If ti l cole tlmea: a comemorac;::ao do centenano do reglstro
ta
bem, a
participa~ao,
0 empoderame to e
It U 1111111 10 d, lTlulher nessa construc;::ao Dlvldldo em tres partes,
.... .
. . .. - .- . .. .
nodo, traz pesqUisas e expenenclas da Importancla
I
P
•
• ••
••
quisadores e pesqUisadoras mteressados no
•
••
•
I ' 0 ""IIIIeln"" to do , ulheres do samba tambem como matriz de N
5 sent,do, dlierencla-se de mUitas obras que
que
n~o
conslderam as bambas do samba tam bel
OInO protagonistas neste processo
ilONA NIClNHA DE SANTO AMARO E DONA ZELITA III ' SAIJIIARA: MATRIARCAS NEGRAS DO RECONCAVO
IIAIANO "((J.harina Doring
Eu nasci no Beca do Chapeu. n6s come,:;avamos tocando a tamborete,
os hom ens pegavam caixa de f6sforo e
as mulheres apareciam com
0
pandeiro e a viola, ah!
Sarnb.ivamos ate 0 dia amanhecer
porque mlo existia diferenf(i entre homel1s e mulheres.'
o samba no contexto nacional e baiano o samba de roda do Reconcavo baiano foi a primeira expressao cultural
I
de matriz africana no Brasil reconhecido como Patrimonio [material da Humanidade (SAMBA. .. , 2006) um marco importante num pais com hist6rico de politicas e discursos racistas que procura(va)m omitir, dimi· Don a Zelita de Sa ubara .
• ,7
,
nmr e/ou embranquecer as participa~6es e cria,6es negras na constru,ao
tas com os grandes meios de comunicac;ao de massa, em especial a
sociocultural, estetica e politica. Porem,
debate sobre as express6es e
TV, foi alardeada uma democracia racial tambem singular: dentro do
reivindica,6es negras no contexto do patrimonio imaterial, se diluiram
racialmente democratico Brasil, havia uma nac;ao cultural diferen-
na recep,ao e percep~ao de diversos atores, ate mesmo na Bahia que
ciada cuja democracia havia sido construida de forma especialmente
ostenta uma imagem diversificada e negro.mesti,a, pelo menos nas apa·
emotiva, pulsante e festiva. Tendo sido expropriado de seu potencial
rencias. Durante decadas, a Bahia - sinonimo para a grande Salvador e
simb6lico de resistencia e contestac;ao ao processo de explorac;ao
o Reconcavo na visao midiatica e turistica - passou por urn imaginario
do 'hornem pelo homern',
pasteurizado, dirigido por uma elite politica que representou as culturas
constituido como patrimonio cultural baiano e sobre ele operaram as
populares como folclore, sem articula~ao e representa,ao politica.
16gicas do capital, a media,ao monetaria e a afirma,'o discursiva da
0
0
harmonia racial. (OLIVEIRA,
complexo cultural negro·diasporico foi
2013,
p. 125)
No caso do Maranhao, por exemplo, Jose Samey e Roseane Samey construiram, aD lango de tres decadas, uma rela<;ao de aparente cum-
Obviamente, a Bahia nao seria urn caso isolado e sim, urn caso
que nao os
exemplar no contexto nacional e historico, que queria promover uma in·
estado entre os mais injustos socialmente do
tegra,ao pelo mito da "democracia racial", justamente utilizando as pra-
pais, com os piares indices nacionais de desenvolvimento humano.
ticas culturais e esteticas dos povos negros na diaspora africana, denomi·
E muitos mestres e mestras da Bahia foram tambem cooptados pelo
mesmo tipo de populismo corrupto capitaneado por Antonio Carlos
nadas por Carvalho (2001, p. 439) de "textos orais e rituais de encontro colonial". A era Vargas foi marcada pela busca de forjar uma identidade
Magalhaes. Ao longo de quarenta anos 0 carlismo conseguiu projetar
cultural brasileira nacional, que incluia simbolos culturais considerados
uma imagem espetacularizada da chamada 'cultura popular baiana'.
mesti~os:
(CARVALHO, zoro, p. 53-54)
tre outros que destacaram a contribui,ao da cultura negra para a cultura
plicidade com mestres e mestras da cultura popular,
impediu de deixar
0
0
samba, futebol, capoeira, inspirado em Freyre, Rodrigues, en·
brasileira, prevendo A baianidade enquanto conceito constituinte do Ser baiano, incluia a presen,a dos negros, como urn ingrediente apimentado, urn contraste colorido e sorridente ("sorria, voce esta na Bahia'): urn cenario com mu· sicalidade e performance, exemplificado entre outros, pelo berimbau da capoeira e pela mulher negra, a "Baiana", representada com torso, saia larga e colorida ou branca, recheada de renda e enfeitada com mi~angas, colares e balangandas. Entre
0
'contraste negro' a 'docilidade baiana', conhldo, podemos
identificar a media,ao do Estado, engajado na constituic;ao de uma imagem morena para a Bahia. Assim, e servindo-se das alian<;as fei-
0
surgimento do "homem novo" a partir da misci·
gena,ao. lniciou·se a ascensao do samba carioca como genero musical nacional, junto com a crescente divulga,'o comercial e midiatica da mu· sica (radio, tocador de disco, televisao). Jurema Werneck (2007) observa que, ao longo dos processos pela defini~ao de uma cultura nacional, que nao pode mais ignorar as culturas negras, se preservou a hegemonia eu· rocentrica e sua tentativa de explicar e determinar as identidades negras, porem, provocando uma busca identitaria nas comunidades e organiza· ,6es negras: Tais iniciativas assinalam a movimentac;ao da elite eurocentrica no Brasil da ('pot'a para circlll1screver a presenc;a negra em urn modelo
explicativo adequado a preserva,ao da branquitude e a continuidade
~omo os batuques. a capoeira, a forma de participac;ao no carnaval e
da segrega,ao da ra,a negra. la para a popula,ao negra,
cenario da
a religiosidade incomodavam. Essas expressoes chegaram a ser proi-
ra,a e das elucubra,oes intelectuais que deram origem a diferentes
bidas e perseguidas policialmente em diversas epocas, senda uma
propostas de assimila,ilo do negro
a sodedade
0
brasileira sob con-
das rnais persegilldas justamente as praticas religiosas. (MARIANO,
di,aes especificas, demandava estrategias de autoafirma,ao que ex.
2009
p.
IO)
pressassem singularidades opostas nao apenas aos brancos, como
De certa forma,
principalmente aos modelos de negritude inventados par estes. Ou, retornando ao conceito proposto por Sueli Carneiro,
e passivel dizer
0
discurso da baianidade deu continuidade nas
poHticas de camavalizac;ao, na
promoc;~o
(inter-)nadonal da musica
que nas primeiras decadas do seculo vinte no Brasil estavam em de~
axe e mesmo na patrimonializa,ao, levaudo a valorizac;ao e promo,ao
senvolvimento as articula,aes que vao garantir a efetividade do dis-
de muitas express5es culturais e artisticas baianas, porem, novamente
positivQ de racialidade nao apenas a partir das iniciativas eurocentri~
contribuindo com a agenda do embranquedmento e a diluic;ao das rein-
cas, como tambem atraves das respostas e resistencias dos diferentes
vindicac;oes e representa,5es negras pelos proprios autores. Ao mesmo
que marcara as relas:oes sociais no pais ao lango de
tempo em que movimentos politicos e culturais conquistaram seu espa-
gropos negros,
0
todo 0 seculo. (WERNECK,
2007,
p. 8)
~o
enquanto expressao e presenc;a negras, tiveram !tem que lutar contra
a coopta,~o da cultura hegemonica que propaga(va) a visao idealizada da Na Bahia, foi surgindo a celebra,ilo da baianidade, enquanto ideia de urn sincretismo negro e branco-mesti,o, enalteddo por Caymrni,
<:ontra nas expressoes cenico-musicais wn campo de "batalha" e!ou "ne-
Amado, Caribe entre outros, devido ao entrosamento de intelectuais e
I-(0oac;;;o", sujeito a interpretac;oes criticas e!ou positivistas, como aponta
artistas com 0 candomble e as festas populares, aos poucos incorporan.
