DOI 10.31418/2177-2770.2019.v11.c2.p112-129 | ISSN 2177-2770 Licenciado sob uma Licença Creative Commons
REVERÊNCIA À CULTURA: O BAILADO DO CASAL DE MESTRE-SALA E PORTA-BANDEIRA NO AMBIENTE ESCOLAR Viviane Martins Ramos1 Resumo: As escolas de samba fazem parte do cotidiano do povo carioca, desta forma, oferecem inúmeros elementos que podem ser fontes de estudos nas mais diversas áreas. O bailado do casal de mestre-sala e porta-bandeira está inserido neste contexto e, sua peculiaridade o torna um potente objeto de reflexão no ambiente escolar. A dança do casal, além dos benefícios físicos e emocionais que uma atividade física proporciona, possibilita discussões e aprendizados referentes às relações sociais, questões de gênero, políticas, históricas, dentre outras, e ainda permite que os estudantes insiram no seu processo de aprendizagem questões relacionadas às suas vivências e experiências que auxiliam nos aspectos afetivos, de identidade, de pertencimento e de valorização cultural. Palavras-chave: dança; educação física escolar; mestre-sala; porta-bandeira REVERENCE TO CULTURE: THE BALLET OF THE MASTER-ROOM COUPLE AND BANNER-HOLDER IN SCHOOL PHYSICAL EDUCATION Abstract: The samba schools are part of the daily life of the carioca people, thus offering numerous elements that can be sources of studies in various areas. The ballet of the master-room couple and flag bearer is inserted in this context and its peculiarity makes it a potent object of reflection in the school environment. The couple's dance, in addition to the physical and emotional benefits that a physical activity provides, enables discussions and learning regarding social relations, gender, political, historical, among others, and also allows students to insert questions into their learning process. related to their experiences that help in the affective, identity, belonging and cultural valorization aspects. Keywords: dance; school physical education; master room; flag carrier REVERENCE A LA CULTURE: LE BALLET DU COUPLE MAITRE ET PORTEBANNIERE EN EDUCATION PHYSIQUE A L'ECOLE Résumé: Les écoles de samba font partie de la vie quotidienne du peuple carioca et offrent de nombreux éléments pouvant être des sources d’études dans divers domaines. Le ballet du couple maître et porte-drapeau est inséré dans ce contexte et sa particularité en fait un puissant objet de réflexion dans le milieu scolaire. La danse du couple, en plus des avantages physiques et émotionnels qu'une activité physique procure, permet des discussions et un apprentissage concernant les relations sociales, de genre, politique, historique, entre autres, et permet 1
Mestra em Artes pela UERJ, graduada em Educação Física pela UFRJ (2012). Atuou como coordenadora pedagógico da Escola de Artes Técnicas Luis Carlos Ripper da Fundação de Apoio à Escola Técnica do Estado do Rio de Janeiro. Fundadora e Instrutora do Projeto Minueto do Samba voltado para o aprendizado, estudo e aperfeiçoamento do bailado do casal de mestre-sala e portabandeira.
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également aux étudiants d'insérer des questions dans leur processus d'apprentissage. liées à leurs expériences qui les aident dans les aspects affectif, identité, appartenance et valorisation culturelle. Mots-clés: danse; éducation physique à l'école; chambre des maîtres; porte drapeau REVERENCIA A LA CULTURA: EL BALLET DE LA PAREJA DE MAESTRO-SALA Y PORTA-BANDERA EN LA EDUCACIÓN FÍSICA ESCOLAR Resumen: Las escuelas de samba son parte de la vida cotidiana de las personas cariocas, por lo que ofrecen numerosos elementos que pueden ser fuentes de estudios en diversas áreas. El ballet de la pareja del salón principal y el abanderado se inserta en este contexto y su peculiaridad lo convierte en un potente objeto de reflexión en el entorno escolar. El baile de la pareja, además de los beneficios físicos y emocionales que proporciona una actividad física, permite discusiones y aprendizaje sobre relaciones sociales, género, política, histórica, entre otros, y también permite a los estudiantes insertar preguntas en su proceso de aprendizaje. relacionados con sus experiencias que ayudan en los aspectos afectivos, de identidad, pertenencia y valorización cultural. Palabras claves: danza; educación física escolar; maestro de ceremonias; abanderado
APRESENTAÇÃO O desfile das escolas de samba do município do Rio de Janeiro é considerado o maior espetáculo a céu aberto da Terra, e é de causar estranhamento que manifestações culturais tão representativas para a sociedade carioca como o carnaval, as escolas de samba e o samba não sejam aproveitados, ou são timidamente utilizados, como objeto de estudo nas escolas – isso porque não levaremos em consideração neste artigo as contribuições que todas as manifestações brasileiras trariam para o processo educacional dos estudantes. Considerando que as escolas de samba são espaços populares onde geralmente abrigam eventos e projetos sociais frequentados por inúmeras pessoas, principalmente, do entorno onde se localizam, podemos dizer que as mesmas fazem parte do cotidiano das comunidades, inclusive com a existência de dezessete escolas mirins realizando um trabalho voltado para continuidade desta manifestação popular. Se observarmos, há escolas de samba espalhadas por todo o município do Rio de Janeiro, nas regiões norte, sul, oeste e até mesmo no centro da cidade onde existe a Avenida Marquês de Sapucaí (o Sambódromo), espaço reservado para a realização dos desfiles das escolas de samba
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(e que abriga shows e outros eventos fora do período carnavalesco), como elucida Araújo (2003, p. 239) no Rio de Janeiro, o desfile articula efetivamente bairros periféricos e bairros centrais, camadas pobres, camadas ricas, Zona Norte e Zona Sul, negros e brancos, ordem e contravenção. Só o faz, entretanto, por ser fundamentalmente agonístico: aproxima e confronta ritualmente tanto as escolas de samba entre si, como os diferentes grupos dentro de cada uma delas. A vitalidade que as escolas de samba demonstraram até hoje, como formas culturais, enraíza-se na capacidade de trazer o conflito e a diferença para dentro do desfile. A cidade revela a si mesma a cada carnaval (Araújo, 2003, p. 239).
