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5.2 A inversão carnavalesca e a competição

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5. CONCLUSÕES

5. CONCLUSÕES

5.2 A inversão carnavalesca e a competição

Um dos dissensos mais emblemáticos nos estudos sobre as escolas de samba diz

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respeito à capacidade da festa de inverter a ordem social, como na acepção bakthiniana (1996). DaMatta (2001), ao investigar o carnaval carioca do final dos anos de 1970, defende a capacidade da festa de inverter, ainda que momentaneamente, a ordem altamente hierarquizada da sociedade brasileira e atribui à organização em concursos tal capacidade.

Mas, se tudo está classificado numa ordem hierárquica, o desfile é um momento em que os grupos (os indivíduos) estão em franca competição. Desejo observar que a ideia de competição (isto é, concurso entre iguais) é algo banido do universo hierarquizado. Nele, ninguém deve subir por meio de provas, o que colocaria o desempenho adiante de outros critérios muito mais importantes, como o nascimento, a residência, a cor da pele etc. (os critérios substantivos). Mas no carnaval tudo é feito por meio de concursos, de modo que o idioma da sociedade se transforma. De uma linguagem hierarquizada, passamos a uma linguagem competitiva e igualitária, já que se procura promover uma oportunidade para todos. (DAMATTA, 2001: 148).

A socióloga Maria Isaura Pereira de Queiroz (1994), ao analisar o carnaval de rua de cidades do interior de Minas Gerais, por sua vez, nega veementemente a capacidade de inversão da festa, afirmando que a ordem social permanece intacta, quando não reforçada, na medida em que os blocos carnavalescos permanecem segmentados por recortes de classe e que, enquanto abastados se divertem, pobres trabalham para assegurar a festa.

A ordem carnavalesca, no Brasil, não contraria a ordem habitual da sociedade existente. Também não oferece embasamento para a construção de uma atividade totalmente outra, que seria rebelde, igualitária, fraterna, além de fugitiva e ilusória. A ordem carnavalesca define posições e papéis sociais inteiramente dentro das hierarquias socioeconômicas existentes, de acordo com as relações sociais básicas. Nem revolucionária, nem destrutiva, a ordem carnavalesca é mimética da ordem de todos os dias, sobre a qual se apoia. (QUEIROZ, 1994: 43)

Tiago de Oliveira Pinto (1994), por sua vez, ao estudar o carnaval de Pernambuco, chega mesmo a falar em uma “dupla inversão”. O autor afirma que, por mais que as manifestações populares sejam capazes de promover uma inversão da ordem, criando espaços de liberdade e de ausência de proibições, o poder oficial, por

sua vez, trata de impor regras e restrições que criam uma nova inversão, ou seja, reenquadram novamente as manifestações espontâneas no rigor da lei.

A "inversão carnavalesca", referida por Bakhtin, é especialmente demonstrada tanto no carnaval pernambucano quanto no do Rio de Janeiro, com seu inchaço coletivo de sentimentos e emoções. No entanto, várias autoridades - do pequeno mundo das agremiações, órgãos do Estado e estruturas oficiais - reagem prontamente a essa inversão com organização e regulação. Um novo processo de inversão ocorre assim. Enquanto as pessoas de fora tendem a se deixar cegar pelo espírito do carnaval, notando apenas a "primeira inversão", são os performers das agremiações carnavalescas que estão particularmente conscientes de quão rígidas as normas sociais e as relações de poder permanecem durante esse período. O que diferencia esse período da vida cotidiana é apenas a "aproximação da brincadeira" e a articulação de si - aqui "carnavalização" se manifesta no nível individual. Uma pessoa pode, por alguns dias, sair da sombra para a luz e às vezes até do anonimato para a fama. Ainda assim, uma inversão genuína da ordem cotidiana não pode acontecer. (OLIVEIRA PINTO, 1994: 34 e 35. Tradução minha).

Conforme expus na introdução desse trabalho, acredito ser um tanto quanto delicado falar em “carnaval” de forma generalizante, sem considerar os devidos recortes temporais e espaciais. Se é certo que todos os carnavais têm algo em comum, “dramatizam por meio dos mesmos elementos críticos”, como afirma DaMatta (2001: 87), também é certo que apresentam diferenças importantes que precisam ser consideradas no momento de se construir uma generalização. Dito isso, penso que as colocações dos autores não sejam excludentes, mas complementares. O carnaval tanto pode ser como não ser uma inversão. Prefiro entender o fenômeno observando não somente sua expressão festiva de quatro dias, mas entendo-o como uma forma cultural perene. Em outras palavras, proponho avaliar o carnaval não da perspectiva do sambeiro, mas do ponto de vista do sambista, para quem a festa se estende pelo ano inteiro ininterruptamente. Conforme exposto pelo compositor Afonsinho que entrevistei, “ser sambista é viver o samba 24 horas por dia”. Acredito que para quem vive o samba de forma mais profunda e convive no dia a dia da comunidade, o carnaval ofereça, sim, uma grande possibilidade de inversão da ordem social, ou, pelo menos, a possibilidade de criação de uma nova ordem. Alio-me à Maria Julia Goldwasser.

A situação do Desfile já foi interpretada como um ritual para a inversão mágica dos status sociais reais; a Escola de Samba por sua vez pode ser pensada como uma rotinização secularizada da mesma inversão dos status sociais conforme dados na sociedade abrangente. Uma Escola de Samba é meio de convergência para indivíduos de camadas sociais diferenciadas, étnica e

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