I.ima (20I3, p. I35):
"democrada radal" no camaval e em outras pautas midiaticas, 0 que en-
do, varios modos de vida, sabores, falares e esteticas afro-baianas no consenso cultural baiano comum. A idealizac;ao e exotizac;ao do "ingrediente
Enfim, se
negro", nao impedia que as pessoas negras, continuassem sendo indese-
cal nacional e mestic;o, par urn lado, ataca perigosos essencialisrnos
jadas pela elite branca, urn fenomeno novo e antigo: "cultura negra sem
em torno de constrw;6es como 'ra~a', 'musica negra' ou 'Africa', por
negros",2
DutrO
0
tr.balho de constru,ao do samba como genero musi·
lado, tern se mostrado insuficientemente critico em
rela~ao
Efetivamente, como a elite local ainda sonhav. com urn projeto civi-
a permanencia de estrategias de domina~ao e subordinac;ao intrinsecas a musica negro-africana. Esta musica, se e urn campo hibri-
lizat6rio que <embranquecesse' a Bahia, que expurgasse as referen.
do, e tambem urn campo min.do. Muito diferente do que pens.m
das e ate a presen~ dos negros - que se tornaram, de repente. imi-
autores como Goli Guerreiro. tal musica
grantes indesejaveis -, as expressoes culturais de origem africana,
tambores
e uma 'trama' em que as negro-africanos nao sao protagonistas, e uma 'trama', ao
(ontrario, que faz submergir urn engenhoso, auto-reflexivo e contiPara mais informar;oes acesse: <http://VfflW.geledcs,o rg.nrjdcs apropriacao_cu[tural -prcta-nos-espacos-negros/>.
Illl0
110
programa de rcinvcn~ao de Africa e da condic;ao negro-africana
Br:n·j il. I\.
tnuIW,';'IO
dt'stc programa como 'mediac,;ao transcultural',
, seja no 'espirito do camaval', no 'espirito do samba nacional' ou do
nuindo a espac;o e a importancia das mulheres nas tradic;6es negras que
'haiano cordial e mesti~o' sublima horrores e desigualdades sociais generalizadas, que, se n~o s~o explicitadas na vida publica e parti-
se definiram pela participaC;ao e convivenda em comunidade, em roda:
cular nacionais como odic racial. acabam senda consenso pacifico e absolutizante entre agentes e pens adores sociais que mutuamente
Aroda, esta movimenta\-3.o interativa, relacional. pede ser vista tam-
bern nas formas publicas de
dan~a
e canto, com ou sem umbigada,
correspondem posi~oes de enuncia~ao, um determinado quadro de pensamento e agenda politico-cultural.
onde havia a participa~ao de mulheres e hom ens. Aparentcmente, foi ao longo do movimento de negocia~ao das formas de expressao negras com a sociedade branca e do processo de hibridiza~o que
Ao longo da historiografia e antropologia dos muitos sambas brasileiros, como da afirma~ao das cultm-as e identidades negras brasileiras,
esta negocia~iio requisitou, que a modemiza,ao cultural implicou tambem num movimento de destitui~ao dos poderes das mulheres
ao lado de debates e
rela~6es
raciais conflitantes e permanentes sobre
direitos, afirma~oes , representa~oes e espa~os negros, gerenciados e dirigidos por lideran~as negras, sm-gem novas protagonistas no campo cultural, que raramente tiveram voz evidenciada, por serem negras e muIheres! A luta pelo reconhecimento do samba na cultura nacionallevou a profis sionaliza~ao dos musicos, dando destaque para compositores, letristas e eximios instrmnentalistas, cada vez mais afastando a imporlAncia e participa~ao das mulheres negras no processo constituinte do samba, onde elas continuavam como "Baiana", uTia", "Mae", reduzindo seu papel a varios estereotipos reunidos em torno da mulher em geral, e da mulher negra em especial, porque carrega consigo a conota~ao de seculos de escravatura, confinando a mulher negra ao lugar da "ama de leite", "reprodutora", "cuidadora", "cozinheira" ou entao objeto sexual entre outros_ Embora exista um lugar mitificado para a mulher negra na historiografia do samba, ele continua com urn rosto masculino e mestic;o, devido a sua mitificac;ao historica e cronologia bem desenhada, enquanto genero da Musica Popular Brasileira (MPB), tratado nas fontes historicas como "evoluc;ao" musical. Aos poucos, se apagaram a originalidade e complexidade das matrizes cenico-poetico-musicais negras, tais como no samba de roda, no batuque, no jongo entre outros, e com isso, dimi-
negras e seu afastamento das possibilidades de manejo das diferentes t<'cnicas envolvidas na
realiza~o
do samba. (WERNECK,
200 7,
p. 12 4)
Na construc;ao historica do "samba brasileiro", as mulheres participavam como compositoras, cantoras, poetisas, dan~arinas e instrumentistas nas rodas de samba, mas ao longo da c!isputa por reconhecimento e espac;o na sociedade branco-mestic;a, os homens se sobressairam, ate porque, nurna sociedade patriarcal. as mulheres sambistas cuida(va) III dos filhos, dos espac;os, da comida e indumentaria e sobretudo, do bem-estar desses homens. Quando 0 processo historico afirma 0 samba carioca como samba autoral e genero musical, 0 afastamento do contexto comunitario se conclui, e as mulheres negras permanecem, na sua grande maioria, no fundo: na cozinha e no decorativo. Contudo, a historia do samba evidenciou grandes cantoras e compositoras negras (Clementina de Jestls, Dona Ivone Lara, Clara Nunes, Gloria Bomfim, Akione, Javelina Perola Negra, Elza Soares, Leci Brandao, Mart'naJia ('te), queridas e admiradas pelas comunidades negras, e pelos amantes do samba e da MPB, no Brasil e alem das suas fronteiras, 0 que tern , id" cada vez mais pesquisadas, discutidas e colocadas em evidencia, em Ir.,ldh", importa"L!" nos (Iltimos anos. (BRASIL, I'E llI \lRA,
""1"; WEIlNl iCK, 2.007)
2013;
GOMES,
20n;
A mulher no samba de roda No samba de roda. percebe-se a participa~ao ativa das sambadeiras. personalidades fortes. que nao tem em se posicionar e tomar a palavra no m eio dos sambadores. 0 que indica que se manteve. em boa parte. 0 sentido comunitario do samba de roda e urn lugar de destaque para as mulheres negras. Urn [ato hist6rico marcante. tern sido 0 titulo de Doutora
Honoris Causa.' entregue para a sambadeira e compositora Dona Dalva de Cachoeira. pela Universidade Federal do Rec6ncavo Baiano (UFRB). no ano 20I2 . 4 aclamado por unanimidade pela comunidade e pelos sam· badores. os quais enfatizam a importancia da mulher no samba. tanto no papel tradicional de sambadeira (dan~arina). assim como no de cantora e tocadora. Percebe-se a aprova~ao da expressao singular do feminino na roda com sonoros com entarios e vocalizes ritmicos. gaiatos e irreverentes para instigar a sambadeira. Para 0 sambador )oao do Boi.' as mulheres sao tudo: "eu gosto de ver mulher peneirar. gosto mesmo!" e acrescenta que sempre tiveram sambadeiras que tocavam instrumentos e cantavam chula:
Jri cansei de auvir mulher toear viola. Ern Santo Amaro tinha urna mulher. cham,ada Luzia, nito tinha medo de sentar com os homens, CUJuela velha com 0 Para mais i nforma~oes acesse: <httPS://wwwl, ufrb.ed u.brjpo rtalj noticias/3048-dona-dalva-do-samba-de-roda.recebe-primeiro-titulo-doutora-honoris-causa-conced ido-pela-ufrb e 0 documenta.rio::> e <https:j/www.youtube.com/watch?v=OlpgnvHMFK8>.
4
Iniciativa do professor etnomusic61ogo Dr. Xavier Vatin, en tao diretor do CAH L- UFRB. As falas dos entrevistados (oram coletadas em diferentes mom entos da pe squ isa . De setembro a novembro de 2004 (oram entrevistados para a ProJeto Toques e Trocas Gerson Francisco da Anuncia~ao (M estre Quadrado da Ilha de Itaparica) e Aurinda Raimunda da Anunciat;ao (Don a Aurinda da II ha de Itaparica). De setembro a novembro de 2008 foram entrevistados para 0 Projeto Cantadorde Chula Joao Saturno (Joao do Boi, de Sao Braz em Santo Amaro) e Joselita Moreira da Silva (Dona Zelita de Saubara). Em 2015, para 0 Projeto Mulheres do Samba de Rodo, foram entrevistadas Maria Anna Moreira do RosMio (Dona Anna do Rosario, de Sa ubara), Beren ice Borges dos Reis (Dona Biu. de S;Io Fr;mcisco (In Conde) (~Maria Eunice Martins Luz (Dona Nicinl-l<l , de Santo Amaro), 1",lil(ll1l1l1i1 I ; Ullh~1I1 I'lItrt ~ w, tilda para a Cartilha do Swnll(l U,IIIII
'violao. E tern mulher que pega no pal1deiro, ea mesma coisa que homem, ainda
tern aqui. Dora mesmo. toea pandeiro e grita chula. ten> mulher que toea mareaf<1o tambtim. acompanha homem ate de manhJ... Toda vida leve 0 neg6cio d<J prato no samba com a Jaw. as mulher pega 0 prato. segura no boca do prato. aquilo ali eque mesmo que urn pandeiro, a marcayao boa!