Incluir práticas associadas ao contexto em que os estudantes vivem auxilia no processo de criação de sua identidade e elevação de sua autoestima, como nos diz Ribeiro e Martins (2018, p.101) os processos de socialização e construção das identidades juvenis merecem destaque e estão associadas às práticas de sociabilidade e lazer e apropriação de elementos simbólicos como marca identitária, principalmente na esfera cultural (Ribeiro e Martins, 2018, p. 101).
A abordagem deste artigo é acerca da utilização do bailado do casal de mestresala e porta-bandeira como uma área de conhecimento que permite um estudo trans e/ou interdisciplinar no ambiente escolar, considerando que esta é uma dança popular de fácil acesso e que está inserida no cotidiano dos estudantes, seja por ter sua residência próxima a alguma escola de samba, por ouvir falar ou, até mesmo, ao assistir pela televisão. O casal de mestre-sala e porta-bandeira está inserido no universo das escolas de samba, desta forma, faremos uma breve contextualização acerca do surgimento destas agremiações para que possamos compreender a funcionalidade desta dança no processo educacional dos estudantes. A descrição feita por Araújo (2003, p. 219) acerca do surgimento das escolas de samba é comumente citada por diversos autores e estudiosos, ele menciona que foi então que um grupo de sambista do Estácio, composto de bambas como Ismael Silva, Nilton Bastos, Baiaco (Oswaldo Barcelos), Mano Edgar, Mano Rubem (Rubem Barcelos, irmão de Bide), Osvaldo “Papoula”, Aurélio, Francelino, Juvenal Lopes (o Nanal) entre outros, resolveu imitar a turma dos
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ranchos, formando uma agremiação capaz de impor respeito e admiração. A primeira providência foi bolar outra designação para o conjunto. Como se reuniam nas proximidades de uma escola normal, na esquina da Rua Joaquim Palhares com Machado Coelho, raciocinaram: “Se quem ensina às crianças são chamados professores, nós que sabemos tudo de samba também somos mestre e formamos uma escola, escola de samba” (Araújo, 2003, p. 219).
Notamos que há o surgimento de uma manifestação cultural pela qual os sambistas pleiteavam por respeito. As escolas de samba surgiram como uma necessidade da intelectualidade da época (justamente em um período, final da década de 20, onde há um movimento em busca da valorização da cultura negra no mundo) juntamente com o interesse dos sambistas, pois os ranchos eram considerados muito sofisticados, suas músicas eram muito melódicas como nos descreve Ferreira (2004, p.305) verdadeira ponte entre o Carnaval popular e aquele desejado pela burguesia, os ranchos estabeleceriam um elo entre duas festas que vinham-se mantendo isoladas desde as tentativas de imposição do Carnaval burguês, nas primeiras décadas do século XIX. Ao articular cantos populares com trechos de óperas, fantasias sofisticadas com materiais singelos, alegorias imponentes com elaborações precárias, os ranchos conseguiram a proeza de falar à alma de ricos e pobres, à alma da elite e do povo, à alma, em suma, do país que se construía naquele momento. Sua forma de desfile, com comissão de frente, grupos fantasiados, mestre-sala e porta-estandarte, será a base para a estruturação das escolas de samba, juntamente com o batuque, as danças e as baianas dos cordões (Ferreira, 2004, p. 305).
O que esta situação nos sugere é que, além do interesse da intelectualidade, os próprios sambistas julgaram necessário algo mais singelo, mais popular, que caracterizasse mais o povo negro. Podemos perceber que os citados fundadores das escolas de samba parecem demonstrar uma vontade de querer mostrar a identidade do negro sambista, mesmo que não excluindo os demais, notamos a necessidade de afirmação da cultura do samba, no entanto as agremiações iniciam com a regra de não conter instrumentos de sopro na bateria, esta deveria ser composta apenas de instrumentos percussivos e de cordas e, além disso, tinham que ter baianas, tais regras são mantidas atualmente e, segundo nos elucida Araújo (2003, p. 225) as primeiras escolas de samba surgiram com a seguinte estrutura: pede passagem (abre-alas); //comissão de frente (linha de frente); //primeiro mestre-
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sala e primeira porta-bandeira;//primeiro puxador e primeiro versador;//caramanchão;//o coro;//segundo puxador e segundo versador;// bateria;//baianas de linha (Araújo. 2003, p.225).
