvador! Pega na viola, diz um verso pra iôiô O salvador! O salvador! (Da pátria!) Ora, meu patrão Vida de gado desse povo tão marcado Não precisa de dotô Quando clareou o resultado Tava o Bode ali sentado Aclamado o vencedor Nem berrar, berrou, sequer assumiu Isso aqui, iôiô, é um pouquinho de Brasil Nem berrar, berrou, sequer assumiu Isso aqui, iôiô, é um pouquinho de Brasil TUIUTI, G.R.E.S. Paraíso do. Samba-enredo - Carnaval 2019 - O Salvador da Pátria.Disponível em: <https://liesa.globo.com/>. Acesso em: 09 nov. 2019. 57
ANEXO B – Imagens dos desfiles das referidas agremiações no carnaval de 2019 no Sambódromo carioca
G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira 2019
DUFFES, Allan. ―Mangueira 2019: Galeria de fotos do desfile‖. 5 de março de 2019. IN: SITE CARNAVALESCO. Mangueira. Desfile 2019. 2019. Disponível em: <https://www.carnavalesco.com.br/wpcontent/uploads/2019/03/Mangueira_Desfile2019_1 02.jpg>. Acesso em: 10 nov. 2019.
SILVA, Tomaz. ―Desfile da Mangueira no Carnaval 2019 no Rio de Janeiro.‖ 5 de março de 2019. IN: AGÊNCIA BRASIL. Rio de Janeiro-RJ. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/desfile-da-mangueira-no-carnaval-2019-no-rio-dejaneiro>. Acesso em: 10 nov. 2019.
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MILARÉ, Gabriel. ―O que a Mangueira teve a nos dizer?‖. 14 de março de 2019. IN: BLOG DO ENEM.Disponível em: <https://blog.enem.com.br/o-que-mangueira-teve-nosdizer/>. Acesso em: 10 nov. 2019.
COROSITO, Rodrigo. Carro alegórico da Mangueira conteve crítica ao regime militar. 5 de março de 2019. IN: BOLETIM DA LIBERDADE. Carnaval: Mangueira cita Luís Gama e critica história oficial do Brasil. Disponível em: <https://www.boletimdaliberdade.com.br/2019/03/05/carnaval-mangueira-cita-luis-gama-ecritica-historia-oficial-do-brasil/>. Acesso em: 10 nov. 2019.
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G.R.E.S. Paraíso do Tuiuti 2019
DUFFES, Allan. FERNANDES, Magaiver. IN: VASCONCELOS, Vinicius. Paraíso do Tuiuti faz enredo politizado, a favor da resistência e disputa por uma vaga nas campeãs . Site Carnavalesco. Disponível em: <https://www.carnavalesco.com.br/paraiso-do-tuiutifaz-enredo-politizado-a-favor-da-resistencia-e-disputa-por-uma-vaga-nas-campeas/>. Acesso em: 10 nov. 2019.
MONTEIRO, Gabriel. Público vibrou com mensagens no último carro da Tuiuti, apesar de problemas técnicos. 05 de março de 2019.IN: O GLOBO.Veja imagens do desfile da Paraíso do Tuiuti. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/rio/veja-imagens-do-desfileda-paraiso-do-tuiuti-23499988>. Acesso em: 10 nov. 2019.
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BLOGDO NOBLAT. Reprodução. 05 de Março de 2019 (Terça-feira). IN: PORTAL PONTUAL. Carnaval. Escola de Samba Paraíso do Tuiuti faz desfile criticando o governo de Bolsonaro.Manaus. Disponível em: <http://portalpontual.com.br/2019/03/05/carnavalescola-de-samba-paraiso-do-tuiuti-faz-desfile-criticando-o-governo-de-bolsonaro/>. Acesso em: 10 nov. 2019.
DIAS, Juliana. Desfile Paraíso do Tuiuti 2019. IN: LARANJA, Bernardo. SRZD. Tuiuti 2019: Escola traz mensagem de resistência e agrada o público com mais um enredo crítico. 05/03/2019 às 8h43. Disponível em: < https://www.srzd.com/carnaval/rio-dejaneiro/desfile-paraiso-do-tuiuti-2019/ >. Acesso em: 10 nov. 2019
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