Mestre Quadrado relata que conhecia v:irias mulheres na lIha de Itaparica que cantavam chula e que uma delas. tambem de nome Luzia. se destacava corn seu timbre de voz expressivo. marcando sua infancia e m emoria do samba. quando assistia os sambadores antigos. espiando pela sua janela: "Desde menino que eu sambo. da Janda ficava assim assistindo finado Manuel Zambeta. 0 finado Vitaliano que era a segunda dele. e a finada Luzia. De hoje pra amanhil esses tres amanheciam a dia sambando!" Aurino da viola de Maracangalha responde corn naturalidade e orgulho sobre suas referencias no samba: "Heran,a de Jamaia! Meu pai tocava. minha mile tocava. meu irmilo. todo mundo tocava viola. corda!" A m:ie de Amino tocava viola machete porque foi a tradi~ao da familia: "Clarindo era irmilo da minha mae. ele Jazia viola. vendia muita viola em Maracangalha!". Ele confirma que nao era surpresa naquele tempo. da mulher tocar viola e cantar chula. mesmo que na roda de samba. 0 lugar da mulher era mais "no sapateado". Domingos Preto de Santiago do 19uape gosta. quando ve as mulheres toeando e tirando chula. e no seu glUpO Geragiio do 19uape. uma mulher toea os instrurnentos de percussao: "Sim. a Rosinha. ela toea
pandeiro. timbau. maraca. ela toea tudo e muito bem! A primeira vez que vi mulher toear pandeiro,foi em Saubara!" As sambadeiras de Saubara tocam instrumentos e cantam chula: " Eu tinha uma tia que cantava chula igual a um homem. Era a tia Rosa. Aqui sempre teve quem cantasse. tocava pandeiro. pegava no lambor!" Zelita aprendeu cantigas. toadas e chulas na infancia pelo ouvido e cria versos novos: "tem uma chula que criei baseada na minha propria vida: Eu nasci la em Saubara.... Pra quem me conhece, sou filha de louo e Ftll..."
s~o
somente alguns depoimentos, colhidos nos wtimos anos, por-
que existem poucas pesquisas sobre mulheres negras nas
tradi~6es
ce-
,
Zelita que toca prato-e-faca e pandeiro, canta e eompoe chula, responde (improvisa) no relativo e no desafio, explica os estilos de samba e que
0
nico-musicais e sobre 0 patrimonio imaterial de m atriz africana, como
samba de parada e mais calmo e abafado no som dos pandeiros, do que
no samba de roda, jon go, tambar de crioula, coco, carimbo entre outras.
o samba amarrado que foca mais no toque da viola. Ela diferencia os
musicas-dan~as
negras, as mulheres se revelam participantes, em
diversos tons de toear e a£inar a viola: "0 samba de parada e toque surdo.
aparente equilibrio com os homens, representando momentos ludicos
o samba amarrado vai depender da viola_ A viola machete tem urn toque que
de enconh'o, prazer e encantamento e nota-se a presen~a engajada dessas sambadeiras, as quais, no entanto, parecem estar muito mais no plano
se chama rio abaixo, travessa, afina9ao, 0 samba de pandeiro e a viola travessa pm quem sabe tocar, levanta a pessoa da camal", porque a viola teria 0
decorativo do que no plano criativo e musical. A etnomusic610ga Jorgete
papel de seduzir - chamar a mulher ao pe da viola:
Nas
Lago (20[4, p. 3395-3396), chama aten~~o pela fundamental importfmcia das mulheres para a constru~ao e coesao das musicas-dan~as negras e pela necessidade de ( ... J
Um violeiro quando tocava direitinho t chamava a mulher sambadeira pr6ximo
da viola, urn jelto de chamaI' a pessoa n.a prima, ou soja, saitoI' no pe do viola, mesmo sem querer,faz a gente sapatear. 0 samba eo pe no chao, nao como esse
re£letir sobre a importincia das mulheres/mestras na manuten-
povo samba. A pmoa mexe 56 a parte de baixo!
,ao e divulga,ao das proticas musicais tradicionais na cultura popular em Belem. Mulheres na sua maioria. negras au caboclas. prove-
Sua irma, Dona Anna explica que muitas letras foram inventadas
nientes de estratos sociais desprivilegiados. moradoras de bairlos au
no meio da roda cantada, para dar um recado ou combinar urn encontro
comunidades pobres e que sao invisibilizadas, tanto na sua condi~ao
amoroso escondido. 0 sotaque engra~ado vem no final da estrofe, como
como sujeita e ddada, quanta na sua fun<;iio de transmissoras e man-
no samba Nega Danada que conta de uma mulher casada, que tern urn
tenedoras da cultura popular belenense.
amante e procura apagar seus rastros: "Cade a chave Nega, Ii a historia de
um projeto que registrou [6 samhadeiras do Reconcavo, resultando num
uma mulher que Ii louca pOl' samba. Quando foi pro samba, trancou a casa e deixou 0 marido na rua; de vai ao Sell encontro e pergunta cade a Ghave? Ela I'esponde: 0 mell Deus, perdi a chave em casa!" Dona Biu prefere 0 samba corrido, porque "gosto aquele solto, mais quente, 0 samba Gorrido, que vai ld nos tocador, smva 0 tocador, salva a viola, salva des todos ali sentados, volta na roda, ai, comef<' 0 samba no pem , e conta
Iivro e documentario. (BARRETO; RosARIO, 20I5) As mulheres detem
que antigamente no samba de roda tinha detalhes que sao esquecidos:
('ximios conhecimentos cenico-musicais que passam despercebidos do
"Tenho tambim 0 Gortajaca que hoje nao se faz rnais esse samba, i assim! Sambando com dois bico, com calcanhar no bico do pe, a gente sambava muito, a maioria do pessoal que ensinou a gente, falecell." 0 samba-dialogo entre
No samba de roda, vemos mulheres n egras fortes na performance, com saias coloridas, vozes, palmas, pes, gestos e rostos expressivos_ Pouco se sabe, do singular feminino, das suas trajet6rias e hist6rias, motiva~6es e
participa~oes
nas
mUsicas/dan~as:
urn tema que foi aprofundado par
lauo dos homens_ Dona Aurinda toca prato-e-faca com requinte e ensina os s<'gr('dos do prato que estao relacionados com as "I\'(lli
/'.'I'I[
£I",,, .''''''1: de tanto toeal' a ".'111((//'. am/lao
d"III/" tI" /III:({I' tI" 1'1'11/". () ""11"//1' ((1',11)(1((
varia~6es
sonoras:
Dois som diferente depenIII/IIi. ('n/ao n.ao sai IUII/"". IJoila
a pocsia,
0
som e
0
corpo, representa um campo profundo de conhed-
Ilwntos e ~xp""it'llcias vividas
aD
longo de seculos, que significa muito
mais do que urn corpo feminino sedutor num momenta de paquera, porque relata a experiencia negra na diaspora africana, tanto nos corpos masculinas como nos femininos. E ainda testemunha a expressao sin· gular de urna musicalidade corporificada no coletivo que nao segue uma logica musical reducionista (musica = instrumento/ partitura/ sala de concerto) :
negr~s como principal espa<;o que thes restava para manter sua identida-
Lendo 0 que Gilroy (2001), Miller (2004), Lock (1999) e outros au·
corporal. A etnografia da milsica e dan,a dos afrodescendentes no
tares que escreveram sobre a importancia da musica na hist6ria dos
Brasil e particularmente rica em exemplos de fafmas ritualizadas de
pavos negros, sinto emergir
process os de incorpora<;ao de mem6rias sociais anti-hegemonicos.
senta~ao
0
de, dignidade e resistencia, segundo Reily (20I4, p. II): Os grupos subahemos se engajam ativarnente para reter algum cantrale sabre suas memorias corporais desenvolvendo praticas de
incorporac;ao proprias. Contextos envolvendo musica e danc;a sao esferas particularmente eficazes para a socializa<;ao da contra-mem6ria
risco do estere6tipo, da hiper.repre-
que essa associa~ao pade suscitar, Mas tambem nascer uma
outra possibilidade de Ieitura, que resolvi arriscar e pensar: tomar essa expressao negra nas multiplas politicas que ela cria: da ten sao entre Ietra e musica mantida pela can,ao (numa chave pr6xima proposta Iiteraria de Morrison)
a
a cria,ao de urn corpo que vai alem
das suas qualidades corp6reas. [... J Cria,ao realizada por urn povo qu e precisou e precis a incessantemente resistir a ser reduzido a urn
corpo fisico. organico. Pensar, entao, a musica como uma criac;ao,
Nesse sentido, as mulheres negras exercem urn pape! fundamental pe!a preserva<;ao da memoria encorpada e significante das comunidades negras que passa de uma gera,ao para outra: das mulheres para as crian,as, a experiencia primordial no samba de roda proporciona 0 bern-cstar no corpo, na alma da mulher, honrando a memoria nas celulas do povo negro, sua resistencia aos padroes corporais hegemonicos, brancos c adestrados e urn destaque para a expressao do feminino:
uma decisao estetica e politica que abre espal'o para singularidades,
Esta articula,ao total do corpo pode ser considerada uma consequen·
diferenc;as intensiv3s, e que cria uma resistencia politica que abre
cia natural da participac;ao integra e apaixonada dos sambadores em
mao da identifica,ao. (RODRIGUES, 201l, p. 22-23)
suas performances. Como bern explicou a sambadeira Alva Celia
Compreender essa "cria~ao musical", enquanto "decisao estetica e politica", que fala pelo coletivo, preservando suas heran~as e sabedorias, mas que continua sendo acolhedora pelas diferen~as singulares, significa uma chave de codifica,ao para muitas dan,as/musicas/poesias da diaspora africana. Considero de profunda import:incia, construir uma ponte entre os estudos culturais, as teorias contemporaneas de cogni<;ao, percep<;ao e expressao, e os mUltiplos saberes corporificados da tradi,ao oral. A experiencia da escravatura transatlantica representa a memoria social, estetica e espiritual, preservada nas ceIulas e cria<;oes dos povos
Medeiros [... J: '0 samba de roda, pra mim, que mexe com
0
e algo espontaneo, Ii algo
(Ora<;30, mexe com 0 cor po, mexe com a mente.