Atualmente ainda é possível notar muitas das características das primeiras escolas de samba nas vinte e sete escolas de samba que desfilam no Sambódromo do Rio de Janeiro, distribuídas entre os grupos especial e série A, e nas outras dezenas (aproximadamente quarenta e oito escolas) que desfilam na Estrada Intendente Magalhães, no bairro do Campinho (na zona norte do Rio de Janeiro), distribuídas entre os grupos B, C, D e E. AS CONTRIBUIÇÕES DO BAILADO DO CASAL DE MESTRE-SALA E PORTA-BANDEIRA NO AMBIENTE ESCOLAR Quando se fala em educação imediatamente surge a ideia da educação intelectual ou das convenções sociais, porém, a educação é muito mais abrangente, está atrelada a sentimento, intelecto, sociedade, corpo, energia vital, etc. É de suma importância citar que a educação ocorre ao longo da existência de cada indivíduo, e que ferramentas e elementos são acrescentados para auxiliar na edificação desta educação, como nos elucida Libâneo (2001, p.22) educação é um conceito amplo que se refere ao processo de desenvolvimento omnilateral da personalidade, envolvendo a formação de qualidades humanas – físicas, morais, intelectuais, estéticas – tendo em vista a orientação da atividade humana na sua relação com o meio social, num determinado contexto de relações sociais. A educação corresponde, pois, a toda modalidade de influências e inter-relações que convergem para a formação de traços de personalidade social e do caráter, implicando uma concepção de mundo, ideais, valores, modos de agir, que se traduzem em convicções ideológicas, morais, políticas, princípios de ação frente a situações reais e desafios da vida prática. Nesse sentido, educação é instituição social que se ordena no sistema educacional de um país, num determinado momento histórico; é um produto, significando os resultados obtidos da ação educativa conforme propósitos sociais e políticos pretendidos; é processo por consistir de transformações sucessivas tanto no sentido histórico quanto no desenvolvimento da personalidade (Libâneo, 2001, p.22).
Refletindo acerca desta perspectiva percebemos que a educação é muito mais ampla que o letramento e memorização de fatos, ela está relacionada à formação do 116 Revista da ABPN • v. 11, Ed. Especial - Caderno Temático: Cultura popular em cena: artes afro diaspóricas • julho de 2019, p. 112-129
indivíduo como um todo, auxiliando o desenvolvimento em todos os aspectos do ser através da socialização, interação social, inclusão, entre outros. Observando a citação anterior e analisando as colocações acerca da importância da educação no desenvolvimento do indivíduo como cidadão e como ser, notamos que o bailado do casal de mestre-sala e porta-bandeira, como uma dança popular presente em uma das manifestações culturais brasileiras mais conhecidas no mundo, pode contribuir veementemente para a educação, visto que faz parte do cotidiano dos estudantes e estes deveriam levar suas experiências para a sala de aula, e não serem apenas ouvintes de informações, assim como Ribeiro e Martins (2018, p. 105) nos elucida ao dizer que articular Educação, cidadania e raça requer uma postura política e pedagógica, já que educação lida com sujeitos concretos. Para tanto, ressaltamos que não basta conhecer o aluno apenas no interior da sala de aula e no cotidiano escolar: necessário estabelecer vínculos entre vivência sociocultural, o processo de desenvolvimento e o conhecimento escolar. Assim, o aluno confunde-se com o jovem, para o qual o espaço escolar tem reservado poucos momentos e espaços de expressão cultural (Ribeiro e Martins, 2018, p. 105).
Ao considerarmos as características do bailado do casal de mestre-sala e portabandeira podemos perceber que há uma extensa possibilidade de estudos, principalmente ao analisar que sua constituição está vinculada a um hibridismo cultural, como nos diz Lourenço (2009, p.8) as personagens porta-bandeira e mestre-sala, e a sua própria coreografia, são, essencialmente, adaptações daquelas existentes em outros tipos de manifestações de cultura popular cariocas, como a porta-estandarte e o baliza dos blocos e dos ranchos, que por sua vez se inspiraram nas procissões, nas congadas e assim por diante. Não muito raramente, ainda hoje as denominações porta-bandeira e porta-estandarte ou mestre-sala e baliza se confundem (Lourenço, 2009, p. 8).
Além das referências as manifestações de matrizes africanas, notamos também influências europeias quando Ferreira (2004, p. 369) destaca que o casal de mestre-sala e porta-bandeira tem a função dos antigos mestre-sala e porta-estandarte presentes nos ranchos, blocos e cordões. A dança do par, influenciada originalmente pelos minuetos e contradanças da elite, tornou-se uma espécie de balé popular com códigos e passos característicos (Ferreira. 2004, p.369).
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E este contexto histórico da fusão das culturas negra e europeia é citado no Dossiê das Matrizes do Samba (2006, p. 59) onde diz que na escola, o casal de mestre-sala e porta-bandeira – nos primeiros anos do século passado, porta-estandarte – são o centro dessa influência europeia, com sua dança que, embora executada ao som do samba, não busca o gingado da passista, o requebrado da cabrocha, mas a corte de uma dança de salão, de um minueto, com suas mesuras e meneios. Por isso se diz que o mestre-sala corteja sua porta-bandeira (Dossiê das Matrizes do Samba, 2006, p. 59).