mexe com toda a estrutur. nossa" (SAMBA ... , 2006)
Quem sao essas mulheres sambadeiras, como sao suas expelienrias, "estruturas" e seus anseios? Qual e 0 pape! do samba de roda nas suas vidas e como e que ele as influencia e contribui para suas escolhas, ;Itiludes, personalidades femininas? Quando Alva Celia fala do "nos so", 1"'l'cebc-se no olhar e sorriso urn segredo que conta de urn fator identi· "
\)(!scric;.J9 de Ora. Suzana Martins.
tario duplo: ser negra e mulher! Esse texto dedica, portanto, urn espa~o para as muJheres negras sambadeiras, em especial para Dona Nicinba, do Samba Raizes de Santo Amaro, e Dona Zelita, do Samba de Raparigas e da
Chegan~a
2016,
de Saubara, que viajou para 0 Orun no dia 24 de mar~o de em missilo cumprida.
Dona Nicinha do Samba Maria Eunice Martins Luz, a famosa Nicinha do Samba, nasceu em 17 de outubro 1949 em Santo Amaro, no Reconcavo baiano. Seus pais foram Antonio Martins e Maria de Jesus Assis, sendo ela criada pela mae que trabalhava duro, lavando roupa.
Fui "judar mi"ha mile na roupa de ganho, ia pro mangue catar mape, catar caranguejo. tudo eu sei fazer... Sara quatro horas da ma"h4, catava quiabo, am>d, iet vel>der em Salvador, SiUJ Caetano, diet de domi"go, vendia em Silo joaquim.
I
da Queima da Palhinha.' "Era muita men ina que tinha esse pedido para se casar, ai, todo mundo se interessava, nao era eu so, nao, era muita gente!" Depois dos versos e pedidos, todos caiam no samba de roda ate altas horas da manha:, como era 0 costume nas noites de reza para Santo Antonio, Santa Barbara, Sao Roque, as festas de caruru para Sao Cosme (! Damiao. Nicinha sambava e jogava maculele desde pequena, que runguem a impedia por ser menina: "na epoca nao tinha muita menina, mas
todo m"ndo pulava, como Luiza, Marinalva ... era permitido, era, porq"e toda vida macule!e tinha mulher pra cantal; botava as mulher pra cantar... " Nicinha vivia uma vida humilde, porem feliz, na comunidade do Pilar em Santo Amaro, urn pequeno celeiro da cultura popular: "peguei o lindroamor, daqui do Pila,; e 0 Bembi do mercado foi feito com 0 povo do Pilar e do Ilha do Dende, tiltha 0 Joao de Deus, tocadores bom, Cipriano, IIgostinho, irmao do Mestre Felipe, esse povo antigo!". Jovem, bonita e sensual, participativa do samba e rnacuJeJe e foi assim que conheceu seu marido, 0 mestre Vava da Capoeira: All! "0 samba, minlla filha, no msaio de samba e de maculele, no Trapiche d.
Nicinha sente muita falta da sua mae que faleceu no ano 1988 e conta que "ela era muito religiosa. Tinha devo~ilo com Sao Roque, Santa Barbara, rezava Sao Jose, era muito devota, mas nao sabia sambar - a casa de minha mae parecia uma igreja, mas 0 problema dela, nao foi pelo amor, foi pela dor, ai, ela se entregou a Deus!" Nicinha lembra que sua infancia era dificil "que a pobreza era muita, era muito caro~o de jaca
que a gente comia, muita banana verde, criava galinha no quintal pra comer os ovos!" A vida era na base da improvisa~ao e simplicidade: "Tudo era de saco de farinha: toalha, len~ol, vestido, era chita, era tamaneo e todo mundo era feliz, "sava fogao de lenha e 56 alegria!" Ela gostava de armar lapinha, fazia presepio com revistas, criantlo 1"'11<'1 machi, formando liguras e casas. As crian~:a s p"I.\avalll as li,lhas d,· SilO <:on~alinho, Pitanga e Nana 110 mato, porqll(' ('fa 1111101 I I'ildi,••lo d,t! i IHClI,a!: ( ' "h' it~lrcm c parliciparcm
Baixo, em 1967, na escola Prado Valadares. Convivi com cle
22
anos ... , mas
de morreu sendo meu amigo, porque meu »Iarido, pai dos m.us jUhas, foi urn
grande professor da minha vida! Mestre Vava foi mho de Popa,
0
condutor de trole de Santo Amaro
'i "" salvaguardou 0 maculele: Nora de Popo, a famoso condulor de !role de Santo Amaro que resgatou e imortalizou
0
maculele, Maria Eunice Luz ou simplesmen te
Nicinha, conta que 0 samba-de-roda foi ganhando espal'o aos poucos 1\ Qucima da Palhinha, tradir;iIo centen;\ria que encerra 0 cicio de festas natalinas "as cid<ldcs do interior do Nordeste, acontece ap6s as festas de (eis e consiste na incinera· \',io das palhas dos p res~pios onde esteve deitada a imagem do Menino Jesus. Tradi4j:ao hfhrid" c flo Giiolicismo popular, a cclcbrat;ao ~ praticada par razOes religiosas e envolVI· It;l lladc)'. c ~ c.:a ntorias que lau va m () Il;l o.;t:i mcnta de Jesus.
,
no grupo Maculele e Samba de Roda de Santo Amaro, que ja existe ha decadas, com diferentes nomes. 'Era s6 urn sambinha depois do maculele. Ai, a professora Maria Mutti teve a ideia de fazermos urn gru-
gente foi!" Foi nessa viagem que ela conheceu 0 etnomusicologo Tiago de
po de samba'. 0 grupo cresceu e hoje 'ja tern 30, mas deveria ser s6
15 pessoas. Se for fazer vontade, Santo Amaro toda edo grupo', conta
" descrevendo 0 samba de roda, a capoeira e 0 candomble, em textos, fotos, transcri,5es musicais e depoimentos, como tern sido praticados
e que desde 1982 come, aram as via-
pela popula,ao negra e rural, num tempo que essa cultura ainda nao
gens internacionais, que ja os levaram aos Estados Unidos, Africa e
loi exposta ao apelo midiatico e imaginario turistico. Tiago de Oliveira Pinto trabalhou com Vava e Nicinha em suas pesquisas etnomusicolo~icas, conhecendo pessoas e culturas locais, mas tambem se tomou urn IiIho para Nicinha, mantendo os vinculos familiares e ajudando sempre. 8
ela. Urn dos grandes atralivos
varios paises da Europa. Segundo ela, no rec6ncavo, todos ja nascem
sambando: 'as mais velhos naG param pra ensinar, vern do sangue'.
(MARIANO, 2002)
Oliveira Pinto, que durante varios anos, realizou uma pesquisa de campo detalhada na regiao da cana, em Santo Amaro e Terra Nova, registrando
Elc organiza regularmente excursoes de pesquisa com estudantes da A Cas a do Samba, em Santo Amaro, 0 velho Solar Subae, reformado pelo [PHAN, no programa MONUMENTA e entregue aos sambadores no ano 2007, ja foi moradia de Dona Nicinha e sua familia nos anos 1960 e 1970, porque seu marido Vava era vigia naqueJa casa. Eles apro-
veitaram 0 espa,o amplo para ensaiarem 0 samba de roda e 0 maculeIe com crian,as e jovens, sem apoio olicial, 0 que levou a fimda,ao do
Universidade em Weimar', assim como viagens de Nicinha e do Samba liaizes de Santo Amaro para Alemanha,'o para se apresentar, e interagir wm os estudantes. Alem das viagens para 0 exterior, Nicinha viaja com rrcquencia para outros nueleos da cultura negra e baiana em Sao Paulo, II io de Janeiro e Belo Horizonte: Tern urn projeto que os meninos esti/o fazendo let em Sao Bernardo que foi no
grupo Netos de Popo, que se dedicou ao trabalho com samba de roda, capoeira, maculele e afoxe: "N6s saimos em 23 de junho de 1978 da Casa do
ana passado, 0 povo t6. doido pra eu ir novamente,ja marcou a data de viagem,
Samba, ... porque ele era vigia e eu foi momdol'a daquela easa, momva mais ete, Guegueu e Valmir! Valmil' tava com 4 anOS e Guegueu tava com 7 anos, af, nOS salmos, as Netas de Pop6!" Alguns anos depois, no ano de 1982, eles
porque
foram procUt'ados por urn gringo que que ria levar 0 grupo para Europa:
ja e reconhecido! Entao Iii fora do Brasil, voce s6 VB gente chorando, 56 pedindo
"Ave Maria ... veio Gigi, irmao de Vava ... eu moraVa nO Pilar, numa casa de taipa, cheia de buraco, de chao, mas cozinha de lenha, lavava na bacia, eagava no pinico, tomava banho de cuia ... mas era s6 alegna! Mas quando o I'apaz chega com Vava ...", Dona Nicinha acompanhou 0 marido com mais 13 integrantes do grupo para essa grande aventura que durou cinco semanas: "Minha filha, a gente viajou, foi pra Italia, foi pm Sulfa, foi pra
Dakar! Foi pra Londres, foi pm Alemanha, aquele muro! ... fol pm Alemanha oriental. Quando n6s foi pm Paris ... menina! Sei que foi sete estado que a
0
povo trata a gente com arnor e carinho, enquanta a gente aqui em
Santo Amaro, nao e reconhecida, pOl' ningut",!... Tenho orgulho de
SCI'
santa-
maren-se, mas a gente nao ereconhecido aqui! Voce sui daqui pm Salvador, voce his, voce 56 VB chorando saudade! epra benzel', t pra fazer, pra aeonteeer!
Apesar das dificuldades que Nicinha pas sou, ela Imlas as alegrias que
" .,
Como p.
eK ,
0
e muito grata por
samba the trouxe: momentos sublimes como
ha tr~s anos atr~s, quando ela sofre urn infarto e teve que passar por uma
drurgia. JJ:1ra mais informac;oes acesse: <https:j/w.Nw,hfm-weimar.dejtranscultural-music-stu-
(I it ~S !lranscu Itu rOll- mus ie-s tud ies.h tm I /I HfM >, ,,' A l',I IItlW VliIp,I'1l1
rOlllO illln ;'>\1]1\,
para a "lunge Nacht der Musikkulturen", em Weimar.
,
Zelita para mim ecomo etn6loga de danga, como diretora artistica de uma com-
na abertura de urn show de Maria Bethania no Teatro Castro Alves, em Salvador. Ela tern 0 desejo de sambar e viajar: "Eu quero epassear!"
panhia de dan-fa afro-brasileira com musica aD vivo. Zelita era nossa doutora de samba, samba mesmo de raiz, do Reconcavo, de Saubara. A minha heranya
Eu gosto de ver, eSamba! Ai, botei meu grupo Nicinho Rafzes de Santo Amaro,
de Zelita, eo jeito que do deu para nos de SAMBAR, miudinho as passos, en-
eregistrado e tudo! Cragas a Deus, tenho meus cantatas, sei fazer meu bordado, amnSSQ meu balTo pm nao tapar a casa com as carayo, porque 0 neg6cio nao e
tendendo a ritmo, sabendo quando era entrar, quando era para ficar ouvindo a musica, ajeito de relaxar a mente e a corpo e deixa a felicidade desta brincadeira
ter grupo, 0 neg6cio If 0 trabalho do grupo! Porque no lugar que eu vou, tern Bis!
(sempre rindo) entra no corpo para se sentir bern. E como ela ria quando acer-
Eu nao sou melhor do que as Qutros, mas eu sei trabalhar!
tamos e quando a gente esta muito Jora da Jonna dela, ela ia mostrar e a gen.te repetiu. As quebradas especialmente e a maneira de tirar a ritmo com passos
pequenos e tambem como rodar mantendo 0 samba no pe. (YUHIN,
Dona Zelita de Saubara Dona Zelita, Joselita Moreira da Silva, era uma das mulheres sambadeiras que sempre sambou, cantou chulas e tocou prato, aII'm de participar ativamente em varias tradi,oes populares de Saubara como a Morujada e o Rancho do Papagaio. Filha de Oxum, parece ser do vento quando 0 assunto eviajar, porque vira-e-mexe, chegando em Saubara, fkava sabendo de que ela estaria viajando: Sao Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte ou Santa Catarina! Ate nos Estados Unidos ela foi, a convite de Linda Yuhin, uma dan,arina americana, sua amiga desde 1986: "Fui com uma amiga, ela morava em Los Angeles e outra em Sao Francisco. Conheci Seattle, fui a Hollywood, andei em uma calqada que s6 tern pe e maos de artistas." Em 1998, Zelita viajou para Los Angeles e San Francisco, onde treinou membros da companhia Viver Brasil, conduziu aulas e palestras de dan,a de samba e de orixas." A partir de 1997, 0 Viver Brasil iniciou 0 progra-
Desde 1997, quando Linda Yuhin ainda trabalhava com 0 projeto Dancing at the Source, ela levou urn grupo de estudantes americanos para Saubara para conhecer 0 samba de roda, e a chegan,a de Sau bara, alem de degustar varios mariscos regionais e comidas tipicas que as marisqueiras preparavam na casa de Dona Zelita. Ela tinha organizado todo passeio, como guia turistica, mostrando a cidade, junto com os veteranos de samba como Joan das Virgens, Dona Anna, Tia Frazinha e Rosildo Rosario, lideran,a jovem da comunidade. Linda e Zelita nunca deixaram dc trabalhar juntas, e no ana 2012, Zelita participou com Nancy de Souza " Silva (Dona Cici) no Cultural Exchange International, de Los Angeles, e a Funda,ao Sacatar na Ilha de Itaparica com 0 projeto As minhas sabias: memorias de sensibilidade corporal da dan<;a afro-brasileira: ZeUta ficou tres semanas contando a hist6ria dela, danyando e cantando. Foi
rna: Bahia Folklorim: the roots of Afro-Brazilian dance and music, do qual Zelita participou com consultora dos professores baianos que ensinaram
muito importante para ela porque
local do Fundorao Socalar era a vdha
depois de muitos anos, ela voltou como a doutora. Ela saiu como a sabia que ela
sempre era! (YUHIN,
Mas Em varias cscolas c na Universidade de Calif6rnia, Los Angeles c no Santa Monica Col/eee.
0
Pousada Quinta Pitanga onde da trabalhou como empregada e quando voltou
percussao, dan,a tradicional e contemporanea da cultura negra baiana. "Ela alfabetizou nos americanos, 0 que era samba e colocou este samba dela em nossos corpos", explica Linda Yuhin, que adora sua metodologia:
"
2016)
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11('111
111.10
2016)
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ilon's na
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vida, porque Dona Zelita foi cria-
na ro,'lI (' lit) Illill" pOI 1IIIlII LlIlllliil Ilt'gril t' pobre, desde pequena tra-
balhando em casa, na enxada, na mare e cuidando dos irmaos. Segunda filha mais velha, Zelita, teve que ajudar sua mae, quando moravam no mato de Catu, onde a pai ro,ava num terreno entre Saubara e Santiago do 19uape: "foi la onde fomos criados no mato, no mato mesmo, plantando, colhendo ... a terra ta la ate hoje e ainda tem muita coisa, que de plantou e ainda tem um pedago do tunel que ele fazia azeite". Os relatos de Zelita sao urna verdadeira aula sobre a agricultura familiar e os trabalhos manuais
contribuiu com a for,a dessa filha que andava de cabe,a erguida numa sociedade racista e no tempo hist6tico machista.
que as pessoas da ro,a e da mare dominavam e com as quais se ocu· pavam, porque ela nunca ficava parada; 0 tempo todo fazendo alguma coisa, para tran,ar palha, bus car ou tratar comida.
Mam.iie me bateu, eu disse assim: Maria val me pagar essa surra que mamlie me
Uma vez, apanJu:i por causa de umas meninas, mocinhas. Elas mexiam cami·
go, a que depois foi fazer queixa a mile dela, que eu tinha batido nela, mas eu nilo bati. Elas me bulirarn, mas eu
n~o
bati nela! Mamile me pegou, me deu
uma surra danada, por causa dessas rnenina. Eu calel a boca, fiquci quieta.
deu. Ai, eno fundo do quintal onde Gui/herme mora, era urn riacho, todo mun· do ia lavar, ate a gente mesma lavalla. A(,Io! que aconteceu, ela fai lavay TOU:pa,
botou a roupa no guardador efoi pm easa almofar. Eu aqui, que jiz, eheguei la A gOltte ia pro mangut buscar ostra, caranguejo, buscar bebefomo, porgue a
na roupa dela, pisei, pisei, mdei a roupa dela teda de lama! Tinha urn lameiro
gente morava muitc longe - no dia que mamite queria comer buscado de ca·
de porco assim que 0 porco tin!.a tornado banho, <nehi a guifa, larguei em cirna
manh~
de Ill, essa hora. mais ou menos, a genie ia
da roupa dessa menina e vim pm. casa, mamtle nesse dia tava parida! A(, ela
ehegando em casa. A marti, quando a mare enehia, a gente safa de Iii cedo, pra carangu~o
ehegou, la vern da com a roupa dizendo , qlle eu ti"ha sujado a roupa e mamde: Zelita, 0 que Maria, foi Zelita nilo, Maria! E af da: Foi Sinlui, [oi sua jilha,
til andando, a gente levava um bocado de caranguejo, viu, pegava e levava ...