As influências das manifestações culturais que constituíram o bailado do casal de mestre-sala e porta-bandeira possibilitam análises variadas acerca das questões sociais, políticas e culturais que estão vinculadas a função de conduzir e proteger o pavilhão (ou bandeira) de uma escola de samba que o casal de mestre-sala e portabandeira possui, esta função permite ainda mais discussões, principalmente porque é considerada de extrema responsabilidade devido ao fato do pavilhão ter um importante significado para a agremiação. Podemos observar o significado do pavilhão quando Lourenço (2009, p.15) nos elucida que a bandeira “é para seus integrantes, o seu símbolo máximo, tal como se dá em outras manifestações da cultura popular, como na Festa do Divino, na Folia de Reis, na Congada, no Moçambique, no Cacumbi, nos Cucumbis”. Esta importância do pavilhão, como um símbolo praticamente sagrado para suas comunidades, possibilitaria aos estudantes outra vertente no estudo da formação da sua identidade e/ou da formação da identidade de uma comunidade. Notamos ainda mais a importância do pavilhão para os integrantes de uma escola de samba quando também associamos esta representatividade ao fato dele identificar a agremiação que está se apresentando, pois nele está presente a história da comunidade nas cores e nos desenhos bordados no escudo, conforme Oliveira (1996, p. 77) nos explica que a alma da escola de samba está simbolicamente incrustada num pedaço de pano geralmente com a forma de um retângulo onde estão impressos os nomes e as insígnias da escola. A escola de samba, assim como os países, também se considera uma nação. Imprime num pedaço de pano, em desenho colorido, seu
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nome e seus símbolos para que possam ser identificados e respeitados pelas demais escolas. O símbolo da Estácio de Sá é um leão, da Mangueira um surdo, a Portela e a Tradição têm ambas uma águia, a Beija-Flor, como o próprio nome diz, um colibri, a Imperatriz Leopoldinense, a Império Serrano e a Vila Isabel têm uma coroa, etc. Este tecido bordado com o maior cuidado e carinho transforma-se em um documento para a identificação do grupo. Merece toda a reverência, o respeito e sobretudo a guarda e vigilância, pois ele tem implicações com o sagrado e o lúdico (Oliveira, 1996, p. 77).
Sob esta perspectiva do valor simbólico do pavilhão notamos que a importância do casal de mestre-sala e porta-bandeira é atribuída ao cargo que ele exerce, e dentro deste cargo existem funções individuais: à porta-bandeira cabe a responsabilidade de portar a bandeira sempre desfraldada e com muita graciosidade, leveza e simpatia, jamais permitindo que a bandeira toque em seu corpo e no corpo do mestre-sala; ao mestre-sala cabe proteger a sua dama e o seu pavilhão, sempre cortês e elegante, como nos diz Gonçalves (2010, p. 89) “a dança do par é, portanto, a representação de uma complementaridade de funções desempenhadas pela porta-bandeira e pelo mestresala”. As características do bailado do casal de mestre-sala e porta-bandeira provocam discussões importantes nos dias atuais e que seria de suma importância no contexto escolar como, por exemplo: questões de gênero (como no caso do desfile do GRES Acadêmicos do Sossego – escola da Série A do Rio de Janeiro – que trouxe no desfile do carnaval de 2019 uma porta-bandeira do sexo masculino travestida de mulher portando o pavilhão da agremiação protegida pelo seu mestre-sala. A dupla utilizou uma fantasia que representava a intolerância no enredo “Não se meta com a minha fé. Acredito em quem quiser”) e questões sobre o cuidado e respeito com o próprio corpo e com o corpo do outro e, principalmente, o de respeitar o corpo da mulher. Em uma época em que o feminicídio está aumentando consideravelmente, utilizar a dança do casal como um objeto de reflexão, por exemplo, para valorizar a mulher seria de extrema valia, pois como nos diz Gonçalves (2010, p. 87) os homens ao executarem a dança, são lembrados de que a mulher e a bandeira que ela porta são o que há de mais importante. O mestre-sala não deve pensar em mais nada, a não ser em protegê-la, em admirá-la “como o ser mais belo do mundo”2. A porta-bandeira é central na apresentação e, por isso, a dança do
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Fala de Rita, em aula [ex-instrutora da Escola de Mestre-sala, Porta-bandeira e Porta-estandarte Manoel Dionísio].
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mestre-sala não deve ser excessivamente virtuosa. Ele deve, antes de tudo, dar apoio à porta-bandeira (Gonçalves, 2010, p. 87).