Sinha! E ela dis,.: nilofoi nilo Maria! Eu al,fui chegando e disse:fui eu ",esma,
e quando tava
rio tava suo, a gente ia pro rio
mamae, que joguei. foi eu mesmo que sujei e se a senhora me bater par causa
pescar, pescava de balaio, peseava defaixada, de noite... tapava 0 rio, cavar urn
dela, VOl< quebrar a cabefa dela agora no riacho! Nesse dia ... IIi10 apanheil Mas
lugar assim, que desse pra tapar, fazia aquela eerca de palha, tapava daqui pra
se era ela que me bulia que me ehamava: Nega preta! Cabelo dl<ro! Peito pl<ro!
baixo, tapava daqu i pra la. Ele daqui pra cima, ele enehia, daqui pm baixo,
As filha dela, porqlle era gente branca assim da sua cor. Ela me chamava cabelo
a gente ia pescar, pm pegar peixe pra comer. Qu.ando tenninava a pescana,
duro, beifo grande, tudo quanto era ta cha ruim, ela botava em cima de mim.
fa pTa casa, fazer comida com aquila que a gente pegava. Tinha vez que um
AI, pegue',foi, a ving""fa foi mjar a roupa dela!
ranguejo, a gente safa de
vir pro mangue, pegar caranguejo, agora I1tssa epoca mcsmo que
110
verM agora, no verLlo que
0
caranguejo dividia pra duas pessoas, dividia no meio, i! Eu ,,<1'0 fui eriada em ber90 de auro, nao!
Zelita tinha muito arnor pela mae que, apesar da vida dura, tambem parecia compreender a cabe,a dura da filha que nao levava desaforo para casa. Quando nao se comportava, levava surra, muitas vezes injustamen. te, como nurn caso quando sofreu ofensas racistas e ela se vingava do jeito dela, assumindo sua atitude, e a mae parecia compreender. Talvez, a curnplicidade silenciosa da mae, tam bern negra e mulher guerreira,
'iO
•
/)(lJ!(j
NirinJw dl'
,<;" l\~O
Amaro e
DOlIn
ZrL ita d(' SUI/hun!
A familia vivia dividida entre Saubara para fazer as tran,as de pia. ~aba e palmeira, e quando tinha urn trabalho de planta,ao au colheita para fazer, ia pro mate: "passava 15 dias La pelos mato .. . passava um mes, dois meses aqui, ele ia sozinho pm rOiia, dormia por la, a gente ficava aqui, cozendo tranca, depois ele vinna, pegava a gente levava pra roga, mamae ia, levava a gente, e nisso a gente ia crescendo assim ... " Zelita foi para ro,a aju·
dar, segll illuo a vida dura das mulheres negras da sua regiao, trabalhando mill<> hOIl1,('1l1 ,! clIidando dos Qutros como mulher.
,
Niio tive infdncia de dizer que tinha lazer pra i,. brincar.. pra ir sambar. .. Pra ir
quarto, que era pro quando ell chegar, ele me bater. enegud, tava deitado, todo
pro samba, eu ia, eu fugia e 0 samba der~tro de casal Mas pra dizer assim: Ah,
desconJuntado, ali
eu era avontade? .. muitas men-in-as que vejo ai, pela rua avontade, nao! a gente
de la, dormindo ...
HO
banco donnindo, eu passel por cima pm donnir, larguei
nunca teve isso, nem meus irmaos homem, nao tinha isso nao! Que des achou,
lado do fomo! ... Que tive, foi muito traballto de enxada - pegar agua, subir, a
Parece que surra nenhuma podia afastar Zelita do samba de roda, porque ela era obstinada e irreverente, embora boa Irabalhadora, que de resto obedecia aos pais. Mas ela ja nasceu desse jeito gaiato e divertido, e sabia no seu cora~ao e corpo, do seu dom para sambar, que era urn chamado forte: Se falava em samba, ela jogava tudo pro alto e ate esqueda
fonte era l6 em baixo, na boca da mata, a gente subia essa ladeira com a lata
que tinha pais:
foi muito traballto! Fazer carvilo, !lao t brincadeira! A gente fez muito carvao! Muito azeite, de dendi, a gente,flumo muito azeite, eu ralei muita maruiioca,
eu cevel muita mandioca, eu tonoei muita farinha, naquele tempo era os cuixote
de sabao, eu subia em cima do caixote de sabilo, pm torrar fari"na, sentada do
de agua na cabefa, pra vim pegar carotio aqui em cima, oil Nao tive infoncia!
A Iradi~ao de rezar Santo Antonio, antigamente eram 13 noites de reza, sendo que nos Ultimos Ires dias fazia urn samba que durava Ires dias sem parar: os homens se revezavam para comer e tirar urn cochilo, mas 0 samba nao parava durante tres dias, ate 0 dia '3 de junho. Zelita, desde pequena, tinha urn dom para Sam bar e cantar e seu ti~ gostava disso, porque alegrava 0 Irabalho duro da r~a e "ele dizia assim que aftllta de Joao tel na rOfa! Eu 56 tenho alegria quando vqo essa menina af! - Porque eu cantava 0 dia inteiro!... cantava boi, cantava roda, cantava samba ...
0
que
viesse pra eu cantar, cantava!". Sua fama se espalhou e a vizinhan~a pedia
aos seus pais que ela pudesse animar as rezas de caruru e Santo Antonio na casa dos outros, mas 0 pai na~ queria permitir, 0 que nao foi impedimento para ela, escapando as escondidas: Apanhei muito! Que eu era muito danada, isso nao nego pra n.lf~gz.tem, apanhei mesmo. Quando ouvia a zoada de urn samba assim, que tava aqui, eu JUi, pu-
lava Janela do fonda, botava roupa 16 em baixo na cerca do quintal, sala pelo quintal, ia pro samba. Ai, teve urn dia, minha mae contava, que papai acordouo
Se eu era de ir pro samba pra ficar calada, eu nilo ficava ealada, eu ia cantar. Ai ele ar-ordoll, que t~le disse assim: ita venda Sinha, omh"I'.',;l!io(,J w~ela da lua negrinlla!'
1'/1.:
'(1"111', '1IIIIf, (tUlle, quae'
° °
ai, df 1'l'J:tJlI n 1/11111 n, /In/oil lIa I}()/'Ia. do
Urn dia "" fiz lima travessura, que foi dallfar! A(, ele chegou, me deu lima surra! Me botou na agua de sal, foi uma surra! - af, cheguei, disse a ele assirn:
par m.im nao, pode bater, JIi foi , Ja dancei,ja voltei! Ai,foi que a surra dobrou! Entendeu? E Dutra travessura fot por causa que JUi sambar e eic disse que nino gulm ia sai,.. e eu saO As outras foi donnir, eu nao! Deixei ele dormir, me piquei
pro rua. Quando eu vou eheganda, de til aeordado, ele diss.: agora nao vou te pegar que vou sair, mas quanda eu voltar, tt< vai me pagar! E quando foi de noite, ele foi me pegar pra me dar uma surra e tinha urn buraco assirn no quintal, ai, eu sui correndo, e ele aqui saiu correndo atras de mim, caiu no buraco,
eu voltei pro tras, disse a ele: tu vi,,?! Ele dentro do buraeo, voltei pro tras disse assim pro ele: tu viu?! E sa!,Jui-me embora, larguei ele la dentro da buraco! Foi!