A responsabilidade de conduzir o pavilhão envolve questões comportamentais que se reflete desde na maneira de dançar e de agir até a forma de se vestir, tanto na fantasia do dia do desfile quanto na vestimenta utilizada nos eventos em quadra ou fora dela. Neste artigo não focaremos nas indumentárias, pois estamos observando a dança como uma proposta pedagógica mais ampla e não específica, no entanto, podemos observar que o bailado pode propor uma interdisciplinaridade com as aulas de artes para confeccionar uma fantasia; com a disciplina de matemática devido as metragens na construção do carro alegórico; com a disciplina de educação física devido ao fato de ser uma atividade física e; com a disciplina de história para elucidar as questões políticas e sociais que envolvem as escolas de samba e, consequentemente, o casal de mestre-sala e porta-bandeira que é uma manifestação ligada, principalmente, à cultura negra, valorizando a cultura vivenciada pelos estudantes, como Ribeiro e Martins (2018, p. 97) diz embora a instituição escolar deva ser concebida como um espaço de encontros culturais – cultura crítica, representada pelas disciplinas escolares; cultura acadêmica, representada pelo currículo; cultura social, constituída pelos valores sociais; cultura institucional, forjada pelas normatizações da própria escola e a cultura experiencial adquirida pela vivência do discente –, permeada pelas relações sociais entre os sujeitos envolvidos, professores e educandos, observa-se a sua transformação em força hegemônica na veiculação de saberes consolidados em detrimento da cultura experiencial do aluno. Avaliamos que, o caso do aluno negro, tal hegemonia tende a ser acirrada pela quase ausência de conteúdos que privilegiem as culturas de matriz africana e afrodescendente (Ribeiro e Martins, 2018, p. 97).
Se para executar a função de mestre-sala e porta-bandeira são exigidas questões comportamentais, pensamos que há algumas convenções para o casal, fato este que pode provocar reflexão nos estudantes acerca das relações e postura no meio social, pois ao observarmos as exigências acerca da conduta de um casal de mestre-sala e portabandeira notamos que geralmente é elegante, majestosa e simpática e, suas roupas condizem com sua função, conforme destaca Gonçalves (2010, p. 238) nas escolas, na medida em que desempenham papel cerimonial importante – recebendo convidados, “fazendo as honras da casa” – mestre-sala e portabandeira precisam mostrar-se corteses, bem educados, falantes. A porta-
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bandeira não deve trajar calça comprida, short, saias curtas e chinelos (Gonçalves, 2010, p. 238).
Através das referências acerca do comportamento e postura daqueles que possuem a função de conduzir o pavilhão de uma agremiação fica mais evidente as possibilidades de utilização desta manifestação cultural no processo de ensinoaprendizagem no âmbito escolar, principalmente se observarmos que o PCN3 (1997, p. 23) nos diz que para viver democraticamente em uma sociedade plural é preciso respeitar e valorizar a diversidade étnica e cultural que a constitui. Por sua formação histórica, a sociedade brasileira é marcada pela presença de diferentes etnias, grupos culturais, descendentes de imigrantes de diversas nacionalidades, religiões e línguas. No que se refere à composição populacional, as regiões brasileiras apresentam diferenças entre si; cada região é marcada por características culturais próprias, assim como pela convivência interna de grupos diferenciados (PCN, 1997, p. 23).
Utilizar elementos que possibilitem os estudantes relacionarem suas próprias vidas, seu mundo e suas motivações no seu processo de aprendizado facilitaria a compreensão dos processos sociais, políticos, econômicos, afetivos, entre outros aspectos da realidade da sociedade em que vive. Os recursos que o bailado do casal de mestre-sala e porta-bandeira proporciona pelo fato de estar inserido no contexto das escolas de samba pode fornecer diversos elementos para promover estes entendimentos, pois, como menciona Cavalcanti (2006, p. 29) a forma espetacular e monumental do desfile atual resulta de uma longa evolução. O desfile das escolas de samba acompanhou as transformações da cidade do Rio de Janeiro ao longo de grande parte do século XX, e tornou mundialmente famoso o seu carnaval. Para compreender essa trajetória, é preciso ter em mente o caráter mediador de relações sociais que o caracteriza desde os primórdios (Cavalcanti, 2006, p. 29).
Muitos aspectos podem ser analisados com os estudantes acerca do bailado do casal de mestre-sala e porta-bandeira que, além de estimular a cordialidade e a empatia, aborda questões, como por exemplo:
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Parâmetros Curriculares Nacionais
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- relações sociais de trabalho: atualmente um casal de mestre-sala e porta-bandeira se tornou um profissional dentro de uma agremiação, ele recebe uma remuneração mensal para ensaiar e cumprir uma agenda de compromissos onde se incluem ensaios, viagens, shows e apresentações internas e externas; - saúde: o mestre-sala e porta-bandeira precisam se alimentar bem, ingerir bastante água, manter resistência física, evitar ingestão de bebida alcoólica, ter o descanso necessário, pois precisam de um corpo saudável para conseguir realizar suas atividades, além da higiene pessoal. - respeito ao próximo: um casal deve respeitar a velha guarda, as baianas, aos fundadores da sua agremiação e das coirmãs, fato que estimula o respeito à ancestralidade. Observamos que há diversos aspectos de cunho sociopolíticos para serem abordados no bailado do casal de mestre-sala e porta-bandeira, fatores que contribuiriam consideravelmente no processo de formação dos estudantes. Na peculiaridade das características do bailado do casal de mestre-sala e portabandeira notamos que ele possibilita amplamente discussões acerca das questões das relações sociais quando observamos Gonçalves (2010, p. 73) dizer que mestre-sala e porta-bandeira conquistam o espaço social projetando um comportamento refinado. Devem mostrar-se elegantes. Seus comportamentos, hábitos e atitudes são sempre observados, analisados, criticados, julgados em desfiles ou em momentos sociais. Há, portanto, uma correspondência entre os gestos no bailado e os gestos nas ocasiões sociais, que são também momentoschave de atuação do mestre-sala e porta-bandeira. Sua postura e seu modo e vestir compõem essa caracterização (Gonçalves, 2010, p. 73).