Hi mais de 30 anos, Zelita conheceu 0 pesquisador e etnomusic6logo Ralph Wad dey, que realizou urn estudo aprofundado sobre 0 samba " a viola machete em Santo Amaro. Dona Zelita frequentava 0 terreiro de Mae Alice, e era componente do grupo de [oldore de Bimba onde se apresentava como baiana. Esse tempo na Bahia era urn dos tempos iureos cia cultura popular e negra, quando, mesmo sob 0 rotulo do folclore, 1II11ita~ pessoas , principalmente estrangeiros, come~aram a se interessar )wlas ricas tradi\O iH'S d"niro-music..1is da Bahia e v,irios rnusicos, capoeirislas (' (l;tlH,·;llillCl~; iCI11 ~; t'I',llir~lm trahalhos em companhias amsticas e
fold6ricas e ate chegaram a viajar para 0 exterior. Dona Zelita trabalhou durante muitos anos com Bimba, que era profundamente comprometido com as tradi<;5es negras, pois ele sempre respeitou 0 limite entre uma manifesta<;ao fold6rica e urn ritual religioso, ate porque ele, junto com sua esposa, Mae Alice, era iniciado no candomble. Ela apareceu sambando na cena de filme onde 0 grupo Samba Chula Santa Cruz estava to cando na frente do barracao de Mae Alice: Rimba morreu e nem chegou aver 0 filme. 0 filme foi rodado na subida da Santa Cruz, num terreno limpinho. Ele assistiu 0 filme, e me reconheceu num
samba 16 na Santa Cruz onde n6s estavamos. Me perguntou onde morava e se
poderia ir ate lao Respondi que nao tinha nada a esconder em Saubara. Naquela epoca tinha muita coisa que representava Saubara: a Comedia, a Barquinha, Terno de Reis, 0 Baile Pastoril, Bumba meu Boi,
0
,
rnais Cid Teixeira, trouxe a licenra, mostrei a cles, que epm poder des ir pm Salvador. Eles nao podiarn ir pm Salvador que antigamente, porque a vestimenta era igual, eles tinham medo de ir porque eles iam preso. Ai, eu tirei, eles tern
esse papd ate hoje na milo! Ai, quando aconteceu que ia pra Salvador quando eu disse, cheguei aqui com papel e disse: 'a gente, tamos indo representar a
Chegan,a de Saubara!' Ah! Minha filha,foi uma chacola, que recebi! Teve gente que disse, que homem, que em homem, dentro da Saubara nunca tirou essa cheganra daqui pra lugar nenhum, imagine uma puta de safa!! Foi, minha irmli! Eu comecei a andar com essa marujada, andava, vinha, trazia
0
dinneiro, que
nao tinha lugar pm ensaiar. ensaiava assim em tudo qualquer canto. Ai, surgiu aquele terreno assirn, eu disse, a gente vai pra Salvador e 0 dinheiro que a gente reeeber, a gente vai comprar esse terrcno aqui pra fazer a sede.
0
Dorere eriar. Com 0 passar
do tempo as rnais velhos foram morrendo e as manifestayoes culturais se aca~
bando. Foi assim que Ralph chegou aqui e outros vieram: Cid Teixeira, Gilberto Sena, Nelson Araujo. Nelson escreveu ati urn livro, que emprestei e perdi.
Ela se referiu ao livro Pequenos Mundos de Nelson Araujo (Torno I - Reconcavo), onde encontra-se urn lindo retrato da Chegan9a Fragata Brasileira, na epoca sob a dire<;ao de Raimundo Bento do Rosario, o Mundinho, marido de Dona Ana, irma de Zelita, e pai de Rosildo do Rosario, que assumiu a lideran<;a da chegan<;a ha varios anos. Nos anos 1980, Dona Zelita conseguiu levar a chegan<;a para Salvador, com a ajuda do conhecido historiador Cid Teixeira, 0 que foi urn grande desafio, nao somente porque precisava da autoriza<;ao da marinha, mas porque havia muitos homens que se incomodaram pelo fato de que ela, como mulher, tomasse a frente:
Dona Zelita nao desistiu e conseguiu levar a Chegan9a Fragata Brasileira para se apresentar no Campo Grande, que foi ate noticia do lornal A Tarde, no dia 28 de agosto de 1980, detalhando a composi~ao do grupo e as diversas fun<;6es na chegan<;a, tais como contramestre, padre capelao, calafatinho, porta-bandeira e guarda-marinha, chamando aten<;ao para "uma das raras oportunidades para adultos e crian~as verem algo que dentro de mais vinte ou trinta anos tera desaparecido." (ROSARIO; GUMES, 20I5) Passaram-se 35 anos, e felizmente 0 jornal estava errado, porque a chegan~a esta mais viva do que nunca, sob a lideran<;a de Rosildo do Rosario, que organizou varios encontros de chegan,as da Bahia, sendo Dona Zelita a madrinha da chegan<;a. Gilberto (Sma), Ralf, Nelson Araujo nilo era gravarilo nilo, ele era mais para escrever e Ralf, Gilberto era rnais gravarao. Gilberto morreu, mas deixou muita coisa do Reconcavo ... esse temo que tern, a gente gravou ali na porta de Ana, todo mundo ali sentado, gravou
Quando comeed a andar com a cheganra que eheguei aqui, que vi a cheganra tao bonito, a{ - eu you levar isso em Salvador. Cid Teixeira me ajudou muito, hoje deve estar acarnado, rnas ele me ajudou bastante. Fui para Marinha,
tl~
ia andando,
0
Reis ... tinha urn samba no Acupe, a gen-
Ia no Acupe, num samba, tern, acho que e a Puxada de rede
da itapema, tem
0
Rumba meu Roi daqui, tern a Barquinha,
0
Rancho do
l'(Jflag9io, como antigamente, que nao tinha roupa, tinha bandeira, mas nao
,
tinha roupa, a gente vestia nossa roupa mesmo, botava umaJIorzinha no cabeIo,
medo de enfrentar as pessoas, defendendo sua etica com inteligencia e
e af brincamos a noite toda ...
postura:
A tradi~ao do samba de mingau remonta ao tempo da escravidao,
Eu trabalhava numa casa que me chamaram de ladrona! A empregada tinha
quando as mulheres se juntavam nas suas camisolas e armavam 0 sam-
o costume de roubar e dizia que porque era rnais velha na casa, quando Jui
trabalhar nessa casa, a vizinha: minha filha, voce que vern do interior, voce vai
ba de roda para distrair a aten~ao dos feitores e facilitar assim a fuga de homens escravizados. Essa tradi~ao erevitalizada no quarto domingo
trabalhar nessa casa, todo muncio que entra nessa casa, s6 sai como ladrona
do mes de julho, sendo este
ultimo domingo em que as caretas de
- eu: ah, deixe pm la, Dona, mas se eu quero trabalhar? Af, eu foi, tou traba-
Saubara percorrem festivamente a cidade. Hoje, segundo Dona Ana e Dona Zelita, acontece mais 0 samba de caretas, porque e 0 dia em que
Ihando, quando foi um dia, af Dona Margarida: Maria, arrume Margaridinha, pm ela ir pro urn aniversario! Ela entrou nurn quarto, disse: Dona Margarida,
aparecem mais caretas nas ruas de Saubara, porem esse samba se trans-
a corrente de Margaridinha, nao achei, a Senhora sabe que eu mto sou ladro-
formou, realizado pela juventude com timbais, repiques e marca~5es, com influencia de partido alto e pagode baiano. 0 Samba de Rapariga,
na, e sua empregada mais velha sou eu! - Af, eIa: joselita, cade a corrente de
organizado pela familia Rosario foi uma heran<;a da av6:
pregada que tenho aqui de confianra { Maria! Eu disse - ta born, eu nilo peguei!
0
Margaridinha? Eu: Dona Margarida eu nilo peguei. - Voce pegou, porque emAf, cheguei, ali na Vit6ria que naquele tempo, era inspetor, nao era polfcia nIlo!
o samba da rapariga euma tradirao de Saubara no mes de julho, ea ultimo
Chamei a inspetor e level na casa dela, af 0 homem apitou na porta, e ela disse:
dia de Careta. Entao ajuntava gente pra ir, sambando, os homens vestido de
eu nao quero polfcia aqui na minha porta nao! Af, ele disse: nao, ela que 8 a
Tabareu, pra dizer que eaqueles pessoal do mato que nao sabia hotar gravata -
queixosa, a Senhora vai ter que obedecer a ela. Ela disse: eu fui buscar da que {
aquela gravatu la em baixo, e as mulher vestida com as camisas de dormir, com
pra ela ir pro meu interior, pm ver se tern algurna coisa 16 no interior dela, mas
aquelas saia comprida, n8, sambando no melo das careta. Entao a samba das
primeiro a gente passa aqui no casa de Maria, que do mora aqui! Pra poder ela
rapariga era isso, que antigamente nao tinha mulher solteira, tudo era rapariga,
ir na rninha terra e a gente val de saveiro, sai hoje s6 chega l6 amanha! Vai nao
entao quem era solteira nao podia ir pra casa das casada, enta~ elas inventaram
vai, vai nao vai - inspetor disse, nao! A Senhora tem que ir! Af, a gente desceu,
a samba ddas,foram pra rua sambar.