Consideramos relevante observar que as reflexões acerca das inúmeras contribuições que o bailado do casal de mestre-sala e porta-bandeira aborda são necessárias a todos os estudantes, sejam eles da rede pública ou privada. Seria ainda melhor que este conhecimento transcendesse o ambiente escolar e os projetos sociais relacionados ao ensino do bailado do casal de mestre-sala e porta-bandeira e pudesse ser utilizado como uma manifestação popular que, além do caráter artístico e de entretenimento, fosse um meio de provocação de análise crítica acerca da cultura popular, como diz Hall (2003, p 253) ao optar
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por uma terceira definição para o termo "popular", embora esta seja um tanto incômoda. Essa definição considera, em qualquer época, as formas e atividades cujas raízes se situam nas condições sociais e materiais de classes específicas; que estiveram incorporadas nas tradições e práticas populares. Neste sentido, a definição retém aquilo que a definição descritiva tem de valor. Mas vai além, insistindo que o essencial em uma definição de cultura popular são as relações que colocam a “cultura popular" em uma tensão contínua (de relacionamento, influência e antagonismo) com a cultura dominante. Trata-se de uma concepção de cultura que se polariza em torno dessa dialética cultural. Considera o domínio das formas e atividades culturais como um campo sempre variável. Em seguida, atenta para as relações que continuamente estruturam esse campo em formações dominantes e subordinadas (Hall, 2003, p. 253).
Refletimos que o bailado do casal de mestre-sala e porta-bandeira é abundante de relações e negociações que podem oportunizar e estimular variadas possibilidades de reflexões pelo fato de possuir elementos que suscitam uma série de discussões em diversos âmbitos da vida de uma sociedade. Além disso, está inserido no carnaval, que é uma manifestação cultural acessível a todos, o que pode facilitar na compreensão de algumas temáticas que devem ser abordadas nas disciplinas como, por exemplo, na educação física, e caracterizando o que Neira (2007, p. 8) aborda como a escola sendo o espaço socialmente determinado para a socialização do patrimônio cultural historicamente acumulado, entende-se como função social da educação física escolar proporcionar aos alunos das diferentes etapas da escolarização uma reflexão pedagógica sobre o acervo das formas de representação simbólica de diferentes realidades vividas pelo homem, historicamente criadas e culturalmente desenvolvidas (Neira, 2007, p. 8).
A amplitude de recursos que o bailado do casal de mestre-sala e porta-bandeira pode oferecer como ferramenta para auxiliar no processo educativo é legitimada pelo seu pertencimento ao cotidiano dos estudantes. Aproximar as vivências e experiências no processo de aprendizagem, além de torná-lo mais atraente e interessante, aproxima os estudantes de sua realidade, facilitando a compreensão da constituição da sua cultura. As questões sociais, econômicas, políticas, afetivas, psicológicas e cognitivas que podem ser abordadas acerca do bailado do casal de mestre-sala e porta-bandeira abrangem aspectos fundamentais no processo de formação de qualquer indivíduo, seja ele pertencente de qualquer classe social, faixa etária, sexo ou etnia.
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O BAILADO DO CASAL DE MESTRE-SALA E PORTA-BANDEIRA COMO CULTURA CORPORAL NO AMBIENTE ESCOLAR Analisando que o bailado do casal de mestre-sala e porta-bandeira possibilita a interdisciplinaridade e observando sob o aspecto da cultura corporal verificamos que enquanto atividade física ele se caracteriza como dança, com todos os benefícios, funções e objetivos que a dança possui. Segundo Lomakine (2007, p.43) a dança possui objetivos e funções. Quando falamos em objetivos, referimo-nos àquilo que queremos atingir com a dança, onde queremos chegar; quando falamos em funções, temos em foco aquilo a que ela se destina ou, ainda, para que a dança serve (Lomakine, 2007, p. 43).
Os benefícios que a dança proporciona na vida de um indivíduo são comprovados cientificamente nas mais diversas áreas de estudos, tais como: saúde, bem-estar, psicologia, antropologia, entre outras, ultrapassando os estudos acerca, apenas, dos benefícios físicos que ela acarreta. Lomakine (2007, p.43) descreve os objetivos da dança, citando que são considerados objetivos: promover o desenvolvimento e a manutenção de capacidades físicas, como agilidade, coordenação, equilíbrio, flexibilidade, força, resistência e ritmo;//promover o desenvolvimento positivo do aspecto socioafetivo do ser humano, despertando potencialidades como cooperação, socialização, solidariedade, liderança, compreensão, laços de amizade;//estimular o desenvolvimento do aspecto cognitivo das pessoas por meio de estímulos ao raciocínio, à atenção, à concentração, à criatividade, ao senso estético, à percepção;//melhorar a qualidade de vida dos seres humanos, buscando energia, harmonia, equilíbrio, estímulos positivos, autoestima e autonomia; desenvolver a consciência corporal;//promover o desenvolvimento da educação rítmica;//estimular a autoexpressão;//proporcionar a relação interpessoal de maneira positiva;// experimentar e observar diferentes percepções e sensações em relação a si, aos outros e ao mundo (Lomakine, 2007, p. 43).
A dança possui funções que transcendem seus objetivos e, Lomakine (2007, p.43), apud Robatto (1994) classifica as funções da dança informando que elas podem promover a comunicação;//facilitar a autoexpressão;//contribuir para a identificação cultural;//proporcionar diversão, descontração e prazer estético;//atender às necessidades de espiritualidade (êxtase místico); //atuar em
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profundas questões sociais, como a ruptura do sistema e a revitalização da sociedade (Lomakine, 2007, p. 43 apud Robatto, 1994).
No espaço escolar a dança possui um aspecto educativo (o que não anula seus objetivos e funções). Citamos esse enfoque para que não a vejam com o objetivo de formação de um artista-bailarino no âmbito escolar, e sim pensá-la como uma ferramenta para estimular o desenvolvimento dos aspectos socioafetivos, psicológicos, motores e cognitivos, sob a perspectiva de informar, desenvolver a visão crítica, interpretativa e compreender os fatos históricos. Ao citar o ensino da dança na escola Lomakine (2007, p. 44) afirma que os objetivos modificam razoavelmente alegando que ela auxilia a desenvolver a imaginação, a comunicação não-verbal, o pensamento crítico, a autoconfiança, a cooperação e a criatividade;//aprimorar o desenvolvimento motor, a consciência corporal e a percepção musical;//integrar-se a outras do currículo escolar, explorando o movimento dançante;//estabelecer conexões dentro de contextos históricos, sociais e culturais (Lomakine, 2007, p. 44).
Os benefícios da dança no espaço escolar são relevantes, pois incorporar danças do cotidiano dos estudantes e possibilitá-los vivenciar variadas modalidades de dança, podem contribuir no processo de formação do indivíduo, visto que ela abrange questões psicológicas e socioafetivas, além das motoras, como diz Lomakine (2007, p. 44) que ao ser ensinada no âmbito escolar, a dança representa um canal importante de informações e vivências para que os alunos possam conhecer seu próprio corpo e compreender as relações que são estabelecidas entre fazer, conhecer, interpretar e apreciar a dança (Lomakine, 2007, p. 44).
Inserir o bailado do casal de mestre-sala e porta-bandeira neste contexto é considerar que ele é uma dança e que ocasiona todos os benefícios físicos e psicológicos que uma atividade física proporciona. Também nos faz refletir acerca de ser uma dança pertencente da cultura popular, o que possibilita que cada indivíduo a vivencie criando sua própria forma de dançar, mesmo que seguindo os traços e características prédeterminadas, estimulando a criatividade e criação dos estudantes, conforme nos demonstra Gonçalves (2010, p. 85) o ritmo e os gestos compõem a base para a dança que será executada de muitos modos, criando assim um estilo específico de “dança bailada”. Esse bailado,
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especialmente executado por um casal trajado de nobres, é distinto em relação a todas as outras expressões corporais desempenhadas no mundo de uma escola de samba. O casal deve saber simular a união entre a dama e o cavalheiro e trabalhar a sua interação bailada no ritmo acelerado do samba (Gonçalves, 2010, p. 85).
A familiaridade que o bailado do casal de mestre-sala e porta-bandeira propicia por ser do cotidiano da população carioca possibilita que a abordagem das questões que constituem a identidade e as vivências dos estudantes proporcionem um maior entendimento e compreensão do contexto das relações em que estão inseridos. CONSIDERAÇÕES FINAIS A reverência é um gesto comumente executado pelo casal de mestre-sala e porta-bandeira ao se cumprimentarem entre si, ao cumprimentar o público, ao apresentar o pavilhão durante o bailado para o público e/ou jurados (em ocasião de desfile das escolas de samba), para cumprimentar uma pessoa importante no meio das escolas de samba, para valorizar os mais antigos e/ou para saudar um outro casal de mestre-sala e porta-bandeira. Este gesto consiste em uma leve curvatura do tronco com um leve baixar da cabeça, geralmente acompanhado com uma das mãos ao peito e um sorriso no rosto, como demonstração de carinho, respeito, admiração e afeição pela pessoa reverenciada, em algumas ocasiões ele é executado apenas como um cumprimento educado, mas sempre com o intuito de ser educado e cortês com o próximo. Reverenciar a cultura é pensar na valorização cultural do povo, da sua história, da sua identidade, da sua autoestima, é validar que as experiências do povo são mecanismos que podem auxiliar no processo de formação do indivíduo e que devem ser aproveitadas neste contexto. Além de ser um reforço para a implementação da Lei 10639/034 o ensino do bailado do casal de mestre-sala e porta-bandeira nas instituições escolares aproximaria os estudantes da história da constituição da sua comunidade, do seu povo, da sua identidade, auxiliando-os a reconhecer o seu valor na construção da sua própria história,
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Lei que torna obrigatório o ensino da temática “História e cultura afro-brasileira”.