fomos pra casa de Maria, quando chegou la, era assirn mesmo. Maria tinha
Zelita sambava em Saubara e em Salvador, onde fez amizade logo quando chegou, com 19 anos, para trabalhar como empregada domestica na cas a dos brancos. 0 trabalho era
0
dia todo, como era
0
costume de
manter as empregadas, jovens meninas do interior, pobres e negras, um regime de semiescravidao, disponiveis dia e noite, ate mesmo nos finais de semanas. Ela podia folgar somente um fim de semana de 15 em 15 dias e no outro fim de semana tinha que trabalhar no sabado, 0 dia inteiro e no domingo ate depois do almo<;o! Ela trabalhava de cabe~a erguida, scm
uma ladeirazinha que descia, quando a gente chegou, era assim, no ladeira, vi logo uma colcha de Dona Margarida, ali estendida. Af, Maria botou pra chorar. A(, 0 inspetor disse: 0 que que voce tern pra chorar, nao tern que chorar, se a quei~
xosa eaquela ali, porque que voce vai chorar? Af, nao desce, desce, nao desce - af HaO! Todo mundo vai tern que descer! Desceu, quando chegou la, correu a casa, Inas
tudo que da disse que as outras tinha rouhado, tava tudo lar
Com a COl'agt'lll de seillpre, Zelita se defendeu, buscou ajuda, e 1111',,"1() sal~,'"d()
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de mulher negra e pobre do interior,
ela demonstrou seu senso de justi~a e ainda deu Ii,ao aos outros. A patroa ficou literalmente sem gra,a, e pediu des culpas, para nao perder Zelita como empregada que por sua vez demonstrou atitude: "Nito, Dona Margarida, fique com Maria, que esua empregada de confianfa, eu vou me
embora!", e mesmo sendo amea~ada de nao receber 0 salario, ela continuou firme: "par mim, pode ficar com dinheiro! E sai, foi-me embora, larguei ela la!". Zelita pas sou muitos anos em Salvador, chegou a conhecer o marido, com 0 qual ficou casada durante 20 anos, mas nao foi urn casamento feliz, porque ele foi mulherengo e nao a tratava bern. Ainda assim, cuidou dele na doen,a durante muitos anos, ate e1e falecer. Zelita era urna mulher negra de espirito e corpo livre, bonita e inteligente, a frente dos seus tempos e nao quis mais se eomprometer com homem nenhum, 0 que nao a impedia de namorar 0 quanta quisesse: "ele la e eu ca!". Trabalhava com Mestre Bimba, juntava dinheiro, euidava do samba de roda e apreciava 0 eamaval, e os homens negros "bonitoes" em Salvador: [... ] que eu gostava ",uito de vir pm Jesta da Conceirao da Praia, eu gostava de andar atnis dos Fi/hos de Gandhi, que naquele tempo s6 tinha negro, nilo tinha bronco nenltum! Que os Filhos de Gandhi foi criado ali nas doea, s6 era
,
dos outros? E esse orgulho eu tenho, gra,as a Deus, eu nao tenho inveja!" lim Saubara, como em muitos lugares no Brasil por onde e1a viajou e fez amizade, os jovens gostam dela, porque brinea, samba, da risada, cheia de desaforo nurn born sentido, e gosta de conviver com gente:
o importante ea pessoa ser honesta, nao ter inveja de nada, porque Sf: Del'S Ihe dea esse chinelo, eu vou trabalhar, vou chamar par Deus! A questao 60 traballto,
a honestidade com todo mundo, seja ele quem for, viu? Saber viver no meio do pessoal, fazer minhas palharadas, que eu faro, pessoal me chama de palhara. Mas, nao t? 0 que vale no Lugar com a cam enJezada, ai, nao vale a penCl eu
participar de uma coisa, eu miO. Eu dou minha risada, fafO minha coisa, mas, que nada!... Mas t isso que procur~, uma boa amizade, eque eu quero, diuheiro
compra tudo, mas mlo compra felicidade de ninguem, nao compra mesmo e eu
preciso ser feliz!
Saubara se despediu de Dona Zelita no dia 24 de mar~o de 20r6, quando Oxum levou sua linda filha de forma suave, sem dar, nem rancor, e permitiu que todos pudessem se despedir dessa mulher negra, orgulhosa e humilde ao mesmo tempo que viveu de forma plena, empodcrada, alegre, espirituosa, com atitude e papa reto! Centenas de pessoas
Zelita se considera urna pessoa feliz, sem inveja de nada nem de ninguem, porque a feliddade dela foi 0 samba de roda, as pessoas do bern, a brincadeira: "Isso tenho orgulho! Tomei conta de casa dos outros,
vinham para sua cas a durante toda noite: 0 povo de santo, seu irmaos e irmas do eandomble que cuidavam dos rituais espirituais; 0 padre ca1"lico que deixou a ben~ao de Sao Domingos de Gusmao, padroeiro de Saubara, que ela amava muito; toda familia Rosario, muitos irmaos e 50hrinhos/as; todos os/as amigos/as, irmaos e colegas da Chegan,a Fmgata IJ rasileira, do Rancho do Papagaio, do Terno da Me/hor Idade, do Samba de lIuparigas e sobretudo as crian,as e jovens do Samba Mirim Vovo Sinha q lie da orientou e ensinou durante muitos anos, e que nao paravam de .-II()ral:, porque Zelita era mae, tia, professora e crian~a! Gostava de contar '" hi st6rias, ensinar com paciencia e sabedoria, mas exigia que os jovens ::C' int('n'ssas"'111 (' I'arlicil',,",cm de verdade e nao vinham somente na
mas podia ter ouro ali, pra mim nao era meu, pra que eu quero 0 que "
"I'" I,orl", I~a .." I:m'r l"n'I:I <1(' ('scol" " ~,mhar nota,
os trabalhador. .. Niio podiam fazer festa, era os negro, ne, eles aqui, os filhas
de Gandhi foi »ascida nas doea. Haje em dia que ta sendo s6 de burgues, mas antigamente era s6 de estivador, todos ncgiio, aqueles, era cada negao que tinha
nos JUhas de Gandhi! Agora a vestimenta, naquele tempo, nilo era caIro nila, era urn len~ol e eles amarravam a ]ita na cintura e aquele turbante na cabeyu, mas
sempre foi assim, agora neto, t mais urn turbante, nao t mais urn lenfo1, agora t
uma roupa que eles fazem ... »Unea entrou mulher, s6 olhava de fora!
0
que foi lembra·
do pelo etnomusicologo Carlos Sandroni (2006, p. 33), coordenador do Inventario e Dassie do Samba de Roda: Certa vez, tive uma conversa que se relaciona a este ponto com uma sambadora de Saubara, no Reconcavo Baiano, Dona Zelita. Ela me
disse mais
OU
menos
0
seguinte: 'Quando chegava janeiro, eu sem-
pre queria que as crianc;as cia minha localidade participassem do reisado, e elas nao participavam. Urn dia, chegou janeiro e vieram umas
meninas hi em casa, querendo aprender 0 reisaclo. Eu achei engrac;ado, perguntei e descobri que uma professora tinha passado dever-de-casa, valenda nota, para apresentar urn trahalho sabre reisado. Ai,
eu nao quis ensinar, porque se
0
que elas queriam era a nota, agora
era eu quem nao queria conversa.' CIeio que h.1 ai uma profunda
,
cariocas e das jongueiras e dan~arinas e cantadeiras crioulas por todo Brasil. Dona Nicinha e Dona Zelita mostram uma atitude profissional e pessoal que passa por cima dos preconceitos mUltiplos na sociedade branca e embranquecida e conquista urn lugar de destaque e referencia, que no final da sua vida the devolveu urn pouco do seu empenho, da luta pela valoriza~ao da sua cultura. Elas se impoem como mulheres que nao aceitam desaforo de ninguem, que lutam pela valoriza~ao material do seu trabalho e pela valoriza~ao simbOlica, cuidando da memoria e ensinando para as futuras gera~oes. Nao se enxergam e se apresentam como "santas" e mulheres humildes, mas ajudam com grande cora~ao a todos os entes queridos e fazem questao de afirmar que querem viajar, ganhar presentes e dinheiro e serem muito felizes e valorizadas!
sabedoria, que nos inspira uma pergunta: sera que inserir as culturas populares no curriculo enecessariamente uma valoriza<,;:ao para elas?
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Refletindo
Salvador: UFBA: Funda,ao Casa de Jorge Amado, 1986. t.
o segmento mais perseguido, sofrido, humilhado e desvalorizado na po-
BRASIL. Presidencia da Republica. Secretaria de PoHticas para as Mulheres.
pula~ao
Premio Mutheres Negras Contam sua Hist6ria. Brasilia, DF,
brasileira, ao meu ver, sao as mulheres negras, urbanas e rurais, porque sao exploradas e reprimidas numa discrimina~ilo tripla: por se-
rem negras, por serem mulheres e por serem operarias/trabalhadoras rurais! A experiencia da fome e da miserabilidade, da falta de estudos e do excesso de trabalho bra~al, a carencia de aten~ao e incentivos para desenvolver sua vida profissional e pessoal, sem poder tomar decisoes proprias: tudo isso sao constantes na vida das meninas negras que se tomam mulheres, maes, companheiras, trabalhadoras e ainda baluartes das tradi~oes populares, das musicas e dan~as ludicas e religiosas do seu tempo e lugar. Nilo obstante, as condi~oes adversas em todos os sentidos, muito me admiro com a historia de vida das demais sambadeiras do Rcc6ncavo (Iue nao deve ser muito <1il"I'<'I1I<' das 1111d11('I'(,s sambistas
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