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e até mesmo se identificando como um indivíduo transformador da sua história, retirando-os da posição de meros espectadores e colocando-os na posição de agentes. O universo das escolas de samba, no qual o casal de mestre-sala e porta-bandeira está inserido, é um meio em que há tensões e negociações desde o seu surgimento até os dias atuais, estas atravessam todos os setores e segmentos dentro das agremiações, inclusive o casal de mestre-sala e porta-bandeira, fato este que possibilita o entendimento de questões políticas, sociais, econômicas, culturais, históricas, entre outros. Ilustrar estas questões aos estudantes tendo como referência situações do seu cotidiano facilitaria a compreensão e entendimento da sua realidade, auxiliando no desenvolvimento da visão crítica e inserindo-os como indivíduo ativo da sua cultura. Podemos considerar que ter impregnado no pavilhão de uma escola de samba a história de uma comunidade traz a riqueza de detalhes da história de cada grupo que compõe a sociedade, isto permite que os estudantes possam compreender e respeitar a diferença de comportamento e gostos de cada um, fato que demonstra a peculiaridade da formação da sociedade, estimulando o respeito à história de cada indivíduo e da coletividade. É comum percebermos a diferença de comportamento dos integrantes de uma escola de samba para outra pelo toque da bateria, pela maneira das baianas se vestirem, pelos enredos propostos pelos carnavalescos e, até mesmo, pela forma que um casal de mestre-sala e porta-bandeira baila. Entender os deveres que a função do casal de mestre-sala e porta-bandeira exige por conduzir a história de uma comunidade traz à tona a reflexão da responsabilidade que um indivíduo deve ter ao assumir o papel de representante de um órgão ou uma instituição, seja em qual esfera for. Analisar com os estudantes esta responsabilidade de se tornar representante permite uma discussão para que eles reflitam no momento em que escolherão seus governantes, como se comportarão ao alcançar um posto de liderança, a preparação que um representante precisa ter para executar determinada função, tudo isso associando à figura do casal de mestre-sala e porta-bandeira que conduz o símbolo maior da agremiação representando toda a comunidade. Através do bailado do casal de mestre-sala e porta-bandeira, além dos benefícios que a dança proporciona na vida de um indivíduo, é possível estimular os estudantes a desenvolverem o empoderamento, palavra e sentimento em evidência na atualidade, através da valorização da sua cultura; possibilitar a criação da sua identidade através da 127 Revista da ABPN • v. 11, Ed. Especial - Caderno Temático: Cultura popular em cena: artes afro diaspóricas • julho de 2019, p. 112-129
análise das suas vivências; elevar a autoestima tendo suas experiências consideradas; permitir que compreendam sua própria realidade através da sua própria história; proporcionar que desenvolvam o respeito às diferenças, dentre outros inúmeros benefícios. Utilizar o bailado do casal de mestre-sala e porta-bandeira como um objeto de estudo que propõe trans e/ou interdisciplinaridade possibilitaria trocas de experiências enriquecedoras e fortalecedoras para a cultura da população negra carioca. REFERÊNCIAS ARAÚJO, Hiram. Carnaval: seis milênios de história. 2. ed. Rio de Janeiro: Gryphus, 2003. CARVALHO, Aloma Fernandes et al. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto: Secretaria do Ensino Fundamental – SEF, 1996. CENTRO CULTURAL CARTOLA (proponente). Dossiê das matrizes do samba, Rio de Janeiro, p.59, janeiro a outubro 2006. CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de. Carnaval carioca: dos bastidores ao desfile. 3. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006 (Coleção História, Cultura e Idéias, v. 6) FERREIRA, Felipe. O livro de ouro do carnaval brasileiro. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. GONÇALVES, Renata de Sá. A dança nobre do carnaval. Rio de Janeiro: Aeroplano Editora, 2010. HALL, Stuart. Notas sobre a desconstrução do ‘popular’. In: SOVIK, Liv (org.). Da Diáspora: identidades e mediações Culturaisl. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003: 231-247 LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1994. (Coleção magistério. 2º grau. Série formação do professor). LOMAKINE, Luciana. Fazer, conhecer, interpretar e apreciar: a dança no contexto da escola. In: SCARPATO, Marta (org.). Educação Física: como planejar as aulas na educação básica. São Paulo: Avercamp, 2007. (Didática na prática) LOURENÇO, Ricardo. Bandeira, porta-bandeira e mestre-sala: elementos de diversas culturas numa tríade soberana nas escolas de samba cariocas, Ver. Textos Escolhidos de cultura e artes populares: estudos de carnaval, Rio de Janeiro, v. 06, p. 07-18, outubro, 2009. MARTINS, Carlos Henrique dos Santos; RIBEIRO, Claudia. CULTURA JUVENIL E ESCOLA: O FUNK COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA E DE IDENTIDADE DA JUVENTUDE NEGRA CARIOCA. Revista da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN), [S.l.], v. 10, n. Ed. Especi, p. 91-108, jun. 2018. ISSN 2177-2770. Disponível em: <http://www.abpnrevista.org.br/revista/index.php/revistaabpn1/article/view/414>.Acesso em: 20 de junho de 2019.
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Recebido em 30/04/2019 Aprovado em: 30/06/2019
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